Este documento descreve estratégias de policiamento preventivo implementadas no 32o Batalhão da Polícia Militar em Assis entre 2009-2010. O programa "Indiferença Zero" promoveu a integração entre órgãos de segurança, motivou agentes de polícia e divulgou informações para a comunidade. Isso resultou em queda nos índices criminais através de ações como reuniões interinstitucionais, policiamento ostensivo, blitzes e parcerias comunitárias.
4. Autores: Lincoln de Oliveira Lima
Adilson Luís Franco Nassaro
Capa: Gabriel Leme Camoleze
Gráficos: Gustavo Nogueira Faria
Revisão: Adilson Luís Franco Nassaro
Diagramação: Triunfal Gráfica e Editora
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Lucelena Alevato – CRB 8/4063
L732e Lima, Lincoln de Oliveira
Estratégias de policiamento preventivo: “indiferença
zero”, uma boa experiência de polícia / Lincoln de Oliveira
Lima, Adilson Luís Franco Nassaro. Assis: Triunfal Gráfica
Triunfal Gráfica e Editora, 2011, 2011
238 p. ; 22 cm
ISBN: 978-85-61175-07-8
1. Policia. 2. Prevenção do crime. 3. Segurança
pública. I. Nassaro, Adilson Luís Franco. II. Título.
CDD 350.75
363.2
5. Lincoln de Oliveira Lima
Adilson Luís Franco Nassaro
ESTRATÉGIAS DE
POLICIAMENTO PREVENTIVO
“Indiferença Zero”,
uma boa experiência de polícia
1ª Edição
Assis/SP
Triunfal Gráfica e Editora
2011
6. Dedicamos esta obra a todos
os policiais que acreditam
em sua capacidade e tornam
possíveis realizações na área
de segurança pública, como
agentes de transformação na
sociedade.
Os autores
7. ÍNDICE
APRESENTAÇÃO .............................................................................. 13
INTRODUÇÃO ................................................................................... 17
1. Espaço do policiamento preventivo ................................................................. 17
2. Iniciativas do gestor de policiamento preventivo ............................................ 21
3. Oportunidades para a eficiência do gestor ...................................................... 25
I. INTEGRAÇÃO ................................................................................ 27
1. Reuniões preliminares de nível gerencial:
elaboração de diagnóstico e plano de ação ..................................................... 28
1.1. O cenário da crise e o novo programa de policiamento .......................... 30
1.2. O nome do programa e seu significado ..................................................... 40
2. Relação produtiva: Polícia Militar e Polícia Civil ........................................... 43
2.1. A experiência do trabalho integrado ......................................................... 48
3. Policiamento ostensivo pleno: convergência de modalidades ......................... 52
4. Operações “Divisa”: integração com o policiamento
de outros estados ............................................................................................ 55
5. Ações conjuntas: apoio institucional (Polícia Federal, Ministério Público,
Poder Judiciário, Direção de Estabelecimentos Prisionais, Polícia Técnico-
Científica, Fazenda Estadual, Conselho Tutelar, PROCOM e órgãos de
fiscalização municipal) ................................................................................... 57
6. Envolvimento da comunidade: a grande conquista ......................................... 63
7. Visita às vítimas de roubo: demonstração de compromisso ............................. 70
8. “Vizinho Amigo”: pacto dos moradores .......................................................... 72
9. Ações de prevenção primária: incentivo institucional ..................................... 82
II. MOTIVAÇÃO E CRIATIVIDADE ............................................... 87
1. Elevação da auto-estima (motivação) ........................................................... 88
1.1 Valorização profissional: primeiro compromisso do gestor ....................... 92
1.2. Voto de confiança: pacto de legalidade das ações ..................................... 96
1.3. Superação de “carência” de recursos humanos:
exercício de liderança............................................................................... 99
8. 1.4. Instrumentos institucionais de incentivo: ampliação do seu uso .............. 104
1.5. Instrumentos diferenciados de motivação: valorização especial .............. 107
1.6. Valores religiosos: incentivo e coordenação das manifestações
dos agentes .............................................................................................. 114
2. Ampliação das intervenções policiais (criatividade) ............................ 117
2.1. Cobertura territorial adequada: eficiência na prevenção policial .............. 119
2.2. Otimização do policiamento preventivo: meta pessoal do gestor ............. 122
2.3. Planejamento focado em resultados: método “a rede e o anzol” ............... 127
2.4. Buscas pessoais e identificações: aumento com qualidade .......................... 131
2.5. Bloqueios policiais: intensificação ............................................................ 133
2.6. “Bloqueio relâmpago”: dinâmica .............................................................. 136
2.7. Superação de limitação de recursos humanos: soluções criativas ............ 139
2.8. Visibilidade aumentada: tática de “acender o holofote” ........................... 142
2.9. Operação Matriz: implantação e emprego tático do efetivo
administrativo .......................................................................................... 148
2.10. Cumprimento de mandados de prisão recentemente expedidos:
agilidade na fonte .................................................................................... 149
2.11. Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o “rescaldo”...... 150
2.12. Perturbação do sossego: operações específicas de repressão ................. 155
2.13. Criminosos ocultados na “vadiagem”: ação policial cabível .................. 160
2.14. Flanelinhas: proposta de cadastro e de lei municipal para
controle e fiscalização .............................................................................. 167
2.15. Álbum de fotos de criminosos conhecidos: utilização imediata
e posterior ................................................................................................ 171
2.16. Ronda programada: credibilidade na ação preventiva contra
furtos em residência ................................................................................. 172
2.17. Uso de tecnologia: avanço institucional .................................................. 174
2.18. Análise de índice e de indicadores: a fórmula do redirecionamento ....... 180
2.19. Força-tarefa itinerante: conceito e mobilização ...................................... 186
III. DIVULGAÇÃO.............................................................................. 189
1. Força da marca: efeitos favoráveis................................................................... 190
2. Sensação de segurança e evolução criminal: percepções diferentes ................ 191
3. Imprensa: desafio de um relacionamento construtivo ..................................... 194
9. 4. Divulgações de interesse institucional: iniciativas como um dever .................. 198
5. Sinalização indicativa da presença da Polícia: otimização .............................. 206
6. Dicas de segurança: divulgação junto à comunidade ...................................... 207
7. Prestação de contas à comunidade: uma obrigação do gestor público .............. 211
Recomendações Finais ........................................................................... 215
Bibliografia .......................................................................................... 217
Índice Remissivo de Boas Práticas ......................................................... 223
Anexo I - Índices criminais na região de Assis (antes e depois do programa) ... 232
Anexo II - Relação de Oficiais do 32º BPM/I, de julho de 2009
a julho de 2010 ..................................................................... 236
10. “Melhor prevenir os crimes que puni-los.”
Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, 1766.
11. APRESENTAÇÃO:
“Estratégias de Policiamento Preventivo” foi escrito como
um desafio aceito por dois Oficiais da Polícia Militar de São Paulo,
para registro de suas experiências profissionais consolidadas em um
amplo programa de policiamento preventivo colocado em prática no
início de julho de 2009, com parceria de outros órgãos relacionados à
segurança pública, na cidade e na região de Assis, sudoeste paulista,
área de circunscrição do 32º Batalhão de Polícia Militar do Interior
(32º BPM/I). Ao conjunto, foram acrescidas experiências reconhecidas
como boas práticas desenvolvidas também em outras Unidades,
relatadas de forma a enriquecer o repertório de ideias que podem ser
aperfeiçoadas e reproduzidas por gestores de segurança pública1.
O Coronel PM Lincoln de Oliveira Lima, com 28 anos na
Polícia Militar, exerceu o Comando 32º BPM/I, quando ainda
no posto de Tenente-Coronel PM e o Major Adilson Luís Franco
Nassaro, com 25 anos de carreira, foi o seu Coordenador Operacional.
No período concentrado de seis meses, de julho a dezembro de 2009,
o programa intitulado “Indiferença Zero”2 causou grande impacto
na comunidade regional pelos resultados rapidamente alcançados e
mantidos durante períodos seguintes graças às iniciativas adotadas
que, para fins de sistematização, foram agrupadas em três grandes
grupos: integração, motivação/criatividade e divulgação. A
evolução dos índices criminais (Anexo I desta obra) comprova o
acerto de medidas preventivas adotadas, várias delas específicas da
atuação policial-militar.
1 A expressão “boas práticas” é derivada do inglês best practices, que denomina técnicas identificadas
como as melhores para realizar determinada tarefa (http://pt.wikipedia.org). Na definição da ONU e
da comunidade internacional de direitos humanos, boas práticas são iniciativas bem sucedidas que:
a) apresentam impacto tangível na melhoria da qualidade de vida; b) são resultado de parceria efeti-
va entre setor público, privado e as organizações da sociedade civil; c) têm sustentabilidade social,
cultural, econômica e ambiental (http://www.observatoriodeseguranca.org/boaspraticas).
2 A imprensa deu ampla cobertura ao que chamou de “Tolerância Zero”, em alusão ao plano de ação
da polícia em Nova York (EUA), apesar da oficialização do título “Indiferença Zero” por conta do
regime adotado no período quanto às ações policiais em face dos crimes e infrações verificadas
em Assis e região.
13
12. A cidade de Assis, que sedia a unidade policial, se localiza
no médio Vale do Paranapanema, a quatrocentos e cinquenta
quilômetros da capital, acolhendo uma população de quase 100.000
habitantes. Portanto, serve como boa referência para análise de
evolução criminal e avaliação de desempenho operacional, no
âmbito do policiamento preventivo, pois em regra as observações
de incidência criminal levam em conta a proporção entre número de
delitos exatamente por 100.000 habitantes. Ainda, as características
sócio-econômicas não são muito diferentes de outras cidades
consideradas de porte médio no interior do Estado de São Paulo,
que começaram a descobrir o lado sombrio do crescimento e do
desenvolvimento, mais precisamente a partir da década de 90,
sobrevindo o fenômeno chamado “interiorização da violência” em
processo que se identificou após a virada do século3.
A economia local é sustentada na agricultura e no comércio;
a cidade possui parque industrial pouco desenvolvido, mas em
ascensão, e um comércio fortalecido na sua área central. Assis
possui sete centros de ensino universitário o que atrai um número
de aproximadamente 7.000 estudantes. Essas características tornam
Assis centro regional que congrega outros 12 municípios de menor
população, polarizando exatamente a área de circunscrição do
Batalhão e da Delegacia Seccional respectiva, com sedes locais4.
Outra característica que chama atenção é a concentração de
estabelecimentos prisionais. Assis possui um presídio com ocupação
aproximada de 1.200 presos, que cumprem penas em regime fechado
3 Conforme divulgado em matéria “Estudo mostra queda nas capitais e aumento no interior”
(agência “Folhaonline”, de 30/03/2010, http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u714035.
shtml), com base na pesquisa do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, do Instituto Sangari: “A taxa
de homicídios no interior do país cresceu de 13,5 (a cada 100 mil) em 1997 para 18,5 em 2007. De
acordo com o estudo, os dados indicam o fenômeno da ‘interiorização da violência’, que começou
na virada do século, e consiste no deslocamento dos pólos dinâmicos da violência das capitais e
regiões metropolitanas para o interior.
4 O 32º BPM/I, com sede em Assis, possui 03 Companhias, abrangendo 13 municípios. A 1ª
Companhia, com sede em Assis, atua exclusivamente no próprio município (que possui maior
concentração de habitantes na área, aproximadamente 100.000); a 2ª Companhia, com sede em
Paraguaçu Paulista, é responsável pela cidade sede, além dos seguintes municípios: Maracaí, Luté-
cia, Cruzália e Pedrinhas Paulista; já a 3ª Companhia, com sede em Cândido Mota, é responsável
pela cidade sede e também pelos seguintes municípios: Palmital, Platina, Campos Novos Paulista,
Ibirarema, Tarumã e Florínea. A população total da área gira em torno de 250.000 habitantes.
14
13. e um anexo de detenção provisória com 500 presos em situação
provisória, ou em trânsito. Ainda, em um raio de 40 km de distância,
já em outras cidades da mesma região, existe outro presídio (em
Paraguaçu Paulista), com mais 700 presos, uma cadeia em que
permanecem provisoriamente os presos em flagrante da região (em
Palmital), com ocupação média de 50 presos, e uma cadeia feminina
(em Lutécia), com 68 presas5.
Se a proximidade de estabelecimentos prisionais inaugurados
na década de 90 no interior do estado de São Paulo não pode
ser indicada como causa imediata e exclusiva de aumento de
criminalidade local, como defendem alguns estudiosos, é certo
que não se pode negar o impacto social causado pela circulação de
pessoas de alguma forma relacionadas aos diversos custodiados por
envolvimento em práticas criminosas, grande parte deles presos na
própria região, justificando iniciativas de prevenção que devem ser
colocadas em prática nesse contexto.
O breve relato sobre as condições encontradas na área é
necessário para que o leitor se posicione a respeito das ações de
policiamento desenvolvidas, razão do relato proposto, e vislumbre
a possibilidade de sua aplicação em outros locais. Na verdade,
ressalvadas algumas peculiaridades de determinada cidade ou
região, que envolvem o fator de sazonalidade6, nota-se que as
mesmas dificuldades encontradas em uma cidade de porte médio
(em torno de 100.000 habitantes) serão encontradas em outras, com
nível populacional não muito diverso. Se os “modus operandi” dos
criminosos e infratores em geral são semelhantes, as iniciativas e
ações estratégicas de prevenção desenvolvidas com sucesso em
determinado ambiente vão servir como solução para outros locais
com os mesmos problemas e que reúnam um mínimo de semelhanças.
5 Há previsão de inauguração de um novo presídio, em Florínea, a 60 Km de Assis, que também
integra a área do Batalhão de Assis, com capacidade para mais 700 presos.
6 Eventos distribuídos ao longo do ano, que se repetem na mesma época do ano seguinte, pois são
característicos ou próprios da área respectiva (existem diversas situações e fatores ligados ao ca-
lendário anual que explicam porque a criminalidade sobe ou desce, sistematicamente, em certos
períodos).
15
14. Mesmo para o policial que atua em uma área com características
geográficas e sócio-econômicas totalmente diversas da região que
funcionou como laboratório dos relatos, a experiência registrada
servirá como motivo de reflexão e provavelmente despertará outras
aplicações que a criatividade do gestor responsável determinar, no
seu respectivo local de atuação. A possibilidade da difusão de ideias
e vivências na área de policiamento preventivo - tão carente de
informações e, ao mesmo tempo, tão desafiadora pela sua dinâmica -
representou certamente um grande estímulo para a concepção da obra.
Por fim, os autores têm consciência de que o sucesso
alcançado na prevenção e na repressão imediata da criminalidade
não é consequência de apenas uma ou outra iniciativa, mas do
conjunto organizado delas, adaptado a cada realidade local, o que é
responsabilidade do gestor de policiamento preventivo. Também têm
a noção de que as estratégias possíveis no âmbito do policiamento
preventivo não se esgotam em apenas um livro e são fruto da
motivação e da criatividade dos gestores nos respectivos espaços
de atuação, aliadas à integração e à divulgação. Não obstante, a
sistematização das experiências e conhecimentos adquiridos ao
longo da carreira lhes permitiu a elaboração de uma espécie de
“manual de boas práticas” de policiamento preventivo, abordando
o surpreendente número de 100 delas, conforme índice remissivo
(ordem alfabética) oferecido ao final do trabalho. A pretensão é clara:
fazer circular tais informações e propiciar o surgimento de outras
boas práticas, inspiradas nesses mesmos registros.
Que cada Comandante - Gestor de Policiamento Preventivo
- “faça a diferença” em sua área de atuação, sempre com o
compromisso de “preservação da vida, da integridade física e da
dignidade da pessoa humana”, propósito maior da Instituição. Desse
modo, tornamos efetiva a expressão divulgada em todos os níveis de
nossa administração:
Contem sempre com o Comando!
Álvaro Batista Camilo
Coronel PM Comandante Geral
Polícia Militar do Estado de São Paulo
16
15. INTRODUÇÃO
Como preparação para o desenvolvimento do trabalho
é importante a apresentação de conceitos básicos e também
a contextualização das experiências propostas e registradas.
Justificando-se o título principal, é abordada a definição do exercício de
policiamento preventivo com base na missão própria do órgão policial
competente nos termos da Constituição Federal. No encerramento da
breve digressão, situa-se o “gestor de policiamento preventivo” que
se pretende destinatário e, naturalmente, própria razão da elaboração
desses registros.
1. Espaço do policiamento preventivo
Inicialmente é necessário frisar que o policiamento preventivo
ainda é assunto novo, com pouca bibliografia especializada, não
proporcional à sua relevância. Apresenta-se como um recurso do
Estado para garantia da ampla “ordem pública”, área representada
constantemente por sua faceta mais comum, a segurança pública,
como condição para o desenvolvimento de todas as demais áreas do
crescimento humano, na vida em sociedade.
No Brasil, trata-se do cerne da atividade das instituições
policiais-militares que, por sua presença ostensiva, em postura
neutral (também chamada reativa, em posicionamento territorial
estratégico), ou em postura pró-ativa (também chamada propositiva,
em intervenções igualmente estratégicas) “previnem” a incidência de
práticas anti-sociais. De fato, esses órgãos estaduais, por definição
da Constituição Federal, no parágrafo 5º do seu art. 144, são os
responsáveis pelo exercício da “polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública”. Esse é o locus da atividade policial-militar.
Importante, nesse ponto, separar os conceitos “polícia osten-
siva” e “polícia de preservação da ordem pública”, levando em
17
16. conta que o legislador não pretendeu ser apenas enfático ao atri-
buir missões constitucionais de tão grande complexidade. Nota-se
que foi estendido o espectro de atuação institucional, então definida
na lei federal nº 667/69 como simples policiamento ostensivo (limi-
tada à fiscalização de polícia), evoluindo para o amplo conceito de
polícia ostensiva, que pressupõe o exercício do poder de polícia lato
sensu na modalidade ostensiva, portanto, eminentemente preventivo
e imediatamente identificável, além de associado à “preservação da
ordem pública”.
Também, nota-se que o texto constitucional anterior a 1988
estabelecia como competência das polícias militares a “manutenção
da ordem pública”, denotando pouca amplitude no espectro da inter-
venção policial. Compreende-se hoje que as ações de “preservação”
permitem iniciativas estratégicas de maior alcance, não limitadas
a “manter” um determinado nível ou estado de ordem pública e
abrange o imediato restabelecimento dessa ordem, quando turbada
diante da prática de infração penal ou administrativa.
Em 1973, Heloisa Rodrigues Fernandes identificou a carac-
terística repressiva da Força Pública (Polícia Militar após 1970),
analisando a Instituição desde a origem da milícia criada em 1831,
e registrando: “ao nível jurídico-político, a criação desta força
repressiva relaciona-se ao processo mais amplo de reconstituição
do próprio aparelho estatal na fase de autonomização política da
classe dominante” e, ainda, “a análise desta instituição específica
deveria ser referida às relações de produção, que devem ser assegu-
radas (reproduzidas) pelo aparelho repressivo do Estado”7. Cumpre
notar que, não obstante a visão de que o aparelhamento do Estado
que se relaciona com o uso legítimo da força tem imanente quali-
dade repressiva nos termos indicados (monopólio do uso da força),
a Polícia Militar adotou especialmente após 1988 uma postura de
privilegiar a filosofia de polícia comunitária, de promover os direitos
humanos e de se apresentar como polícia de defesa do cidadão - em
contraste com a acepção de polícia de defesa do Estado -, avançando
7 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Política e segurança São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1973, p. 18.
Dissertação de mestrado em sociologia, USP.
18
17. muito na especialização em segurança pública. Tem buscado, desse
modo, alcançar o significado maior da expressão “força pública”,
sem deixar de constituir uma força militar (estadual), aprimorando-
se quanto ao emprego da técnica propriamente policial e, portanto,
aperfeiçoando-se no desenvolvimento do policiamento preventivo de
sua competência.
Baseando-se na premissa de que não se produz norma por
redundância de terminologias, a expressão “preservação da ordem
pública” acrescida ao exercício da “polícia ostensiva” deve significar
a sua restauração (da ordem pública turbada), ou seja, o “poder-
dever de intervir imediatamente no fato que causa quebra da ordem e
restaurá-la pela sua cessação”, como entende a doutrina amplamente
difundida e acolhida pelo organismo policial8.
Diante dessa interpretação constitucional, não é aceitável a
definição simplória de que, no âmbito estadual, no funcionamento
do chamado “Sistema Criminal”, uma das polícias trabalha somente
tentando evitar a prática delituosa - Polícia Militar - e outra, cuida
somente da repressão ao crime - Polícia Civil, “quando a primeira
não conseguiu evitar o delito”. Aliás, sempre existirão condutas
criminosas a esclarecer, apesar dos esforços possíveis como se
verifica ao longo da história, não sendo razoável debitar a prática
criminal exclusivamente na conta da prevenção policial, ao mesmo
tempo em que não é possível calcular o número de delitos evitados
pela sua eficiente atuação.
Em síntese, no caso da Polícia Militar a competência é ampla
e supletiva, limitada apenas pela competência específica dos outros
órgãos policiais e agindo na esfera administrativa igualmente para
8 O eminente administrativista Álvaro Lazzarini, Desembargador e Professor aposentado da Aca-
demia de Polícia Militar do Barro Branco, em São Paulo, possui ampla produção bibliográfica a
respeito, destacando-se os seus estudos nas seguintes obras publicadas: Direito Administrativo
da Ordem pública, 2ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 1987; Estudos de direito administrativo, 2ª
ed, São Paulo, RT, 1999 e Temas de direito administrativo, São Paulo, RT, 2000, entre outras
valiosas produções. A sua obra é referência para as pesquisas sobre as competências policiais
e o exercício do chamado “poder de polícia”, especialmente na área de polícia de segurança.
Acompanhamos a sua doutrina com ênfase na representação gráfica do ciclo de polícia e o ciclo
da persecução criminal (“Ordem pública e segurança pública”, in Estudos de direito administra-
tivo, 2ª ed, São Paulo, RT, 1999).
19
18. coibir práticas irregulares que não chegam a constituir crime, ou
seja, aquelas em regra menos graves e, nesse sentido, as “infrações”
são classificadas em penais ou administrativas. Também ampla
e supletiva sua competência porque a “preservação da ordem
pública” engloba a noção tanto de “prevenção”, no sentido de “evitar
acontecer”, pela força da presença policial (caráter de dissuasão),
como de pronta resposta no âmbito da “repressão imediata” (caráter
de contenção), identificada como imediato restabelecimento da
ordem pública. Já a Polícia Civil, no cumprimento de suas missões
próprias relacionadas à investigação, atua também na esfera da
chamada “prevenção geral” com o esclarecimento dos delitos e de
seus autores.
Para a preservação da ordem pública, os modos de “inter-
venção policial” (interação entre o policial e o cidadão), podem ser
identificados em dois grandes grupos: o da “intervenção policial
reativa”, provocada pelo cidadão na busca de socorro, informações,
orientações ou atendimento, a exemplo da solicitação da presença
policial por meio do telefone de emergência e a “intervenção policial
pró-ativa” caracterizada pela abordagem policial, de iniciativa do
agente (bloqueios policiais e buscas pessoais). Para as duas modali-
dades é possível o desenvolvimento de estratégias que potencializam
os efeitos do policiamento preventivo9.
Portanto, conclui-se que as ações policiais, no universo da
“preservação da ordem pública” previnem e “reprimem” pronta-
mente as condutas ilegais, criminosas ou não, que interferem no
equilíbrio da vida em sociedade. Relevante indicar que a Polícia
Militar, quando em ação reativa, ao ser acionada por solicitante da
comunidade ou na circunstância de uma sua equipe se deparar com
situação que exige intervenção do Estado nas relações entre pessoas,
constitui o primeiro órgão público a interferir no conflito e dar o
inicial encaminhamento à ocorrência.
9 Por recomendação de Adilson Luís Franco Nassaro, em 2009, Silas Bordini do Amaral Neto explo-
rou a classificação para concluir sobre a importância das iniciativas policiais (intervenção policial
pró-ativa), especificamente quanto às buscas pessoais, em sua dissertação de mestrado profis-
sional em ciências policiais de segurança e ordem pública: Busca pessoal como instrumento de
polícia preventiva. São Paulo: CAES. 2009.
20
19. Esse primeiro filtro estatal é visível e reconhecível, de
imediato, pela apresentação visual padronizada - uniforme, grafismo
de viaturas e fachadas de sedes - em função da própria natureza
de sua ostensividade, que é marca original de sua existência e que
qualifica o policiamento preventivo.
2. Iniciativas do gestor de policiamento preventivo
É certo que sem segurança não há condições de desenvol-
vimento pleno em qualquer outra área, ou seja, sem “ordem” não
há progresso. Não se caracteriza como anseio perceptível apenas
em âmbito local, mas de uma demanda de todo um país, ensejando
maior ou menor clamor público, dependendo do alarde provocado
e também, evidentemente, dos índices criminais verificados no
bairro, município, região ou Estado. Essa percepção de necessárias
ações em favor da segurança coletiva significa um incômodo ruído
que alcança os diversos níveis da administração pública, dos meios
produtivos e da população em geral.
Se não chega a inviabilizar o desenvolvimento de outras
áreas, a simples percepção de deficiência na segurança pública
inflaciona os valores necessários aos investimentos que podem
trazer qualidade de vida; e esse fator pode ser reconhecido como
“custo da insegurança”10. Crescem os preços dos seguros, tornando
impraticáveis negócios de risco e, como reação à demanda, cresce
também a oferta dos serviços privados de segurança o que não é um
mal em si, mas um efeito que deve ser considerado porque os agentes
particulares não atuam somente em ambientes privados, mas também
em áreas públicas a exemplo dos serviços de escolta e de transportes
de valores. Também a popularização do uso de barreiras (físicas)
10 MENDONÇA, Antonio P. O Preço da Violência. Artigo publicado no jornal “O Estado de São
Paulo”, de 01/03/2010, caderno Economia, p. B6. Trechos: “Para efeito deste artigo o que importa
é o custo que estes delitos representam para a nação e impedem que as seguradoras disponibili-
zem as apólices necessárias para proteger a sociedade brasileira contra os acidentes da vida (...)
Dinheiro que deixa de ser investido em novos negócios porque é necessário para repor perdas
relativamente evitáveis, que, num cenário menos dramático e mais administrado, poderiam ser
suportadas pelas seguradoras.”
21
20. e, inclusive, de recursos tecnológicos contra o crime interferem na
dinâmica e no modo de ação criminosa.
Toca-se, nesse ponto, em uma questão sutil: a segurança é um
produto imaterial e ela é sentida. Tratando-se dos comportamentos
anti-sociais mais graves, considerados crimes, busca-se, como plano
ideal, o estágio de total ausência de práticas delituosas, patamar que,
paradoxalmente, extinguiria a força policial pelo reconhecimento
de sua desnecessidade e, também, assim ocorreria com outros
órgãos do sistema criminal. Sabendo-se que nunca será alcançado
tal estágio de ausência de delitos, persegue-se um nível considerado
“aceitável” de segurança pública, o qual não é possível identificar em
análise puramente quantitativa, mas qualitativa de indicadores. Essa
percepção somente poderia ser medida ou confirmada mediante uma
séria e ampla pesquisa de opinião pública.
Também, no campo empírico não é possível avaliar quantas
infrações ou condutas criminosas deixaram de ser praticadas
em razão do trabalho policial de prevenção. A constatação vem
quase sempre no sentido inverso, ou seja, quantas condutas
irregulares foram praticadas (registradas) no período avaliado
apesar dos esforços e de todas as realizações - prisões, dentre elas
- materializadas. Essa noção desse ser invertida, logicamente, para
valorizar a produtividade policial pelo aspecto positivo, qual seja,
o de suas realizações. As divulgações na área do trabalho policial,
em especial, deveriam priorizar os indicadores positivos para
incentivar a manutenção de boas práticas, em um círculo virtuoso
de ações positivas que se realimenta. Isso deve constituir uma das
preocupações constantes do gestor de policiamento preventivo, pois
ele também trabalha com a “força da imagem”, muito além da sua
“imagem de força”.
Não obstante, ainda que sem rigor científico, algumas pesquisas
apresentam um quadro de insatisfação da população com a questão da
segurança pública, mesmo com os reconhecidos avanços observados
na primeira década do século XXI, especialmente no Estado de São
22
21. Paulo11. A Revista Veja publicou matéria completa sobre a questão
em novembro de 2009, destacando a importância da gestão de polícia,
como uma área em que as forças policiais podem e devem investir
para melhorar a sua eficiência, depois de um diagnóstico sombrio
que, por questão de justiça não pode ser generalizado, evidentemente:
“Na origem de todos esses fatos está a péssima gestão que se
verifica na maioria das polícias brasileiras, cujos comandos ainda
acreditam que tudo se resolve com mais policiais e armamento cada
vez mais pesado. “A pesquisa mostra um sério problema de gestão.
O Brasil tem uma das maiores proporções de policiais por habitante,
mas a maioria dos entrevistados considera que seriam necessários
mais homens na rua”, afirma o ex-secretário nacional de Seguran-
ça Pública José Vicente da Silva. Os serviços de segurança pública
custam aos brasileiros 16 bilhões de reais por ano. Se não fosse
por todas as outras razões, muito mais importantes, haveria esta
a exigir um padrão de qualidade superior. No entanto, é mínimo o
nível de satisfação com o serviço pelo qual se paga. Além de ouvir
os policiais, a CNT/Sensus fez uma pesquisa com a população, na
qual entrevistou 1.000 pessoas em 24 estados. Para 80% dos brasi-
leiros, a situação da violência está fora de controle; e as ações da
polícia para acabar com o crime são inadequadas, segundo 53% dos
entrevistados. A formação dos policiais está aquém do esperado por
60% das pessoas. É um diagnóstico grave. A população está com
medo e confia pouco na polícia (46% das respostas). A vida nas
cidades é insegura para um terço dos moradores. E o medo sabota as
cidades. Ruas vazias são territórios de gangues. Retomar os espaços
urbanos das mãos dos bandidos tem um efeito profilático contra o
crime. Mas a operação de desembarque dos brasileiros de volta às
suas ruas e praças e aos passeios noturnos não pode ser um ato de
coragem individual. Ela tem de ser liderada por suas polícias. Isso
só acontecerá se, antes, elas mesmas se libertarem das amarras que
sequestram sua eficiência12.
11 São Paulo teve redução de 79% no número de homicídios dolosos, de 1999 a 2009. Essa dimi-
nuição das mortes intencionais é comparável à observada apenas em dois casos mundiais de
sucesso no combate à criminalidade: Nova Iorque, entre 1993 e 2003, e em Bogotá, mais recen-
temente. A taxa de homicídios no Estado caiu de 35,27 por grupo de 100 mil habitantes/ano, em
1999, para 10,95/100 mil, em 2009. Em abril de 2011 publicou-se o fechamento da estatística
do 1º trimestre do ano, alcançando-se pela primeira vez a marca de 9,9/100 mil, que está abaixo
do nível considerado como índice de controle (10/100 mil) pela Organização Mundial da Saúde
(OMS). Para efeito de comparação, nas cidades norte-americanas de Detroit, a taxa é de 47,3; e,
em Memphis, de 21,6 homicídios dolosos por 100 habitantes. Fonte: página da SSP/SP (http://
www.ssp.sp.gov.br/acoes/acoes_taxa-homicidios.aspx).
12 FRANÇA, Ronaldo. A polícia e o cidadão diante do crime. Revista Veja, ed. 2141, 02/12/2009.
São Paulo: Abril.
23
22. No que diz respeito às atividades na esfera de polícia, a
experiência indica que, na verdade, são basicamente três os fatores que
podem tornar o trabalho mais eficiente, por iniciativas do gestor de
segurança, quais sejam: o emprego de policiais melhor preparados;
o uso de tecnologia; e uma boa administração, com a otimização
do emprego dos recursos disponíveis. O primeiro e o segundo fator
não dependem direta ou exclusivamente do administrador local,
apesar de em algumas situações ele ter a possibilidade de nelas
influir; no entanto, quanto ao terceiro fator, ele pode trabalhar de
imediato com a melhoria da gestão, viabilizando-se rapidamente
o emprego eficiente dos recursos disponíveis e isso é possível com
o desenvolvimento de boas estratégias na área de policiamento
preventivo. E além do conhecimento, a motivação e a criatividade
constituem as principais virtudes que um gestor de policiamento
preventivo pode possuir para obter sucesso nessa empreitada.
Portanto, o gestor de policiamento preventivo deve desenvolver
estratégias de emprego eficiente dos seus recursos para alcançar os
objetivos de uma boa administração policial, em nível operacional
especialmente, que viabilizem o alcance das metas propostas e, para
esse fim, colocará em prática seus conhecimentos e habilidades de
liderança. São as suas próprias iniciativas que poderão transformar a
realidade imediata.
O significado da palavra “estratégia”, quase sempre
relacionado à “arte”, oferece uma dimensão exata da conduta desse
importante gestor, especialmente quando não restrito às acepções
vinculadas às características originalmente militares do vocábulo,
sem desconsiderar a ligação histórica do termo à prática da guerra13.
Do grego strategía, pelo latim strategia, o substantivo feminino
adquiriu ao longo do tempo os seguintes sentidos:
1. Arte militar de planejar e executar movimentos e operações de
tropas, navios e/ou aviões, visando a alcançar ou manter posições
relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas
sobre determinados objetivos.
13 TZU, Sun. A Arte da Guerra. Trad. Ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2006. Essa obra clássica
se perpetuou apresentando como “arte” estratégias chinesas milenares utilizadas na guerra. Suas
elaborações têm qualidade atemporal e são úteis nos estudos sobre liderança e tomada de decisões.
24
23. 2.Arte militar de escolher onde, quando e com que travar um
combate ou uma batalha. [Cf., nesta acepç., tática (2).]
3.P. ext. Arte de aplicar os meios disponíveis com vista à conse-
cução de objetivos específicos. (grifo nosso)
4.P. ext. Arte de explorar condições favoráveis com o fim de
alcançar objetivos específicos. (grifos nosso)
5.Fig. Fam. V. estratagema (2)14.
As melhores acepções da palavra estratégia, para o propósito
do policiamento preventivo, remetem ao aspecto da eficiência
operacional, para a consecução de objetivos específicos. E somente
é capaz de desenvolver “arte”, quem tem motivação e criatividade.
3. Oportunidades para a eficiência do gestor
Qualquer empresa bem estruturada investe muito na qualidade
do administrador e na Polícia não é diferente, pois a gestão eficiente
traz resultados imediatos, independente de fatores externos que
possam limitá-los. Ela faz multiplicar, pelo emprego planejado,
os recursos disponíveis que podem ser resumidos em: efetivo,
equipamentos (logística) e informações.
O bom gestor vale ouro. Aquele que busca a especialização
e o aprimoramento profissional individual com o tempo obtém
destaque natural. Como acontece em outras áreas, para dar o passo
inicial - considerado o mais custoso - é necessária força de vontade
e também determinação; ao contrário dessa energia produtiva e
transformadora, por vezes se percebe em alguns chefes/comandantes
a acomodação paralisante e desanimadora que acaba por contaminar
os subordinados, lembrando que “a equipe é sempre espelho do
chefe”, como sintetiza o ditado popular.
Note-se que em qualquer área de atividade humana, o
comodismo é tentador, e normalmente se procura explicá-lo por uma
falsa noção de estabilidade, na intenção de “não alterar” a situação
encontrada ou sedimentada ao longo do tempo pela própria omissão,
14 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1996.
25
24. como ilustrado no comportamento improdutivo de uma pessoa que
“enterrou os seus talentos” em uma das muitas parábolas contadas
por Jesus Cristo, que foi o maior líder de que se tem notícia.
Para o sucesso, é necessária uma postura ativa, que carrega o
dom de transformar. E a primeira observação positiva e que abriga
um ensinamento estimulante é a seguinte: quando tudo parece estar
ruim, surge uma preciosa oportunidade e o ambiente propício às
inovações. No que diz respeito ao policiamento preventivo, a comu-
nidade oferece o apoio necessário a medidas corajosas, em conjunto
com órgãos representativos da sociedade organizada e do poder
público, especialmente o Poder Judiciário, o Ministério Público e o
Conselho Tutelar, em nível local. Para tanto, é preciso apresentar-se
disposto e confiante e o papel do gestor de policiamento preventivo
nesse momento é fundamental como provocador de transformações.
Um período temporal avaliado como “crise” significa o momento
certo para a Polícia mostrar a sua força e vontade de transformação,
para promover o desenvolvimento de ações integradas, congregando
esforços que envolvem os órgãos policiais e as demais instituições
relacionadas à persecução penal, autoridades em geral e a comunidade
como um todo, para o resgate da confiança no seu trabalho e, como
resultado, o que se pode chamar de “virada de mesa” contra o crime.
Todos desejam isso; portanto, o círculo virtuoso pode ser iniciado.
“Crise” é sinônimo de perigo, mas também de oportunidade15.
Em síntese, o gestor deve ser o responsável por elaborar um
diagnóstico e desenvolver um plano de ação inventivo e harmonioso,
com base na integração e no emprego de “estratégias” adequadas
de policiamento preventivo, resultantes das virtudes motivação
e criatividade. Por fim, a divulgação representará o coroamento
de suas iniciativas, fechando o ciclo estabelecido e que, a partir de
então, se manterá em movimento contínuo16.
15 Comprovou-se que está parcialmente correta a afirmação de que, em chinês, “crise” se escreve com
partículas que significam “perigo” e “oportunidade”. Descreve-se que a essa história surgiu em 1938,
em um jornal para missionários na China, e ficou famosa em um discurso de John Kennedy. Desde
então, a citação foi repetida por Nixon, Al Gore e manuais de autoajuda. Crise, em mandarim, é wêijí;
wêi realmente quer dizer “perigo”, enquanto jí ganha o significado de “oportunidade” se for combi-
nado com huì (ocasião). Resenha publicada na revista “Super Interessante”, de outubro de 2009, p. 50.
16 Em razão dessa linha estrutural adotada, a obra foi desenvolvida em três partes principais: Inte-
gração, Motivação/Criatividade e Divulgação, representando o ciclo “I-MC-D”.
26
25. I. INTEGRAÇÃO
“Em terreno contíguo, junta-te aos teus aliados.”
Sun Tzu
Em matéria de segurança pública nenhum órgão pode
alcançar o sucesso sozinho. Parece uma afirmação simples diante
da complexidade do assunto explorado, mas inicialmente inevitável
em face de que o ideal de integração é contrastante com o que se
observa em ambientes de rivalidades improdutivas, em que anseios
corporativistas comprometem os resultados almejados e trazem
insatisfação geral.
Como a competência legal já delimita a área de ação de cada
órgão, de modo geral, serão suficientes ajustes pontuais desde que se
cultive um bom e constante diálogo em nível local para aparar arestas
nas chamadas áreas “cinzentas” (ou limítrofes) de atuação, em que
a interface dos órgãos pode ser positiva, pela atração ou soma de
energia, ou negativa, pela anulação de forças. E a mútua colaboração
deve ser inspirada no exemplo dos chefes e responsáveis por cada
órgão envolvido, tendentes ao exercício de liderança. Se os gestores
estão de fato unidos, há tendência de acompanhamento dessa postura
pelos subordinados; por outro lado, se a união se resumir em simples
discurso - um vazio de ações - a postura na linha de frente tende a
acompanhar a artificialidade.
Forçoso reconhecer que se existe continuada sensação geral de
medo e de impotência em determinado ambiente social, esse quadro
sinaliza a circunstância de que as forças responsáveis pelo equilíbrio
desejado não se encontram integradas de fato e, então, a corrente não
é capaz de se fechar. Com o aparelhamento estatal fragmentado e,
portanto, fragilizado, em pouco tempo se criam espaços que serão
ocupados por comportamentos anti-sociais. Exatamente por isso, a
migração do crime é um fenômeno explicável pela procura, por parte
do criminoso, de espaços a ele propícios, ou seja, de ambientes com
menor capacidade de dissuasão e de contenção das manifestações
delituosas pretendidas.
27
26. Por outro lado, integrar-se com a comunidade local também
é condição para o sucesso em razão dos compromissos que se
estabelecem e o apoio do “público-cliente” que legitimam medidas
criativas e corajosas como um caminho voltado à transformação, ao
mesmo tempo em que se coloca em prática a contemporânea filosofia
de Polícia Comunitária.
A integração é uma virtude; quem se integra se fortalece17.
1. Reuniões preliminares de nível gerencial: diagnóstico e
plano de ação
Para elaboração de um plano de ação é imprescindível, antes,
chegar a um diagnóstico. Não é possível prescrever um remédio sem
a identificação do quadro sintomático, de qual o problema que se
pretende resolver em nível de segurança pública local, ou seja, sem
passar pela etapa da diagnose, ainda que em nível imediato de trabalho
policial, sem necessariamente alcançar as raízes da violência local.
O objetivo dos gestores responsáveis, nesse momento em
reunião, é a definição do alvo em razão da análise das informações
sistematicamente apresentadas, mediante um quadro sintético da
evolução criminal recente. Essa preparação também viabilizará, em
fase posterior, a avaliação da eficiência das medidas adotadas em
razão do planejamento comum das ações.
Quem deve participar das reuniões preparatórias são, em
nível regional, o Comandante de Batalhão de Polícia Militar
e seus assessores diretos: o Subcomandante e o Coordenador
Operacional; do lado da Polícia Civil: o Delegado Seccional e os
17 Em resposta a autor de matéria publica na revista Época, de 14/02/2010 (Andres Vera), o Coman-
dante Geral da Polícia Militar de São Paulo, Álvaro Batista Camilo destacou: “Ao ler e observar
as anotações da revista da última semana na matéria intitulada “Uma ideia para nossas polícias”,
verifiquei que a estratégia citada como novidade (“investimento na prevenção”) é algo para nós
um tanto que conhecida. Em São Paulo, a Polícia Militar iniciou um processo de gestão e mudança
organizacional com maior aproximação com a comunidade em 1997, quando do lançamento da
Filosofia da Polícia Comunitária. No início foram utilizadas algumas das estratégias e princípios
escritos pelo autor Robert Trojanowicz, que é um dos disseminadores do policiamento comunitá-
rio. Foi adotado o modelo dos 6 grandes que envolvem os seguintes parceiros para um trabalho de
polícia preventiva: polícia, comunidade, autoridades cívicas eleitas, comunidade de negócios,
outras instituições e a mídia.”
28
27. seus Assistentes (normalmente também dois). Duas ou três reuniões
bem articuladas, com as informações necessárias para análise
previamente sistematizadas, serão indispensáveis para identificação
dos problemas (diagnóstico) e a elaboração das primeiras estratégias
de atuação (plano de ação) de modo coordenado.
Esses especialistas do trabalho policial serão capazes de
chegarem a conclusões em conjunto, de definirem prioridades e de
traçar um plano de ação integrado, com concentração de esforços,
o que já representará um eficaz exercício de integração. No plano
individual, esses protagonistas precisam acreditar que ninguém terá
melhores condições, pela experiência profissional, de alcançarem
sucesso na empreitada e por isso devem não apenas se sentir
participantes de uma reunião de trabalho, mas se posicionarem como
agentes transformadores da história.
O próprio desenvolvimento dos encontros de lideranças, com
o objetivo definido, sinalizará uma nova expressão policial, um aten-
dimento à expectativa da comunidade local, enfim, uma resposta da
polícia ao anseio geral. Por esse motivo, a divulgação ampla da inicia-
tiva por meio da imprensa encontrará boa receptividade e nunca se
pode duvidar da força das marcas, dos nomes, dos papéis, do imagi-
nário simbólico nas transformações que a sociedade testemunha.
O plano de ação surgirá naturalmente, nessas reuniões de
trabalho, como consequência da identificação das fragilidades
na área de segurança pública, na análise dos dados criminais e na
percepção das desordens sociais em geral. Os gestores que residem
no ambiente social onde atuam possuem certa vantagem nesse ponto,
pelo envolvimento com a sociedade local ou seja, além de policiais,
possuem sempre a qualidade de integrantes da comunidade local e,
portanto, se espera, que funcionem como receptores privilegiados
dos seus anseios.
O plano de ação pressupõe a identificação de prioridades levan-
tadas na diagnose e a escolha de intervenções policiais específicas
orientadas em função dessas escolhas. Representa, portanto, um
planejamento estratégico, para alcançar objetivos definidos. Ousadia
e criatividade, sempre com sensatez, acrescerão solidez às propos-
29
28. tas em desenvolvimento conjunto, pois nesse campo não existe uma
fórmula exclusiva, ou seja, as soluções para questões locais são encon-
tradas propriamente nessa oportunidade. Naturalmente, experiências
bem sucedidas em outras localidades são sempre bem-vindas.
O diagnóstico e o plano de ação podem ser materializados como
documentos individuais redigidos por um policial, também gestor,
designado para secretariar as reuniões preliminares. No entanto,
eventual excesso de formalismo ou detalhamento desses registros
pode comprometer a objetividade, que deve ser a sua marca mais
importante. O foco é fundamental nessa etapa e, portanto, o raciocínio
vem do plano geral para o específico em cada tema discutido.
A partir do momento em que se colocam em prática as ações
idealizadas, as reuniões serão mantidas com periodicidade ajustada
para balanços parciais e adaptações oportunas, a fim de se alcançar
e manter o efeito desejado, qual seja, o controle da criminalidade
representado pela tendência de queda dos índices criminais ou a
sua estabilidade em níveis considerados razoáveis pelo histórico das
ocorrências em acompanhamento no âmbito local. O planejamento,
portanto, nessa esfera local de atuação da força policial, deve
prestigiar ações imediatas ou de curto prazo.
Doravante, toda tendência de elevação dos índices criminais
analisados, significará uma lâmpada amarela piscante, a indicar
a necessidade de novas estratégias no plano de ação identificado
posteriormente como um programa dinâmico, para acompanhar e
fazer frente às manifestações da criminalidade, que também tem
características dinâmicas.
1.1. O cenário da crise e o novo programa de policiamento
É preciso reconhecer que, diante de fatores de desajuste social
cujas causas não são objeto desse trabalho, o efeito da criminalidade
começou mesmo a incomodar no passado recente, especialmente na
cidade de Assis, nosso laboratório de experiências. As ocorrências
policiais evoluíram rapidamente em termos numéricos e também no
aspecto da sua gravidade, pela presença do componente “violência”.
30
29. Apesar desse quadro, comparando-se os indicadores de
criminalidades entre a cidade e outros municípios de igual ou maior
porte no 1º semestre de 2009, verificava-se que os índices não eram
os piores, desde que isolados os picos registrados em um ou outro
delito em meses específicos. A sensação de insegurança avançava
de forma progressiva, até porque a própria imprensa constantemente
destacava séries de crimes ocorridos e a opinião pública foi se
estabelecendo com a marca do inconformismo.
Então, a comunidade sentiu a necessidade de culpar alguém e
a Polícia foi a escolha imediata, pois, quando se discute o tema da
segurança pública, a imagem do policial é mesmo a primeira que
aparece em evidência. Nesse ponto em particular, nota-se, por outro
lado, no que se pode considerar uma injustiça, que quando as coisas
vão bem o tema da segurança pública sai de foco e os policiais são
esquecidos, e ainda, nesse momento, surgem oportunistas que se
apresentam como especialistas e reputam avanços contra o crime
sem o crédito devido às iniciativas policiais.
No plano local, por conta do clima de insegurança pública que
pairou particularmente no município de Assis, a sociedade se mobilizou
em diversas manifestações individuais de grave descontentamento,
cobrando medidas enérgicas. Essa mobilização culminou com uma
inédita passeata no centro da cidade, em que milhares de pessoas se
expressaram em favor da paz e da segurança, em maio de 2009.
Na segunda metade de junho de 2009, assumiram novos
dirigentes das polícias militar e civil da região de Assis: o Tenente-
Coronel PM Lincoln de Oliveira Lima, como comandante do
Batalhão e o Delegado Luis Fernando Quinteiro de Souza, como
responsável da Seccional, pela Polícia Civil. Também o núcleo
mais próximo dos dirigentes foi ocupado por novos nomes: Major
PM Marcos César Gritscher Leite, Subcomandante do Batalhão e
Major PM Adilson Luís Franco Nassaro, Coordenador Operacional;
Delegados Luiz Antonio Ramão e Rogério Thomeu Braga como
Assistentes da Delegacia Seccional.
O 32° Batalhão de Polícia Militar do Interior e a Delegacia
Seccional de Polícia Civil de Assis possuem a mesma área de
31
30. circunscrição, ou seja, treze municípios sob suas responsabilidades
e, diante da situação crítica que ensejava cobranças da comunidade,
os dirigentes se reuniram em caráter emergencial entre o final de
junho e o início de julho do mesmo ano.
A necessidade de se fazer um levantamento geral da situação
exigiu a realização de duas reuniões preliminares, especialmente
para identificar as demandas na área de segurança pública local,
diante de possíveis falhas na prevenção e na repressão, bem como
a definição de um plano de ação para enfrentamento da violência,
redução dos indicadores de criminalidade e consequente retorno da
sensação de segurança.
Assim, as reuniões preliminares foram oportunas para se reunir
o máximo de dados disponíveis, incluindo-se as possíveis causas
que contribuíram para o aumento da criminalidade, não somente
aquelas da área da prevenção primária, de contexto mais amplo, mas
particularmente as de alçada das polícias e a análise conjunta dessas
informações. O início das ações do plano idealizado deu-se ainda no
início do segundo semestre (julho de 2009).
Certo que se notou, nessa oportunidade, um ambiente favorável
às inovações, ou seja, a surpreendente reação e envolvimento
da comunidade e de suas lideranças, bem como o apoio dos
representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário. A
mobilização das pessoas, que foram às ruas para reivindicar ações
contra o crime, legitimaria o plano de ação em desenvolvimento.
Era, portanto, o momento da Polícia mostrar a sua força e vontade
de transformação, razão pela qual se desenvolveu um audacioso
conjunto de ações integradas, a partir do diagnóstico preliminar.
Foram apontados quatro eixos, representando os mais graves
problemas regionais eleitos como prioritários para fins de ação
policial: o roubo, que traz o componente de violência junto com a
subtração de patrimônio, deixando intensa sensação de impotência
e de insegurança; o tráfico de drogas, que fomenta os demais
crimes; o furto de veículos, que apresentava índices alarmantes,
em face do surgimento da prática de cobrança de resgate para
devolução do bem à vítima e, finalmente, a questão da desordem
32
31. social, pois diversas infrações, que não constituíam propriamente
crime, vinham sendo praticadas no espaço público, resultando em
sentimento de impunidade.
Na linha desse diagnóstico, observou-se que os roubos
aconteciam mais no comércio local. Criminosos utilizavam-se dos
menores, explorados como linha de frente das ações, para não serem
presos (até o início do programa de policiamento, o Juízo da Infância
e da Juventude não autorizava a custódia de menores infratores,
ainda que reincidentes, em medida sócio-educativa com privação
de liberdade até três anos). O comércio local, de pouca estrutura ou
quase nenhuma em termos de segurança patrimonial, compreendia
farmácias, postos de gasolina, lojas de confecções, padarias e outros
estabelecimentos, fisicamente muito vulneráveis e em pouco tempo
passaram a incorporar grades por dentro das fachadas de vidro e
sistemas de alarme e, em alguns casos, de vídeo-monitoramento.
Nesse processo, alguns autores de furtos migraram para o roubo, em
razão das barreiras físicas encontradas e a necessidade de manterem
o vício especialmente quanto ao consumo do “crack”, em faixa de
idade cada vez mais baixa. Os autores dos delitos passaram, também,
a não mais agir de “cara limpa”, e sim com o rosto escondido por
capacetes, toucas e outras camuflagens. A simples possibilidade
de que algum marginal entrasse em um estabelecimento comercial
e apontasse a sua arma para alguém, já causava um pânico; por
outro lado, a disseminação imediata da notícia dos fatos criminosos
propiciava uma amplificação da sensação de insegurança. A mudança
de cenário urbano, implicando gastos inesperados com segurança
patrimonial e a intranquilidade dos comerciantes, provocou também
a reação da Associação Comercial que exerceu liderança na referida
mobilização popular pela melhoria da segurança pública local, com
forte pressão dirigida às autoridades responsáveis.
Avaliou-se a existência de conexão direta entre aumento de
roubos e o tráfico de drogas pela circulação de valores e objetos
subtraídos mediante violência e a existência de vários pontos de
venda e locais de consumo de substâncias entorpecentes. Quanto
aos furtos de veículos, concluiu-se pela existência de quadrilha
33
32. especializada em razão do modo de ação semelhante nos diversos
casos registrados e as características dos veículos subtraídos, estes
com média de mais de vinte anos de uso e quase todos sem seguro,
o que demandava trabalho de investigação dirigido para realização
de importantes prisões, com parceria e envolvimento absoluto dos
agentes da área de inteligência dos dois órgãos policias.
Quanto ao plano de ação voltado aos três primeiros eixos foram
definidas as seguintes prioridades para desenvolvimento imediato:
1. o aumento das abordagens, com pelo menos três bloqueios
diários pela Polícia Militar, com buscas pessoais e veiculares
voltadas especialmente a motociclistas (em razão do uso
sistemático de motocicletas para o crime de roubo) e
otimização do policiamento com motos (programa ROCAM);
2. operação específica de fiscalização de bares, especial-
mente aqueles conhecidos como pontos de venda de drogas
e que se encontram em situação irregular, objetivando
também as responsabilizações por infrações administrati-
vas no campo da vigilância sanitária e fiscal;
3. a fiscalização constante em estabelecimento de
mototáxis, em razão de que vários motoxistas em situação
irregular, além de utilizarem veículos para o transporte de
pessoas em condição de risco, realizavam tráfico de drogas
(entregas). Foram desenvolvidas ações na modalidade
“relâmpago”, com planejamento e mobilização rápida de
recursos policiais, especialmente o efetivo com apoio de cães
farejadores (canil) e policiais com motocicleta (ROCAM,
Ronda Ostensivas com Apoio de Motocicletas) em vários
pontos ao mesmo tempo, com resultados extraordinários e
grande repercussão, coibindo-se a prática do “aviãozinho”
(entrega de droga com motocicleta, ou “droga delivery”); e
4. a indicação de custódia a menores infratores reinciden-
tes, explorados como linha de frente na prática criminosa e
que vinham assumindo a autoria na certeza de que perma-
neceriam livres pela sua inimputabilidade. Conforme a
gravidade do envolvimento do menor, era justificável
34
33. conversa diretamente com a Juíza da Vara da Infância e da
Juventude ou contato intermediado pelo representante do
Ministério Público favorável ao maior rigor na aplicação da
medida sócio-educativa com privação de liberdade.
Várias outras ações foram desenvolvidas especialmente ao
longo do 2º semestre de 2009, envolvendo aspectos de “motivação
e criatividade” e também de “divulgação”. Todas elas podem ser
identificadas, em amplo sentido, como estratégias no âmbito do
policiamento preventivo, e por isso serão expostas detalhadamente nos
capítulos próprios.
Quanto à desordem social, indicou-se o fenômeno como
efeito de irregularidades a exemplo da atuação desautorizada dos
guardadores de carro, mais conhecidos como flanelinhas, que
começaram a surgir por todos os cantos da cidade, em eventos e nas
proximidades de casas noturnas. A desordem começa com a cobrança
de valores por eles próprios estabelecidos para o estacionamento,
bem como os dias, horários e locais por eles escolhidos para atuação.
Com o tempo, surgia a ameaça velada a senhoras e idosos, desavenças
pessoais com motoristas, brigas, danos e furtos em veículos e até
lesões corporais. Não somente no exemplo apresentado, mas diante
de outras irregularidades identificáveis, notava-se a necessidade de
se coibir ações classificáveis como nascedouro de futuros problemas
criminais. Nesse ambiente, a polícia precisava se fazer mais presente.
No que toca às ações voltadas à questão da desordem social,
estas podem ser agrupadas nas seguintes frentes, não necessaria-
mente na ordem de importância, posto que o conjunto delas que
influenciaria a reversão do quadro negativo em geral, mantendo
estreitas relações entre si:
1. guardadores de carro: identificação dos indivíduos, veri-
ficação de sua situação criminal, “fichamento” dos dados
com imagens, o que não representa cadastramento legitima-
dor da conduta, mas advertência quanto às irregularidades
de que se tinha notícia e a mensagem explícita da presença
policial. O encaminhamento desses indivíduos ao Distrito
Policial para providências de registro policial quanto à veri-
35
34. ficação da contravenção penal de vadiagem (ou exercício
irregular de profissão, quando disciplinada a atividade pelo
município) também é uma ação com suporte legal.
2. Som automotivo em via pública em volume excessivo,
provocando perturbação do sossego e outras desordens rela-
cionadas à emissão de ruídos: a existência de incontáveis
reclamações quanto a algazarras na via pública, pratica-
das por jovens que desfilavam potentes equipamentos de
som automotivo na principal avenida da cidade denotava a
descrença na ação policial e comprometia a tranquilidade
pública. Por conta desse quadro, várias operações foram
desenvolvidas em conjunto com efetivo da polícia civil e
militar, inclusive com apreensão de equipamentos de som
(junto com veículos), após aferição de níveis sonoros com
decibelímetro (operações chamadas “OPS”, Operação
contra a perturbação do sossego público, principalmente
nas sextas-feiras e sábados a noite). As apreensões foram
possíveis após reuniões com representantes do Ministério
Público que avalizaram a interpretação mais rigorosa do
texto legal quanto à necessidade de perícia (polícia técnica-
científica) para comprovação da capacidade de emissão
sonora do objeto da contravenção penal (art. 42 da Lei de
Contravenções Penais).
3. Menores perambulando pelas ruas até altas horas,
causando perturbação do sossego e praticando atos infra-
cionais diversos: trabalho integrado com o Conselho Tutelar
para coibição de venda de bebida alcoólica por bares sujeitos
inclusive ao fechamento compulsório como resultado de ação
civil pública realizada por iniciativa do Ministério Público a
partir da constatação da irregularidade; fiscalização policial
rigorosa em espaços com funcionamento irregular para fins
de divertimento com cobrança de ingresso e presença irre-
gular de menores, conforme portaria do Juízo da Infância
e da Juventude local que regulamenta condições de acesso
36
35. de menores em diversos ambientes, e os horários permitidos
para esse fim, como medida de proteção18.
4. Vadiagem: ponto polêmico do plano de ação, mas respal-
dado na lei de contravenções penais (art. 59, do Decreto-lei
n. 3.688, de 03 de outubro de 1941), ensejando o encaminha-
mento de indivíduos para registros no plantão policial, com
o preenchimento de boletim, sua identificação e eventual
assinatura de compromisso de busca de atividade lícita em
período de 30 dias. Também o encaminhamento de casos
para possível emprego em frente de trabalho da Prefeitura
Municipal e colocação no mercado comum de trabalho por
meio do próprio serviço municipal para esse fim.
5. Comércio de produtos contrabandeados ou contrafeitos
(“piratas”): operações na modalidade “relâmpago”, para
coibição da prática irregular, com apreensão dos materiais
ilegalmente comercializados e identificação de pontos de
distribuição ou falsificação responsáveis pelo abastecimento
do mercado ilegal na região.
6. Condutores e veículos em situação irregular, tanto no que
diz respeito ao uso dos veículos quanto na questão da docu-
mentação: realização de três bloqueios policiais militares
por dia, em locais e horários considerados importantes para
a visibilidade das ações e efeito de prevenção. O aumento
das autuações trânsito aumenta a percepção da presença
policial, apesar da fiscalização propriamente de trânsito
constituir atividade acessória. Ainda, as abordagens pres-
tigiam naturalmente a fiscalização na esfera de polícia
de segurança, objetivando a apreensão de armas, drogas
e outros objetos de transporte ilícito, além da captura de
procurados pela Justiça. As abordagens devem priorizar as
motocicletas cuja versatilidade viabiliza a sua utilização em
práticas criminosas diversas.
18 Em Assis, vigora a portaria n. 02/2000, do Juízo da Infância e da Juventude, que estabelece
medidas de proteção complementares ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prescrevendo
condições para presença de menores em ambientes e horários específicos.
37
36. 7. Locais ermos e imóveis com indicadores de depredações
e abandono: intensificação de preenchimento, pelos
policiais militares, de Relatório sobre Averiguação de
Incidente Administrativo (RAIA) para provocação de
providências por parte dos órgãos responsáveis, como
limpeza e iluminação19.
Na questão da iluminação pública, para uma solução mais
rápida, dependendo do nível de relacionamento com a empresa
responsável, será possível o seu acionamento ou cobrança rápida -
por telefone – pelo pessoal que trabalha com comunicações durante
o dia, baseado nas informações que os patrulheiros trouxerem do
período noturno (carências observadas, com pontos mal iluminados
identificados). O atendimento desses requerimentos da própria polí-
cia normalmente é rápido e contribui para diminuir vulnerabilidades
e restabelecer a sensação de segurança em alguns locais, além de
facilitar a ação policial. No entanto, se não forem atendidas as indica-
ções, dentro dessa linha de possibilidade, convém mesmo o registro
das falhas por meio do instrumento regulamentar que é o RAIA, em
se tratando da prestação de um serviço público sob responsabilidade
de um órgão específico..
Também houve iniciativas de registro fotográfico de imóveis
particulares com sinais de abandono (pichações em muro, lixo
abandonado, vandalismo etc.) e encaminhamento de Relatório
mais completo (com ilustrações e cópias de boletins de ocorrência)
mediante ofício ao Ministério Público com proposta de eventual ação
contra o responsável pelo local que se verifica usado como ponto de
práticas criminosas (tráfico, porte de drogas, corrupção de menores
etc.), em razão da omissão, estado de abandono e pela formação de
locais vulneráveis.
19 São exemplos de infrações administrativas que justificam o preenchimento do RAIA para soli-
citação de providências de outros órgãos públicos: estabelecimentos comerciais que não emitem
nota fiscal; estabelecimentos comerciais com visível deficiência de higiene sanitária; logradouros
com iluminação deficiente (lâmpadas faltando ou queimadas); terrenos desprovidos de muros e/ou
que contenham lixo, entulho, mato etc; obras abandonadas, abertas e sem iluminação; existência
de buracos na via pública ou nas calçadas que, pela dimensão possam representar perigo à integri-
dade física das pessoas; local que produza ruído ou barulho que incomode a vizinhança; falta ou
defeito na sinalização de trânsito; recusa de albergue em receber pessoa apresentada pela PM.
38
37. Da mesma forma, diante de algumas deficiências em face
de órgãos prestadores de serviços públicos, o representante do
Ministério Público também oficiou requerendo providências aos
responsáveis com prazo estabelecido para esse fim.
8. Mendicância: não tratada como irregularidade, salvo se
associada a práticas criminosas (exemplo: usar menores,
estelionato, furto etc.), o que se mostrava muito comum
em razão da figura de “falsos mendigos” que praticavam
furtos e outros crimes, sondando residências sob o pretexto
do pedido de auxílio. Coincidentemente, em 16 de julho de
2009, a simples mendicância deixou de constituir contraven-
ção penal, ou seja, o artigo 60 da lei de contravenções penais
(Decreto-lei n. 3.688/41) foi revogado pela lei n. 11.983/09, da
mesma data (já o art. 59 da mesma lei, que trata da Vadia-
gem como contravenção penal, não foi revogado). Cabível,
nos casos da mendicância simples, o acionamento da assis-
tência social do município para encaminhamentos devidos,
que envolvem triagem e verificação de causas e eventual
cadastramento para benefícios possíveis, o que viabiliza
a retirada de mendicantes das ruas, se não de todos, pelo
menos daqueles que se dispõe a ser auxiliados, até por uma
questão de preservação da dignidade da pessoa humana.
Todavia, ainda sobre a questão da simples mendicância
(diferente de sua associação com prática criminosa) é oportuno
reproduzir resposta que o Setor de Relações Públicas da Polícia
Militar encaminhou para publicação sobre questionamento de
cidadão sobre necessidade de atuação policial diante da presença de
vários “viciados”, “moradores de rua” e “pedintes” na Rua General
Jardim (região central da capital paulista), que ilustra muito bem os
limites da ação policial diante de um problema de amplitude social,
interpretação que compartilhamos, conforme segue:
As ações de antecipação a atuação criminosa se evidenciam pela
ostensividade dos policiais militares (onde o policial está, o crimi-
noso não age) e também com base na abordagem policial a pessoa
39
38. em atitude suspeita. Muitas pessoas reclamam da presença de
indigentes na região central da cidade e estigmatizam essas pessoas
com rótulos como “trombadinhas”, “drogados”, “moradores de rua”
e pedem que a polícia os retire dali. Cabe esclarecer que a Polícia
Militar é uma instituição legalista, isto é, que segue o que está na
lei e não atuará sem o amparo dela. A atuação na região central da
cidade continuará forte com o combate ao crime. A indigência não
está capitulada como crime em nossa legislação20.
1.2. O nome do programa e seu significado
Foram tantas as ideias e ações colocadas em prática nesse
programa, que o nome “Tolerância Zero em Assis” surgiu espon-
taneamente como referência informal à famosa e radical estratégia
da década de 90, praticada pela polícia na cidade de Nova York
(EUA). No entanto, nenhum dos dirigentes locais de polícia aceitou
tal rótulo que traz a mensagem implícita de “intolerância”, quando
se queria transmitir a ideia de que o policial não pode permanecer
“indiferente” a qualquer prática ou situação irregular que presencie.
Propunha-se o desenvolvimento de ações imediatas diante de irre-
gularidades constatadas no espaço identificável como “desordem
social”, não importando que fosse um simples caso de ilumina-
ção deficiente ou inexistente, pichação de muro, som perturbador,
menores em situação de risco, vendedores ambulantes irregulares,
infrações de trânsito ou de outras naturezas. Buscava-se resgatar,
em contrapartida, a confiança da sociedade na autoridade policial e
o consequente envolvimento de toda a comunidade na condição de
“olhos da polícia”. Por isso, em caráter oficial, o programa passou a
ser identificado como “Indiferença Zero”21.
Também é oportuno observar que, ao se falar em “Tolerância
Zero”, tem-se a falsa noção de que o policial é quem irá realizar
todo o serviço em termos de segurança pública, resolvendo sozinho
ou buscando soluções por si só contra a criminalidade. Todavia, a
experiência demonstra que para a existência de segurança pública
20 Resposta à coluna “São Paulo reclama”. Jornal “O Estado de São Paulo”, caderno Cidades/Metró-
pole, 13/01/2010, p. C2.
21 Artigo sobre o programa “Indiferença Zero”, com vídeo elucidativo, pode ser acessado em http://
ciencias-policiais.blogspot.com/2009/11/experiencia-do-programa-indiferenca.html
40
39. em nível plausível é necessária a participação de todos os segmentos
da sociedade, potencializando o trabalho policial que exerce sempre
papel importante, naturalmente. A idealizada “indiferença”, portanto,
não se refere apenas ao agente policial, mas a todos os envolvidos
direta ou indiretamente nas questões relacionadas à segurança
pública, ou seja, toda a comunidade.
Para esse fim, preconizou-se discursivamente que, além da
“indiferença zero” por parte dos policiais, no dia-a-dia as pessoas
não podiam ficar apenas acompanhando as ações, sem envolvimento
(apesar de indignadas com a criminalidade), como se o problema
fosse somente de ordem policial. Essa postura de “platéia” da
sociedade era representada pelas publicações de alguns jornais com
os seguintes títulos, em caráter exemplificativo: “um a zero para os
bandidos: a polícia não prendeu os ladrões”; ou “dois a zero para a
polícia: dupla de assaltantes vai para a cadeia”.
Ainda, o equivocado nome “tolerância zero” para o propósito
do programa poderia transmitir a ideia de uma polícia autoritária,
que iria fazer de tudo, “custe o que custar”, inclusive descumprindo
normas legais, o que, obviamente, nunca poderia acontecer. Apesar
de alguns cidadãos mais exaltados defenderem publicamente
soluções arbitrárias (desde que não dirigidas a eles, por certo),
pautou-se sempre com firme e transparente propósito pela regra de
que as ações de polícia são orientadas precipuamente pelo Princípio
da Legalidade, de modo que somente podem ser desenvolvidas
dentro dos limites prescritos em lei22.
Por fim, há um terceiro e último aspecto negativo quanto ao
uso do nome “Tolerância Zero” importado de Nova Iorque: há de
se considerar que a polícia naquela cidade é municipal, integrando
o poder executivo local, o que favorecia a tomada de decisões
conjuntas (de autoridades locais do poder municipal) e a implantação
de medidas, algumas radicais, de aplicação imediata no âmbito
local. Diferentemente, no Brasil não existem polícias municipais,
22 O princípio básico da “legalidade” na administração pública é estabelecido no art. 37 da Cons-
tituição Federal, juntamente com os princípios da “impessoalidade”, da “moralidade”, da
“publicidade” e da “eficiência”.
41
40. salvo superveniência de mudança constitucional com alteração de
todo o atual sistema de segurança pública; por esse motivo, o poder
executivo municipal deve, ou deveria, manter-se em sintonia com
a polícia, esta integrante do executivo estadual, para desenvolver
políticas públicas de prevenção primária e atuar, desse modo, em
favor da segurança pública local.
O comentário a seguir transcrito é esclarecedor quanto às
características do programa colocado em prática na mais populosa
cidade norte-americana, muitas vezes confundido com simples
aumento de repressão policial em razão do nome divulgado, bem
como quanto às iniciativas recentes e bem sucedidas no âmbito da
polícia brasileira:
Grande êxito nessa área se deu em Nova York, na década passada, na
gestão do então prefeito Rudolph Giuliani, mas não pelas razões que
se costumam mencionar. Batizado de “Tolerância Zero”, é confun-
dido com um programa voltado apenas para a maior repressão a
delitos. Foi isso e muito mais. O projeto implantado na cidade pelo
então chefe de polícia, William Bratton, foi bem mais abrangen-
te. Nova York empreendeu um conjunto de ações cujo coração foi
a criação de um sistema de gerenciamento, semelhante em muitos
aspectos ao utilizado por grandes empresas privadas. O CompS-
tat (sigla para estatísticas computacionais comparadas) é uma
metodologia para solucionar problemas e cobrar responsabilidade
dos policiais encarregados de resolvê-los. Tudo isso com o uso de
softwares que ajudam a ter uma ideia precisa das ocorrências crimi-
nais em cada rua da cidade. A boa notícia é que, como demonstra o
coronel Renato de Souza, o Brasil começa a trilhar esse caminho.
Minas Gerais e São Paulo adotaram sistemas semelhantes e já osten-
tam índices de redução de crimes violentos em valor inquestionável.
O caso mais notório é o de São Paulo, cuja taxa de homicídios na
capital foi reduzida em 79% entre 1999 e 2009, ficando em 11 por
100 000. Ainda é alta, mas o resultado impressiona porque até a
década de 90 sua Polícia Militar era mais conhecida pela chacina do
presídio do Carandiru, que resultou em 111 mortos, e pelos abusos e
crimes cometidos contra moradores da favela Naval, em Diadema,
na região metropolitana da capital. A enorme repercussão dos dois
casos foi o que deu a partida na mudança da PM paulista23.
23 FRANÇA, Ronaldo. Op. cit.
42
41. Apesar do nome adotado oficialmente para o programa de
policiamento, a imprensa divulgou mesmo o título “Tolerância Zero”
para a mobilização policial na região de Assis e a comunidade local
acabou adotando a expressão. Também, tamanha foi a frente de ações
de polícia contra a criminalidade que o conjunto de iniciativas ficou
conhecido nacionalmente como “Tolerância Zero em Assis”, por dois
fatos marcantes que contribuíram para tal assimilação: a questão do
combate inicial à vadiagem e a prisão do apresentador e humorista
Danilo Gentili, do programa “CQC” da Rede Bandeirantes de
Televisão, em 07 de novembro de 200924 .
Todavia, registra-se para a posteridade o nome oficial escolhido
como “Indiferença Zero” porque a grande virtude do programa
colocado em prática é o despertar da comunidade e dos agentes
públicos, não somente os de natureza policial, para não aceitarem
infrações e pequenos delitos como algo normal. O programa envolveu
a sociedade numa grande corrente pela tranquilidade pública, logo
depois de uma fase considerada crítica, resultando na prevenção aos
delitos de um modo geral. Essa abrangência vem da constatação de
que, como restou demonstrado, a partir de uma pequena transgressão
surge um conflito que pode evoluir para a prática de um crime de
consequências graves e, portanto, não se pode permitir indiferença
em face da primeira manifestação de conduta ilegal.
2. Relação produtiva: Polícia Militar e Polícia Civil
No Estado de São Paulo, mais especificamente desde o
início da década de 90, existe grande empenho no sentido de se
manterem coesas as ações da Polícia Militar e da Polícia Civil, em
todos os níveis de gerenciamento. Certo que, nos termos da própria
Constituição Federal, no seu art. 144, “a segurança pública, dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
24 Artigo de esclarecimento público e defesa da ação policial, disponibilizado pelo autor em http://
ciencias-policiais.blogspot.com/2009/11/legitima-detencao-de-danilo-gentili-do.html
43
42. patrimônio”, no âmbito estadual, por meio das ações dos dois órgãos
policiais25.
O ideal da integração vem das cúpulas das Instituições, que
são subordinadas ao mesmo interlocutor, Secretário da Segurança
Pública, ligado diretamente ao Governador do Estado, sendo este
último o próprio chefe comum, em última instância, das forças
policiais estaduais26.
Obviamente o inimigo é o mesmo: a criminalidade, e o obje-
tivo, também comum: propiciar a segurança pública pela prevenção
geral e pela prevenção propriamente policial. Por isso, no âmbito esta-
dual, as áreas de circunscrição foram redimensionadas em passado
recente a fim de coincidirem as responsabilidades territoriais dos
seus respectivos gestores, respeitadas as atribuições legais de cada
órgão e as modalidades especializadas de ação supra-territorial,
viabilizando um planejamento conjunto e também uma avaliação em
comum dos resultados periodicamente obtidos27.
25 O art. 144 da Constituição Federal de 1988, por meio dos seus parágrafos, também especifica a
missão de cada um dos órgãos policiais previstos nos seus incisos (I - polícia federal; II - polícia
rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e cor-
pos de bombeiros militares.). Quanto às policias civis e militares, destacam-se:
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos
de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades
de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exér-
cito, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios.
26 A lei complementar 207/79 - Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo - estabelece que a
Polícia Militar e a Polícia Civil são órgãos policiais, subordinados hierárquica, administrativa e
funcionalmente ao Secretário da Segurança Pública. Desde o decreto-lei 667/69 (federal) existia
a vinculação referida, conforme observou Dalmo de Abreu Dallari, não obstante as nomeações
de oficiais do Exército para o cargo: “O mesmo decreto-lei, assinado pelo então Presidente da
República, marechal Costa e Silva, definiu a competência das polícias militares e estabeleceu as
regras para sua organização. Quanto ao enquadramento delas no serviço policial, foi estipulado
que deverão ser subordinadas ao órgão estadual responsável pela ordem pública e pela segurança
interna, ou seja, o Secretário da Segurança Púbica do Estado” (O Pequeno Exército Paulista. São
Paulo: Perspectiva, 1977, p. 80).
27 A reestruturação das Polícias Militar e Civil e a compatibilização das respectivas áreas de atuação
territorial em todo o Estado de São Paulo foram decorrentes dos Decretos 44.447 e 44.448, de 24
de novembro de 1.999, e Resoluções SSP-245, SSP-246 e SSP-247 de 26-6-2.000. Já a Resolução
SSP-123 de 12 de abril de 1999, estabeleceu rotina de trabalho integrada entre os Delegados de
Polícia Titulares dos Distritos Policiais e os Comandantes das Companhias da Polícia Militar da
Capital, com bons resultados advindos.
44
43. A coesão não poderia ocorrer sem essa equivalência de área de
atuação e entre cargos e postos ocupados pelos respectivos gestores
na sensível área de segurança pública, o que muitos interpretaram
inicialmente como indicação de um processo histórico de unificação
administrativa e operacional entre os policiais civis e os militares
estaduais, quando na verdade o escopo se traduz na constante busca
de integração dos esforços, pretensão legítima de qualquer boa
administração voltada ao bem comum28.
Ainda em São Paulo, os dados estatísticos de evolução criminal,
chamados “índices criminais” e os dados da produtividade policial,
chamados “indicadores operacionais”, também foram padronizados
e unificados, com controle centralizado na Secretaria de Segurança
Pública (SSP), a partir de informações e registros oficiais dos boletins
de ocorrência e outros formulários e documentos próprios. Destaca-
damente, a Resolução SSP-248, de 30 de junho de 2000, disciplinou
o trabalho coeso e estabeleceu reuniões periódicas para execução de
“rotina de trabalho integrado, elaboração dos diagnósticos e planeja-
mento das ações”, complementada pela Portaria Conjunta PM-PC 01,
de 26 de fevereiro de 2008, para os encontros nos seguintes níveis:
Delegado Titular do Distrito Policial com o Comandante da Compa-
nhia da área; Delegado Seccional com o Comandante de Batalhão
da área; Delegado Diretor do Departamento de Polícia Judiciária
da Capital com o Comandante do Policiamento da Capital; Dele-
gado Diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Macro São
Paulo com o Comandante do Policiamento Metropolitano; Delegado
Diretor do Departamento de Polícia Judiciária do Interior com o
Comandante do Policiamento do Interior respectivo.
Essas reuniões - mensais ou trimestrais conforme o nível
- são próprias para o planejamento de ações integradas e, ainda,
para verificação dos resultados alcançados, na chamada “análise
28 O Plano Plurianual 2008–2011, para o governo do estado de São Paulo (Lei nº 13.123 de 08 de ju-
lho de 2008), estabeleceu no capítulo da Segurança Pública, item 3.2., os seguinte destaque: “Para
cumprir os objetivos propostos o governo atuará por meio das estratégias de: 1. Integração ope-
racional das polícias - planejar melhorias em todas as áreas de competência da polícia paulista
tendo por base a integração de sistemas inteligentes, bancos de dados e sistemas de comunica-
ções, intensificar reuniões conjuntas dos órgãos operacionais e dotar os órgãos subordinados com
tecnologia de ponta e informações necessárias para a tomada de decisões, propiciando qualidade
de atendimento ao cidadão.”
45
44. crítica” (Reunião de Análise Crítica – RAC). Portanto, são
desenvolvidas também para o redirecionamento dos esforços, com
revisão e adaptação das estratégias de policiamento adotadas para
determinado período.
Naturalmente, com produtiva integração das ações opera-
cionais, possível sem prejuízo da independência funcional e
administrativa de cada Instituição - desde que os gestores busquem
entendimento nos seus níveis - o processo viabiliza eficiência e ainda
economia, com melhor aproveitamento e concentração de todos os
recursos disponíveis, que são traduzidos em: efetivo, equipamentos
(logística) e informações.
Nesse contexto, especialmente os setores de inteligência
policial e de comunicações devem buscar mútuo apoio, com perma-
nente troca de informações. O grande desafio pode ser vencido pelo
exemplo dos gestores até se alcançar a ponta da linha, inclusive em
operações conjuntas na chamada “zona de intersecção de competên-
cia das polícias estaduais”29.
A administração operacional das polícias estaduais, baseada
em distribuição territorial das responsabilidades dos seus gestores,
possibilita a busca de soluções criativas para conter eventuais
avanços da criminalidade em nível local, contribuindo para a
evolução positiva, ou seja, o decréscimo da incidência criminal na
área de maior abrangência (o nível regional). Para tanto, como meta,
propõem-se encontros semanais e informais entre os dirigentes da
região para avaliação conjunta dos esforços e sucessos obtidos e
eventual necessidade de mudanças das táticas adotadas em comum
acordo.
Na verdade, somente o que pode comprometer a total integração
de esforços é um ultrapassado sentimento de competitividade perce-
bido em demonstrações como “quem foi o responsável” pelo sucesso
alcançado. A partir do momento em que os gestores reconheçam o
valor e a parcela da responsabilidade que cabe a cada qual no ciclo
de polícia, automaticamente colocam em prática o conceito de que a
29 LAZZARINI, Álvaro. Ordem Pública e Segurança Pública, em Estudos de direito administra-
tivo, 2ª ed, São Paulo, RT, 1999, pg. 97.
46
45. Polícia, como Instituição indispensável ao Estado de Direito, é uma
só, independente dos seus ramos de atividade e de especialização.
Apesar das determinações regulamentares disciplinando
o trabalho integrado, a exemplo de São Paulo, a manutenção de
calendário de reuniões formais e por vezes frias no sentido do real
envolvimento não será suficiente. Há que existir um ânimo, um
propósito particular de aproximação dos gestores, muito além do
simples cumprimento de eventual ordem superior.
De fato, será possível verificar se a idealizada integração está
funcionando em nível local mediante três indicadores básicos:
1. os gestores mantêm contatos telefônicos e reuniões
periódicas, informais, não por simples obrigação ou para
solução de problemas surgidos, mas porque se sentem
fortalecidos e isso não representa sacrifício, muito pelo
contrário, constitui satisfação em virtude de que as
afinidades no campo profissional são muitas;
2. a divulgação das conquistas na prevenção e repressão à
criminalidade na região prestigiam sempre a participação do
outro órgão, ainda que, pontualmente, uma ou outra vitória
(prisão em flagrante de um criminoso de alta periculosidade,
por exemplo) tenha sido realizada sem a participação direta
daquele. Esse comportamento traz a percepção de que cada
gestor tem ciência da sua importância e a do outro no amplo
e complexo cenário da prevenção geral e da prevenção
policial, o qual não comporta competitividade, mas soma
de energia;
3. em algumas oportunidades, há troca de elogios públicos à
postura adotada pelo órgão policial co-irmão. Normalmente,
quando se trabalha muito não há espaço ou tempo para
críticas veladas e intrigas por prestígio, ao passo que o
crescimento conjunto e o mútuo reconhecimento, explicitado
por declarações públicas, fortalece as Instituições e os seus
imediatos responsáveis.
47