[1] A australiana Olivia Nassaris veio para o Brasil em 2007 para trabalhar como voluntária em uma favela carioca e acabou se apaixonando pelo Rio de Janeiro, decidindo morar permanentemente na cidade.
[2] Hoje ela coordena a Associação Iko Poran, que traz voluntários estrangeiros para realizar trabalhos sociais em comunidades cariocas. Centenas de voluntários já passaram pela ONG.
[3] Olivia conta como foi difícil viver ilegalmente no início e como hoje o
Voluntária australiana coordena ONG que promove turismo social no Rio
1. O
Ana Branco
6• REVISTA O GLOBO• 5 DE FEVEREIRO DE 2012
a conta...
Dois cafés e
por Mauro Ventura
A ...com Olivia Nassaris
australiana Olivia Nassaris
chegou ao Brasil em 2007, para
trabalhar durante três meses
numa favela. Encantada,
REVISTA O GLOBO: Como você veio parar no Rio? Como é seu trabalho na Associação Iko Poran?
estendeu o prazo para seis meses. Em Coordeno os voluntários. Sou uma espécie de
OLÍVIA NASSARIS: Vim trabalhar como voluntária
seguida, retornou a seu país, vendeu tudo com crianças da Favela Final Feliz, em Anchieta. mãe, enfermeira, guia, amiga. Estou até orga-
que tinha e voltou “o mais rápido” que Fazia atividades de inglês, arte, esporte, circo. nizando fantasias para sairmos no Bloco das
Tudo para elas não ficarem à toa na rua. Três dias Carmelitas. Eu os oriento sobre como viver o dia
pôde para o Rio. “Sabia que queria morar
depois que cheguei, já estava apaixonada pelo a dia no Rio, dou aulas de português, ensino como
aqui.” Formada em Política e em Ciências ir aos locais, seja de ônibus, metrô, van ou
Rio. Havia encontrado meu lugar no mundo. Aqui,
Sociais, passou aperto, já que viveu por exemplo, todo mundo cumprimenta você na mototáxi. Afinal, temos parceria com mais de 30
ilegalmente por quase quatro anos. rua. Vendi minhas coisas na Austrália e vim de vez projetos, em lugares como Vila Kennedy, Cidade
para cá. Mas aí o projeto em Anchieta já havia de Deus, Ilha do Governador, Rocinha. Podem ser
Hoje, já com residência permanente, é
fechado. Ao visitar as crianças da favela, os pais creches e hortas comunitárias, aulas de dança,
coordenadora da Associação Iko Poran programas de meio ambiente, tecnologia, saúde.
perguntaram se eu não queria reabrir o projeto.
<www.ikoporan.org>, que trabalha Usei todo o dinheiro que tinha na compra de uma Quem são esses voluntários estrangeiros?
com turismo voluntário. Desde 2003, a casa na comunidade e retomei as atividades. Em Eles vêm dos mais variados países, como
instituição traz estrangeiros que queiram 2011, o projeto fechou, e o Luis Felipe (Murray) Inglaterra, Dinamarca, Rússia, Polônia, Estônia.
me chamou para ser coordenadora da Iko Poran. No momento, temos 52 voluntários. Sete estão
aliar turismo e trabalho social. No
Acabei doando a casa para a comunidade. nos barracões da Mangueira e do Salgueiro,
primeiro ano, vieram dois. Em 2004, 18.
Após gastar todo o seu dinheiro na casa, como você ajudando nas fantasias e nos carros alegóricos.
Para este ano, estão previstos 300. Olivia E vão chegar mais 20 neste fim de semana.
fazia para sobreviver? Como era viver ilegalmente?
veio numa das viagens promovidas pela
Eu dava aula particular de inglês. Morava com Como é esse turismo voluntário?
Iko Poran. Os voluntários ficam de quatro uma amiga, que alugou apartamento no Catumbi. Não é favela tour. Não é passear de jipe olhando
a 24 semanas no Rio. Cada um paga R$ Lembro que um dia estava sem dinheiro até para de longe e tirando foto. É participar da vida dos
2.100 por quatro semanas, e tem direito ir a Anchieta. Liguei desesperada para minha outros. No início, você chega pensando que vai
a traslado do aeroporto, acomodação e a mãe. Ela falou: “Por que você não volta, trabalha, salvar o mundo. Mas aí percebe que aprendeu
guarda dinheiro e retorna ao Rio?” Eu disse: “Você mais do que ensinou. Estamos construindo dez
chance de ajudar. A associação, fundada não me ensinou a desistir de algo só porque é casas na Barreira do Vasco, na parte mais pobre
por Luis Felipe Murray, faz parcerias com difícil.” Sem CPF, não podia abrir conta, ter celular. da favela. Todo mundo tem direito a uma moradia
ONGs, cedendo os voluntários e doando Uma vez peguei gripe suína e um taxista me levou saudável. Vamos entregar agora a primeira casa,
dinheiro para projetos. Após a entrevista, a quatro hospitais públicos. Ele ia até a recepção, para dona Márcia, que tem uma filha especial e
mas negavam atendimento. Teve que me levar a vivia num barraco de madeira, papelão e lona. Eu
Olivia, de 34 anos, seguiu para o um hospital particular. Eu quis pagar a corrida, e outros voluntários carregamos 800 tijolos, 200
Complexo do Alemão. “Ouvi falar que um mas ele não deixou. Até que o governo anistiou os sacos de pedra e 200 de areia na mão. Também
projeto de lá precisa de professores de estrangeiros ilegais. Quando recebi meu CPF, no misturei concreto, lixei e pintei paredes. É o
inglês. Vou ver como podemos ajudar.” fim de 2011, saí mostrando para todo mundo. melhor presente que você pode dar e receber.
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