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6• REVISTA O GLOBO• 5 DE FEVEREIRO DE 2012




                                              a conta...
                                                         Dois cafés e

                                                                                                 por Mauro Ventura


                                             A                                               ...com Olivia Nassaris
                                                        australiana Olivia Nassaris
                                                        chegou ao Brasil em 2007, para
                                                        trabalhar durante três meses
                                                        numa favela. Encantada,
                                                                                             REVISTA O GLOBO: Como você veio parar no Rio?               Como é seu trabalho na Associação Iko Poran?
                                             estendeu o prazo para seis meses. Em                                                                        Coordeno os voluntários. Sou uma espécie de
                                                                                             OLÍVIA NASSARIS: Vim trabalhar como voluntária
                                             seguida, retornou a seu país, vendeu tudo       com crianças da Favela Final Feliz, em Anchieta.            mãe, enfermeira, guia, amiga. Estou até orga-
                                             que tinha e voltou “o mais rápido” que          Fazia atividades de inglês, arte, esporte, circo.           nizando fantasias para sairmos no Bloco das
                                                                                             Tudo para elas não ficarem à toa na rua. Três dias          Carmelitas. Eu os oriento sobre como viver o dia
                                             pôde para o Rio. “Sabia que queria morar
                                                                                             depois que cheguei, já estava apaixonada pelo               a dia no Rio, dou aulas de português, ensino como
                                             aqui.” Formada em Política e em Ciências                                                                    ir aos locais, seja de ônibus, metrô, van ou
                                                                                             Rio. Havia encontrado meu lugar no mundo. Aqui,
                                             Sociais, passou aperto, já que viveu            por exemplo, todo mundo cumprimenta você na                 mototáxi. Afinal, temos parceria com mais de 30
                                             ilegalmente por quase quatro anos.              rua. Vendi minhas coisas na Austrália e vim de vez          projetos, em lugares como Vila Kennedy, Cidade
                                                                                             para cá. Mas aí o projeto em Anchieta já havia              de Deus, Ilha do Governador, Rocinha. Podem ser
                                             Hoje, já com residência permanente, é
                                                                                             fechado. Ao visitar as crianças da favela, os pais          creches e hortas comunitárias, aulas de dança,
                                             coordenadora da Associação Iko Poran                                                                        programas de meio ambiente, tecnologia, saúde.
                                                                                             perguntaram se eu não queria reabrir o projeto.
                                             <www.ikoporan.org>, que trabalha                Usei todo o dinheiro que tinha na compra de uma             Quem são esses voluntários estrangeiros?
                                             com turismo voluntário. Desde 2003, a           casa na comunidade e retomei as atividades. Em              Eles vêm dos mais variados países, como
                                             instituição traz estrangeiros que queiram       2011, o projeto fechou, e o Luis Felipe (Murray)            Inglaterra, Dinamarca, Rússia, Polônia, Estônia.
                                                                                             me chamou para ser coordenadora da Iko Poran.               No momento, temos 52 voluntários. Sete estão
                                             aliar turismo e trabalho social. No
                                                                                             Acabei doando a casa para a comunidade.                     nos barracões da Mangueira e do Salgueiro,
                                             primeiro ano, vieram dois. Em 2004, 18.
                                                                                             Após gastar todo o seu dinheiro na casa, como você          ajudando nas fantasias e nos carros alegóricos.
                                             Para este ano, estão previstos 300. Olivia                                                                  E vão chegar mais 20 neste fim de semana.
                                                                                             fazia para sobreviver? Como era viver ilegalmente?
                                             veio numa das viagens promovidas pela
                                                                                             Eu dava aula particular de inglês. Morava com               Como é esse turismo voluntário?
                                             Iko Poran. Os voluntários ficam de quatro       uma amiga, que alugou apartamento no Catumbi.               Não é favela tour. Não é passear de jipe olhando
                                             a 24 semanas no Rio. Cada um paga R$            Lembro que um dia estava sem dinheiro até para              de longe e tirando foto. É participar da vida dos
                                             2.100 por quatro semanas, e tem direito         ir a Anchieta. Liguei desesperada para minha                outros. No início, você chega pensando que vai
                                             a traslado do aeroporto, acomodação e a         mãe. Ela falou: “Por que você não volta, trabalha,          salvar o mundo. Mas aí percebe que aprendeu
                                                                                             guarda dinheiro e retorna ao Rio?” Eu disse: “Você          mais do que ensinou. Estamos construindo dez
                                             chance de ajudar. A associação, fundada         não me ensinou a desistir de algo só porque é               casas na Barreira do Vasco, na parte mais pobre
                                             por Luis Felipe Murray, faz parcerias com       difícil.” Sem CPF, não podia abrir conta, ter celular.      da favela. Todo mundo tem direito a uma moradia
                                             ONGs, cedendo os voluntários e doando           Uma vez peguei gripe suína e um taxista me levou            saudável. Vamos entregar agora a primeira casa,
                                             dinheiro para projetos. Após a entrevista,      a quatro hospitais públicos. Ele ia até a recepção,         para dona Márcia, que tem uma filha especial e
                                                                                             mas negavam atendimento. Teve que me levar a                vivia num barraco de madeira, papelão e lona. Eu
                                             Olivia, de 34 anos, seguiu para o               um hospital particular. Eu quis pagar a corrida,            e outros voluntários carregamos 800 tijolos, 200
                                             Complexo do Alemão. “Ouvi falar que um          mas ele não deixou. Até que o governo anistiou os           sacos de pedra e 200 de areia na mão. Também
                                             projeto de lá precisa de professores de         estrangeiros ilegais. Quando recebi meu CPF, no             misturei concreto, lixei e pintei paredes. É o
                                             inglês. Vou ver como podemos ajudar.”           fim de 2011, saí mostrando para todo mundo.                 melhor presente que você pode dar e receber.
                                                                                          Blog do colunista: oglobo.globo.com/rio/ancelmo/dizventura   Twitter: twitter.com/dizventura   Email:mventura@oglobo.com.br

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Voluntária australiana coordena ONG que promove turismo social no Rio

  • 1. O Ana Branco 6• REVISTA O GLOBO• 5 DE FEVEREIRO DE 2012 a conta... Dois cafés e por Mauro Ventura A ...com Olivia Nassaris australiana Olivia Nassaris chegou ao Brasil em 2007, para trabalhar durante três meses numa favela. Encantada, REVISTA O GLOBO: Como você veio parar no Rio? Como é seu trabalho na Associação Iko Poran? estendeu o prazo para seis meses. Em Coordeno os voluntários. Sou uma espécie de OLÍVIA NASSARIS: Vim trabalhar como voluntária seguida, retornou a seu país, vendeu tudo com crianças da Favela Final Feliz, em Anchieta. mãe, enfermeira, guia, amiga. Estou até orga- que tinha e voltou “o mais rápido” que Fazia atividades de inglês, arte, esporte, circo. nizando fantasias para sairmos no Bloco das Tudo para elas não ficarem à toa na rua. Três dias Carmelitas. Eu os oriento sobre como viver o dia pôde para o Rio. “Sabia que queria morar depois que cheguei, já estava apaixonada pelo a dia no Rio, dou aulas de português, ensino como aqui.” Formada em Política e em Ciências ir aos locais, seja de ônibus, metrô, van ou Rio. Havia encontrado meu lugar no mundo. Aqui, Sociais, passou aperto, já que viveu por exemplo, todo mundo cumprimenta você na mototáxi. Afinal, temos parceria com mais de 30 ilegalmente por quase quatro anos. rua. Vendi minhas coisas na Austrália e vim de vez projetos, em lugares como Vila Kennedy, Cidade para cá. Mas aí o projeto em Anchieta já havia de Deus, Ilha do Governador, Rocinha. Podem ser Hoje, já com residência permanente, é fechado. Ao visitar as crianças da favela, os pais creches e hortas comunitárias, aulas de dança, coordenadora da Associação Iko Poran programas de meio ambiente, tecnologia, saúde. perguntaram se eu não queria reabrir o projeto. <www.ikoporan.org>, que trabalha Usei todo o dinheiro que tinha na compra de uma Quem são esses voluntários estrangeiros? com turismo voluntário. Desde 2003, a casa na comunidade e retomei as atividades. Em Eles vêm dos mais variados países, como instituição traz estrangeiros que queiram 2011, o projeto fechou, e o Luis Felipe (Murray) Inglaterra, Dinamarca, Rússia, Polônia, Estônia. me chamou para ser coordenadora da Iko Poran. No momento, temos 52 voluntários. Sete estão aliar turismo e trabalho social. No Acabei doando a casa para a comunidade. nos barracões da Mangueira e do Salgueiro, primeiro ano, vieram dois. Em 2004, 18. Após gastar todo o seu dinheiro na casa, como você ajudando nas fantasias e nos carros alegóricos. Para este ano, estão previstos 300. Olivia E vão chegar mais 20 neste fim de semana. fazia para sobreviver? Como era viver ilegalmente? veio numa das viagens promovidas pela Eu dava aula particular de inglês. Morava com Como é esse turismo voluntário? Iko Poran. Os voluntários ficam de quatro uma amiga, que alugou apartamento no Catumbi. Não é favela tour. Não é passear de jipe olhando a 24 semanas no Rio. Cada um paga R$ Lembro que um dia estava sem dinheiro até para de longe e tirando foto. É participar da vida dos 2.100 por quatro semanas, e tem direito ir a Anchieta. Liguei desesperada para minha outros. No início, você chega pensando que vai a traslado do aeroporto, acomodação e a mãe. Ela falou: “Por que você não volta, trabalha, salvar o mundo. Mas aí percebe que aprendeu guarda dinheiro e retorna ao Rio?” Eu disse: “Você mais do que ensinou. Estamos construindo dez chance de ajudar. A associação, fundada não me ensinou a desistir de algo só porque é casas na Barreira do Vasco, na parte mais pobre por Luis Felipe Murray, faz parcerias com difícil.” Sem CPF, não podia abrir conta, ter celular. da favela. Todo mundo tem direito a uma moradia ONGs, cedendo os voluntários e doando Uma vez peguei gripe suína e um taxista me levou saudável. Vamos entregar agora a primeira casa, dinheiro para projetos. Após a entrevista, a quatro hospitais públicos. Ele ia até a recepção, para dona Márcia, que tem uma filha especial e mas negavam atendimento. Teve que me levar a vivia num barraco de madeira, papelão e lona. Eu Olivia, de 34 anos, seguiu para o um hospital particular. Eu quis pagar a corrida, e outros voluntários carregamos 800 tijolos, 200 Complexo do Alemão. “Ouvi falar que um mas ele não deixou. Até que o governo anistiou os sacos de pedra e 200 de areia na mão. Também projeto de lá precisa de professores de estrangeiros ilegais. Quando recebi meu CPF, no misturei concreto, lixei e pintei paredes. É o inglês. Vou ver como podemos ajudar.” fim de 2011, saí mostrando para todo mundo. melhor presente que você pode dar e receber. Blog do colunista: oglobo.globo.com/rio/ancelmo/dizventura Twitter: twitter.com/dizventura Email:mventura@oglobo.com.br