SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 1
Baixar para ler offline
%HermesFileInfo:H-4:20130522:
H4 Especial QUARTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO
Era domingo. Vladimir Her-
zog havia sido morto nas de-
pendências do DOI-Codi no
dia anterior, sábado, 25 de ou-
tubro de 1975. Eu, meus fi-
lhos e minha mulher Olinda,
já falecida, estávamos na fa-
zenda da mãe dela, em Guara-
tinguetá. As emissoras de rá-
dio noticiavam a morte de
Vlado juntamente com o co-
municado oficial do 2.º Exér-
cito de que ele cometera “sui-
cídio”. As rádios informavam
ainda que “as autoridades”
buscavam outros comunistas
mencionados num bilhete
que o Vlado tentara rasgar,
mas elas haviam reconstituí-
do. Entre os procurados – vá-
rios colegas nossos – surgia
também o meu nome. Depois
de conversar com minha mu-
lher, resolvi me apresentar e,
em seguida, liguei para o Es-
tadão. Puseram-me em conta-
to com o Dr. Ruy Mesquita.
Ele me disse que viesse pa-
ra São Paulo, mas não fosse
para minha casa, e sim para a
redação do jornal. Tomamos
um táxi, eu e Olinda (meus fi-
lhos, pequenos, ficaram na fa-
zenda), e viemos para São
Paulo. Fui para a redação do
jornal. Ali o Dr. Ruy me disse
que naquela noite eu dormi-
ria na casa dele e só no dia se-
guinte decidiríamos se eu me
apresentaria às chamadas
“autoridades”, ou não. Pas-
sei, de fato, a noite na casa
do Dr. Ruy, no quarto do fi-
lho dele, o Ruyzito, que esta-
va viajando.
No dia seguinte, segunda-
feira, eu, o Dr. Ruy, Olinda e
o presidente do Sindicato
dos Jornalistas, Audálio Dan-
tas, fomos os quatro ao quar-
tel do 2.º Exército para que
eu me apresentasse. Fomos
recebidos pelo general Ferrei-
ra Marques, uma vez que o
então comandante, general
Ednardo D’Ávila Mello, tinha
ido para Brasília. A conversa
durou cerca de meia hora,
com a presença de outros ofi-
ciais graduados. E nela ficou
acertado que eu permanece-
ria nas dependências do 2.º
Exército para prestar depoi-
mento e responder às pergun-
tas que me fossem feitas.
O importante, na conversa,
foi o que o Dr. Ruy disse ao fi-
nal, e que resumo no seguin-
te: ele, Dr. Ruy Mesquita, e o
jornal que dirigia, o Estado, a
partir daquele momento pas-
sariam a considerar o general
Ferreira Marques pessoal-
mente responsável pelo que
acontecesse ao jornalista
Marco Antonio Rocha, que
ali estava presente e ali fica-
ria para ser interrogado. O
oficial-general, pretendendo
não ter entendido o porquê
da advertência, protestou
que ela era inteiramente des-
necessária, ao que o Dr. Ruy
afirmou que se tornara neces-
sária à luz dos fatos do sába-
do que haviam resultado na
morte do jornalista Vladimir
Herzog, não no quartel-gene-
ral, mas em dependência poli-
cial militar vinculada ao 2.º
Exército. Com esse final, to-
dos se despediram e eu fi-
quei “internado” para o de-
poimento e interrogatório
que durariam uma semana.
Eu não era, até então, nin-
guém especial, nem no jornal
nem na vida do Dr. Ruy ou de
sua família. Não podia espe-
rar ser tratado pelo patrão
com a hombridade, dignida-
de e coragem demonstradas
pelo Dr. Ruy naqueles dias
trágicos e politicamente vio-
lentos.
Dois anos depois, o mesmo
patrão, que nada me devia,
nem mesmo laços de amiza-
de, teria um segundo gesto
de apreço pela verdade e pe-
lo seu funcionário, ao compa-
recer perante o Tribunal Mili-
tar para depor em minha de-
fesa no processo em que fui
acusado de ser subversivo,
comunista e traidor da Pá-
tria, nos termos da Lei de Se-
gurança Nacional da época,
que, como quase ninguém ho-
je sabe, ou se lembra, previa
pena de morte para os conde-
nados. Fui absolvido.
De tudo ficou em minha
consciência o exemplo de
um dos melhores e mais aten-
tos jornalistas que conheci
nos meus 55 anos de profis-
são, mas também de uma fi-
gura humana de grandeza
sem par: Ruy Mesquita.
Dois irmãos
contra a
mordaça da
ditadura
‘Estado’ e ‘JT’ continuaram apurando e
escrevendo como se não houvesse censura
●
1935
Ruy entra no 1.º ano do giná-
sio, no Colégio São Luís.
●
1936
Com o início da Guerra Civil
Espanhola, o Estado apoia o
governo republicano, atacado
pelas tropas do general Franco.
Por isso, os padres jesuítas do
Colégio São Luís passam a per-
seguir Ruy, seu irmão Julio e
seus primos Luiz, José, Jorge e
Paulo, que estudavam lá.
●
10/11/1937
Começa o Estado Novo
(1937-1945), fase ditatorial do
governo de Getúlio Vargas. Na
véspera, Armando de Salles
Oliveira, candidato à Presidên-
cia, alerta os militares para o
golpe. O Congresso é dissolvi-
do e uma nova Constituição,
inspirada no fascismo italiano,
é imposta. Julio de Mesquita
Filho é preso 17 vezes de no-
vembro de 1937 a maio de 1938.
●
1938
Expulso do Colégio São Luís,
Ruy se transfere para o Colégio
Rio Branco.
●
3/11/1938
JuliodeMesquitaFilhoeArman-
dodeSallesOliveirasãoexpulsos
doPaísepartemdenavioparaa
França.SóamãedeRuy,Marina,
acompanhaopai.Eleeosirmãos
vãomorarcomostiosFrancisco
eAlicinha.
●
1939
Na iminência da 2.ª Guerra,
Julio de Mesquita Filho e Ar-
mando Salles embarcam em
abril para os Estados Unidos.
Julio se transfere para Bue-
nos Aires em julho.
Jornal da Tarde. Informações censuradas sobre Geisel,
escolhido para suceder a Médici, trocadas por receitas
Estado. Poema de Camões substituiu notícia vetada sobre
a vitória do oposicionista MDB nas eleições de 1974
Jose Maria Mayrink
ReceitasdebolosedocesnoJor-
nal da Tarde, poemas de Luís
deCamõesno Estado.Ojorna-
lista Ruy Mesquita e seu irmão
Julio de Mesquita Neto dribla-
ramacensuracomobstinaçãoe
criatividade durante o regime
militar,quandoaditaduraproi-
biu,apósaediçãodoAtoInstitu-
cional n.º 5 (AI-5), a publicação
de espaços em branco no lugar
do material cortado.
Por orientação do pai, Julio
de Mesquita Filho, não se faria
autocensura e, sendo assim, a
ordem era apurar os fatos e es-
crever as reportagens como se
tudo estivesse normal.
Foi de Ruy Mesquita a ideia
de publicar receitas de bolos e
doces para cobrir as colunas
que o lápis vermelho dos cen-
sores da ditadura deixava va-
zias.
A censura do regime militar
começouem13dedezembrode
1968, na madrugada anterior à
divulgaçãodoAI-5,quandooEs-
tado foi apreendido, nas ofici-
nasdaRuaMajorQuedinho,en-
tão sede da empresa, por causa
doeditorialInstituiçõesemFran-
galhos,escritoporJuliodeMes-
quita Filho.
Os censores instalaram-se
na redação e ali permaneceram
até6dejaneirode1969,quando
passaramaproibirtextos,fotos
e ilustrações pelo telefone, bi-
lhetes e recados.
Voltaram em 1972, depois de
o Estado divulgar uma nota in-
formandoqueosgeneraisdiscu-
tiam a sucessão presidencial
nosquartéiseErnestoGeiselse-
riaindicadoparasubstituirEmí-
lio Garrastazu Médici.
Não foi a primeira vez que os
Mesquitas foram impedidos de
informar com liberdade. Julio
Mesquita, o patriarca da famí-
lia,foicensuradonosanosda1.ª
Guerra Mundial (1914-1918) e
durante a Revolução Paulista
de1924,tantopelastropasrebel-
des quanto pelas forças do go-
verno de Artur Bernardes.
A censura voltou em 1932 e
depoisem1937,quandoJuliode
Mesquita Filho e seu irmão
Francisco Mesquita combate-
ram a ditadura de Getúlio Var-
gas. De 1940 a 1945, o governo
ocupou as instalações do Esta-
do, que não conta esse período
em seus 138 anos de história.
A censura voltou às páginas
do Estado em julho de 2009,
quando o jornal foi proibido
por decisão judicial de publicar
informações sobre atividades
suspeitas do empresário Fer-
nando Sarney, filho do senador
José Sarney.
‘Aordemno‘Estado’eno
‘JT’eraapurarepublicar’
DEPOIMENTO
REPRODUÇÃO
‘Figurahumanade
grandezasempar’
1925 2013
MarcoAntonio Rocha, jornalista
Ruy Mesquita
ARQUIVO/ESTADÃO
Execução. Morte de Herzog
foi anunciada como suicídio
✝★
O episódio em que Ruy
testemunhou a
favor de jornalista
acusado de ser subversivo
e comunista pela ditadura
Em entrevista gravada, em 9 de
julho de 2008, para o livro Mor-
daça no Estadão, publicado em
dezembrodomesmoano,ojor-
nalista Ruy Mesquita relembra
como foi a censura da ditadura
noEstadoenoJornaldaTarde,
após a edição do AI-5, de 13 de
dezembro de 1968. A seguir, os
principais trechos.
Censura. “Não fomos infor-
mados de que haveria censura.
Nóssupusemosque,comoesta-
va acontecendo aquilo, esta-
vam apreendendo a edição do
Estado por causa do editorial
Instituições em Frangalhos.”
Bombas. “As duas bombas
que puseram no jornal – na Rua
Major Quedinho –, nanossa in-
terpretação partiram da linha
duradaRevolução,inconforma-
da com a independência que o
jornal vinha demonstrando – a
independêncianão,ainsubordi-
nação–denãoatenderaostele-
fonemas sugerindo que essa ou
aquelamatérianãopodiaserpu-
blicada.Aúltimabomba,jánes-
te prédio aqui (atual sede do
Grupo Estado, no Bairro do Li-
mão),essaeunãoseiquempôs.
Achoquepodemtersidoinimi-
gosnossos daesquerda. Foide-
pois de 1976.”
Desafio. “A ordem era apu-
rarepublicar.Mesmoporque,se
tivessehavidoautocensura,não
teria acontecido o que aconte-
ceu, que foi a vinda de censores
no momento mais crítico e de
endurecimentomaiordaditadu-
ra,nofim do governo Médici.”
Fim da censura. “Assim
queGeiselassumiuounavéspe-
ra de assumir, chamou o Julio
Neto e expôs o projeto dele de
aberturademocrática,assumin-
doperanteo JulioeoEstadoo
compromisso de suspender, de
acabar com a censura nos jor-
nais. O que acabou fazendo.”
Geisel.“Euqueriafazerjusti-
ça ao general Geisel. Acho que
ele foi muito caluniado. Ele sa-
biadaforçaquetinhaachamada
linhadura.Eleplanejouestrate-
gicamenteoprocessodeabertu-
ra democrática que permitisse
que ele ganhasse a parada con-
tra a linha dura, que estava vi-
va.”/ J.M.M.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3Luciana Moherdaui
 
2014 50 anos da ditadura civil militar no brasil
2014  50 anos da ditadura civil militar no brasil2014  50 anos da ditadura civil militar no brasil
2014 50 anos da ditadura civil militar no brasilEnio Economia & Finanças
 
Ditadura tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)
Ditadura   tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)Ditadura   tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)
Ditadura tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)Lola Lisbeth
 
1964 o julgamento de deus capitulo 2
1964 o julgamento de deus   capitulo 21964 o julgamento de deus   capitulo 2
1964 o julgamento de deus capitulo 2Jamildo Melo
 
Dutraevargas 140313041520-phpapp02
Dutraevargas 140313041520-phpapp02Dutraevargas 140313041520-phpapp02
Dutraevargas 140313041520-phpapp02maida marciano
 

Mais procurados (10)

Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H3
 
2014 50 anos da ditadura civil militar no brasil
2014  50 anos da ditadura civil militar no brasil2014  50 anos da ditadura civil militar no brasil
2014 50 anos da ditadura civil militar no brasil
 
Galileu
GalileuGalileu
Galileu
 
Ditadura tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)
Ditadura   tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)Ditadura   tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)
Ditadura tortura e resistencia ( armada e movimentos sociais)
 
O General de Divisão Reformado do Exército
O General de Divisão Reformado do ExércitoO General de Divisão Reformado do Exército
O General de Divisão Reformado do Exército
 
Governo dutra
Governo dutraGoverno dutra
Governo dutra
 
Monografia
MonografiaMonografia
Monografia
 
Ept2206p0004
Ept2206p0004Ept2206p0004
Ept2206p0004
 
1964 o julgamento de deus capitulo 2
1964 o julgamento de deus   capitulo 21964 o julgamento de deus   capitulo 2
1964 o julgamento de deus capitulo 2
 
Dutraevargas 140313041520-phpapp02
Dutraevargas 140313041520-phpapp02Dutraevargas 140313041520-phpapp02
Dutraevargas 140313041520-phpapp02
 

Destaque

Destaque (20)

Redes de computadores
Redes de computadoresRedes de computadores
Redes de computadores
 
Exito y liderazgo[1]
Exito y liderazgo[1]Exito y liderazgo[1]
Exito y liderazgo[1]
 
Projeto Pare e Pense
Projeto Pare e PenseProjeto Pare e Pense
Projeto Pare e Pense
 
Convertitore da positivo a negativo. applicazioni 2010-11-03
Convertitore da positivo a negativo. applicazioni   2010-11-03Convertitore da positivo a negativo. applicazioni   2010-11-03
Convertitore da positivo a negativo. applicazioni 2010-11-03
 
Copa do Mundo x Dia dos Namorados nas Mídias Sociais
Copa do Mundo x Dia dos Namorados nas Mídias SociaisCopa do Mundo x Dia dos Namorados nas Mídias Sociais
Copa do Mundo x Dia dos Namorados nas Mídias Sociais
 
Parte1a
Parte1aParte1a
Parte1a
 
Os moluscos
Os moluscosOs moluscos
Os moluscos
 
Melhor amigo ok
Melhor amigo   okMelhor amigo   ok
Melhor amigo ok
 
Oração com São Francisco
Oração com São FranciscoOração com São Francisco
Oração com São Francisco
 
Miró
MiróMiró
Miró
 
Cosméticos
CosméticosCosméticos
Cosméticos
 
Pinga fogo ponto eletrônico
Pinga fogo ponto eletrônicoPinga fogo ponto eletrônico
Pinga fogo ponto eletrônico
 
Storytelling
StorytellingStorytelling
Storytelling
 
Binder1a
Binder1aBinder1a
Binder1a
 
Apresentação 1 - Esc. Sec. Infanta D.Maria (imagem)
Apresentação 1 - Esc. Sec. Infanta D.Maria (imagem)Apresentação 1 - Esc. Sec. Infanta D.Maria (imagem)
Apresentação 1 - Esc. Sec. Infanta D.Maria (imagem)
 
BOLETIM 04/10/2013 PIB JOINVILLE
BOLETIM 04/10/2013 PIB JOINVILLEBOLETIM 04/10/2013 PIB JOINVILLE
BOLETIM 04/10/2013 PIB JOINVILLE
 
Oracaosfa
OracaosfaOracaosfa
Oracaosfa
 
Ucha aratangy
Ucha aratangyUcha aratangy
Ucha aratangy
 
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão: Página A3
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão: Página A3Obituário do Ruy Mesquita no Estadão: Página A3
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão: Página A3
 
Cultura da Convergência
Cultura da ConvergênciaCultura da Convergência
Cultura da Convergência
 

Semelhante a Ruy Mesquita, obituário Estadão, H4

Língua Portuguesa - Quem é Vladimir Herzog
Língua Portuguesa - Quem é Vladimir HerzogLíngua Portuguesa - Quem é Vladimir Herzog
Língua Portuguesa - Quem é Vladimir HerzogWesley Germano Otávio
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Luciana Moherdaui
 
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Umberto Neves
 
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Umberto Neves
 
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a Ditadura
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a DitaduraHistória - Manifestações Culturais no Brasil durante a Ditadura
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a DitaduraAdriana Andrade
 
ditadura militar Brasil.pptx
ditadura militar Brasil.pptxditadura militar Brasil.pptx
ditadura militar Brasil.pptxRomulo Moura
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1Luciana Moherdaui
 
A história de olga benário
A história de olga benárioA história de olga benário
A história de olga benárioDaniele Moura
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5Luciana Moherdaui
 
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptx
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptxDITADURA MILITAR NO BRASIL.pptx
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptxMariaLuizza3
 
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014Umberto Neves
 
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista finalMarcia Nascimento
 
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014Umberto Neves
 

Semelhante a Ruy Mesquita, obituário Estadão, H4 (20)

Língua Portuguesa - Quem é Vladimir Herzog
Língua Portuguesa - Quem é Vladimir HerzogLíngua Portuguesa - Quem é Vladimir Herzog
Língua Portuguesa - Quem é Vladimir Herzog
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
 
Jornalismo investigativo
Jornalismo investigativoJornalismo investigativo
Jornalismo investigativo
 
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
 
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
Destaques Enciclopédia 23-03-2015 a 31-03-2015
 
Direito
DireitoDireito
Direito
 
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a Ditadura
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a DitaduraHistória - Manifestações Culturais no Brasil durante a Ditadura
História - Manifestações Culturais no Brasil durante a Ditadura
 
ditadura militar Brasil.pptx
ditadura militar Brasil.pptxditadura militar Brasil.pptx
ditadura militar Brasil.pptx
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H1
 
Ditadura militar
Ditadura militarDitadura militar
Ditadura militar
 
A história de olga benário
A história de olga benárioA história de olga benário
A história de olga benário
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H5
 
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptx
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptxDITADURA MILITAR NO BRASIL.pptx
DITADURA MILITAR NO BRASIL.pptx
 
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014
Destaques Enciclopédia 27-10-2014 a 02-11-2014
 
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final
1 massacre da lapa o delator e a tropicália maoista final
 
Olga[1]
Olga[1]Olga[1]
Olga[1]
 
Olga[1]
Olga[1]Olga[1]
Olga[1]
 
Olga[1]
Olga[1]Olga[1]
Olga[1]
 
Olga[1]
Olga[1]Olga[1]
Olga[1]
 
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014
Destaques Enciclopédia 15-12-2014 a 21-12-2014
 

Mais de Luciana Moherdaui

Relatório do PL das Fake News
Relatório do PL das Fake News Relatório do PL das Fake News
Relatório do PL das Fake News Luciana Moherdaui
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6Folha de S.Paulo - Poder, p. 6
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6Luciana Moherdaui
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5Folha de S.Paulo - Poder, p. 5
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5Luciana Moherdaui
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4Folha de S.Paulo - Poder, p. 4
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4Luciana Moherdaui
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2Folha de S.Paulo - Poder, p. 2
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2Luciana Moherdaui
 
Tiempo real, tiempo de cambios
Tiempo real, tiempo de cambiosTiempo real, tiempo de cambios
Tiempo real, tiempo de cambiosLuciana Moherdaui
 
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexões
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexõesAvanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexões
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexõesLuciana Moherdaui
 
O papel dos jornais é perene
O papel dos jornais é perene O papel dos jornais é perene
O papel dos jornais é perene Luciana Moherdaui
 
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"Luciana Moherdaui
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9Luciana Moherdaui
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8Luciana Moherdaui
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7Luciana Moherdaui
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6Luciana Moherdaui
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2Luciana Moherdaui
 
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na Web
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na WebInterfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na Web
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na WebLuciana Moherdaui
 

Mais de Luciana Moherdaui (20)

Relatório do PL das Fake News
Relatório do PL das Fake News Relatório do PL das Fake News
Relatório do PL das Fake News
 
Cada macaco no seu galho 2
Cada macaco no seu galho 2Cada macaco no seu galho 2
Cada macaco no seu galho 2
 
Cada macaco no seu galho
Cada macaco no seu galhoCada macaco no seu galho
Cada macaco no seu galho
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6Folha de S.Paulo - Poder, p. 6
Folha de S.Paulo - Poder, p. 6
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5Folha de S.Paulo - Poder, p. 5
Folha de S.Paulo - Poder, p. 5
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4Folha de S.Paulo - Poder, p. 4
Folha de S.Paulo - Poder, p. 4
 
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2Folha de S.Paulo - Poder, p. 2
Folha de S.Paulo - Poder, p. 2
 
Folha de S.Paulo - Poder
Folha de S.Paulo - Poder Folha de S.Paulo - Poder
Folha de S.Paulo - Poder
 
Tiempo real, tiempo de cambios
Tiempo real, tiempo de cambiosTiempo real, tiempo de cambios
Tiempo real, tiempo de cambios
 
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexões
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexõesAvanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexões
Avanço de novas manias diante da TV depende da melhoria de conexões
 
Onde está wally
Onde está wallyOnde está wally
Onde está wally
 
O papel dos jornais é perene
O papel dos jornais é perene O papel dos jornais é perene
O papel dos jornais é perene
 
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"
Obituário do Ruy Mesquita no Estadão 2: "Haverá sempre moicanos"
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H9
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H8
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H7
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H6
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2
Ruy Mesquita, obituário Estadão, H2
 
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na Web
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na WebInterfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na Web
Interfaces nômades - Uma proposta para orientar o fluxo noticioso na Web
 
Interfaces Nômades
Interfaces Nômades Interfaces Nômades
Interfaces Nômades
 

Ruy Mesquita, obituário Estadão, H4

  • 1. %HermesFileInfo:H-4:20130522: H4 Especial QUARTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO Era domingo. Vladimir Her- zog havia sido morto nas de- pendências do DOI-Codi no dia anterior, sábado, 25 de ou- tubro de 1975. Eu, meus fi- lhos e minha mulher Olinda, já falecida, estávamos na fa- zenda da mãe dela, em Guara- tinguetá. As emissoras de rá- dio noticiavam a morte de Vlado juntamente com o co- municado oficial do 2.º Exér- cito de que ele cometera “sui- cídio”. As rádios informavam ainda que “as autoridades” buscavam outros comunistas mencionados num bilhete que o Vlado tentara rasgar, mas elas haviam reconstituí- do. Entre os procurados – vá- rios colegas nossos – surgia também o meu nome. Depois de conversar com minha mu- lher, resolvi me apresentar e, em seguida, liguei para o Es- tadão. Puseram-me em conta- to com o Dr. Ruy Mesquita. Ele me disse que viesse pa- ra São Paulo, mas não fosse para minha casa, e sim para a redação do jornal. Tomamos um táxi, eu e Olinda (meus fi- lhos, pequenos, ficaram na fa- zenda), e viemos para São Paulo. Fui para a redação do jornal. Ali o Dr. Ruy me disse que naquela noite eu dormi- ria na casa dele e só no dia se- guinte decidiríamos se eu me apresentaria às chamadas “autoridades”, ou não. Pas- sei, de fato, a noite na casa do Dr. Ruy, no quarto do fi- lho dele, o Ruyzito, que esta- va viajando. No dia seguinte, segunda- feira, eu, o Dr. Ruy, Olinda e o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio Dan- tas, fomos os quatro ao quar- tel do 2.º Exército para que eu me apresentasse. Fomos recebidos pelo general Ferrei- ra Marques, uma vez que o então comandante, general Ednardo D’Ávila Mello, tinha ido para Brasília. A conversa durou cerca de meia hora, com a presença de outros ofi- ciais graduados. E nela ficou acertado que eu permanece- ria nas dependências do 2.º Exército para prestar depoi- mento e responder às pergun- tas que me fossem feitas. O importante, na conversa, foi o que o Dr. Ruy disse ao fi- nal, e que resumo no seguin- te: ele, Dr. Ruy Mesquita, e o jornal que dirigia, o Estado, a partir daquele momento pas- sariam a considerar o general Ferreira Marques pessoal- mente responsável pelo que acontecesse ao jornalista Marco Antonio Rocha, que ali estava presente e ali fica- ria para ser interrogado. O oficial-general, pretendendo não ter entendido o porquê da advertência, protestou que ela era inteiramente des- necessária, ao que o Dr. Ruy afirmou que se tornara neces- sária à luz dos fatos do sába- do que haviam resultado na morte do jornalista Vladimir Herzog, não no quartel-gene- ral, mas em dependência poli- cial militar vinculada ao 2.º Exército. Com esse final, to- dos se despediram e eu fi- quei “internado” para o de- poimento e interrogatório que durariam uma semana. Eu não era, até então, nin- guém especial, nem no jornal nem na vida do Dr. Ruy ou de sua família. Não podia espe- rar ser tratado pelo patrão com a hombridade, dignida- de e coragem demonstradas pelo Dr. Ruy naqueles dias trágicos e politicamente vio- lentos. Dois anos depois, o mesmo patrão, que nada me devia, nem mesmo laços de amiza- de, teria um segundo gesto de apreço pela verdade e pe- lo seu funcionário, ao compa- recer perante o Tribunal Mili- tar para depor em minha de- fesa no processo em que fui acusado de ser subversivo, comunista e traidor da Pá- tria, nos termos da Lei de Se- gurança Nacional da época, que, como quase ninguém ho- je sabe, ou se lembra, previa pena de morte para os conde- nados. Fui absolvido. De tudo ficou em minha consciência o exemplo de um dos melhores e mais aten- tos jornalistas que conheci nos meus 55 anos de profis- são, mas também de uma fi- gura humana de grandeza sem par: Ruy Mesquita. Dois irmãos contra a mordaça da ditadura ‘Estado’ e ‘JT’ continuaram apurando e escrevendo como se não houvesse censura ● 1935 Ruy entra no 1.º ano do giná- sio, no Colégio São Luís. ● 1936 Com o início da Guerra Civil Espanhola, o Estado apoia o governo republicano, atacado pelas tropas do general Franco. Por isso, os padres jesuítas do Colégio São Luís passam a per- seguir Ruy, seu irmão Julio e seus primos Luiz, José, Jorge e Paulo, que estudavam lá. ● 10/11/1937 Começa o Estado Novo (1937-1945), fase ditatorial do governo de Getúlio Vargas. Na véspera, Armando de Salles Oliveira, candidato à Presidên- cia, alerta os militares para o golpe. O Congresso é dissolvi- do e uma nova Constituição, inspirada no fascismo italiano, é imposta. Julio de Mesquita Filho é preso 17 vezes de no- vembro de 1937 a maio de 1938. ● 1938 Expulso do Colégio São Luís, Ruy se transfere para o Colégio Rio Branco. ● 3/11/1938 JuliodeMesquitaFilhoeArman- dodeSallesOliveirasãoexpulsos doPaísepartemdenavioparaa França.SóamãedeRuy,Marina, acompanhaopai.Eleeosirmãos vãomorarcomostiosFrancisco eAlicinha. ● 1939 Na iminência da 2.ª Guerra, Julio de Mesquita Filho e Ar- mando Salles embarcam em abril para os Estados Unidos. Julio se transfere para Bue- nos Aires em julho. Jornal da Tarde. Informações censuradas sobre Geisel, escolhido para suceder a Médici, trocadas por receitas Estado. Poema de Camões substituiu notícia vetada sobre a vitória do oposicionista MDB nas eleições de 1974 Jose Maria Mayrink ReceitasdebolosedocesnoJor- nal da Tarde, poemas de Luís deCamõesno Estado.Ojorna- lista Ruy Mesquita e seu irmão Julio de Mesquita Neto dribla- ramacensuracomobstinaçãoe criatividade durante o regime militar,quandoaditaduraproi- biu,apósaediçãodoAtoInstitu- cional n.º 5 (AI-5), a publicação de espaços em branco no lugar do material cortado. Por orientação do pai, Julio de Mesquita Filho, não se faria autocensura e, sendo assim, a ordem era apurar os fatos e es- crever as reportagens como se tudo estivesse normal. Foi de Ruy Mesquita a ideia de publicar receitas de bolos e doces para cobrir as colunas que o lápis vermelho dos cen- sores da ditadura deixava va- zias. A censura do regime militar começouem13dedezembrode 1968, na madrugada anterior à divulgaçãodoAI-5,quandooEs- tado foi apreendido, nas ofici- nasdaRuaMajorQuedinho,en- tão sede da empresa, por causa doeditorialInstituiçõesemFran- galhos,escritoporJuliodeMes- quita Filho. Os censores instalaram-se na redação e ali permaneceram até6dejaneirode1969,quando passaramaproibirtextos,fotos e ilustrações pelo telefone, bi- lhetes e recados. Voltaram em 1972, depois de o Estado divulgar uma nota in- formandoqueosgeneraisdiscu- tiam a sucessão presidencial nosquartéiseErnestoGeiselse- riaindicadoparasubstituirEmí- lio Garrastazu Médici. Não foi a primeira vez que os Mesquitas foram impedidos de informar com liberdade. Julio Mesquita, o patriarca da famí- lia,foicensuradonosanosda1.ª Guerra Mundial (1914-1918) e durante a Revolução Paulista de1924,tantopelastropasrebel- des quanto pelas forças do go- verno de Artur Bernardes. A censura voltou em 1932 e depoisem1937,quandoJuliode Mesquita Filho e seu irmão Francisco Mesquita combate- ram a ditadura de Getúlio Var- gas. De 1940 a 1945, o governo ocupou as instalações do Esta- do, que não conta esse período em seus 138 anos de história. A censura voltou às páginas do Estado em julho de 2009, quando o jornal foi proibido por decisão judicial de publicar informações sobre atividades suspeitas do empresário Fer- nando Sarney, filho do senador José Sarney. ‘Aordemno‘Estado’eno ‘JT’eraapurarepublicar’ DEPOIMENTO REPRODUÇÃO ‘Figurahumanade grandezasempar’ 1925 2013 MarcoAntonio Rocha, jornalista Ruy Mesquita ARQUIVO/ESTADÃO Execução. Morte de Herzog foi anunciada como suicídio ✝★ O episódio em que Ruy testemunhou a favor de jornalista acusado de ser subversivo e comunista pela ditadura Em entrevista gravada, em 9 de julho de 2008, para o livro Mor- daça no Estadão, publicado em dezembrodomesmoano,ojor- nalista Ruy Mesquita relembra como foi a censura da ditadura noEstadoenoJornaldaTarde, após a edição do AI-5, de 13 de dezembro de 1968. A seguir, os principais trechos. Censura. “Não fomos infor- mados de que haveria censura. Nóssupusemosque,comoesta- va acontecendo aquilo, esta- vam apreendendo a edição do Estado por causa do editorial Instituições em Frangalhos.” Bombas. “As duas bombas que puseram no jornal – na Rua Major Quedinho –, nanossa in- terpretação partiram da linha duradaRevolução,inconforma- da com a independência que o jornal vinha demonstrando – a independêncianão,ainsubordi- nação–denãoatenderaostele- fonemas sugerindo que essa ou aquelamatérianãopodiaserpu- blicada.Aúltimabomba,jánes- te prédio aqui (atual sede do Grupo Estado, no Bairro do Li- mão),essaeunãoseiquempôs. Achoquepodemtersidoinimi- gosnossos daesquerda. Foide- pois de 1976.” Desafio. “A ordem era apu- rarepublicar.Mesmoporque,se tivessehavidoautocensura,não teria acontecido o que aconte- ceu, que foi a vinda de censores no momento mais crítico e de endurecimentomaiordaditadu- ra,nofim do governo Médici.” Fim da censura. “Assim queGeiselassumiuounavéspe- ra de assumir, chamou o Julio Neto e expôs o projeto dele de aberturademocrática,assumin- doperanteo JulioeoEstadoo compromisso de suspender, de acabar com a censura nos jor- nais. O que acabou fazendo.” Geisel.“Euqueriafazerjusti- ça ao general Geisel. Acho que ele foi muito caluniado. Ele sa- biadaforçaquetinhaachamada linhadura.Eleplanejouestrate- gicamenteoprocessodeabertu- ra democrática que permitisse que ele ganhasse a parada con- tra a linha dura, que estava vi- va.”/ J.M.M.