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1
Consumo &
Endividamento
O futuro do comércio no Brasil
está comprometido?
Apresentação
É bom consumir!
A evolução recente do
consumo das famílias brasileiras
12x sem juros
A evolução recente do crédito no Brasil
Endividamento das famílias
Os brasileiros estão superendividados?
Olhando para frente
O futuro do comércio
está comprometido?
Sumário
7
10
26
33
42
Nos
próximos
anos, o
comércio terá
que competir
com o pagamento
de dívidas passadas?
Em que medida?
Os brasileiros
consumiram
demais nos
últimos
anos?
O
aumento
do consumo
nos últimos
anos foi todo
baseado em
crédito?
Os
brasileiros estão
excessivamente
endividados?
4
Sumário
executivo
• O consumo das famílias brasileiras
passouporumaaceleraçãoexpressiva
de 2004 a 2011. A relação entre PIB e
consumo, entretanto, parece ter atingido
um limite apenas em um período mais
recente, com o consumo já em queda e,
portanto, motivado por uma redução da
renda (PIB) per capita.
• Além disso, o brasileiro, quando
comparado com muitos de seus pa-
res ao redor do mundo, não parece ter
atingido uma situação de “consumis-
mo” excessivo . Considerando países
de renda per capita semelhante, o Bra-
sil fica em uma posição intermediária no
confronto entre consumo e PIB.
• No mesmo período de expansão do
consumo, o saldo de crédito à pessoa
física quadruplicou em termos reais.
Apesar disso, a parcela do consumo in-
cremental das famílias financiada com
dívidas foi de cerca de 20% entre 2007 e
2011. Entre 2007 e 2016, 9,6% do consu-
mo incrementalfoi financiado com crédi-
to e, portanto, ainda está para serquitado
de 2017 em diante.
• O crédito não pode ser considera-
do o principal responsável pelo incre-
mento do consumo das famílias bra-
sileiras na última década, no entanto
o montante total de dívidas assumi-
das pelas famílias superou muito o
seu ganho de renda nos últimos anos.
Apesar disso, os dados internacionais
mostram que o Brasil não atingiu valo-
res extremos para o estoque de crédito
em relação à renda. Considerando po-
pulações de renda média parecida, os
brasileiros chegaram a um nível de en-
dividamento ainda muito inferior ao dos
chineses, sul-africanos e dos tailande-
ses, por exemplo, mas acima dos mexi-
canos, russos e turcos.
5
• O comprometimento da renda das
famílias com juros e amortizações au-
mentou muito com o endividamento. As
comparações internacionais e os ciclos
de inadimplência sinalizam que o valor
desse comprometimento atingido em
2012 e 2015/2016 é, no mínimo, próximo
ao limite que elas conseguem suportar
de forma saudável.
• Olhando para o futuro, em termos de
inadimplência, o volume de recursos
que precisa ser regularizado para pagar
a conta do passado, em uma estimativa
conservadora, é de R$ 7 bilhões, o que
equivale a apenas 0,25% da renda anual
dos brasileiros.
• O restante das dívidas atuais, que fo-
ram constituídas até 2016 e resultaram
do aumento recente do endividamento
das famílias brasileiras, não poderiam
ser responsabilizadas por um compro-
metimento do futuro do consumo e do
comércio, pois sua amortização ocorre
de forma muito rápida, tendo em vis-
ta o fato de que o crédito no Brasil ain-
da possui um prazo médio muito curto
e, portanto, uma rotatividade muito alta.
As despesas das famílias com as dívidas
atuais, mesmo considerando a renda real
estável, sairão do atual patamar de 22,0%
para 19,2% ao fim do primeiro semestre
de 2017 e para 14,6% até o fim do ano.
• Considerando as novas dívidas que
serão formadas, caso os juros se man-
tivessem estáveis, seria possível afir-
mar que, sim, uma parte do consumo
futuro e, portanto, o desempenho do
comércio estariam comprometidos
pelo passado. Com a alta rotatividade
do crédito às famílias no Brasil, contu-
do, a redução de juros que está em
curso produz efeitos rápidos, alteran-
do essa conclusão.
• Mesmo sem crescimento da renda e
sem redução do crédito, a parcela da
renda das famílias comprometida com
juros e amortizações começa a se re-
duzir a partir da metade de 2017, atin-
gindo 21,5% no final do ano e 20,0% no
final de 2018. Alternativamente, caso o
comprometimento de renda com juros
e amortizações fosse estabilizado nos
níveis em que encerra 2016, o saldo de
crédito às famílias teria capacidade de
crescer 2,2%, em termos reais, em 2017,
iniciando a expansão a partir de maio, e
7,4% em 2018.
• Não parece seguro afirmar que o fu-
turo do comércio brasileiro está com-
prometido pelo endividamento das
famílias. Ainda que esse fosse o caso,
o futuro em questão teria como refe-
rência um prazo relativamente curto.
6
• Por outro lado, mesmo que não con-
figure um comprometedor do consu-
mo, no curto prazo, há um limite para
o quanto o crédito poderia impactar
no sentido contrário, impulsionando
o comércio. Se a renda dos brasileiros
permanecer estável até 2018, aumen-
tos mais expressivos no saldo de crédi-
to às famílias exigiriam, pelo menos, a
manutenção do comprometimento da
renda com o serviço das dívidas no pa-
tamar de janeiro de 2017 (22,1%).
• No longo prazo, entretanto, esse li-
mite é bem menos evidente. Mesmo
em um cenário relativamente conser-
vador, que contemple alguma redu-
ção de juros e avanço da renda, existe
um espaço razoável para ampliação
do crédito às famílias no Brasil, com
potencial de beneficiar o consumo e
o comércio. Em um cenário otimista, o
volume de dívidas das famílias poderia
crescer em média 6,0% ao ano, em ter-
mos reais, até 2030, saindo dos atuais
25,0% do PIB para 35,7% naquele ano.
• Ampliação da renda e redução de
juros são elementos-chave para am-
pliar o potencial de demanda para o
comércio no Brasil no futuro. Assim, o
setor depende de políticas de aumento
de produtividade que, no fundo, bene-
ficiam toda a população brasileira, ga-
rantindo crescimento econômico maior
com estabilidade de preços.
7
Apresentação
8
O padrão de vida das sociedades está
associado ao seu nívelde consumo. Por
meio do consumo, as pessoas satisfa-
zem grande parte de suas necessida-
des e auferem bem-estar. Populações
que gastam os maiores montantes mé-
dios em consumo, portanto, tendem a
possuir melhores condições de vida.
Um processo de aumento de consu-
mo que esteja excessivamente basea-
do em crédito, contudo, pode levar as
famílias a um nível de endividamento
insustentável e gerar consequências
importantes sobre a economia. O cré-
dito nada mais é do que uma antecipa-
ção de renda para as famílias, que per-
mite adquirir no presente algo que seria
adquirido apenas no futuro. Quando as
famílias exageram nessa antecipação
durante algum tempo, a tendência é
que os ganhos de renda no futuro pró-
ximo sejam utilizados como meio de
ajuste, ou seja, para quitar consumo re-
alizado no passado. Nesse caso, a de-
manda, principalmente de setores vol-
tados para o mercado interno, como o
de comércio e serviços, é impactada,
reduzindo seu potencial de crescimen-
to durante alguns anos à frente.
A explosão do consumo no Brasil ga-
nhou amplo destaque nos últimos
anos. Tratada, inclusive, como resul-
tado de um modelo de crescimento
adotado pelo país e simbolizando a
ascensão de milhões de pessoas a um
novo padrão de vida, a expansão real
do consumo das famílias no decênio fi-
nalizado em 2014 foi de 58,6%, frente a
apenas 26,4% nos dez anos anteriores.
Como consequência direta, essa ex-
pansão exerceu forte impacto sobre o
desempenho do comércio e dos servi-
ços, que tiveram crescimento superior
à média do PIB no mesmo período.
Destaque semelhante recebeu, ao
mesmo tempo, a explosão do crédito
no Brasil e o aumento do endividamen-
to das famílias. O volume de crédito à
pessoa física, descontando a infla-
ção, multiplicou-se por quatro entre
2004 e 2014, atingindo o equivalente
a 25,0% do PIB anual.
É natural conjecturar que esses dois
eventos possuem uma relação muito
próxima entre si. A explosão do crédi-
to, certamente, desempenhou algum
papel na expansão do consumo, prin-
cipalmente quando se trata dos bens
duráveis, como eletrodomésticos e au-
tomóveis, e dos serviços de maiorvalor,
como viagens, que estão associados à
mudança no padrão de consumo no
9
Brasil nos últimos anos. No entanto,
por trás desses dois movimentos exis-
te também um aumento mais acele-
rado da renda per capita do brasileiro
na década de 2000, observado com
mais força justamente naquelas famí-
lias da base da pirâmide social, que
possuíam uma parcela grande de de-
manda reprimida e cujos ganhos de
renda se revertem automaticamente
em consumo.
A questão relevante que emerge des-
sa relação, portanto, é quais foram,
mais precisamente, os papéis desem-
penhados pelo crédito e pela renda
na forte expansão do consumo dos
últimos anos. Uma avaliação mais
precisa do quanto o aumento do con-
sumo esteve relacionado ao crédito,
refletido no endividamento das famí-
lias, é fundamental para determinar
as perspectivas para comércio e ser-
viços nos próximos anos.
Em 2015 e 2016, o comércio varejista
e os serviços prestados às famílias re-
gistram quedas expressivas em suas
receitas. O consumo das famílias deve
encerrar o ano de 2016 com queda
próxima a 5,0%, em termos reais, na
comparação com 2015. Em um cená-
rio como esse, é importante elucidar
o quanto disso se deve a uma razão
conjuntural, ou seja, à redução da ren-
da provocada pela crise econômica, e
o quanto se deve a um ajuste que as
famílias estão se obrigando a fazer em
seu nível de endividamento, algo que
poderia não estar finalizado quando a
renda voltar a crescer e, portanto, pro-
duzir efeitos negativos por um período
mais longo para o comércio de bens e
serviços.
É com o objetivo de preparar as empre-
sas do setorterciário para o cenário futu-
ro, auxiliando-as em seu planejamento,
que essa publicação busca esclarecer
essa questão. Em suma, se objetiva en-
tenderem que grau o aumento recente
no endividamento das famílias brasi-
leiras se tornou um impedimento para
o crescimento do consumo no futuro
próximo e, consequentemente, qual o
espaço adicional que existe para a ex-
pansão do crédito e do endividamen-
to na conjuntura econômica projetada
para os próximos anos.
10
A evolução recente do consumo
das famílias brasileiras
É bom
consumir!
O brasileiro é comumente taxado de
consumista. Em 2016, o volume de
consumo das famílias brasileiras irá su-
perar R$ 4,0 trilhões. Isso deve repre-
sentar cerca de R$ 57,3 mil por família
ou R$ 20 mil por cidadão brasileiro.
Quando se analisa a evolução do con-
sumo no Brasil nos últimos 30 anos,
período em que os dados possibilitam
um exame de maior precisão, nota-se
que a velocidade de sua expansão es-
teve longe de um número constante.
No caminho para chegar ao nível atual,
a aceleração relevante ocorreu em um
período recente.
O volume total de consumo das fa-
mílias brasileiras (consumo agregado)
cresceu, em termos reais, a uma mé-
dia de 2,4% ao ano entre 1990 e 2003.
No período subsequente, de 2004 a
2011, a velocidade de acréscimo mais
do que dobrou, atingindo 5,2% ao ano.
Em termos per capita, a aceleração
do consumo após o ano de 2004 fica
ainda mais evidente. Entre 1990 e
2003, a taxa de expansão média anu-
al foi de 0,8%, evoluindo para 4,1%
entre 2004 e 2011.
11
A explosão
do consumo
Consumo das famílias no Brasil
Per capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil)
Fonte: IBGE, IPEADATA e Assessoria Econômica
Fecomércio-RS (estimativas 2015 e 2016)
0,8% 4,1% 0,9%
1990
R$ 2,0
trilhões
2016
R$ 4,0
trilhões
Consumo Agregado
(Preços Constantes de 2016)
2003
R$ 2,7
trilhões
Taxa de 
crescimento
média anual
por períodos
12
Naturalmente, esse aumento no con-
sumo teve contrapartida na deman-
da por bens e serviços, o que pôde
ser visualizado no comportamento
das vendas do comércio. De 2004 a
2011, o volume de vendas do comér-
cio varejista restrito brasileiro acu-
mulou um crescimento de 82,3%, o
que representou, em termos anuais,
uma variação média de 7,8% ao ano1
. Se
comparado ao período que marca o
início da série de dados disponível,
este é um acréscimo expressivo. En-
tre 2000 e 2003, houve redução mé-
dia anual de 2,0%.
Desagregando o resultado geral en-
tre os segmentos que compõem a
pesquisa, nota-se uma grande he-
terogeneidade. O principal destaque
foi a atividade de comercialização de
equipamentos e materiais para es-
critório, informática e comunicação,
cujo incremento de vendas alcançou
525,7% de 2004 a 2011. Outras duas
atividades com significativo acrésci-
mo no volume de vendas foram mó-
veis e eletrodomésticos e veículos,
motos, partes e peças.
Essas atividades possuem a maior
parte de suas vendas formada por
bens duráveis e para consumi-los as
famílias dependem, em sua maioria,
da disponibilidade de crédito, por seu
valor não ser suportado por sua ren-
da mensal. Assim, é natural conjectu-
rar que a forte expansão do crédito no
período pode ter sido determinante
para o desempenho desses setores.
13
Crescimento
de vendas do
varejo no período
2004-2011,
por segmento
Equipamentos
e materiais
para escritório,
informática e
comunicação
Móveis e
eletrodomésticos
Outros artigos
de uso pessoal
e doméstico
Veículos, motos,
partes e peças
Hipermercados,
supermercados,
produtos
alimentícios,
bebidas e fumo
Livros, jornais,
revistas e
papelaria
Tecidos,
vestuário e
calçados
Materiais de
construção
Combustíveis
e lubrificantes
Fonte: IBGE
Taxa de crescimento
real média anual
14,8%25,8%
6,4%
4,9%5,7%
4,8% 1,4%
13,4% 11,4%
Artigos
farmacêuticos,
médicos,
ortopédicos,
de perfumaria
e cosméticos
9,0%
14
No longo prazo, é a renda que deter-
mina a capacidade de consumo das
famílias. O crédito permite apenas an-
tecipar gastos e ajustar as necessida-
des aos ciclos transitórios de renda.
Assim, um aumento de consumo só
pode ser permanente e, mais do que
isso, não representar um comprome-
timento do consumo no futuro, quan-
do tem contrapartida na geração de
renda da população. Analisando, por-
tanto, o comportamento da renda é
que se torna possível entender me-
lhor o que vem acontecendo com as
famílias brasileiras nos últimos anos e
o grau de comprometimento de sua
capacidade de consumir à frente.
É possível identificar que, assim como
aconteceu com o consumo, a ren-
da das famílias também teve uma
expansão mais acelerada a partir
A relação entre
consumo e renda
da segunda metade da década de
2000. No período de 1990 até 2016,
considerando o PIB per capita a pre-
ços constantes, a renda dos brasilei-
ros cresceu a uma velocidade média
de 1,2% ao ano. De 2004 a 2011, con-
tudo, o ritmo médio anual de cresci-
mento da renda foi de 3,3%, mais do
que o dobro do ritmo médio do pe-
ríodo como um todo. Em valores ab-
solutos, a preços de 2016, o aumento
da renda per capita anual nesse perí-
odo foi de cerca de R$ 7.600,00. Esse
montante equivaleu a todo o ganho
de renda per capita observado en-
tre 1974 e 2003. Em outras palavras, a
partir de 2004, os brasileiros tiveram,
em apenas 8 anos, a mesma quantia
de acréscimo de renda que haviam
demorado 29 anos para obter até
aquele momento.
15
Por representar uma medida de ren-
da, é comum em muitas análises que
a evolução do PIB seja confrontada
com a do consumo para se avaliar
descolamentos excessivos. Nesse
confronto, é possível identificar clara-
mente, de 1990 até o presente, dois
ciclos de expansão de consumo em
velocidade superior a de crescimen-
to do PIB, ambos medidos a preços
constantes.
O primeiro deles aconteceu em me-
ados dos anos 1990, mais precisa-
mente a partir de 1994. Além de seu
impacto sobre o poder de compra
das famílias, o fim da inflação crôni-
ca, obtido com o Plano Real, melho-
rou a distribuição de renda e permitiu
uma organização orçamentária mais
eficiente por parte das mesmas, que
conseguiram saciar uma parcela das
necessidades reprimidas nos contur-
bados anos anteriores. A abertura co-
mercial e a apreciação cambial tam-
bém tiveram um papel importante
nesse ciclo, à medida que ampliaram
muito o acesso a bens e serviços im-
portados. Esse ciclo se encerrou em
1997, quando o consumo passou a
apresentar taxas de crescimento in-
feriores às do PIB. Após alguns anos,
em 2004, o consumo per capita anual
se encontrava em nível 0,8% inferior
ao registrado em 1996, enquanto o
PIB per capita crescera 7,0% no mes-
mo período.
O segundo ciclo teve início em 2005.
Daquele ano até 2014, a média de
consumo anual de cada brasileiro
cresceu 43,0%, em termos reais, en-
quanto a renda média anual (PIB per
capita) registrou acréscimo de 27,1%.
Ou seja, mesmo com o forte cresci-
mento da renda observado nesse pe-
ríodo, o consumo superou sua veloci-
dade de expansão.
Consumo
versus
PIB real
16
Ciclos de consumismo no Brasil
Diferencial de crescimento real anual entre
consumo per capita e PIB per capita
Crescimento
real acumulado
por períodos
PIB per capita
Consumo per capita 15,4% -0,8% 43,0%
0,8% 7,0% 27,1%
Em pontos percentuais de crescimento
Fonte: IBGE
17
Essa análise, contudo, ainda não é
conclusiva. Isso porque esse confron-
to tradicional dos dados de consumo
com o PIB em termos reais leva em
conta os volumes (ou quantidades)
produzidas e consumidas, ignoran-
do a relação de preços entre as duas
variáveis. Para ilustrar como isso é im-
portante, imagine-se um país que pro-
duza apenas banana e, com a renda
gerada por essa produção, consuma
apenas açúcar. Se a quantidade da
produção de bananas desse país se
mantiver constante ao longo do tem-
po, uma conclusão possível seria a de
que a quantidade de açúcar que po-
derá ser consumida por sua popula-
ção não poderá aumentar. No entanto,
se o preço pelo qual as bananas são
comercializadas duplicar e o preço
do açúcar não se alterar, será possí-
vel consumir o dobro de açúcar com
a mesma produção física de bananas.
Consumo versus PIB nominal
e outras medidas de renda
Quando se avaliam os dados em ter-
mos nominais, ou seja, os valores em
R$ correntes registrados em cada
ano, a divergência entre consumo e
PIB ao longo do ciclo 2005-2014 de-
mora mais para aparecer. Apesar de
um descolamento grande em termos
de crescimento real, o consumo só
começa a aumentar sua participação
no PIB (cálculo que utiliza os dados
nominais) a partir de 2012. Assim, no-
ta-se que, de 2005 até 2012, o con-
sumo aumenta muito, e mais do que
o PIB, em termos de volume de bens
e serviços adquiridos pelas famílias,
porém sem comprometer uma par-
cela proporcional de sua renda, em
termos nominais. Esse fato sugere que
os primeiros anos desse segundo ci-
clo, pelo menos, tiveram uma contri-
buição importante do comportamento
dos preços para o seu financiamento.
18
A explicação para isso está no fato de
que os preços de bens de consumo e
serviços prestados às famílias aumenta-
ram menos do que o aumento de pre-
ços do PIB em geral, que é revertido na
renda dos trabalhadores que o produ-
zem, durante esse período. Isso acon-
teceu, principalmente, porque muitos
produtos que o Brasil produz tiveram
aumento expressivo de preços durante
o período considerado. Por outro lado,
os preços dos bens de consumo anda-
ram muito mais devagar. Com isso, uma
mesma unidade de produto brasileiro
possibilitou a aquisição de mais bens
de consumo ao longo desses anos, au-
mentando o poder de compra de um
trabalhador brasileiro.
Esse movimento está relacionado tan-
to aos preços internacionais de muitos
produtos que o Brasil produz quanto ao
comportamento da taxa de câmbio no
período. Com a forte queda no valor do
dólar a partir de 2004, tudo que é im-
portado pelo Brasil, em boa parte bens
de consumo e insumos industriais, ficou
mais barato e o inverso aconteceu com
as exportações.
19
É interessante notar como essa dife-
rença na trajetória dos preços provocou
também uma divergência grande entre
o PIB e outras medidas de renda ao lon-
go do ciclo 2005-2014. Nesse período,
o crescimento real da renda familiar
per capita mensurada pela PNAD2
(e
deflacionada pelo IPCA), por exemplo,
foi de 55,4%, o dobro daquele captu-
rado pelo PIB per capita (27,1%) e su-
perior ao do consumo real per capita
(39,6%). Essa divergência acontece por
causa dos preços (deflatores) que fa-
zem a correspondência entre os dados
nominais e reais. Quando se avaliam os
dados em termos nominais, a diferença
entre as duas medidas de renda nesse
período praticamente some.
Preços do que o Brasil produz:
deflator implícito do PIB
Preços ao consumidor: IPCA
Variação anual
Fonte: IBGE
Bônus de compra
Diferencial de preços entre o
que o Brasil produz e consome
20
Qual medida de renda?
Aumento de renda do brasileiro no ciclo
2005-2014 em diferentes perspectivas
PIB per capita (IBGE)
Renda familiar per
capita (PNAD/IBGE)
Massa de Salários
Ampliada Disponível (BCB)
As variações reais da renda familiar per capita da PNAD (IBGE) e da massa de salários ampliada
disponível (Banco Central) são obtidas utilizando-se como deflator o IPCA
Variação real
Variação nominal
Com o crescimento expressivo nesse
segundo ciclo, em 2016, o consumo
deve atingir a parcela de 64,2% da renda
total (PIB) dos brasileiros. Sob uma pers-
pectiva histórica, os valores mínimos
pontuais dessa relação foram atingidos
no final da década de 1980 (em torno de
54%) e em 2008 (em torno de 59%). Entre
1996 (ano em que a série de contas na-
cionais mais nova do IBGE tem início) e
2008, a média da razão consumo/ren-
da foi de 62,5%. Ao longo de todo perío-
166,3%
55,4% 54,3%27,1%
165,1% 163,0%
21
do compreendido entre o fim dos anos
1940 e meados da década de 1980, essa
relação nunca foi inferior a 65,0%, tendo
superado o nível de 70,0% na maior par-
te desse período.
Desse modo, é possível verificar que o
avanço ocorrido no comprometimen-
to da renda dos brasileiros com con-
sumo após 2009 teve como ponto de
partida um nível reduzido, conside-
rando o histórico brasileiro das últimas
seis décadas. Com isso, apesar desse
avanço, o nível atingido pela relação
consumo/PIB em 2016 não chega a
ser elevado, podendo ser conside-
rado até moderado quando se leva
em conta esse histórico mais longo.
Comparando-o com os níveis médios
mais recentes e anteriores a 2009,
contudo, atingimos um patamar um
pouco superior de comprometimen-
to da renda agregada com consumo.
22
A relação histórica entre
consumo e renda no Brasil
Consumo das famílias como
percentual do PIB
Fonte: IBGE e IPEADATA
23
A relação entre consumo e
renda no resto do mundo
Em média, a população mundial
consome 59,0% da renda que gera
anualmente, valor um pouco inferior
ao alcançado pelo Brasil no último
ano. Essa parcela se mantém relati-
vamente estável desde 1970, ano de
início da série de dados disponibili-
zada pelo BIS3
.
A média mundial, entretanto, escon-
de um padrão de diferença entre os
países no que diz respeito ao con-
sumo. Uma análise um pouco mais
cuidadosa dos dados mostra que o
nível de renda da população é re-
levante para explicar a proporção
da renda que é dedicada para con-
sumo. A explicação está no fato de
que populações pobres, de países
com PIB per capita baixo, precisam
utilizar praticamente a totalidade de
sua renda para satisfazer suas ne-
cessidades básicas de consumo.
Por outro lado, populações ricas
conseguem poupar uma parte maior
de seus rendimentos anuais. Desse
modo, quando os países são agru-
pados conforme essa característica,
a proporção entre consumo e renda
varia consideravelmente.
Levando em conta esse padrão, uti-
lizando ferramentas estatísticas, é
possível estimar o nível da relação
consumo/PIB brasileira que seria co-
erente com a média mundial, para o
seu nível de PIB per capita. Os resul-
tados desse exercício mostram que,
em 2014 (último ano com dados
disponibilizados pelo BIS), o valor
estimado pelo padrão mundial para
o consumo no Brasil seria próximo a
60,0% do PIB. Assim, é possível con-
cluir que os níveis atingidos de fato
em 2014 (62,0%) e, principalmen-
te nos anos posteriores, apesar de
ainda moderados para o histórico
brasileiro, são um pouco superiores
ao padrão mundial, considerando a
renda per capita no Brasil.
24
Consumo das famílias e PIB per capita
Consumo das famílias em percentual do PIB (2014)
PIB per capita em paridade de poder de compra (Dólares PPP, 2011)
Fonte: BIS
O Brasil versus o mundo
25
Em resumo, os dados e análises
apresentados até aqui sinalizam que
uma continuidade de crescimento do
consumo em velocidade superior ao do
PIB, daqui para frente, levaria o Brasil a
se descolar cada vez mais tanto do seu
comportamento médio nos anos 2000,
quanto do padrão mundial. Desse modo,
independentemente do quanto esse
aumento do consumo esteja ligado ao
créditoeaoendividamentodasfamílias,
assunto que será aprofundado nas
próximasseçõesdestetrabalho,apenas
sob o ponto de vista da relação usual
entre consumo e renda, é natural que
se suponha uma limitação mais forte
de aumentos adicionais do consumo
nos próximos anos em relação ao que
a renda, ou, em última análise, o PIB, for
capaz de crescer.
Essa limitação, inclusive, já pode estar
sendo acusada em algum grau. Quando
se levam em consideração medidas
alternativas de renda, já é possível notar
alguma redução na relação consumo/
renda, que começa ainda no final de 2014.
Em relação à massa de salários ampliada
disponível (MSAD), calculada pelo Banco
Centralequeenglobaarendadotrabalho
acrescida de rendimentos financeiros e
transferências governamentais, como
pensões, aposentadorias e programas
assistenciais, o consumo das famílias cai
cerca de 13 p.p. entre o segundo trimestre
de 2014 e o terceiro trimestre de 2016.
Apesar de tudo isso, não se pode
finalizar deixando de destacar que
esse limite na relação consumo/PIB
não é contemporâneo ao período
de aceleração do consumo, tendo
sido atingido em um momento mais
recente, com o consumo já em queda
e, portanto, motivado por uma redução
ainda mais expressiva da renda (PIB) per
capita. Considerando que o consumo
de grande parte das famílias brasileiras
serve para satisfazer necessidades
básicas, é natural que as mesmas façam
de tudo para preservá-lo em momentos
de dificuldades, o que tende a elevar a
relação entre consumo e renda nesses
momentos. Além disso, o brasileiro,
quandocomparadocommuitosdeseus
paresaoredordomundo,nãopareceter
atingidoumasituaçãode“consumismo”
excessivo e usualno imaginário comum.
Considerando países de renda per
capita semelhante, o Brasil fica em uma
posição intermediária no confronto
entre consumo e PIB.
Enfim, chegamos ao limite?
26
A evolução recente do
crédito no Brasil
12x
sem juros
Nos anos recentes, não foram poucas
as matérias especiais em programas
de televisão, jornais e revistas tra-
tando da ampla oferta de crédito ao
consumidor e do endividamento dos
brasileiros. Talvez em número ainda
maior, foram os anúncios de ofertas
do comércio com possibilidades de
parcelamento longo dos pagamentos.
As pessoas acostumaram-se a ver os
cartazes “12x sem juros” pendurados
pelas lojas e divulgados pela internet
ou a ouvir tal frase sendo pronuncia-
da nos comerciais de televisão.
De fato, o crédito à pessoa física
cresceu muito nos últimos anos. En-
tre 2000 e 2014, o estoque de crédi-
to às famílias mais do que quadru-
plicou, saindo de cerca de R$ 400
bilhões para R$ 1,7 trilhão, a preços
constantes de 2016.
Assim como no caso do consumo, a
velocidade de expansão do crédito às
famílias não se manteve constante ao
longo desse caminho. A partir de 2004
houve uma forte aceleração, que per-
deu força a partir de 2011, mas se man-
teve em ritmo robusto até 2014. A taxa
média anual de variação do estoque
real de crédito à pessoa física saiu de
um recuo de 5,0% entre 2000 (primei-
ro ano com dados disponíveis) e 2003
para uma elevação de 17,9% no perí-
odo 2004-2011. Em termos per capi-
ta, a evolução do crédito não é menos
surpreendente. Nos primeiros anos da
década de 2000, foi apurada uma dimi-
nuição média anual de 6,2%. No perío-
do que se estendeu de 2004 a 2011, o
aumento atingiu 16,7% ao ano.
27
A explosão
do crédito
Evolução do Estoque
de Crédito Pessoa Física
Per capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil)
Fonte: Banco Central do Brasil, IPEADATA e
Assessoria Econômica Fecomércio-RS (estimativa 2016)
-6,2% 16,7% 2,6%
2000
R$ 0,41
trilhão
2016
R$ 1,57
trilhão
Estoque de crédito
à pessoa física no Brasil
Preços Constantes de 2016
2003
R$ 0,35
trilhão
Taxa de 
crescimento
média anual
por períodos
28
Redução de juros e
alongamento de prazos
impulsionaram o crédito
Portrás dessaveloz expansão do crédito
àsfamíliasnoBrasilestãoaconsolidação
da estabilidade econômica no início dos
anos 2000 e alterações no marco legal
do mercado, relacionadas ao crédito
consignado e à alienação fiduciária.
Essesfatorespermitiramaampliaçãoda
oferta de crédito, a redução consistente
das taxas de juros e o alongamento do
horizonte de planejamento das famílias
e dos bancos, possibilitando o aumento
no prazo das concessões.
Seguindo o comportamento da taxa
básica de juros da economia brasileira
(taxa Selic), as taxas para as operações
decréditodepessoasfísicasregistraram
declínio significativo. A taxa de juros
real para os empréstimos às famílias,
com recursos livres, sai de patamar
superior a 70% a.a. no início de 2003
para um nível próximo a 30% a.a.
em 2012. Em termos de prazos, após
passar por redução de 11,8 meses para
8,8 meses entre 2001 e 2003, o prazo
médio das operações de crédito com
recursos livres para pessoa física
atinge 21,1 meses no final de 2012.
Esses dois elementos permitem que
as famílias assumam um nível maior
de endividamento, pois tornam o
custo (serviço) do crédito menor. Juros
mais baixos e um tempo maior para
amortizar as dívidas fazem o valor
das parcelas mensais diminuírem,
facilitando a sua assimilação dentro
do orçamento familiar.
29
Taxa de juros real Prazo médio
Operações de crédito à pessoa física com recursos livres
Deflacionada pelas expectativas de inflação (IPCA) para 12 meses à frente (% a.a.)
Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em
2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta
Operações de crédito à pessoa física com recursos livres
Prazo em meses
Fonte: Banco Central do Brasil
Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada
em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta
Impulsos
ao crédito
30
Em uma análise das modalidades de
crédito à pessoa física, considerando
os dados a partir de março de 2007
(período em que têm início as séries
de crédito por modalidade) até o
momento presente4
, não se pode
deixar de dar destaque ao acréscimo
verificado no crédito imobiliário,
que registra uma incrível taxa de
crescimento real média anual de
23,8%. No entanto, as modalidades
associadas ao consumo das famílias
também registraram aumentos muito
expressivos, principalmente até 2011.
O tamanho da
importância do crédito para o
crescimento do consumo
Estoque de crédito por modalidades
R$ bilhões, a preços constantes de 2016
Imobiliário Crédito Pessoal Aquisição de Bens Cartão de Crédito
67,3 162,6 143,0 57,6
271,3 339,5 268,0 163,3
541,8 394,7 149,8 186,2
Estoque em 2007
(março)
Estoque em 2011
Estoque em 2016
31
Entremarçode2007edezembrode2011,
as dívidas de cartão de crédito, crédito
pessoal e crédito para aquisição de bens
registraramtaxasdecrescimentomédias,
em termos reais e anualizados, de 24,5%,
16,8% e 14,1%, respectivamente. Esses
números sugerem, de fato, que o crédito
desempenhou um papel importante
para financiar o incremento do consumo
das famílias ao longo do ciclo 2004-2011,
destacado na seção anterior.
Umaformademensuraressaimportância
é comparar o aumento do saldo de
crédito, em números absolutos, com
os incrementos de consumo ocorridos
ao longo desse ciclo. Selecionando o
período entre 2007 e 2011, para o qual
existem também os dados referentes às
modalidades de crédito, o fluxo total de
consumo incremental agregado foi de
R$1,9trilhão,emtermosnominais5
.Nesse
mesmo período, o estoque de crédito à
pessoa física que tem como finalidade
o consumo aumentou, também em
termos nominais, R$ 376,8 bilhões6
.
Essas cifras permitem mensurar, de
forma mais precisa, o papel exercido
pelo crédito no ciclo de expansão de
consumo vivenciado pela economia
brasileira. Apesar das expressivas taxas
de crescimento percentuais dos saldos
de crédito, a parcela do consumo
incremental das famílias financiada
com dívidas foi de cerca de 19,8% entre
2007 e 2011. Para o período posterior
(2012-2016), em que crédito e consumo
desaceleraram, essa fração caiu para
4,7%. Considerando o período como
um todo (2007-2016), 9,6% do
consumo incremental foi financiado
com crédito e, portanto, ainda está
“em aberto” na forma de dívidas a
serem pagas a partir de 2017.
Esses números mostram que o crédito
tevesuaimportância,noentantonãopode
ser considerado o principal responsável
pelo incremento do consumo das
famílias brasileiras na última década.
Essa conclusão é importante para que
se entenda o que ocorreu nos ciclos
recentes e para permitir uma noção
sobre o quanto do consumo passado já
está quitado.
Esses elementos, porém, ainda não
esgotam a avaliação necessária para se
projetarofuturodoconsumoedocrédito
no Brasil. Mesmo que as dívidas que
ficaram representem um percentual que
seja considerado pequeno em relação
ao que as famílias consumiram, o que já
é positivo, a comparação do tamanho e
do peso dessas dívidas com a renda é
o mais relevante para se pensar o que
pode acontecer daqui para frente.
32
Quão importante?
Participação do crédito no
consumo incremental
Consumo incremental anual
Aumento anual do saldo de crédito ao
consumo
Valores nominais, em R$ bilhões
Fonte: IBGE e Assessoria
Econômica – Fecomércio-RS
37,3%
27,1%
17,9%
19,8%
12,0%
9,0%
6,6%
4,1%
2,7%
0,7%
33
Independentemente do papel que
exerceu sobre o consumo, o crédito
realmente explodiu no Brasil ao longo
dos últimos 15 anos. Conceituar essa
expansão do crédito, contudo, como
excessiva ou comprometedora de con-
sumo no futuro exige a investigação do
grau de endividamento das famílias,
ou da relação entre crédito e renda, ao
longo dos últimos anos.
O aumento anual do saldo de crédito,
mesmo que pequeno perto do fluxo
de consumo do período, ao longo do
tempo vai se acumulando em um es-
toque de dívida das famílias. Esse es-
toque, além de sofrer a incidência de
juros mais altos desde 2013, aumenta
também com dívidas imobiliárias, que
cresceram muito em participação e
não financiaram o consumo passado.
Em outras palavras, a preocupação
com o futuro traz o foco da análise para
a situação financeira atual das famílias
brasileiras, que emergiu do comporta-
mento recente descrito até aqui.
Os brasileiros estão
superendividados?
Endividamento
das famílias
34
Em comparação ao nível de renda, o
crédito total destinado às famílias no
Brasil era bastante reduzido até o início
dos anos 2000, cenário que se alterou
muito nos anos seguintes. Saindo de um
patamar próximo aos 10,0%, a relação
entre o estoque de crédito à pessoa
física e PIB anualizado superou o nível
de 25,0% ao longo de 2015 e 2016.
Utilizando a série de endividamento das
famílias calculada pelo Banco Central,
nota-se evolução parecida, mesmo que
em níveldiferente7
. O estoque de dívidas
das famílias brasileiras, que equivalia a
18,4% de sua renda anual no início de
2005, chegou a ultrapassar os 46,0% no
final de 2015. Em resumo, é saliente o
fato de que o montante total de dívidas
assumidas pelas famílias superou muito
o seu ganho de renda nos últimos anos,
independentemente do que ocorreu
com seu nível de consumo.
Apesar de todo esse incremento no
endividamentodasfamíliasbrasileiras,
os dados internacionais mostram que
o Brasil não atingiu valores extremos
para o estoque de crédito em relação
à renda. Considerando populações de
renda média parecida, os brasileiros
chegaram a um nível de endividamento
ainda muito inferior ao dos chineses,
sul-africanos e dos tailandeses, por
exemplo, mas acima dos mexicanos,
russos e turcos.
O real tamanho
das dívidas
35
Endividamento
das famílias
Evolução do
endividamento no Brasil
Estoque de crédito a pessoa física
em percentual do PIB (%)
Endividamento das famílias
como percentual da renda
acumulada no ano (%) 7
Fonte: Banco Central do Brasil
36
Endividamento
pelo mundo
Crédito às famílias (em percentual do PIB, 2015)
PIB per capita em paridade de poder de compra
(Milhares de dólares PPP, 2011)
Fonte: BIS
Endividamento
das famílias
37
Para se desenhar o cenário futuro, ainda
mais importante do que o estoque de
dívidas das famílias brasileiras é a análise
da parcela de sua renda que é utilizada
mês a mês para pagar as amortizações
e os juros, o chamado serviço da dívida.
O tamanho dessas despesas correntes
é o determinante mais importante da
capacidade das famílias para assumir
novas dívidas.
O aumento do estoque de crédito, se
acompanhado por redução de juros e
por prazos mais longos de concessão,
não repercute na mesma medida sobre
as despesas com o serviço da dívida.
Essa é a razão pela qual alguns países
do mundo conseguem suportar um nível
de endividamento (em estoque) muito
superior ao brasileiro.
Como ressaltado anteriormente, a
redução das taxas médias de juros e,
principalmente, o alongamento dos
prazos de concessão, contribuíram muito
para acomodar os efeitos do grande
aumento de endividamento das famílias
em sua renda corrente. Eles não foram,
entretanto, suficientes para deixá-las
totalmente imunes a esse processo.
Apesar da melhoria nas condições para
a expansão do crédito, nota-se um
crescimento expressivo da parcela de
renda que as famílias comprometem
periodicamente com dívidas, pagando
amortizações e juros.
Conforme os cálculos do Banco Central,
esse comprometimento de renda com
dívidas saiu de um patamar próximo aos
15,0% em 2005 e atingiu quase 23,0%
entre o final de 2011 e início de 2012. Após
uma leve redução ao longo de 2012, o
indicador voltou a registrar aumento e
permaneceu ao longo do ano de 2016
em patamar próximo a 22,0%.
Embora não haja um número máximo
exato recomendável para essa relação, a
comparação do Brasil com outros países
O comprometimento da
renda com o pagamento
do serviço das dívidas
38
ondeasfamíliasdedicamamaiorpartede
sua renda pagando juros e amortizações
(17,8%). A título de exemplo, em 2007, no
pico atingido antes do estouro da bolha
de crédito imobiliário nos Estados Unidos,
as famílias comprometiam 11,6% de sua
renda com o serviço das dívidas.
O peso das dívidas na renda
Comprometimento da renda familiar com o serviço
(juros e amortização) de suas dívidas
Em percentual da renda (%)
Brasil
Fonte: Banco Central do Brasil
Mundo
Dados de 2015 | Fonte: BIS
do mundo, apesar da amostra restrita e
originadaembasediferente,indicaqueas
famíliasbrasileirasatingiramumpatamar
elevado de comprometimento da renda
com dívidas. Os dados disponibilizados
pelo BIS para 17 países, para o ano de
2015, registram a Holanda como o país
39
Osindicadoresdeinadimplênciapodem
ser utilizados como um marcador para
diagnosticar endividamento excessivo.
Eles sinalizam situações em que o
crédito passa por um crescimento
não acompanhado pela capacidade
de pagamento das famílias. Quando
isso acontece, em algum momento,
as famílias acabam acusando essa
falta de capacidade de pagamento
atrasando o pagamento do serviço de
suas dívidas.
O marcador da
inadimplência
Taxa de
inadimplência
Percentual de crédito livre
com atraso acima de 90 dias
Fonte: Banco Central do Brasil
Nota: a série mais longa de inadimplência
divulgada pelo Banco Central foi descontinuada
em 2012 e substituída por uma nova série com
metodologia distinta
40
Isso aconteceu no Brasil mais de uma
vez ao longo do processo de rápida
expansão do crédito. Desde 2000, é
possível observar cinco ciclos claros
de elevação da inadimplência. Esses
ciclos costumam seguir momentos
de ascensão rápida do endividamento
e/ou queda de renda.
É interessante notar, contudo, que
até 2012, os ciclos de aumento (e
posterior redução) da inadimplência
ocorrem independentemente do nível
de comprometimento da renda das
famílias com juros e amortizações e
sem impedir, inclusive, a tendência
consistente de elevação do último.
Ou seja, de alguma forma, as famílias
brasileiras, ao longo desse período,
foram capazes de seguir tomando
novas dívidas, ao mesmo tempo
em que pagavam as dívidas que
entravam em atraso. Isso indica que
a incapacidade de pagamento das
famílias, representada pelos ciclos
de aumento da inadimplência,
decorria mais da rapidez com que o
endividamento aumentava do que
propriamente do nível atingido pelo
mesmo.
É preciso entender que a rápida
expansão do crédito nesse período
representa a abrangência de muitas
famílias de baixo nívelde escolaridade
e que nunca haviam lidado com o
pagamento de dívidas maiores. Sem
educação para usar crédito, quando
as dívidas crescem muito rápido,
é possível que ocorram atrasos de
pagamento por falta de um mínimo
de organização e programação
orçamentária, mesmo que o nível de
endividamento, no longo prazo, não
seja excessivo.
O ciclo de elevação da inadimplência
de 2011/2012, que ocorre quando
o nível de comprometimento da
renda com o serviço de dívidas se
aproximou dos 23,0%, já remete a um
comportamento diferente, entretanto.
A queda da inadimplência, entre
2012 e 2013, coincide com uma
redução mais expressiva do nível de
comprometimento da renda corrente
comdívidas.Pelaprimeiravezaolongo
do período analisado, a regularização
dos pagamentos parece ter exigido
uma redução do endividamento.
A nova aproximação do patamar de
23% de comprometimento da renda
com dívidas, no final de 2015, já ocorre
de forma muito mais lenta e volta a
se associar a um ciclo de elevação de
41
inadimplência. Assim, apesar de um
histórico de dados relativamente curto,
esses elementos sinalizam que o peso
doendividamento(comprometimento
da renda corrente com o serviço
das dívidas) atingido pelas famílias
brasileiras em 2012 e 2015/2016 é,
no mínimo, próximo ao limite que
elas conseguem suportar de forma
saudável.
Em termos de futuro, esse limite
representa, pelo menos, duas questões
importantes para o comportamento
do consumo e, portanto, do comércio.
Em primeiro lugar, o aumento ocorrido
na inadimplência, mesmo que não
tenha sido tão grande como no ciclo
anterior, terá necessariamente de ser
regularizado, demandando parcela da
renda que for auferida nos próximos
anos. Em segundo lugar, a formação de
novasdívidas,quepodeestarassociada
ao aumento de consumo, deve ficar
muito limitada às condições de renda
e de juros a partir de 2017. Aprofundar
essas questões que condicionam o
futuro é o objetivo da seção que conclui
esse trabalho.
42
Mesmo que o consumo passado não
tenha sido em sua maior parte finan-
ciado com dívidas, parece claro que
o ciclo de expansão do crédito ini-
ciado no começo da década de 2000
conduziu as famílias brasileiras, no
mínimo, à proximidade de um limite
em termos de comprometimento de
sua renda corrente com o pagamen-
to de serviço de dívidas. Esse fato é
evidenciado não apenas pela com-
paração com outros países do mun-
do, mas também pela análise dos
dados de inadimplência.
O futuro do comércio
está comprometido?
Olhando
para frente
43
O ajuste das
famílias já começou
Em termos de endividamento, as
famílias brasileiras já começaram a se
ajustar. O volume real de crédito à
pessoa física se reduziu em mais de
7,0% de dezembro de 2014, quando
atingiu seu pico, até o fim de 2016.
Esse fator permitiu a contenção
do comprometimento da renda
familiar com o serviço de dívidas e,
com isso, a interrupção no aumento
da inadimplência, mesmo com a
renda ainda em queda. A taxa de
inadimplência da pessoa física, no que
diz respeito ao crédito livre, depois
de aumentar em 2015, permaneceu
relativamente estável ao longo de
2016, oscilando em torno de 6,2%. Esse
valor é muito próximo à média de 6,1%
registrada desde março de 2011, início
da série atual divulgada pelo Banco
Central, e abaixo do pico de 7,2%
atingido em 2012. Levando em conta
a totalidade do crédito à pessoa física,
já há, inclusive, sinais de redução da
inadimplência. Além disso, o pico
atingido no ciclo atual, de 4,3%, é
bastante inferior ao valor de 5,5% em
2012 e ainda inferiorà média registrada
desde março de 2011 (4,5%).
É verdade que uma parte da contenção
da inadimplência é explicada pela
renegociação de dívidas, que acaba
regularizando a situação das famílias
mesmo que as dívidas continuem
existindo. No entanto, os dados
mostram que essa parte não foi tão
expressiva.Ovolumedecréditopessoal
vinculado à renegociação começou,
de fato, a crescer em proporção
ao saldo total de crédito a partir de
2015. Esse crescimento, contudo,
teve proporções moderadas quando
comparado com o histórico recente. O
ganho de participação na carteira total
de crédito das famílias, até o fim de
2016, foi de apenas cerca de 0,3 p.p (o
que representa R$ 4,8 bilhões) e já dá
sinais de interrupção.
44
Crédito de
renegociação
Participação do crédito pessoal
vinculado à renegociação de dívidas
no saldo total de crédito às famílias
Fonte: Banco Central do Brasil
45
Mesmo que o ajuste já tenha sido
iniciado, o aumento da inadimplência
ocorrido a partir de 2015 mostra que
ele não foi suficiente para que as
famílias brasileiras mantivessem seus
compromissos em dia. Assim, olhando
para frente, para o retorno a uma
condição de equilíbrio no orçamento
das famílias, que depende da
regularização das dívidas passadas, é
inevitável que uma parte dos ganhos
de renda futuros ainda seja utilizada
para saldar o passado.
Buscando projetar o provável impacto
desse fato sobre o consumo das
famílias, é relevante estimar, portanto,
o tamanho da conta que ainda está
em atraso e precisará ser regularizada.
Considerando como valor alvo a taxa
mínima histórica de inadimplência,
o montante classificado como
inadimplente atualmente que
excede esse valor se encontra em
R$ 7,0 bilhões. Isso equivale a 0,25%
da renda anual dos brasileiros,
mensurada pela massa de salários
ampliada disponível, divulgada pelo
BancoCentral.Emoutraspalavras,caso
essa conta fosse liquidada em um ano,
a renda agregada dos brasileiros teria
que crescer nos próximos 12 meses
cerca de 0,25% antes de poder ser
alocada para aumentar seu consumo.
Esse cálculo mostra que pode
haver, sim, um impacto do passado
no consumo das famílias no futuro.
A conta, no entanto, no caso dos
recursos inadimplentes, é pequena,
principalmente se diluída em um
período maior e quando se leva em
conta o fato de que consiste em uma
estimativa bastante conservadora8
. Em
um cenário alternativo, supondo que
apenas metade do saldo de crédito
classificado como inadimplente esteja
de fato em atraso e que o ajuste leve
cerca de dois anos, como foi usual
nos ciclos de inadimplência passados,
esse impacto sobre a renda cairia
para cerca de 0,06% ao ano e estaria
finalizado ao fim de 2018.
O tamanho da
conta atrasada
46
Cenário de redução
da inadimplência
Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
Percentual de crédito com
atraso acima de 90 dias
Volume de recursos
inadimplentes
Taxa de inadimplência
R$ 7
bilhões
Volume
em
nov/16
Volume alvo
47
Em termos de impacto sobre a renda
futura das famílias, regularizar as
parcelas que ficaram atrasadas não é
suficiente. As despesas relacionadas
às dívidas atuais, mesmo que não
estejam sendo atrasadas, também
continuarão comprometendo
parcela de sua renda até que sejam
totalmente liquidadas. Portanto, para
se complementar a análise do peso
do passado sobre o consumo futuro
é necessário projetar por quanto
tempo e o quanto da renda futura
das famílias estará comprometida
com o serviço das dívidas atuais.
Para isso, simulam-se trajetórias de
amortização dessas dívidas, seguindo
as premissas utilizadas pelo Banco
Central nos cálculos realizados para
o período corrente. Destacadamente,
a maior parte do crédito às famílias
segue a amortização pelo sistema
Price, de parcelas constantes, que
não mudam de valor até que o saldo
de cada modalidade esteja liquidado.
No entanto, outra parte significativa,
formada principalmente pelo crédito
imobiliário, segue o sistema de
amortização constante (SAC), em que
as parcelas vão se reduzindo ao longo
do tempo.
A partir dessas definições, foram
estimadas as despesas das famílias
brasileiras com as dívidas atuais, até
dezembro de 2020. Para calcular
a parcela da renda que deve ser
consumida por esses pagamentos,
foram elaborados dois cenários
alternativos para a trajetória futura
da massa de salários ampliada
disponível, que é a medida de renda
utilizada pelo Banco Central em seus
cálculos. No cenário denominado
de “estabilidade de renda”, supõe-se
E o resto das dívidas
atuais, por quanto tempo
ainda comprometerão o
orçamento das famílias?
48
crescimento nulo para a renda real
entre 2017 e 2020. Já o cenário de
“recuperação da renda”, supõe, para a
mesma variável, crescimento real de
1,0% em 2017 e de 4,5% ao ano entre
2018-2020.
Em ambos os cenários, é possível
perceberque o peso das dívidas atuais
seria reduzido de forma relativamente
rápida. O patamar atual de cerca de
22,0% de comprometimento da renda
familiar com o serviço de dívidas,
caso novas dívidas não fossem
adquiridas, cairia para 19,2% ao fim
do primeiro semestre de 2017 e para
14,6% até o fim do mesmo ano, mesmo
considerando a renda real estável. Em
outras palavras, caso os brasileiros
não tomassem novas dívidas a partir
do início de 2017, até o fim do ano já
teriam liberado 7,5 p.p. de sua renda
para outras finalidades.
Essarapideznaamortizaçãodasdívidas
atuais ilustra o fato de que o crédito
no Brasil, apesar do alongamento
paulatino dos últimos anos, ainda
possui um prazo médio muito curto
e, portanto, uma rotatividade muito
alta. O significado disso é que boa
parte das dívidas é amortizada em
menos de um ano e, mesmo para
uma manutenção de um saldo total
de crédito constante, são necessárias
muitas novas concessões todos os
meses. Nesse sentido, as dívidas
atuais, que já foram constituídas
até 2016 e resultaram do aumento
recente do endividamento das
famílias brasileiras, não poderiam
ser responsabilizadas por um
comprometimento do futuro do
consumo e do comércio, pois o seu
peso se dissipa em relativamente
pouco tempo.
49
Morte rápida
Projeções de serviço das dívidas atuais
(dívidas de dez/2016, sem considerar novas
concessões de crédito)
Comprometimento da renda familiar com o serviço
(juros e amortização) de suas dívidas
Em percentual da renda
Cenário de estabilidade da renda
Cenário de recuperação da renda
Fonte: Banco Central do Brasil e
Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
50
Novas dívidas
Naturalmente, na prática, nesse
espaço de endividamento que vai
sendo liberado pelas dívidas atuais,
novas dívidas devem ser colocadas,
principalmente quando se leva em
conta a tentativa de manutenção do
padrão de consumo em um ambiente
de dificuldade de renda. Nesse sentido,
é importante projetar em que volume
elas poderão ser suportadas pelos
brasileiros no futuro e o quanto poderão
comprometer de sua renda.
Uma primeira projeção pode ser
feita supondo que as novas dívidas
que seriam formadas a partir de 2017
teriam as mesmas condições de
prazos, juros e composição em termos
de modalidades das atuais9
. Nessas
condições, considerando o cenário
de estabilidade da renda, para que o
percentual de comprometimento da
renda com juros e amortizações se
mantivesse nos níveis atuais (22,1%),
seria necessário que o saldo de crédito
à pessoa física se reduzisse em 2,3%
em termos reais ao longo de 2017 e
permanecesse estável em 201810
.
Esse, no entanto, não é um cenário
realista. Até o fim de 2016, as dívidas
vinham sendo repostas com taxas de
juros constantes ou até crescentes,
dependendodamodalidadedecrédito.
A partir de 2017, contudo, isso muda.
Tendo em vista o ciclo de redução
da taxa básica de juros atualmente
em curso, as novas dívidas serão
constituídas com juros menores,
pesando menos sobre a renda mensal
das famílias. Desse modo, se considera
um cenário alternativo, em que as taxas
de juros de cada modalidade seriam
reduzidas de forma proporcional ao
ritmo de redução projetado para a
taxa Selic, que segue o calendário
de reuniões do Comitê de Política
Monetária do Banco Central.
No momento em que essa publicação
é finalizada, projeta-se que a taxa Selic,
depois de ter permanecido mais de um
ano em 14,25% a.a., deve ser reduzida
para cerca de 10,0% a.a. até o final de
2017. Com essa alteração no cenário,
as projeções mostram que, caso o
comprometimentoderendacomjuros
51
e amortizações fosse estabilizado
nos níveis em que encerra 2016, o
saldo de crédito às famílias poderia
crescer 2,2%, em termos reais, em
2017, iniciando a expansão a partir
de maio, e 7,4% em 2018.
Em uma perspectiva mais otimista,
mesmo para o curto prazo, é possívelse
consideraro cenário de recuperação da
renda. Nesse caso, com a estabilidade
no percentualcomprometido com juros
e amortizações, o volume de crédito à
pessoa física poderia se expandir em
3,1%, em termos reais, em 2017 e 12,3%
em 2018. Essas simulações ilustram
como a associação entre o prazo
relativamente curto de amortização
das dívidas no Brasil e um ciclo
de redução de juros aumenta a
viabilidade de assimilação de crédito
novo por parte das famílias.
Por fim, projeções para um horizonte
mais distante também mostram
como ainda pode haver espaço para
o crédito às famílias se expandir
no Brasil, dependendo do cenário
considerado. Em um cenário pessimista
e conservador, de crescimento muito
lento da renda, pouca redução de juros
médios e sem alongamento de prazos,
mesmo fixando o comprometimento
da renda familiar com o serviço das
dívidas em 20,0%, o saldo de crédito
à pessoa física poderia se expandir a
uma taxa real média de 1,1% ao ano até
2030. Já em um cenário otimista, com
melhoria nas condições de concessões
e de renda e com a mesma parcela
dedicada ao serviço, o volume de
dívidas das famílias poderia crescer em
média 6,0% ao ano, em termos reais, até
2030. Nesse caso, o saldo de crédito à
pessoa física sairia dos atuais 25,0% do
PIB para 35,7% naquele ano.
Esses cálculos evidenciam que
qualquercenáriointermediárioentreo
pessimistaeootimistajárepresentaria
uma capacidade de expansão do
crédito às famílias no longo prazo. Ou
por, outro lado, caso essa expansão
não venha a ocorrer, o resultado seria
uma redução no comprometimento
de sua renda com o serviço de dívidas
para valores inferiores a 20,0%.
52
Cenários de curto prazo
Projeções de capacidade
de assimilação de novas dívidas
Saldo de crédito à pessoa física coerente com comprometimento da
renda com serviço das dívidas fixado no nível de dez/16
Preços constantes de dez/16 (R$ trilhões)
Cenário de juros estáveis e estabilidade da renda
Cenário de juros em queda e estabilidade da renda
Cenário de juros em queda e recuperação da renda
Taxa de crescimento
2017	 2018
0,0%
3,1% 12,3%
2,2% 7,4%
-2,3%
53
Cenários de
longo prazo
Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
Taxa média de juros
(% ao mês)
Prazo médio (meses)
Taxa de crescimento real
anual da renda
2017
2018-2030
Comprometimento de renda
com o serviço das dívidas
Crédito às famílias/PIB
22,1%
Situação
Atual
2030
Cenário
Pessimista
Cenário
Otimista
1,1%
180,0128,2128,2
3,5%1,0%
25,0%
6,0%
35,7%25,0%
20,0%20,0%
1,0%0,0%
1,8%2,5%3,0%
Taxa de crescimento real
anual do crédito às famílias
54
Endividamento, consumo e
o futuro do comércio
Em suma, não é possível afirmar que
o futuro do comércio brasileiro está
comprometido pelo endividamento
das famílias. O consumo vem passando
por uma redução expressiva desde o
início de 2015. Não é claro, contudo, o
quanto o excesso de endividamento das
famíliassozinhotemderesponsabilidade
sobre essa redução. Em proporção à
renda, o consumo (mesmo excluídas
as despesas de juros, que, na verdade,
também dizem respeito ao consumo
de um serviço), só perde participação
em algumas mensurações e, mesmo
assim, quase três anos após o
comprometimento da renda familiar
com dívidas atingir seu pico.
Outro elemento, associado ao
consumo, que poderia sinalizar um
impacto do endividamento excessivo
foi a contração significativa, em termos
reais, do saldo de crédito à pessoa
física a partir de 2015. Nesse período, no
entanto, há outras causas, relacionadas
a perspectivas futuras, e não apenas ao
passado, pesando sobre o orçamento
das famílias. O forte aumento da taxa
de juros e a piora das expectativas
que começam a ser observados entre
2013 e 2014 são fatores importantes
que reduzem o incentivo das famílias
para a tomada de crédito, o que acaba
afetando o consumo, principalmente,
de bens duráveis11
.
55
Desincentivos ao consumo
e à tomada de crédito
Índice de confiança do consumidor
(eixo da esquerda)
Taxa de juros real pessoa física
em % a.a. (eixo da direita)
Fonte: Banco Central do Brasil, FGV
e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
56
A queda das vendas foi mais
sentida nos bens com maior
dependência do crédito
Redução do volume de vendas do
comércio entre 2014 e 2016
Móveis
Eletrodomésticos
Varejo
agregado
Veículos,
motos, partes
e peças
Materiais de
Construção
-25,4%
-22,6%
-9,5%
-17,8%
-27,7%
57
Despesas com amortizações
Despesas com juros
Em percentual da renda (%)
Fonte: Banco Central do Brasil
Comprometimento da
renda familiar com o
serviço de suas dívidas
De qualquer modo, independen-
temente do impacto exercido até
aqui, as simulações realizadas para a
evolução do crédito no futuro próxi-
mo mostram como a redução de ju-
ros em curso deve alterar a conjun-
tura atual. Ao longo de 2015 e 2016,
o comprometimento da renda com
o serviço das dívidas se manteve
constante, a despeito de uma re-
dução do endividamento. Assim, o
que explica a elevada restrição so-
bre a renda das famílias não é o vo-
lume de dívidas em si, mas os juros
pagos sobre elas. Desagregando as
despesas com o serviço das dívidas
entre juros e amortizações, nota-se
que o aumento ocorrido nos últimos
anos tem como responsável justa-
mente o aumento do pagamento de
juros, que se eleva, em proporção à
renda, mesmo quando o volume de
dívidas e os gastos com amortização
se reduzem.
58
Conforme as simulações apresen-
tadas, se os juros permanecessem
estáveis, para não representar um
comprometimento maior da renda
corrente, o saldo de crédito às famí-
lias teria de passar por nova redução,
em termos reais, em 2017. Redução do
saldo de crédito significaria amortizar
um volume de dívidas maior do que
o montante de novas concessões, ou
seja, uma parte da renda do ano (ou
de poupança acumulada) teria de ser
dedicada pra isso. Assim, nesse caso,
não sendo desejável elevar o com-
prometimento da renda familiar com
o serviço de dívidas, seria possível
responder positivamente à pergun-
ta que intitula esta publicação: uma
parte do consumo futuro e, portanto,
o desempenho do comércio teriam
boas chances de estar, sim, compro-
metidos pelo passado.
Com a redução de juros esperada
para 2017, em contrapartida, as con-
dições se alteram e, graças à alta ro-
tatividade do crédito às famílias no
Brasil, as projeções mostram que
essa alteração produz efeitos rápidos.
Os cenários elaborados para o curto
prazo mostram como o saldo de cré-
dito pode até começar a crescer já a
partir do segundo semestre de 2017,
caso o comprometimento de renda
familiar com o serviço das dívidas se
mantivesse estável. Ou seja, alterna-
tivamente, se o saldo de crédito se
mantiver constante, há condições de
haver uma redução nesse compro-
metimento.
A estabilidade do saldo real de cré-
dito às famílias, inclusive, pode ser
estabelecida como critério para de-
finir um impacto neutro do endivida-
mento sobre o comércio. Esse caso
representaria a igualdade entre con-
cessões e amortizações, sem o cré-
dito comprometer e nem acrescentar
nada à renda corrente, ou seja, sem
beneficiar nem prejudicar o consumo.
Considerando a redução esperada
para as taxas de juros, no cenário de
estabilidade da renda, um saldo real
de crédito à pessoa física constan-
te permitiria que a parcela da renda
das famílias comprometida com ju-
ros e amortizações começasse a se
reduzir a partir da metade de 2017,
atingindo 21,5% no final do ano e
20,0% no final de 2018. Já no cenário
de recuperação da renda, a redução
iniciaria um pouco antes e o compro-
metimento com serviço terminaria
2017 em 21,3% e 2018 em 18,9%.
59
A parcela da renda corrente das fa-
mílias dedicada para saldar as suas
dívidas superou o nível de 22,0% em
meados de 2011 sem que, naquele
momento e nos três anos seguintes,
houvesse algum tipo de prejuízo apa-
rente para o consumo. Mesmo des-
considerando esse fato e supondo
que o atual nível de endividamento
estivesse sim comprometendo a rela-
ção entre consumo e renda, o que as
simulações de saldo de crédito cons-
tante indicam é que, com a queda dos
juros, esse efeito começaria a se dis-
sipar em um prazo de cerca de 6 me-
ses, mesmo sem crescimento real da
renda. Se considerado um horizonte
mais longo de tempo, ainda, afirmar
que o futuro do comércio está com-
prometido se tornaria ainda mais ar-
riscado, considerando a viabilidade
de redução do peso que as dívidas
exercem sobre a renda familiar e/ou
de ampliação do saldo de crédito.
É preciso ressaltar, por outro lado, que,
mesmo que não configure um com-
prometedor do consumo, no curto pra-
zo, mesmo com a redução de juros em
curso, há um limite para o quanto o
crédito poderia impactar no sentido
contrário, impulsionando o comércio,
principalmente ainda em 2017. Se a
renda dos brasileiros permanecer es-
tável até 2018, como ilustrado com as
simulações, aumentos mais expressi-
vos no saldo de crédito às famílias exi-
giriam, pelo menos, a manutenção do
comprometimento da renda com o ser-
viço das dívidas no patamar de janeiro
de 2017 (22,1%). Ou, dito de outra forma,
caso a renda não cresça, é muito difícil
associar, no curto prazo, redução des-
se comprometimento com expansão
do crédito.
No longo prazo, entretanto, esse li-
mite é bem menos evidente, estan-
do mais condicionado ao cenário que
se considera. Ainda assim, mesmo em
um cenário relativamente conservador,
que contemple alguma redução de ju-
ros e avanço da renda, as simulações
mostram que haveria um espaço razo-
ável para uma ampliação do crédito às
famílias no Brasil, com potencial de be-
neficiar o consumo e o comércio.
60
Projeções de serviço para um saldo de
crédito às famílias constante em termos
reais e juros caindo em 2017
Nota: ambos os cenários levam em conta a
redução da taxa básica de juros para 10,0% ao
longo de 2017 e sua permanência
nesse nível até 2020.
Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica
– Fecomércio-RS
Cenário de estabilidade da renda
Cenário de recuperação da renda
Comprometimento da renda familiar com o serviço
(juros e amortização) de suas dívidas
Em percentual da renda
61
Estoque de crédito
à pessoa física
Em percentual do PIB
Dívida imobiliária
Outras dívidas
Fonte: Banco Central do Brasil
Àpartedacapacidadedeendividamen-
to, contudo, é preciso levar em conta
outras limitações que o consumo das
famílias poderá enfrentar daqui para
frente. Uma delas é o aparente limite
que atingiu a relação entre consumo e
PIB até 2016, tema tratado na primeira
seção deste trabalho. Outra questão im-
portante, é que nem todas essas novas
dívidas que podem ser assimiladas pe-
las famílias terão como finalidade o con-
sumo. A maior parcela do aumento do
crédito à pessoa física dos últimos anos
esteve associada ao crédito imobiliário,
influenciado não apenas pelo aumen-
to da renda e confiança dos brasileiros,
mas também pelo alongamento dos
prazos, o que facilita a amortização de
dívidas maiores. Em 2016, mesmo com
a renda em queda, enquanto o saldo to-
tal de crédito às famílias teve crescimen-
to nominal de 3,8%, o crédito imobiliário
cresceu 8,4%. Dado o déficit habitacional
expressivo ainda existente no Brasil, é ra-
zoável supor que boa parte do espaço
de endividamento que venha a ser libe-
rado no futuro seja ocupado por dívidas
imobiliárias e não dívidas de consumo.
Para finalizar, não se pode deixar de su-
blinhar o papel do comportamento da
renda que acabou sendo evidenciado
em meio a todas as análises e proje-
ções realizadas. Mesmo que a rela-
62
ção entre renda e consumo não seja
prejudicada pelo endividamento, se
a renda não cresce o consumo não
cresce. Uma recuperação da renda,
em primeiro lugar, amplia os limites do
consumo, permitindo um crescimento
de vendas do comércio mesmo que
a relação entre consumo e renda per-
maneça estável. Ademais, como ilus-
trado nas simulações, uma recupera-
ção da renda, associada à redução de
juros, permite a acomodação de des-
pesas maiores com o serviço de dívi-
das, aumentando muito o potencial de
crescimento do saldo de crédito nos
próximos anos. Desse modo, mais im-
portante do que o passado para de-
terminar o desempenho do comér-
cio nos próximos anos, portanto, é o
comportamento futuro da renda, que
constitui um limitador intransponível
para o consumo no longo prazo.
Os elementos-chave para ampliaro po-
tencialde demanda para o comércio no
Brasil, portanto, mostram alguns cami-
nhos relevantes a serem seguidos pe-
las políticas públicas que visem benefi-
ciar o setor. Ampliar a renda e reduzir as
taxas de juros, no longo prazo, depen-
de muito de medidas que aumentem
a produtividade e diminuam a taxa de
inflação média da economia brasileira.
No fim das contas, o caminho que be-
neficia o comércio é o mesmo que be-
neficia a toda a população brasileira:
crescimento econômico maior e sus-
tentável, com estabilidade de preços.
63
Notas
1
O comércio varejista restrito exclui os segmentos de veículos, motos, partes e peças e materiais de constru-
ção. Essa série é utilizada, contudo, para fins de comparação com anos anteriores, tendo em vista a falta de
disponibilidade de dados do comércio varejista ampliado para um período mais longo.
2
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE.
3
Bank for International Settlements.
4
Saldos de crédito para dezembro de 2016 estimados com base nos
dados disponíveis até outubro de 2016.
5
O consumo incremental é calculado pela diferença entre a trajetória efetivamente observada do consumo
das famílias no Brasil e uma trajetória simulada com base na taxa média anual de crescimento do consumo
real per capita observada no período anterior a 2004 (1990-2003), que foi de 0,8%.
6
Considerou-se crédito com destino ao consumo todo o estoque de crédito à pessoa física reduzido das modali-
dades imobiliário, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES.
7
Para mensurar o montante de dívidas das famílias, o cálculo de endividamento do Banco Central utiliza o
total do saldo de crédito à pessoa física excluindo as modalidades de cartão de crédito à vista, crédito rural,
microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES. Como medida de renda, o Banco Central utiliza a massa de
salários ampliada disponível (MSAD).
8
Por ausência de informações mais precisas, se considera que, para atingir o valor alvo, seria necessário qui-
tar todo o saldo de crédito que está classificado como inadimplente, e não apenas o pagamento das parcelas
atrasadas, como é o caso de fato. Quando há um atraso de pagamento superior a 90 dias, a totalidade da
dívida é classificada pelo Banco Central como inadimplente, e não apenas o volume de recursos em atraso.
64
9
As condições atuais de prazos e juros dizem respeito às concessões
de crédito de outubro de 2016.
10
O saldo de crédito levado em conta nessas simulações é o mesmo considerado pelo Banco Central para
o cálculo do endividamento das famílias e corresponde ao total do saldo de crédito à pessoa física excluin-
do as modalidades de cartão de crédito à vista, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES.
11
Alguns exercícios estatísticos sugerem, de fato, que esses elementos foram responsáveis por uma par-
cela majoritária da redução mensurável na relação entre consumo e renda, deixando um espaço menos
significativo para o aumento do endividamento. Decompondo as causas da redução na relação entre
consumo e massa de salários ampliada disponível entre 2014 e 2016 por meio de um modelo de regres-
são linear, o aumento da taxa de juros real, a redução da confiança do consumidor (FGV) e o aumento
do comprometimento da renda com dívidas respondem, respectivamente, por 31,7%, 66,7% e 1,6% dos
impactos na variável dependente. Buscando capturar efeitos crescentes, o comprometimento da renda
com dívidas foi testado como regressor também em sua forma quadrática, sem alteração significativa de
resultados.
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O futuro do comércio comprometido pelo endividamento das famílias

  • 1. 1 Consumo & Endividamento O futuro do comércio no Brasil está comprometido?
  • 2. Apresentação É bom consumir! A evolução recente do consumo das famílias brasileiras 12x sem juros A evolução recente do crédito no Brasil Endividamento das famílias Os brasileiros estão superendividados? Olhando para frente O futuro do comércio está comprometido? Sumário 7 10 26 33 42
  • 3. Nos próximos anos, o comércio terá que competir com o pagamento de dívidas passadas? Em que medida? Os brasileiros consumiram demais nos últimos anos? O aumento do consumo nos últimos anos foi todo baseado em crédito? Os brasileiros estão excessivamente endividados?
  • 4. 4 Sumário executivo • O consumo das famílias brasileiras passouporumaaceleraçãoexpressiva de 2004 a 2011. A relação entre PIB e consumo, entretanto, parece ter atingido um limite apenas em um período mais recente, com o consumo já em queda e, portanto, motivado por uma redução da renda (PIB) per capita. • Além disso, o brasileiro, quando comparado com muitos de seus pa- res ao redor do mundo, não parece ter atingido uma situação de “consumis- mo” excessivo . Considerando países de renda per capita semelhante, o Bra- sil fica em uma posição intermediária no confronto entre consumo e PIB. • No mesmo período de expansão do consumo, o saldo de crédito à pessoa física quadruplicou em termos reais. Apesar disso, a parcela do consumo in- cremental das famílias financiada com dívidas foi de cerca de 20% entre 2007 e 2011. Entre 2007 e 2016, 9,6% do consu- mo incrementalfoi financiado com crédi- to e, portanto, ainda está para serquitado de 2017 em diante. • O crédito não pode ser considera- do o principal responsável pelo incre- mento do consumo das famílias bra- sileiras na última década, no entanto o montante total de dívidas assumi- das pelas famílias superou muito o seu ganho de renda nos últimos anos. Apesar disso, os dados internacionais mostram que o Brasil não atingiu valo- res extremos para o estoque de crédito em relação à renda. Considerando po- pulações de renda média parecida, os brasileiros chegaram a um nível de en- dividamento ainda muito inferior ao dos chineses, sul-africanos e dos tailande- ses, por exemplo, mas acima dos mexi- canos, russos e turcos.
  • 5. 5 • O comprometimento da renda das famílias com juros e amortizações au- mentou muito com o endividamento. As comparações internacionais e os ciclos de inadimplência sinalizam que o valor desse comprometimento atingido em 2012 e 2015/2016 é, no mínimo, próximo ao limite que elas conseguem suportar de forma saudável. • Olhando para o futuro, em termos de inadimplência, o volume de recursos que precisa ser regularizado para pagar a conta do passado, em uma estimativa conservadora, é de R$ 7 bilhões, o que equivale a apenas 0,25% da renda anual dos brasileiros. • O restante das dívidas atuais, que fo- ram constituídas até 2016 e resultaram do aumento recente do endividamento das famílias brasileiras, não poderiam ser responsabilizadas por um compro- metimento do futuro do consumo e do comércio, pois sua amortização ocorre de forma muito rápida, tendo em vis- ta o fato de que o crédito no Brasil ain- da possui um prazo médio muito curto e, portanto, uma rotatividade muito alta. As despesas das famílias com as dívidas atuais, mesmo considerando a renda real estável, sairão do atual patamar de 22,0% para 19,2% ao fim do primeiro semestre de 2017 e para 14,6% até o fim do ano. • Considerando as novas dívidas que serão formadas, caso os juros se man- tivessem estáveis, seria possível afir- mar que, sim, uma parte do consumo futuro e, portanto, o desempenho do comércio estariam comprometidos pelo passado. Com a alta rotatividade do crédito às famílias no Brasil, contu- do, a redução de juros que está em curso produz efeitos rápidos, alteran- do essa conclusão. • Mesmo sem crescimento da renda e sem redução do crédito, a parcela da renda das famílias comprometida com juros e amortizações começa a se re- duzir a partir da metade de 2017, atin- gindo 21,5% no final do ano e 20,0% no final de 2018. Alternativamente, caso o comprometimento de renda com juros e amortizações fosse estabilizado nos níveis em que encerra 2016, o saldo de crédito às famílias teria capacidade de crescer 2,2%, em termos reais, em 2017, iniciando a expansão a partir de maio, e 7,4% em 2018. • Não parece seguro afirmar que o fu- turo do comércio brasileiro está com- prometido pelo endividamento das famílias. Ainda que esse fosse o caso, o futuro em questão teria como refe- rência um prazo relativamente curto.
  • 6. 6 • Por outro lado, mesmo que não con- figure um comprometedor do consu- mo, no curto prazo, há um limite para o quanto o crédito poderia impactar no sentido contrário, impulsionando o comércio. Se a renda dos brasileiros permanecer estável até 2018, aumen- tos mais expressivos no saldo de crédi- to às famílias exigiriam, pelo menos, a manutenção do comprometimento da renda com o serviço das dívidas no pa- tamar de janeiro de 2017 (22,1%). • No longo prazo, entretanto, esse li- mite é bem menos evidente. Mesmo em um cenário relativamente conser- vador, que contemple alguma redu- ção de juros e avanço da renda, existe um espaço razoável para ampliação do crédito às famílias no Brasil, com potencial de beneficiar o consumo e o comércio. Em um cenário otimista, o volume de dívidas das famílias poderia crescer em média 6,0% ao ano, em ter- mos reais, até 2030, saindo dos atuais 25,0% do PIB para 35,7% naquele ano. • Ampliação da renda e redução de juros são elementos-chave para am- pliar o potencial de demanda para o comércio no Brasil no futuro. Assim, o setor depende de políticas de aumento de produtividade que, no fundo, bene- ficiam toda a população brasileira, ga- rantindo crescimento econômico maior com estabilidade de preços.
  • 8. 8 O padrão de vida das sociedades está associado ao seu nívelde consumo. Por meio do consumo, as pessoas satisfa- zem grande parte de suas necessida- des e auferem bem-estar. Populações que gastam os maiores montantes mé- dios em consumo, portanto, tendem a possuir melhores condições de vida. Um processo de aumento de consu- mo que esteja excessivamente basea- do em crédito, contudo, pode levar as famílias a um nível de endividamento insustentável e gerar consequências importantes sobre a economia. O cré- dito nada mais é do que uma antecipa- ção de renda para as famílias, que per- mite adquirir no presente algo que seria adquirido apenas no futuro. Quando as famílias exageram nessa antecipação durante algum tempo, a tendência é que os ganhos de renda no futuro pró- ximo sejam utilizados como meio de ajuste, ou seja, para quitar consumo re- alizado no passado. Nesse caso, a de- manda, principalmente de setores vol- tados para o mercado interno, como o de comércio e serviços, é impactada, reduzindo seu potencial de crescimen- to durante alguns anos à frente. A explosão do consumo no Brasil ga- nhou amplo destaque nos últimos anos. Tratada, inclusive, como resul- tado de um modelo de crescimento adotado pelo país e simbolizando a ascensão de milhões de pessoas a um novo padrão de vida, a expansão real do consumo das famílias no decênio fi- nalizado em 2014 foi de 58,6%, frente a apenas 26,4% nos dez anos anteriores. Como consequência direta, essa ex- pansão exerceu forte impacto sobre o desempenho do comércio e dos servi- ços, que tiveram crescimento superior à média do PIB no mesmo período. Destaque semelhante recebeu, ao mesmo tempo, a explosão do crédito no Brasil e o aumento do endividamen- to das famílias. O volume de crédito à pessoa física, descontando a infla- ção, multiplicou-se por quatro entre 2004 e 2014, atingindo o equivalente a 25,0% do PIB anual. É natural conjecturar que esses dois eventos possuem uma relação muito próxima entre si. A explosão do crédi- to, certamente, desempenhou algum papel na expansão do consumo, prin- cipalmente quando se trata dos bens duráveis, como eletrodomésticos e au- tomóveis, e dos serviços de maiorvalor, como viagens, que estão associados à mudança no padrão de consumo no
  • 9. 9 Brasil nos últimos anos. No entanto, por trás desses dois movimentos exis- te também um aumento mais acele- rado da renda per capita do brasileiro na década de 2000, observado com mais força justamente naquelas famí- lias da base da pirâmide social, que possuíam uma parcela grande de de- manda reprimida e cujos ganhos de renda se revertem automaticamente em consumo. A questão relevante que emerge des- sa relação, portanto, é quais foram, mais precisamente, os papéis desem- penhados pelo crédito e pela renda na forte expansão do consumo dos últimos anos. Uma avaliação mais precisa do quanto o aumento do con- sumo esteve relacionado ao crédito, refletido no endividamento das famí- lias, é fundamental para determinar as perspectivas para comércio e ser- viços nos próximos anos. Em 2015 e 2016, o comércio varejista e os serviços prestados às famílias re- gistram quedas expressivas em suas receitas. O consumo das famílias deve encerrar o ano de 2016 com queda próxima a 5,0%, em termos reais, na comparação com 2015. Em um cená- rio como esse, é importante elucidar o quanto disso se deve a uma razão conjuntural, ou seja, à redução da ren- da provocada pela crise econômica, e o quanto se deve a um ajuste que as famílias estão se obrigando a fazer em seu nível de endividamento, algo que poderia não estar finalizado quando a renda voltar a crescer e, portanto, pro- duzir efeitos negativos por um período mais longo para o comércio de bens e serviços. É com o objetivo de preparar as empre- sas do setorterciário para o cenário futu- ro, auxiliando-as em seu planejamento, que essa publicação busca esclarecer essa questão. Em suma, se objetiva en- tenderem que grau o aumento recente no endividamento das famílias brasi- leiras se tornou um impedimento para o crescimento do consumo no futuro próximo e, consequentemente, qual o espaço adicional que existe para a ex- pansão do crédito e do endividamen- to na conjuntura econômica projetada para os próximos anos.
  • 10. 10 A evolução recente do consumo das famílias brasileiras É bom consumir! O brasileiro é comumente taxado de consumista. Em 2016, o volume de consumo das famílias brasileiras irá su- perar R$ 4,0 trilhões. Isso deve repre- sentar cerca de R$ 57,3 mil por família ou R$ 20 mil por cidadão brasileiro. Quando se analisa a evolução do con- sumo no Brasil nos últimos 30 anos, período em que os dados possibilitam um exame de maior precisão, nota-se que a velocidade de sua expansão es- teve longe de um número constante. No caminho para chegar ao nível atual, a aceleração relevante ocorreu em um período recente. O volume total de consumo das fa- mílias brasileiras (consumo agregado) cresceu, em termos reais, a uma mé- dia de 2,4% ao ano entre 1990 e 2003. No período subsequente, de 2004 a 2011, a velocidade de acréscimo mais do que dobrou, atingindo 5,2% ao ano. Em termos per capita, a aceleração do consumo após o ano de 2004 fica ainda mais evidente. Entre 1990 e 2003, a taxa de expansão média anu- al foi de 0,8%, evoluindo para 4,1% entre 2004 e 2011.
  • 11. 11 A explosão do consumo Consumo das famílias no Brasil Per capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil) Fonte: IBGE, IPEADATA e Assessoria Econômica Fecomércio-RS (estimativas 2015 e 2016) 0,8% 4,1% 0,9% 1990 R$ 2,0 trilhões 2016 R$ 4,0 trilhões Consumo Agregado (Preços Constantes de 2016) 2003 R$ 2,7 trilhões Taxa de  crescimento média anual por períodos
  • 12. 12 Naturalmente, esse aumento no con- sumo teve contrapartida na deman- da por bens e serviços, o que pôde ser visualizado no comportamento das vendas do comércio. De 2004 a 2011, o volume de vendas do comér- cio varejista restrito brasileiro acu- mulou um crescimento de 82,3%, o que representou, em termos anuais, uma variação média de 7,8% ao ano1 . Se comparado ao período que marca o início da série de dados disponível, este é um acréscimo expressivo. En- tre 2000 e 2003, houve redução mé- dia anual de 2,0%. Desagregando o resultado geral en- tre os segmentos que compõem a pesquisa, nota-se uma grande he- terogeneidade. O principal destaque foi a atividade de comercialização de equipamentos e materiais para es- critório, informática e comunicação, cujo incremento de vendas alcançou 525,7% de 2004 a 2011. Outras duas atividades com significativo acrésci- mo no volume de vendas foram mó- veis e eletrodomésticos e veículos, motos, partes e peças. Essas atividades possuem a maior parte de suas vendas formada por bens duráveis e para consumi-los as famílias dependem, em sua maioria, da disponibilidade de crédito, por seu valor não ser suportado por sua ren- da mensal. Assim, é natural conjectu- rar que a forte expansão do crédito no período pode ter sido determinante para o desempenho desses setores.
  • 13. 13 Crescimento de vendas do varejo no período 2004-2011, por segmento Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação Móveis e eletrodomésticos Outros artigos de uso pessoal e doméstico Veículos, motos, partes e peças Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo Livros, jornais, revistas e papelaria Tecidos, vestuário e calçados Materiais de construção Combustíveis e lubrificantes Fonte: IBGE Taxa de crescimento real média anual 14,8%25,8% 6,4% 4,9%5,7% 4,8% 1,4% 13,4% 11,4% Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos 9,0%
  • 14. 14 No longo prazo, é a renda que deter- mina a capacidade de consumo das famílias. O crédito permite apenas an- tecipar gastos e ajustar as necessida- des aos ciclos transitórios de renda. Assim, um aumento de consumo só pode ser permanente e, mais do que isso, não representar um comprome- timento do consumo no futuro, quan- do tem contrapartida na geração de renda da população. Analisando, por- tanto, o comportamento da renda é que se torna possível entender me- lhor o que vem acontecendo com as famílias brasileiras nos últimos anos e o grau de comprometimento de sua capacidade de consumir à frente. É possível identificar que, assim como aconteceu com o consumo, a ren- da das famílias também teve uma expansão mais acelerada a partir A relação entre consumo e renda da segunda metade da década de 2000. No período de 1990 até 2016, considerando o PIB per capita a pre- ços constantes, a renda dos brasilei- ros cresceu a uma velocidade média de 1,2% ao ano. De 2004 a 2011, con- tudo, o ritmo médio anual de cresci- mento da renda foi de 3,3%, mais do que o dobro do ritmo médio do pe- ríodo como um todo. Em valores ab- solutos, a preços de 2016, o aumento da renda per capita anual nesse perí- odo foi de cerca de R$ 7.600,00. Esse montante equivaleu a todo o ganho de renda per capita observado en- tre 1974 e 2003. Em outras palavras, a partir de 2004, os brasileiros tiveram, em apenas 8 anos, a mesma quantia de acréscimo de renda que haviam demorado 29 anos para obter até aquele momento.
  • 15. 15 Por representar uma medida de ren- da, é comum em muitas análises que a evolução do PIB seja confrontada com a do consumo para se avaliar descolamentos excessivos. Nesse confronto, é possível identificar clara- mente, de 1990 até o presente, dois ciclos de expansão de consumo em velocidade superior a de crescimen- to do PIB, ambos medidos a preços constantes. O primeiro deles aconteceu em me- ados dos anos 1990, mais precisa- mente a partir de 1994. Além de seu impacto sobre o poder de compra das famílias, o fim da inflação crôni- ca, obtido com o Plano Real, melho- rou a distribuição de renda e permitiu uma organização orçamentária mais eficiente por parte das mesmas, que conseguiram saciar uma parcela das necessidades reprimidas nos contur- bados anos anteriores. A abertura co- mercial e a apreciação cambial tam- bém tiveram um papel importante nesse ciclo, à medida que ampliaram muito o acesso a bens e serviços im- portados. Esse ciclo se encerrou em 1997, quando o consumo passou a apresentar taxas de crescimento in- feriores às do PIB. Após alguns anos, em 2004, o consumo per capita anual se encontrava em nível 0,8% inferior ao registrado em 1996, enquanto o PIB per capita crescera 7,0% no mes- mo período. O segundo ciclo teve início em 2005. Daquele ano até 2014, a média de consumo anual de cada brasileiro cresceu 43,0%, em termos reais, en- quanto a renda média anual (PIB per capita) registrou acréscimo de 27,1%. Ou seja, mesmo com o forte cresci- mento da renda observado nesse pe- ríodo, o consumo superou sua veloci- dade de expansão. Consumo versus PIB real
  • 16. 16 Ciclos de consumismo no Brasil Diferencial de crescimento real anual entre consumo per capita e PIB per capita Crescimento real acumulado por períodos PIB per capita Consumo per capita 15,4% -0,8% 43,0% 0,8% 7,0% 27,1% Em pontos percentuais de crescimento Fonte: IBGE
  • 17. 17 Essa análise, contudo, ainda não é conclusiva. Isso porque esse confron- to tradicional dos dados de consumo com o PIB em termos reais leva em conta os volumes (ou quantidades) produzidas e consumidas, ignoran- do a relação de preços entre as duas variáveis. Para ilustrar como isso é im- portante, imagine-se um país que pro- duza apenas banana e, com a renda gerada por essa produção, consuma apenas açúcar. Se a quantidade da produção de bananas desse país se mantiver constante ao longo do tem- po, uma conclusão possível seria a de que a quantidade de açúcar que po- derá ser consumida por sua popula- ção não poderá aumentar. No entanto, se o preço pelo qual as bananas são comercializadas duplicar e o preço do açúcar não se alterar, será possí- vel consumir o dobro de açúcar com a mesma produção física de bananas. Consumo versus PIB nominal e outras medidas de renda Quando se avaliam os dados em ter- mos nominais, ou seja, os valores em R$ correntes registrados em cada ano, a divergência entre consumo e PIB ao longo do ciclo 2005-2014 de- mora mais para aparecer. Apesar de um descolamento grande em termos de crescimento real, o consumo só começa a aumentar sua participação no PIB (cálculo que utiliza os dados nominais) a partir de 2012. Assim, no- ta-se que, de 2005 até 2012, o con- sumo aumenta muito, e mais do que o PIB, em termos de volume de bens e serviços adquiridos pelas famílias, porém sem comprometer uma par- cela proporcional de sua renda, em termos nominais. Esse fato sugere que os primeiros anos desse segundo ci- clo, pelo menos, tiveram uma contri- buição importante do comportamento dos preços para o seu financiamento.
  • 18. 18 A explicação para isso está no fato de que os preços de bens de consumo e serviços prestados às famílias aumenta- ram menos do que o aumento de pre- ços do PIB em geral, que é revertido na renda dos trabalhadores que o produ- zem, durante esse período. Isso acon- teceu, principalmente, porque muitos produtos que o Brasil produz tiveram aumento expressivo de preços durante o período considerado. Por outro lado, os preços dos bens de consumo anda- ram muito mais devagar. Com isso, uma mesma unidade de produto brasileiro possibilitou a aquisição de mais bens de consumo ao longo desses anos, au- mentando o poder de compra de um trabalhador brasileiro. Esse movimento está relacionado tan- to aos preços internacionais de muitos produtos que o Brasil produz quanto ao comportamento da taxa de câmbio no período. Com a forte queda no valor do dólar a partir de 2004, tudo que é im- portado pelo Brasil, em boa parte bens de consumo e insumos industriais, ficou mais barato e o inverso aconteceu com as exportações.
  • 19. 19 É interessante notar como essa dife- rença na trajetória dos preços provocou também uma divergência grande entre o PIB e outras medidas de renda ao lon- go do ciclo 2005-2014. Nesse período, o crescimento real da renda familiar per capita mensurada pela PNAD2 (e deflacionada pelo IPCA), por exemplo, foi de 55,4%, o dobro daquele captu- rado pelo PIB per capita (27,1%) e su- perior ao do consumo real per capita (39,6%). Essa divergência acontece por causa dos preços (deflatores) que fa- zem a correspondência entre os dados nominais e reais. Quando se avaliam os dados em termos nominais, a diferença entre as duas medidas de renda nesse período praticamente some. Preços do que o Brasil produz: deflator implícito do PIB Preços ao consumidor: IPCA Variação anual Fonte: IBGE Bônus de compra Diferencial de preços entre o que o Brasil produz e consome
  • 20. 20 Qual medida de renda? Aumento de renda do brasileiro no ciclo 2005-2014 em diferentes perspectivas PIB per capita (IBGE) Renda familiar per capita (PNAD/IBGE) Massa de Salários Ampliada Disponível (BCB) As variações reais da renda familiar per capita da PNAD (IBGE) e da massa de salários ampliada disponível (Banco Central) são obtidas utilizando-se como deflator o IPCA Variação real Variação nominal Com o crescimento expressivo nesse segundo ciclo, em 2016, o consumo deve atingir a parcela de 64,2% da renda total (PIB) dos brasileiros. Sob uma pers- pectiva histórica, os valores mínimos pontuais dessa relação foram atingidos no final da década de 1980 (em torno de 54%) e em 2008 (em torno de 59%). Entre 1996 (ano em que a série de contas na- cionais mais nova do IBGE tem início) e 2008, a média da razão consumo/ren- da foi de 62,5%. Ao longo de todo perío- 166,3% 55,4% 54,3%27,1% 165,1% 163,0%
  • 21. 21 do compreendido entre o fim dos anos 1940 e meados da década de 1980, essa relação nunca foi inferior a 65,0%, tendo superado o nível de 70,0% na maior par- te desse período. Desse modo, é possível verificar que o avanço ocorrido no comprometimen- to da renda dos brasileiros com con- sumo após 2009 teve como ponto de partida um nível reduzido, conside- rando o histórico brasileiro das últimas seis décadas. Com isso, apesar desse avanço, o nível atingido pela relação consumo/PIB em 2016 não chega a ser elevado, podendo ser conside- rado até moderado quando se leva em conta esse histórico mais longo. Comparando-o com os níveis médios mais recentes e anteriores a 2009, contudo, atingimos um patamar um pouco superior de comprometimen- to da renda agregada com consumo.
  • 22. 22 A relação histórica entre consumo e renda no Brasil Consumo das famílias como percentual do PIB Fonte: IBGE e IPEADATA
  • 23. 23 A relação entre consumo e renda no resto do mundo Em média, a população mundial consome 59,0% da renda que gera anualmente, valor um pouco inferior ao alcançado pelo Brasil no último ano. Essa parcela se mantém relati- vamente estável desde 1970, ano de início da série de dados disponibili- zada pelo BIS3 . A média mundial, entretanto, escon- de um padrão de diferença entre os países no que diz respeito ao con- sumo. Uma análise um pouco mais cuidadosa dos dados mostra que o nível de renda da população é re- levante para explicar a proporção da renda que é dedicada para con- sumo. A explicação está no fato de que populações pobres, de países com PIB per capita baixo, precisam utilizar praticamente a totalidade de sua renda para satisfazer suas ne- cessidades básicas de consumo. Por outro lado, populações ricas conseguem poupar uma parte maior de seus rendimentos anuais. Desse modo, quando os países são agru- pados conforme essa característica, a proporção entre consumo e renda varia consideravelmente. Levando em conta esse padrão, uti- lizando ferramentas estatísticas, é possível estimar o nível da relação consumo/PIB brasileira que seria co- erente com a média mundial, para o seu nível de PIB per capita. Os resul- tados desse exercício mostram que, em 2014 (último ano com dados disponibilizados pelo BIS), o valor estimado pelo padrão mundial para o consumo no Brasil seria próximo a 60,0% do PIB. Assim, é possível con- cluir que os níveis atingidos de fato em 2014 (62,0%) e, principalmen- te nos anos posteriores, apesar de ainda moderados para o histórico brasileiro, são um pouco superiores ao padrão mundial, considerando a renda per capita no Brasil.
  • 24. 24 Consumo das famílias e PIB per capita Consumo das famílias em percentual do PIB (2014) PIB per capita em paridade de poder de compra (Dólares PPP, 2011) Fonte: BIS O Brasil versus o mundo
  • 25. 25 Em resumo, os dados e análises apresentados até aqui sinalizam que uma continuidade de crescimento do consumo em velocidade superior ao do PIB, daqui para frente, levaria o Brasil a se descolar cada vez mais tanto do seu comportamento médio nos anos 2000, quanto do padrão mundial. Desse modo, independentemente do quanto esse aumento do consumo esteja ligado ao créditoeaoendividamentodasfamílias, assunto que será aprofundado nas próximasseçõesdestetrabalho,apenas sob o ponto de vista da relação usual entre consumo e renda, é natural que se suponha uma limitação mais forte de aumentos adicionais do consumo nos próximos anos em relação ao que a renda, ou, em última análise, o PIB, for capaz de crescer. Essa limitação, inclusive, já pode estar sendo acusada em algum grau. Quando se levam em consideração medidas alternativas de renda, já é possível notar alguma redução na relação consumo/ renda, que começa ainda no final de 2014. Em relação à massa de salários ampliada disponível (MSAD), calculada pelo Banco Centralequeenglobaarendadotrabalho acrescida de rendimentos financeiros e transferências governamentais, como pensões, aposentadorias e programas assistenciais, o consumo das famílias cai cerca de 13 p.p. entre o segundo trimestre de 2014 e o terceiro trimestre de 2016. Apesar de tudo isso, não se pode finalizar deixando de destacar que esse limite na relação consumo/PIB não é contemporâneo ao período de aceleração do consumo, tendo sido atingido em um momento mais recente, com o consumo já em queda e, portanto, motivado por uma redução ainda mais expressiva da renda (PIB) per capita. Considerando que o consumo de grande parte das famílias brasileiras serve para satisfazer necessidades básicas, é natural que as mesmas façam de tudo para preservá-lo em momentos de dificuldades, o que tende a elevar a relação entre consumo e renda nesses momentos. Além disso, o brasileiro, quandocomparadocommuitosdeseus paresaoredordomundo,nãopareceter atingidoumasituaçãode“consumismo” excessivo e usualno imaginário comum. Considerando países de renda per capita semelhante, o Brasil fica em uma posição intermediária no confronto entre consumo e PIB. Enfim, chegamos ao limite?
  • 26. 26 A evolução recente do crédito no Brasil 12x sem juros Nos anos recentes, não foram poucas as matérias especiais em programas de televisão, jornais e revistas tra- tando da ampla oferta de crédito ao consumidor e do endividamento dos brasileiros. Talvez em número ainda maior, foram os anúncios de ofertas do comércio com possibilidades de parcelamento longo dos pagamentos. As pessoas acostumaram-se a ver os cartazes “12x sem juros” pendurados pelas lojas e divulgados pela internet ou a ouvir tal frase sendo pronuncia- da nos comerciais de televisão. De fato, o crédito à pessoa física cresceu muito nos últimos anos. En- tre 2000 e 2014, o estoque de crédi- to às famílias mais do que quadru- plicou, saindo de cerca de R$ 400 bilhões para R$ 1,7 trilhão, a preços constantes de 2016. Assim como no caso do consumo, a velocidade de expansão do crédito às famílias não se manteve constante ao longo desse caminho. A partir de 2004 houve uma forte aceleração, que per- deu força a partir de 2011, mas se man- teve em ritmo robusto até 2014. A taxa média anual de variação do estoque real de crédito à pessoa física saiu de um recuo de 5,0% entre 2000 (primei- ro ano com dados disponíveis) e 2003 para uma elevação de 17,9% no perí- odo 2004-2011. Em termos per capi- ta, a evolução do crédito não é menos surpreendente. Nos primeiros anos da década de 2000, foi apurada uma dimi- nuição média anual de 6,2%. No perío- do que se estendeu de 2004 a 2011, o aumento atingiu 16,7% ao ano.
  • 27. 27 A explosão do crédito Evolução do Estoque de Crédito Pessoa Física Per capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil) Fonte: Banco Central do Brasil, IPEADATA e Assessoria Econômica Fecomércio-RS (estimativa 2016) -6,2% 16,7% 2,6% 2000 R$ 0,41 trilhão 2016 R$ 1,57 trilhão Estoque de crédito à pessoa física no Brasil Preços Constantes de 2016 2003 R$ 0,35 trilhão Taxa de  crescimento média anual por períodos
  • 28. 28 Redução de juros e alongamento de prazos impulsionaram o crédito Portrás dessaveloz expansão do crédito àsfamíliasnoBrasilestãoaconsolidação da estabilidade econômica no início dos anos 2000 e alterações no marco legal do mercado, relacionadas ao crédito consignado e à alienação fiduciária. Essesfatorespermitiramaampliaçãoda oferta de crédito, a redução consistente das taxas de juros e o alongamento do horizonte de planejamento das famílias e dos bancos, possibilitando o aumento no prazo das concessões. Seguindo o comportamento da taxa básica de juros da economia brasileira (taxa Selic), as taxas para as operações decréditodepessoasfísicasregistraram declínio significativo. A taxa de juros real para os empréstimos às famílias, com recursos livres, sai de patamar superior a 70% a.a. no início de 2003 para um nível próximo a 30% a.a. em 2012. Em termos de prazos, após passar por redução de 11,8 meses para 8,8 meses entre 2001 e 2003, o prazo médio das operações de crédito com recursos livres para pessoa física atinge 21,1 meses no final de 2012. Esses dois elementos permitem que as famílias assumam um nível maior de endividamento, pois tornam o custo (serviço) do crédito menor. Juros mais baixos e um tempo maior para amortizar as dívidas fazem o valor das parcelas mensais diminuírem, facilitando a sua assimilação dentro do orçamento familiar.
  • 29. 29 Taxa de juros real Prazo médio Operações de crédito à pessoa física com recursos livres Deflacionada pelas expectativas de inflação (IPCA) para 12 meses à frente (% a.a.) Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta Operações de crédito à pessoa física com recursos livres Prazo em meses Fonte: Banco Central do Brasil Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta Impulsos ao crédito
  • 30. 30 Em uma análise das modalidades de crédito à pessoa física, considerando os dados a partir de março de 2007 (período em que têm início as séries de crédito por modalidade) até o momento presente4 , não se pode deixar de dar destaque ao acréscimo verificado no crédito imobiliário, que registra uma incrível taxa de crescimento real média anual de 23,8%. No entanto, as modalidades associadas ao consumo das famílias também registraram aumentos muito expressivos, principalmente até 2011. O tamanho da importância do crédito para o crescimento do consumo Estoque de crédito por modalidades R$ bilhões, a preços constantes de 2016 Imobiliário Crédito Pessoal Aquisição de Bens Cartão de Crédito 67,3 162,6 143,0 57,6 271,3 339,5 268,0 163,3 541,8 394,7 149,8 186,2 Estoque em 2007 (março) Estoque em 2011 Estoque em 2016
  • 31. 31 Entremarçode2007edezembrode2011, as dívidas de cartão de crédito, crédito pessoal e crédito para aquisição de bens registraramtaxasdecrescimentomédias, em termos reais e anualizados, de 24,5%, 16,8% e 14,1%, respectivamente. Esses números sugerem, de fato, que o crédito desempenhou um papel importante para financiar o incremento do consumo das famílias ao longo do ciclo 2004-2011, destacado na seção anterior. Umaformademensuraressaimportância é comparar o aumento do saldo de crédito, em números absolutos, com os incrementos de consumo ocorridos ao longo desse ciclo. Selecionando o período entre 2007 e 2011, para o qual existem também os dados referentes às modalidades de crédito, o fluxo total de consumo incremental agregado foi de R$1,9trilhão,emtermosnominais5 .Nesse mesmo período, o estoque de crédito à pessoa física que tem como finalidade o consumo aumentou, também em termos nominais, R$ 376,8 bilhões6 . Essas cifras permitem mensurar, de forma mais precisa, o papel exercido pelo crédito no ciclo de expansão de consumo vivenciado pela economia brasileira. Apesar das expressivas taxas de crescimento percentuais dos saldos de crédito, a parcela do consumo incremental das famílias financiada com dívidas foi de cerca de 19,8% entre 2007 e 2011. Para o período posterior (2012-2016), em que crédito e consumo desaceleraram, essa fração caiu para 4,7%. Considerando o período como um todo (2007-2016), 9,6% do consumo incremental foi financiado com crédito e, portanto, ainda está “em aberto” na forma de dívidas a serem pagas a partir de 2017. Esses números mostram que o crédito tevesuaimportância,noentantonãopode ser considerado o principal responsável pelo incremento do consumo das famílias brasileiras na última década. Essa conclusão é importante para que se entenda o que ocorreu nos ciclos recentes e para permitir uma noção sobre o quanto do consumo passado já está quitado. Esses elementos, porém, ainda não esgotam a avaliação necessária para se projetarofuturodoconsumoedocrédito no Brasil. Mesmo que as dívidas que ficaram representem um percentual que seja considerado pequeno em relação ao que as famílias consumiram, o que já é positivo, a comparação do tamanho e do peso dessas dívidas com a renda é o mais relevante para se pensar o que pode acontecer daqui para frente.
  • 32. 32 Quão importante? Participação do crédito no consumo incremental Consumo incremental anual Aumento anual do saldo de crédito ao consumo Valores nominais, em R$ bilhões Fonte: IBGE e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS 37,3% 27,1% 17,9% 19,8% 12,0% 9,0% 6,6% 4,1% 2,7% 0,7%
  • 33. 33 Independentemente do papel que exerceu sobre o consumo, o crédito realmente explodiu no Brasil ao longo dos últimos 15 anos. Conceituar essa expansão do crédito, contudo, como excessiva ou comprometedora de con- sumo no futuro exige a investigação do grau de endividamento das famílias, ou da relação entre crédito e renda, ao longo dos últimos anos. O aumento anual do saldo de crédito, mesmo que pequeno perto do fluxo de consumo do período, ao longo do tempo vai se acumulando em um es- toque de dívida das famílias. Esse es- toque, além de sofrer a incidência de juros mais altos desde 2013, aumenta também com dívidas imobiliárias, que cresceram muito em participação e não financiaram o consumo passado. Em outras palavras, a preocupação com o futuro traz o foco da análise para a situação financeira atual das famílias brasileiras, que emergiu do comporta- mento recente descrito até aqui. Os brasileiros estão superendividados? Endividamento das famílias
  • 34. 34 Em comparação ao nível de renda, o crédito total destinado às famílias no Brasil era bastante reduzido até o início dos anos 2000, cenário que se alterou muito nos anos seguintes. Saindo de um patamar próximo aos 10,0%, a relação entre o estoque de crédito à pessoa física e PIB anualizado superou o nível de 25,0% ao longo de 2015 e 2016. Utilizando a série de endividamento das famílias calculada pelo Banco Central, nota-se evolução parecida, mesmo que em níveldiferente7 . O estoque de dívidas das famílias brasileiras, que equivalia a 18,4% de sua renda anual no início de 2005, chegou a ultrapassar os 46,0% no final de 2015. Em resumo, é saliente o fato de que o montante total de dívidas assumidas pelas famílias superou muito o seu ganho de renda nos últimos anos, independentemente do que ocorreu com seu nível de consumo. Apesar de todo esse incremento no endividamentodasfamíliasbrasileiras, os dados internacionais mostram que o Brasil não atingiu valores extremos para o estoque de crédito em relação à renda. Considerando populações de renda média parecida, os brasileiros chegaram a um nível de endividamento ainda muito inferior ao dos chineses, sul-africanos e dos tailandeses, por exemplo, mas acima dos mexicanos, russos e turcos. O real tamanho das dívidas
  • 35. 35 Endividamento das famílias Evolução do endividamento no Brasil Estoque de crédito a pessoa física em percentual do PIB (%) Endividamento das famílias como percentual da renda acumulada no ano (%) 7 Fonte: Banco Central do Brasil
  • 36. 36 Endividamento pelo mundo Crédito às famílias (em percentual do PIB, 2015) PIB per capita em paridade de poder de compra (Milhares de dólares PPP, 2011) Fonte: BIS Endividamento das famílias
  • 37. 37 Para se desenhar o cenário futuro, ainda mais importante do que o estoque de dívidas das famílias brasileiras é a análise da parcela de sua renda que é utilizada mês a mês para pagar as amortizações e os juros, o chamado serviço da dívida. O tamanho dessas despesas correntes é o determinante mais importante da capacidade das famílias para assumir novas dívidas. O aumento do estoque de crédito, se acompanhado por redução de juros e por prazos mais longos de concessão, não repercute na mesma medida sobre as despesas com o serviço da dívida. Essa é a razão pela qual alguns países do mundo conseguem suportar um nível de endividamento (em estoque) muito superior ao brasileiro. Como ressaltado anteriormente, a redução das taxas médias de juros e, principalmente, o alongamento dos prazos de concessão, contribuíram muito para acomodar os efeitos do grande aumento de endividamento das famílias em sua renda corrente. Eles não foram, entretanto, suficientes para deixá-las totalmente imunes a esse processo. Apesar da melhoria nas condições para a expansão do crédito, nota-se um crescimento expressivo da parcela de renda que as famílias comprometem periodicamente com dívidas, pagando amortizações e juros. Conforme os cálculos do Banco Central, esse comprometimento de renda com dívidas saiu de um patamar próximo aos 15,0% em 2005 e atingiu quase 23,0% entre o final de 2011 e início de 2012. Após uma leve redução ao longo de 2012, o indicador voltou a registrar aumento e permaneceu ao longo do ano de 2016 em patamar próximo a 22,0%. Embora não haja um número máximo exato recomendável para essa relação, a comparação do Brasil com outros países O comprometimento da renda com o pagamento do serviço das dívidas
  • 38. 38 ondeasfamíliasdedicamamaiorpartede sua renda pagando juros e amortizações (17,8%). A título de exemplo, em 2007, no pico atingido antes do estouro da bolha de crédito imobiliário nos Estados Unidos, as famílias comprometiam 11,6% de sua renda com o serviço das dívidas. O peso das dívidas na renda Comprometimento da renda familiar com o serviço (juros e amortização) de suas dívidas Em percentual da renda (%) Brasil Fonte: Banco Central do Brasil Mundo Dados de 2015 | Fonte: BIS do mundo, apesar da amostra restrita e originadaembasediferente,indicaqueas famíliasbrasileirasatingiramumpatamar elevado de comprometimento da renda com dívidas. Os dados disponibilizados pelo BIS para 17 países, para o ano de 2015, registram a Holanda como o país
  • 39. 39 Osindicadoresdeinadimplênciapodem ser utilizados como um marcador para diagnosticar endividamento excessivo. Eles sinalizam situações em que o crédito passa por um crescimento não acompanhado pela capacidade de pagamento das famílias. Quando isso acontece, em algum momento, as famílias acabam acusando essa falta de capacidade de pagamento atrasando o pagamento do serviço de suas dívidas. O marcador da inadimplência Taxa de inadimplência Percentual de crédito livre com atraso acima de 90 dias Fonte: Banco Central do Brasil Nota: a série mais longa de inadimplência divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta
  • 40. 40 Isso aconteceu no Brasil mais de uma vez ao longo do processo de rápida expansão do crédito. Desde 2000, é possível observar cinco ciclos claros de elevação da inadimplência. Esses ciclos costumam seguir momentos de ascensão rápida do endividamento e/ou queda de renda. É interessante notar, contudo, que até 2012, os ciclos de aumento (e posterior redução) da inadimplência ocorrem independentemente do nível de comprometimento da renda das famílias com juros e amortizações e sem impedir, inclusive, a tendência consistente de elevação do último. Ou seja, de alguma forma, as famílias brasileiras, ao longo desse período, foram capazes de seguir tomando novas dívidas, ao mesmo tempo em que pagavam as dívidas que entravam em atraso. Isso indica que a incapacidade de pagamento das famílias, representada pelos ciclos de aumento da inadimplência, decorria mais da rapidez com que o endividamento aumentava do que propriamente do nível atingido pelo mesmo. É preciso entender que a rápida expansão do crédito nesse período representa a abrangência de muitas famílias de baixo nívelde escolaridade e que nunca haviam lidado com o pagamento de dívidas maiores. Sem educação para usar crédito, quando as dívidas crescem muito rápido, é possível que ocorram atrasos de pagamento por falta de um mínimo de organização e programação orçamentária, mesmo que o nível de endividamento, no longo prazo, não seja excessivo. O ciclo de elevação da inadimplência de 2011/2012, que ocorre quando o nível de comprometimento da renda com o serviço de dívidas se aproximou dos 23,0%, já remete a um comportamento diferente, entretanto. A queda da inadimplência, entre 2012 e 2013, coincide com uma redução mais expressiva do nível de comprometimento da renda corrente comdívidas.Pelaprimeiravezaolongo do período analisado, a regularização dos pagamentos parece ter exigido uma redução do endividamento. A nova aproximação do patamar de 23% de comprometimento da renda com dívidas, no final de 2015, já ocorre de forma muito mais lenta e volta a se associar a um ciclo de elevação de
  • 41. 41 inadimplência. Assim, apesar de um histórico de dados relativamente curto, esses elementos sinalizam que o peso doendividamento(comprometimento da renda corrente com o serviço das dívidas) atingido pelas famílias brasileiras em 2012 e 2015/2016 é, no mínimo, próximo ao limite que elas conseguem suportar de forma saudável. Em termos de futuro, esse limite representa, pelo menos, duas questões importantes para o comportamento do consumo e, portanto, do comércio. Em primeiro lugar, o aumento ocorrido na inadimplência, mesmo que não tenha sido tão grande como no ciclo anterior, terá necessariamente de ser regularizado, demandando parcela da renda que for auferida nos próximos anos. Em segundo lugar, a formação de novasdívidas,quepodeestarassociada ao aumento de consumo, deve ficar muito limitada às condições de renda e de juros a partir de 2017. Aprofundar essas questões que condicionam o futuro é o objetivo da seção que conclui esse trabalho.
  • 42. 42 Mesmo que o consumo passado não tenha sido em sua maior parte finan- ciado com dívidas, parece claro que o ciclo de expansão do crédito ini- ciado no começo da década de 2000 conduziu as famílias brasileiras, no mínimo, à proximidade de um limite em termos de comprometimento de sua renda corrente com o pagamen- to de serviço de dívidas. Esse fato é evidenciado não apenas pela com- paração com outros países do mun- do, mas também pela análise dos dados de inadimplência. O futuro do comércio está comprometido? Olhando para frente
  • 43. 43 O ajuste das famílias já começou Em termos de endividamento, as famílias brasileiras já começaram a se ajustar. O volume real de crédito à pessoa física se reduziu em mais de 7,0% de dezembro de 2014, quando atingiu seu pico, até o fim de 2016. Esse fator permitiu a contenção do comprometimento da renda familiar com o serviço de dívidas e, com isso, a interrupção no aumento da inadimplência, mesmo com a renda ainda em queda. A taxa de inadimplência da pessoa física, no que diz respeito ao crédito livre, depois de aumentar em 2015, permaneceu relativamente estável ao longo de 2016, oscilando em torno de 6,2%. Esse valor é muito próximo à média de 6,1% registrada desde março de 2011, início da série atual divulgada pelo Banco Central, e abaixo do pico de 7,2% atingido em 2012. Levando em conta a totalidade do crédito à pessoa física, já há, inclusive, sinais de redução da inadimplência. Além disso, o pico atingido no ciclo atual, de 4,3%, é bastante inferior ao valor de 5,5% em 2012 e ainda inferiorà média registrada desde março de 2011 (4,5%). É verdade que uma parte da contenção da inadimplência é explicada pela renegociação de dívidas, que acaba regularizando a situação das famílias mesmo que as dívidas continuem existindo. No entanto, os dados mostram que essa parte não foi tão expressiva.Ovolumedecréditopessoal vinculado à renegociação começou, de fato, a crescer em proporção ao saldo total de crédito a partir de 2015. Esse crescimento, contudo, teve proporções moderadas quando comparado com o histórico recente. O ganho de participação na carteira total de crédito das famílias, até o fim de 2016, foi de apenas cerca de 0,3 p.p (o que representa R$ 4,8 bilhões) e já dá sinais de interrupção.
  • 44. 44 Crédito de renegociação Participação do crédito pessoal vinculado à renegociação de dívidas no saldo total de crédito às famílias Fonte: Banco Central do Brasil
  • 45. 45 Mesmo que o ajuste já tenha sido iniciado, o aumento da inadimplência ocorrido a partir de 2015 mostra que ele não foi suficiente para que as famílias brasileiras mantivessem seus compromissos em dia. Assim, olhando para frente, para o retorno a uma condição de equilíbrio no orçamento das famílias, que depende da regularização das dívidas passadas, é inevitável que uma parte dos ganhos de renda futuros ainda seja utilizada para saldar o passado. Buscando projetar o provável impacto desse fato sobre o consumo das famílias, é relevante estimar, portanto, o tamanho da conta que ainda está em atraso e precisará ser regularizada. Considerando como valor alvo a taxa mínima histórica de inadimplência, o montante classificado como inadimplente atualmente que excede esse valor se encontra em R$ 7,0 bilhões. Isso equivale a 0,25% da renda anual dos brasileiros, mensurada pela massa de salários ampliada disponível, divulgada pelo BancoCentral.Emoutraspalavras,caso essa conta fosse liquidada em um ano, a renda agregada dos brasileiros teria que crescer nos próximos 12 meses cerca de 0,25% antes de poder ser alocada para aumentar seu consumo. Esse cálculo mostra que pode haver, sim, um impacto do passado no consumo das famílias no futuro. A conta, no entanto, no caso dos recursos inadimplentes, é pequena, principalmente se diluída em um período maior e quando se leva em conta o fato de que consiste em uma estimativa bastante conservadora8 . Em um cenário alternativo, supondo que apenas metade do saldo de crédito classificado como inadimplente esteja de fato em atraso e que o ajuste leve cerca de dois anos, como foi usual nos ciclos de inadimplência passados, esse impacto sobre a renda cairia para cerca de 0,06% ao ano e estaria finalizado ao fim de 2018. O tamanho da conta atrasada
  • 46. 46 Cenário de redução da inadimplência Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS Percentual de crédito com atraso acima de 90 dias Volume de recursos inadimplentes Taxa de inadimplência R$ 7 bilhões Volume em nov/16 Volume alvo
  • 47. 47 Em termos de impacto sobre a renda futura das famílias, regularizar as parcelas que ficaram atrasadas não é suficiente. As despesas relacionadas às dívidas atuais, mesmo que não estejam sendo atrasadas, também continuarão comprometendo parcela de sua renda até que sejam totalmente liquidadas. Portanto, para se complementar a análise do peso do passado sobre o consumo futuro é necessário projetar por quanto tempo e o quanto da renda futura das famílias estará comprometida com o serviço das dívidas atuais. Para isso, simulam-se trajetórias de amortização dessas dívidas, seguindo as premissas utilizadas pelo Banco Central nos cálculos realizados para o período corrente. Destacadamente, a maior parte do crédito às famílias segue a amortização pelo sistema Price, de parcelas constantes, que não mudam de valor até que o saldo de cada modalidade esteja liquidado. No entanto, outra parte significativa, formada principalmente pelo crédito imobiliário, segue o sistema de amortização constante (SAC), em que as parcelas vão se reduzindo ao longo do tempo. A partir dessas definições, foram estimadas as despesas das famílias brasileiras com as dívidas atuais, até dezembro de 2020. Para calcular a parcela da renda que deve ser consumida por esses pagamentos, foram elaborados dois cenários alternativos para a trajetória futura da massa de salários ampliada disponível, que é a medida de renda utilizada pelo Banco Central em seus cálculos. No cenário denominado de “estabilidade de renda”, supõe-se E o resto das dívidas atuais, por quanto tempo ainda comprometerão o orçamento das famílias?
  • 48. 48 crescimento nulo para a renda real entre 2017 e 2020. Já o cenário de “recuperação da renda”, supõe, para a mesma variável, crescimento real de 1,0% em 2017 e de 4,5% ao ano entre 2018-2020. Em ambos os cenários, é possível perceberque o peso das dívidas atuais seria reduzido de forma relativamente rápida. O patamar atual de cerca de 22,0% de comprometimento da renda familiar com o serviço de dívidas, caso novas dívidas não fossem adquiridas, cairia para 19,2% ao fim do primeiro semestre de 2017 e para 14,6% até o fim do mesmo ano, mesmo considerando a renda real estável. Em outras palavras, caso os brasileiros não tomassem novas dívidas a partir do início de 2017, até o fim do ano já teriam liberado 7,5 p.p. de sua renda para outras finalidades. Essarapideznaamortizaçãodasdívidas atuais ilustra o fato de que o crédito no Brasil, apesar do alongamento paulatino dos últimos anos, ainda possui um prazo médio muito curto e, portanto, uma rotatividade muito alta. O significado disso é que boa parte das dívidas é amortizada em menos de um ano e, mesmo para uma manutenção de um saldo total de crédito constante, são necessárias muitas novas concessões todos os meses. Nesse sentido, as dívidas atuais, que já foram constituídas até 2016 e resultaram do aumento recente do endividamento das famílias brasileiras, não poderiam ser responsabilizadas por um comprometimento do futuro do consumo e do comércio, pois o seu peso se dissipa em relativamente pouco tempo.
  • 49. 49 Morte rápida Projeções de serviço das dívidas atuais (dívidas de dez/2016, sem considerar novas concessões de crédito) Comprometimento da renda familiar com o serviço (juros e amortização) de suas dívidas Em percentual da renda Cenário de estabilidade da renda Cenário de recuperação da renda Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
  • 50. 50 Novas dívidas Naturalmente, na prática, nesse espaço de endividamento que vai sendo liberado pelas dívidas atuais, novas dívidas devem ser colocadas, principalmente quando se leva em conta a tentativa de manutenção do padrão de consumo em um ambiente de dificuldade de renda. Nesse sentido, é importante projetar em que volume elas poderão ser suportadas pelos brasileiros no futuro e o quanto poderão comprometer de sua renda. Uma primeira projeção pode ser feita supondo que as novas dívidas que seriam formadas a partir de 2017 teriam as mesmas condições de prazos, juros e composição em termos de modalidades das atuais9 . Nessas condições, considerando o cenário de estabilidade da renda, para que o percentual de comprometimento da renda com juros e amortizações se mantivesse nos níveis atuais (22,1%), seria necessário que o saldo de crédito à pessoa física se reduzisse em 2,3% em termos reais ao longo de 2017 e permanecesse estável em 201810 . Esse, no entanto, não é um cenário realista. Até o fim de 2016, as dívidas vinham sendo repostas com taxas de juros constantes ou até crescentes, dependendodamodalidadedecrédito. A partir de 2017, contudo, isso muda. Tendo em vista o ciclo de redução da taxa básica de juros atualmente em curso, as novas dívidas serão constituídas com juros menores, pesando menos sobre a renda mensal das famílias. Desse modo, se considera um cenário alternativo, em que as taxas de juros de cada modalidade seriam reduzidas de forma proporcional ao ritmo de redução projetado para a taxa Selic, que segue o calendário de reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central. No momento em que essa publicação é finalizada, projeta-se que a taxa Selic, depois de ter permanecido mais de um ano em 14,25% a.a., deve ser reduzida para cerca de 10,0% a.a. até o final de 2017. Com essa alteração no cenário, as projeções mostram que, caso o comprometimentoderendacomjuros
  • 51. 51 e amortizações fosse estabilizado nos níveis em que encerra 2016, o saldo de crédito às famílias poderia crescer 2,2%, em termos reais, em 2017, iniciando a expansão a partir de maio, e 7,4% em 2018. Em uma perspectiva mais otimista, mesmo para o curto prazo, é possívelse consideraro cenário de recuperação da renda. Nesse caso, com a estabilidade no percentualcomprometido com juros e amortizações, o volume de crédito à pessoa física poderia se expandir em 3,1%, em termos reais, em 2017 e 12,3% em 2018. Essas simulações ilustram como a associação entre o prazo relativamente curto de amortização das dívidas no Brasil e um ciclo de redução de juros aumenta a viabilidade de assimilação de crédito novo por parte das famílias. Por fim, projeções para um horizonte mais distante também mostram como ainda pode haver espaço para o crédito às famílias se expandir no Brasil, dependendo do cenário considerado. Em um cenário pessimista e conservador, de crescimento muito lento da renda, pouca redução de juros médios e sem alongamento de prazos, mesmo fixando o comprometimento da renda familiar com o serviço das dívidas em 20,0%, o saldo de crédito à pessoa física poderia se expandir a uma taxa real média de 1,1% ao ano até 2030. Já em um cenário otimista, com melhoria nas condições de concessões e de renda e com a mesma parcela dedicada ao serviço, o volume de dívidas das famílias poderia crescer em média 6,0% ao ano, em termos reais, até 2030. Nesse caso, o saldo de crédito à pessoa física sairia dos atuais 25,0% do PIB para 35,7% naquele ano. Esses cálculos evidenciam que qualquercenáriointermediárioentreo pessimistaeootimistajárepresentaria uma capacidade de expansão do crédito às famílias no longo prazo. Ou por, outro lado, caso essa expansão não venha a ocorrer, o resultado seria uma redução no comprometimento de sua renda com o serviço de dívidas para valores inferiores a 20,0%.
  • 52. 52 Cenários de curto prazo Projeções de capacidade de assimilação de novas dívidas Saldo de crédito à pessoa física coerente com comprometimento da renda com serviço das dívidas fixado no nível de dez/16 Preços constantes de dez/16 (R$ trilhões) Cenário de juros estáveis e estabilidade da renda Cenário de juros em queda e estabilidade da renda Cenário de juros em queda e recuperação da renda Taxa de crescimento 2017 2018 0,0% 3,1% 12,3% 2,2% 7,4% -2,3%
  • 53. 53 Cenários de longo prazo Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS Taxa média de juros (% ao mês) Prazo médio (meses) Taxa de crescimento real anual da renda 2017 2018-2030 Comprometimento de renda com o serviço das dívidas Crédito às famílias/PIB 22,1% Situação Atual 2030 Cenário Pessimista Cenário Otimista 1,1% 180,0128,2128,2 3,5%1,0% 25,0% 6,0% 35,7%25,0% 20,0%20,0% 1,0%0,0% 1,8%2,5%3,0% Taxa de crescimento real anual do crédito às famílias
  • 54. 54 Endividamento, consumo e o futuro do comércio Em suma, não é possível afirmar que o futuro do comércio brasileiro está comprometido pelo endividamento das famílias. O consumo vem passando por uma redução expressiva desde o início de 2015. Não é claro, contudo, o quanto o excesso de endividamento das famíliassozinhotemderesponsabilidade sobre essa redução. Em proporção à renda, o consumo (mesmo excluídas as despesas de juros, que, na verdade, também dizem respeito ao consumo de um serviço), só perde participação em algumas mensurações e, mesmo assim, quase três anos após o comprometimento da renda familiar com dívidas atingir seu pico. Outro elemento, associado ao consumo, que poderia sinalizar um impacto do endividamento excessivo foi a contração significativa, em termos reais, do saldo de crédito à pessoa física a partir de 2015. Nesse período, no entanto, há outras causas, relacionadas a perspectivas futuras, e não apenas ao passado, pesando sobre o orçamento das famílias. O forte aumento da taxa de juros e a piora das expectativas que começam a ser observados entre 2013 e 2014 são fatores importantes que reduzem o incentivo das famílias para a tomada de crédito, o que acaba afetando o consumo, principalmente, de bens duráveis11 .
  • 55. 55 Desincentivos ao consumo e à tomada de crédito Índice de confiança do consumidor (eixo da esquerda) Taxa de juros real pessoa física em % a.a. (eixo da direita) Fonte: Banco Central do Brasil, FGV e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS
  • 56. 56 A queda das vendas foi mais sentida nos bens com maior dependência do crédito Redução do volume de vendas do comércio entre 2014 e 2016 Móveis Eletrodomésticos Varejo agregado Veículos, motos, partes e peças Materiais de Construção -25,4% -22,6% -9,5% -17,8% -27,7%
  • 57. 57 Despesas com amortizações Despesas com juros Em percentual da renda (%) Fonte: Banco Central do Brasil Comprometimento da renda familiar com o serviço de suas dívidas De qualquer modo, independen- temente do impacto exercido até aqui, as simulações realizadas para a evolução do crédito no futuro próxi- mo mostram como a redução de ju- ros em curso deve alterar a conjun- tura atual. Ao longo de 2015 e 2016, o comprometimento da renda com o serviço das dívidas se manteve constante, a despeito de uma re- dução do endividamento. Assim, o que explica a elevada restrição so- bre a renda das famílias não é o vo- lume de dívidas em si, mas os juros pagos sobre elas. Desagregando as despesas com o serviço das dívidas entre juros e amortizações, nota-se que o aumento ocorrido nos últimos anos tem como responsável justa- mente o aumento do pagamento de juros, que se eleva, em proporção à renda, mesmo quando o volume de dívidas e os gastos com amortização se reduzem.
  • 58. 58 Conforme as simulações apresen- tadas, se os juros permanecessem estáveis, para não representar um comprometimento maior da renda corrente, o saldo de crédito às famí- lias teria de passar por nova redução, em termos reais, em 2017. Redução do saldo de crédito significaria amortizar um volume de dívidas maior do que o montante de novas concessões, ou seja, uma parte da renda do ano (ou de poupança acumulada) teria de ser dedicada pra isso. Assim, nesse caso, não sendo desejável elevar o com- prometimento da renda familiar com o serviço de dívidas, seria possível responder positivamente à pergun- ta que intitula esta publicação: uma parte do consumo futuro e, portanto, o desempenho do comércio teriam boas chances de estar, sim, compro- metidos pelo passado. Com a redução de juros esperada para 2017, em contrapartida, as con- dições se alteram e, graças à alta ro- tatividade do crédito às famílias no Brasil, as projeções mostram que essa alteração produz efeitos rápidos. Os cenários elaborados para o curto prazo mostram como o saldo de cré- dito pode até começar a crescer já a partir do segundo semestre de 2017, caso o comprometimento de renda familiar com o serviço das dívidas se mantivesse estável. Ou seja, alterna- tivamente, se o saldo de crédito se mantiver constante, há condições de haver uma redução nesse compro- metimento. A estabilidade do saldo real de cré- dito às famílias, inclusive, pode ser estabelecida como critério para de- finir um impacto neutro do endivida- mento sobre o comércio. Esse caso representaria a igualdade entre con- cessões e amortizações, sem o cré- dito comprometer e nem acrescentar nada à renda corrente, ou seja, sem beneficiar nem prejudicar o consumo. Considerando a redução esperada para as taxas de juros, no cenário de estabilidade da renda, um saldo real de crédito à pessoa física constan- te permitiria que a parcela da renda das famílias comprometida com ju- ros e amortizações começasse a se reduzir a partir da metade de 2017, atingindo 21,5% no final do ano e 20,0% no final de 2018. Já no cenário de recuperação da renda, a redução iniciaria um pouco antes e o compro- metimento com serviço terminaria 2017 em 21,3% e 2018 em 18,9%.
  • 59. 59 A parcela da renda corrente das fa- mílias dedicada para saldar as suas dívidas superou o nível de 22,0% em meados de 2011 sem que, naquele momento e nos três anos seguintes, houvesse algum tipo de prejuízo apa- rente para o consumo. Mesmo des- considerando esse fato e supondo que o atual nível de endividamento estivesse sim comprometendo a rela- ção entre consumo e renda, o que as simulações de saldo de crédito cons- tante indicam é que, com a queda dos juros, esse efeito começaria a se dis- sipar em um prazo de cerca de 6 me- ses, mesmo sem crescimento real da renda. Se considerado um horizonte mais longo de tempo, ainda, afirmar que o futuro do comércio está com- prometido se tornaria ainda mais ar- riscado, considerando a viabilidade de redução do peso que as dívidas exercem sobre a renda familiar e/ou de ampliação do saldo de crédito. É preciso ressaltar, por outro lado, que, mesmo que não configure um com- prometedor do consumo, no curto pra- zo, mesmo com a redução de juros em curso, há um limite para o quanto o crédito poderia impactar no sentido contrário, impulsionando o comércio, principalmente ainda em 2017. Se a renda dos brasileiros permanecer es- tável até 2018, como ilustrado com as simulações, aumentos mais expressi- vos no saldo de crédito às famílias exi- giriam, pelo menos, a manutenção do comprometimento da renda com o ser- viço das dívidas no patamar de janeiro de 2017 (22,1%). Ou, dito de outra forma, caso a renda não cresça, é muito difícil associar, no curto prazo, redução des- se comprometimento com expansão do crédito. No longo prazo, entretanto, esse li- mite é bem menos evidente, estan- do mais condicionado ao cenário que se considera. Ainda assim, mesmo em um cenário relativamente conservador, que contemple alguma redução de ju- ros e avanço da renda, as simulações mostram que haveria um espaço razo- ável para uma ampliação do crédito às famílias no Brasil, com potencial de be- neficiar o consumo e o comércio.
  • 60. 60 Projeções de serviço para um saldo de crédito às famílias constante em termos reais e juros caindo em 2017 Nota: ambos os cenários levam em conta a redução da taxa básica de juros para 10,0% ao longo de 2017 e sua permanência nesse nível até 2020. Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS Cenário de estabilidade da renda Cenário de recuperação da renda Comprometimento da renda familiar com o serviço (juros e amortização) de suas dívidas Em percentual da renda
  • 61. 61 Estoque de crédito à pessoa física Em percentual do PIB Dívida imobiliária Outras dívidas Fonte: Banco Central do Brasil Àpartedacapacidadedeendividamen- to, contudo, é preciso levar em conta outras limitações que o consumo das famílias poderá enfrentar daqui para frente. Uma delas é o aparente limite que atingiu a relação entre consumo e PIB até 2016, tema tratado na primeira seção deste trabalho. Outra questão im- portante, é que nem todas essas novas dívidas que podem ser assimiladas pe- las famílias terão como finalidade o con- sumo. A maior parcela do aumento do crédito à pessoa física dos últimos anos esteve associada ao crédito imobiliário, influenciado não apenas pelo aumen- to da renda e confiança dos brasileiros, mas também pelo alongamento dos prazos, o que facilita a amortização de dívidas maiores. Em 2016, mesmo com a renda em queda, enquanto o saldo to- tal de crédito às famílias teve crescimen- to nominal de 3,8%, o crédito imobiliário cresceu 8,4%. Dado o déficit habitacional expressivo ainda existente no Brasil, é ra- zoável supor que boa parte do espaço de endividamento que venha a ser libe- rado no futuro seja ocupado por dívidas imobiliárias e não dívidas de consumo. Para finalizar, não se pode deixar de su- blinhar o papel do comportamento da renda que acabou sendo evidenciado em meio a todas as análises e proje- ções realizadas. Mesmo que a rela-
  • 62. 62 ção entre renda e consumo não seja prejudicada pelo endividamento, se a renda não cresce o consumo não cresce. Uma recuperação da renda, em primeiro lugar, amplia os limites do consumo, permitindo um crescimento de vendas do comércio mesmo que a relação entre consumo e renda per- maneça estável. Ademais, como ilus- trado nas simulações, uma recupera- ção da renda, associada à redução de juros, permite a acomodação de des- pesas maiores com o serviço de dívi- das, aumentando muito o potencial de crescimento do saldo de crédito nos próximos anos. Desse modo, mais im- portante do que o passado para de- terminar o desempenho do comér- cio nos próximos anos, portanto, é o comportamento futuro da renda, que constitui um limitador intransponível para o consumo no longo prazo. Os elementos-chave para ampliaro po- tencialde demanda para o comércio no Brasil, portanto, mostram alguns cami- nhos relevantes a serem seguidos pe- las políticas públicas que visem benefi- ciar o setor. Ampliar a renda e reduzir as taxas de juros, no longo prazo, depen- de muito de medidas que aumentem a produtividade e diminuam a taxa de inflação média da economia brasileira. No fim das contas, o caminho que be- neficia o comércio é o mesmo que be- neficia a toda a população brasileira: crescimento econômico maior e sus- tentável, com estabilidade de preços.
  • 63. 63 Notas 1 O comércio varejista restrito exclui os segmentos de veículos, motos, partes e peças e materiais de constru- ção. Essa série é utilizada, contudo, para fins de comparação com anos anteriores, tendo em vista a falta de disponibilidade de dados do comércio varejista ampliado para um período mais longo. 2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE. 3 Bank for International Settlements. 4 Saldos de crédito para dezembro de 2016 estimados com base nos dados disponíveis até outubro de 2016. 5 O consumo incremental é calculado pela diferença entre a trajetória efetivamente observada do consumo das famílias no Brasil e uma trajetória simulada com base na taxa média anual de crescimento do consumo real per capita observada no período anterior a 2004 (1990-2003), que foi de 0,8%. 6 Considerou-se crédito com destino ao consumo todo o estoque de crédito à pessoa física reduzido das modali- dades imobiliário, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES. 7 Para mensurar o montante de dívidas das famílias, o cálculo de endividamento do Banco Central utiliza o total do saldo de crédito à pessoa física excluindo as modalidades de cartão de crédito à vista, crédito rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES. Como medida de renda, o Banco Central utiliza a massa de salários ampliada disponível (MSAD). 8 Por ausência de informações mais precisas, se considera que, para atingir o valor alvo, seria necessário qui- tar todo o saldo de crédito que está classificado como inadimplente, e não apenas o pagamento das parcelas atrasadas, como é o caso de fato. Quando há um atraso de pagamento superior a 90 dias, a totalidade da dívida é classificada pelo Banco Central como inadimplente, e não apenas o volume de recursos em atraso.
  • 64. 64 9 As condições atuais de prazos e juros dizem respeito às concessões de crédito de outubro de 2016. 10 O saldo de crédito levado em conta nessas simulações é o mesmo considerado pelo Banco Central para o cálculo do endividamento das famílias e corresponde ao total do saldo de crédito à pessoa física excluin- do as modalidades de cartão de crédito à vista, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES. 11 Alguns exercícios estatísticos sugerem, de fato, que esses elementos foram responsáveis por uma par- cela majoritária da redução mensurável na relação entre consumo e renda, deixando um espaço menos significativo para o aumento do endividamento. Decompondo as causas da redução na relação entre consumo e massa de salários ampliada disponível entre 2014 e 2016 por meio de um modelo de regres- são linear, o aumento da taxa de juros real, a redução da confiança do consumidor (FGV) e o aumento do comprometimento da renda com dívidas respondem, respectivamente, por 31,7%, 66,7% e 1,6% dos impactos na variável dependente. Buscando capturar efeitos crescentes, o comprometimento da renda com dívidas foi testado como regressor também em sua forma quadrática, sem alteração significativa de resultados.
  • 65. Sistema Fecomércio-RS Av. Alberto Bins, 665 | 13º andar Centro Histórico | 90030-142 Porto Alegre | RS Fone | Fax: (51) 3286.5677 fecomercio@fecomercio-rs.org.br www.fecomercio-rs.org.br