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As tomadas de poder comunistas na China
'A Segunda Guerra Mundial, tão importante para os partidos Comunistas
chegarem ao poder na Europa, foi crucial também na China. Enfraqueceu
'1 imensamente Chiang Kai-shek, pois seu Kuomintang suportara o maior
peso da luta contra os japoneses. Os Comunistas haviam tido um papel
,relativamente modesto na resistência aos ocupantes estrangeiros em seu país.
,'Uma prioridade maior para eles, e para Mao Zedong em particular, havia
"sido se preparar para a luta contra os nacionalistas pelo controle de todo O
, Estado chinês. Os Comunistas haviam fortalecido sua base de poder a tal
ponto, que se em 1937, quando a guerra contra 'o Japão começou, contro-
lavam áreas cujas populações totalizam apenas quatro milhões de pessoas
e tinham cem mil soldados sob seu comando, em 1945, quando a guerra
terminou, já comandavam territórios que compreendiam mais de 95 milhões
de habitantes e tinham 900 mil soldados no Exército Vermelho chinês.'
Na reunião de Yalta, na Crimeia soviética, em fevereiro de 1945, Roose-
,velt e Churchill haviam concordado prontamente com Stalin de que a URSS
deveria entrar na guerra contra o japão.? De olho em ganhos territoriais,
Stalin estava ansioso para fazer isso. De fato, a União Soviética tomou
, posse das ilhas Curilas, conhecidas no Japão como Territórios do Norte, e
: no século XXI estas continuam sendo um sério pomo de discórdia entre a
Rússia e o Japão. Quando a guerra no Pacífico entrou em sua última fase,
tropas soviéticas avançaram pela Manchúria.! Os Comunistas chineses se
associaram às forças soviéticas e conseguiram se manter na Manchúria,
apesar dos esforços de Chiang Kai-shek para expulsá-los. Entre 1946 e 1949,
os Comunistas ampliaram gradualmente seu controle territorial a outras
partes da China e acabaram tomando as importantes cidades de Beijing
e Xangai. Embora reivindicasse o manto do nacionalismo, o Kuornintang
não produziu qualquer solução para os problemas do país, enquanto os
Comunistas pareciam estar reiterando a dignidade nacional e oferecendo
uma visão do futuro da China." Muitos revolucionários jovens da geração
!.
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220 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
1
de Mao viam o marximo-leninismo como uma doutrina que apontava um
caminho para pôr fim ao atraso econômico e político da China e à humilha-
ção que seu país sofrera nas mãos de estrangeiros ao longo do século XIX e
da primeira metade do século XX.I O papel do Exército Vermelho da China
no combate aos japoneses, embora bastante limitado em comparação ao
das forças. lideradas por Chiang Kai-shek, foi significativo no norte do país,
e conseguiu acrescentar um tom patriótico e nacional à luta:de classes dos
Comunis~as. Em pa,rt~, isso foi r,e~ultado de uma propaganda eficiente, que
se aproveitou ao máximo das vanas batalhas das quais eles participaram.
As operações sob o controle do Partido Comunista Chinês (PCC) foram
~a maioria, ações de guerrilha para tomar terras não guarnecidas pelos
Japoneses ou por seus auxiliares chineses.
A ordem social que o PCC começou a destruir, e a substituir por novas
relações sociais e políticas, estava muito mais firmemente estabelecida
do que aquelas contra as quais qualquer partido Comunista europeu tivera
que lutar. Embora tivessem ocorrido mudanças na posse sobre as terras
ao ~ongo do tempo, aquela era uma estrutura de classes que existia, em
muitos aspectos, há cerca de três mil anos.s Mas, independentemente de o
quanto era brusco o rompimento com a tradição nacional que os Comunis-
tas r.e,p~esentavam,havia um apelo à solidariedade nacional e à aspiração
patrrotica nas palavras de Mao Zedong, usado em mais de uma ocasião
especialmente na época da fundação da' República Popular da China. à
povo chinês, disse ele, "erguera-se'?
. As visões marxistas convencionais sobre classes sociais eram problemá-
ticas no contexto chinês. Mesmo antes de 1917, havia algum interesse por
elas por parte de uma pequena minoria de intelectuais chineses. Foi, porém,
a revolução bolchevique, naquele ano, que despertou o interesse pelo leninis-
mo. Depois da incorporação do Partido Comunista Chinês ao Comintern
em 1922, o Comintern e assessores soviéticos ofereceram farta assistência
e ajuda material ao partido chinês, mas a ênfase teórica marxista-Ieninista
or~odoxa que eles davam à classe operária era inapropriada para a situação
chi~esa. Também na Rússia - embora não na mesma proporção que a
China - os camponeses eram de longe o maior estrato social na época da
revolução. Na Rússia, porém, os campos de batalha urbanos foram mais
importantes, principalmente São Petersburgo, e os operários tiveram um
papel significativo na luta revolucionária. Em sua doutrina, bem como em
sua prática política, o Partido Comunista da União Soviética manteve os
camponeses firmemente em uma posição subordinada. Mesmo quando
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 221
pararam de falar na "ditadura do proletariado", os líderes e ideólogos so-
viéticos substituíram o termo pelo "papel de liderança da classe operária".
Na China, em contraste, os comunistas não foram a lugar algum antes de
substituírem o proletariado pelos camponeses, mantendo à frente, portanto,
a teoria marxista-leninista ortodoxa. sEmbora a população urbana da China
tivesse tido um crescimento gradual na primeira metade do século XX, na
época em que o PCC chegou ao poder, em 1949, esta representava apenas
cerca de 57 milhões de pessoas em uma população de aproximadamente
550 milhões de habitantes.
A guerra de resistência aos japoneses teve um preço tremendo para a
China. As tropas de Chiang Kai-shek lutaram durante oito anos contra
uma feroz força de combate japonesa. O exército Comunista, com táticas
de guerrilha, sofreu baixas menos sérias do que os nacionalistas. Por ter
empreendido menos campanhas grandes nos últimos anos da guerra, seus
soldados estavam muito mais bem dispostos que os de Chiang.ê Depois da
rendição japonesa, em 15 de agosto de 1945, os dois lados da resistência
chinesa começaram a estabelecer suas autoridades em diferentes partes do
país, dispostos a reiniciar suas guerras civis, que haviam sido interrompidas
pela invasão japonesa. As tropas de Chiang conseguiram atuar na maior
parte da região ao sul do rio Amarelo, enquanto o reduto Comunista ficava
no norte. Ali, os Comunistas controlavam grande parte do interior, embo-
ra O Kuomintang tenha conseguido ocupar as cidades." Uma tentativa de
unir nacionalistas e Comunistas foi intermediada pelos Estados Unidos e
apoiada (pelo menos para manter as aparências) por Stalin. Depois de as
hostilidades entre nacionalistas e Comunistas serem reiniciadas com força
total, Mao foi convencido a participar de negociações com Chiang Kai-shek.
A luta entre o Kuomintang e os Comunistas prosseguia quando, em agosto
de 1945, Mao seguiu em um avião americano para Chongquing, para o
que acabaria sendo 45 dias de negociações com Chiang. Foi acompanha-
do, por sua própria insistência, de um embaixador americano, porque sua
desconfiança em relação aos nacionalistas era tanta, que ele não descartava
uma tentativa de forjar um acidente. Diante da dependência de Chiang dos
Estados Unidos para o fornecimento de armamentos, a companhia de uma
autoridade americana era uma política, de segurança útil para Mao. Havia
uma profunda desconfiança entre Chiang e Mao, e ambos tinham toda a
intenção de obter uma vitória final na contínua guerra civil. Entretanto,
Chiang, em particular, teve que se mostrar interessado em buscar um acordo
com seus rivais Comunistas. Em parte, isso resultou de sua confiança no
222 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 223
apoio arnericano.!' Refletiu também o fato de que a opinião pública na China
estava fortemente contrária à guerra civil e favorável a uma reconstrução
nacional. O encontro terminou em um tom aparentemente positivo, com
um acordo para realizar uma conferência de consulta política e reconhecer
todos os partidos políticos. Entretanto, quase imediatamente, os dois lados
retomaram a luta por controle territorial e o conflito se intensificou em 1946_
A guerra civil durou até 1949. Em 1947, as forças militaresCom~nistas
foram rebatizadas de Exército de Libertação Popular (ELP),-e em 1948 ha-
viam ido além da guerra de guerrilha, pondo grandes unidades de exército
em campo e usando artilharia - na maior parte de origem japonesa ~
que lhe fora dada pelos aliados soviéticos. Mao Zedong chefiava o Comitê
Militar Revolucionário, embora o comandante em chefe do ELP fosse
um militar mais profissional, Zhu De.12
Uma combinação de redistribuição
de terras para obter o apoio dos camponeses, convicção ideológica, forte
disciplina do partido, impressionante capacidade de organização e perícia
militar levou os Comunistas ao poder. Os nacionalistas dependiam tanto
de pessoas influentes e grandes proprietários de terras, que foi impossível
competir Com os Comunistas no campo da reforma agrária. Estavam tam-
bém muito mais divididos internamente e sofrendo com a perda de seus
principais profissionais militares. Mais de cem mil oficiais estavam entre
os militares do Kuomintang perdidos na guerra sino-japonesa.13 Chiang
Kai-shek também cometeu alguns erros sérios. Depois da derrota dos
japoneses, a desmobilização do exército chinês acontecera rapidamente,
sem qualquer providência para que os soldados desmobilizados ganhassem
um novo meio de vida. Além disso, as forças chinesas que haviam lutado
como auxiliares dos japoneses também foram desmanteladas, e o PCC não
hesitou em recrutar grandes números desses ex-soldados que haviam sido
treinados pelos japoneses e adquirido um nível de habilidade militar mais
elevado que o de seus próprios soldados.
Nem a União Soviética para os Comunistas nem os Estados Unidos
para o Kuomintang foram aliados completamente sinceros. Sem dúvida, os
soldados de Mao se beneficiaram da captura soviética da Manchúria depois
de entrarem na guerra. Isso permitiu ao Exército Vermelho chinês se unir a
seu,s colegas soviéticos, e depois disso o exército soviético partiu para o seu
lado d~ fronteira. As forças Comunistas se beneficiaram também do amplo
forneCImento de armas japonesas apreendidas que a União Soviética Ihes
deu. Entretanto, Stalin era mais cauteloso que Mao e parecia contente com
o fato de os Comunistas chineses controlarem somente o norte da China e
não terem pressa alguma de tentar tirar de Chiang Kai-shek o controle do
sul. Stalin e Chiang haviam chegado a um entendi~ento segundo o qual a
China reconheceria a Mongólia (Exterior) como um Estado "independente",
embora fosse essencialmentge um satélite soviético, em vez de fazer qualquer
reivindicação de uma Mongólia unificada. Em novembro de 1948, quando
os Comunistas estavam ganhando terreno sobre os nacionalistas na guerra
civil, Stalin exortou Mao Zedong a consolidar os ganhos no norte, deixan-
do o sul sob a administração de Chiang Kai-shek.!" Mao desconsiderou o
conselho. Em conversa com um grupo de líderes dos partidos búlgaro e
iugoslavo (que incluía Dimitrov da Bulgária, mas não Tito- da Iugoslávia)
em Moscou, em fevereiro de 1948 - pouco antes da ruptura entre sovié-
ticos e iugoslavos - Stalin admitiu que a liderança soviética havia se
equivocado e que os Comunistas chineses estavam certos ao acreditar que
podiam tomar o poder de todo o país. Ele disse: "É verdade. Nós também
podemos cometer um erro. Aqui, quando a guerra com o Japão terminou,
convidamos os camaradas chineses para concordar com um meio de alcan-
çar um modus vivendi com Chiang Kai-shek. Eles concordaram conosco
nas palavras, mas na prática agiram à sua maneira quando chegaram em
casa: reuniram suas forças e atacaram. Foi demonstrado que eles estavam
certos e nós não."!'
Do outro lado da divisão política, os Estados Unidos também exortaram
uma contenção. Embora de maneira geral apoiasse o Kuomintang, o governo
Truman convenceu os nacionalistas a buscar um armistício em junho de
1946, justamente quando eles estavam a ponto de capturar a cidade chinesa
mais próxima da fronteira russa, Harbin. As forças Comunistas na área,
sob o comando de Lin Biao, receberam uma trégua bastante necessária.
Em um esforço para pôr fim à luta, os Estados Unidos chegaram a introduzir
um embargo ao fornecimento de armas à China, o que prejudicou mais os
nacionalistas do que os Comunistas. No fim das contas, porém, o resultado
da guerra civil foi determinado pela diferença na habilidade das lideranças
dos dois exércitos chineses para inspirar suas forças e mobilizar apoio dentro
da sociedade. Em 1949, quando os Comunistas finalmente estabeleceram
sua supremacia, nem os Estados Unidos nem a União Soviética tiveram um
papel oectsivo no resultado. ,
Embora todos esses fatores - além da liderança hábil e implacável de
Mao - tenham tido uma influência importante na bem-sucedida conquis-
ta do poder de toda a China pelos Comunistas em 1949, houve também
condições com raizes mais profundas que contribuíram para esse sucesso.
224 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO
~o.longo da primeira metade do século XX, a China era um país que
VIVIauma pobreza terrível. Os nacionalistas não haviam conseguido criar
um programa para reduzi-Ia. Além disso, a corrupção entre eles - tanto
em nível local quanto dentro do círculo familiar de Chiang Kai-shek _
provocava um amplo ressentimento. Imediatamente após a guerra, houve
hiperinflação. Enquanto em 1937 o dólar americano equivalia a 3,42 iuanes
(moeda chinesa), em 1945 equivalia a 1.705 iuanes, e em agosto. de J948 a
impressionantes 8,6 milhões de iuanes. O governo nacionalista introduziu
um novo iuane naquele mês, tentando estabilizá-lo no valor de um quarto
de dólar. Em meados de maio de 1949, um dólar comprava 22,3 milhões
de iuanes novos." O Kuomintang não conseguiu encontrar uma saída para
esse enorme problema, levado a termo pelos Comunistas em seus primeiros
anos no poder.
Embora o apoio soviético ao Exército Vermelho chinês fosse significa-
tivo, a China foi um caso bastante diferente dos países do Leste Europeu
discutidos no capítulo anterior. Apesar da ajuda de Stalin, a chegada dos
Comunistas chineses ao poder foi essencialmente um movimento nativo,
comparável ao da Iugoslávia, e não a tomadas de poder Comunistas como
dig~~os, a.da Hungria ou da Polônia. Na Iugoslávia e na China, as tropa;
sovreticas tiveram um papel de apoio na recaptura do território (no primeiro
caso, ocupado pelo alemães e no segundo, pelos japoneses), mas nos dois
países a capacidade dos Comunistas de gerar apoio interno foi mais deci-
siva. E embora a ajuda militar soviética tenha sido muito importante para
o PCC depois de a Segunda Guerra Mundial acabar no Pacífico, também
havia sido dada uma ajuda em quantidade substancial a Chiang Kai-shek
quando seu exército combatia os japoneses.
Mao Zedong e a liderança comunista chinesa
A :sc~n~ão do Partido Comunista Chinês e a ascensão de Mao Zedong
estao Intimamente interligadas, por mais absurdamente exageradas que as
conquistas de Mao fossem se tornar durante o culto à sua personalidade,
que ele promoveu quando estava no poder. Ele emergiu da Longa Marcha
como a principal figura do partido de fato, embora isso só fosse se tornar
oficial durante a Segunda Guerra Mundial. Bem antes da guerra, foi re-
conhecido na União Soviética como líder dos Comunistas chineses. Alta-
mente simpático a Mao,o livro Red Star Over China, de Edgar Snow, foi
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 225
publicado na URSS, em tradução russa, em 1938. Em 1939, uma inflamada
biografia de Mao foi publicada em Moscou e, no mesmo ano, um livreto
soviético foi dedicado aos dois uozhdi do povo chinês, sendo o segundo
uozbd' Zhu De, chefe militar do Exército Vermelho chinês.'?" A liderança
de Mao foi institucionalizada quando ele se tornou presidente do Polirburo
e do Secretariado do Partido Comunista Chinês, em 1943, e quando sua
posição suprema foi ratificada no VII Congresso do Partido, em 1945.1S
Mao tinha uma relação de altos e baixos com Stalin muito antes de
encontrá-Io pela primeira vez em 1949. Reconhecia, porém, o líder soviético
como a maior autoridade dentro do Movimento Comunista Internacional.
Tinha consciência de que o controle de Stalin sobre o Comintern e seu
prestígio entre Comunistas em todo o mundo, inclusive na China, era tan-
to, que ele tinha o poder de dar a outra pessoa a honra de ser o líder dos
Comunistas chineses. Neste caso, a pessoa recebia esse status não apenas
de um número suficiente de membros do partido chinês mas também do
Comintern e, assim, de rodo o Movimento Comunista Internacional. À
luz dessa consciência, Mao desconfiava especialmente do representante da
China no Cornintern, Wang Ming, que, devido a seu cargo, passou a maior
parte do tempo em Moscou até o Comintern ser extinto, em 1943. Wang
realmente aspirava ao principal cargo na China e, portanto, era visto por
Mao como um rival fatal. Além disso, tinha também em Moscou um aliado
cauteloso na chefia da administração do Comintern: Georgi Dimitrov, que
adotara como sua a jovem filha de Wang.19
Stalin, porém, era o árbitro
que decidia a liderança de partidos Comunistas não governantes e tinha
uma opinião menos favorável sobre Wang Ming do que Dimitrov. Em de-
terminada fase, Wang manchou seriamente seu nome com Stalin. Quando
um dos líderes militares chineses com ligações com os Comunistas capturou
Chiang Kai-shek;em 1936, Stalin ficou furioso por Wang Ming reagir a
isso propondo um telegrama indicando que Chiang fosse morto - ou, pelo
menos, foi o que informaram a Stalin.?" Stalin considerava Chiang essencial
para seu plano de formar uma frente unida contra os japoneses.
À meia-noite de 14 de dezembro de 1936, Dimitrov recebeu um telefo-
nema de Stalin em que o líder soviético perguntou: "Quem é esse Wang
Ming de vocês? Um provocador? Ele queria apresentar um telegrama para
matar Chiang Kai-shek.'?' Para um dirigente do Comintern, ser chamado
"Yozbd' (o singular de vuzhdi) indica um líder bastante comum. Embora usado de manei:.a mais
ampla do que Führer (como indica sua aplicação a dois Comunistas chineses conremporâneos),
é o equivalente russo mais próximo da palavra alemã.
/ 226 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
de "provocador" por Stalin era normalmente um prelúdio de uma sentença
de morte. Mas, com apoio de Dimitrov, Wang Ming sobreviveu." Em dis-
cussões no Comintern, Wang frequentemente desdenhava das qualidades de
Mao Zedong como líder. Mas Stalin, apesar de todas as suas reservas em
relação a Mao, combinava um relutante respeito a ele com uma contínua
suspeita sobre Wang Ming. Um recente artigo acadêmico em urna.revista
russa (baseado em um estudo de documentos do Comintern) tem.até O" título
de "Como Stalin ajudou Mao a se tornar líder (vozhd')".23 Aparentemente,
Stalin foi firmemente a favor de Mao em 1938. Transmitindo as preferências
de Stalin, Dimitrov disse a uma delegação do Partido Comunista Chinês
env iada ao Comintern: "Vocês devem comunicar a todos que eles precisam
apoiar Mao Zedong como uozhd' do Partido Comunista da China. Ele é
fortalecido pela prática da luta. Não há necessidade alguma de pessoas
como Wang Ming lutarem pela liderança.'?" As vontades de Sta!in e suas
sérias dúvidas em relação a Wang Ming claramente prevaleceram sobre a
amizade pessoal de Dimitrov com Wang.
De maneira mais geral, a política de Stalin, até o momento em que os
Comunistas conseguiram ganhar o poder em toda a China, era exortar
cautela ao partido chinês, porque ele aprovara a participação do exército
de Chiang Kai-shek na guerra contra o Japão e o via como um contrapeso
ao imperialismo britânico. Aos olhos de Stalin, Chiang tinha também
como vantagem as relações desconfortávéis com seus aliados americanos.
Durante a guerra, Stalin quis que os Comunistas chineses mantivessem
sua aliança com o Kuomintang e se concentrassem mais no combate aos
japoneses. Na época e na guerra civil que se seguiu, Mao e os Comunistas
chineses continuaram em frente, independentemente de sua agenda política
interna de suplantar completamente os nacionalistas. A vitória veio mais
rapidamente do que até mesmo eles esperavam. Em abril de 1948, Stalin,
antecipando uma vitória final dos Comunistas chineses, exortou Mao a ser
cauteloso também no período inicial do regime Comunista. Tendo em mente
o exemplo do Leste Europeu - de uma coalizão genuína abrindo caminho
para uma pseudocoalizão e, no devido tempo, para o monopólio do poder
Comunista - Stalin enfatizou a necessidade de um governo com uma base
ampla depois da vitória finaLna guerra civil. Ele escreveu a Mao: "Deve-se
manter em mente que depois da vitória do exército de libertação popular
da China - pelo menos em um período pós-vitória, cuja duração é difícil
definir agora - o governo chinês, em termos de política, será um governo
democrático revolucionário nacional, e não um governo Comunista."> Isso,
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 227
prosseguiu ele, significaria um necessário adiamento da nacionali~açdo e
confisco de propriedades de grandes, médios e pequenos proprtetarros de
terra. Enquanto isso, os Comunistas chineses prosseguiram com o conflito
militar e, em fevereiro de 1949, tomaram Beijing. Em outubro daquele ano,
eles ganharam o controle da última grande cidade do sul, Guangzhou.
Chiang Kai-shek apelou aos Estados Unidos para obter mais ajuda, mas
não conseguiu. Teve poucas opções além de partir com o que restava de
seu governo e seu exército para a ilha de Taiwarr."
o modelo soviético e a China comunista
Embora disposto a reconhecer a preeminência da União Soviética como o
primeiro "Estado socialista" do mundo, o que combinava com seu p~udente
respeito à autoridade de Stalin, Mao se considerava, não sem motivo, um
melhor avaliador das condições no território chinês. Sua desconsideração
pelos conselhos de Stalin de tempos em tempos não causou, nessa fase, qual-
quer crise nas relações entre os Comunismos soviético e chinês, porque os
resultados das políticas de Mao foram suficientemente positivos do ponto
de vista soviético. A guerra no Pacífico terminara com a derrota do Japão
_ embora graças mais aos americanos e ao exército de Chiang Kai-shek
do que às forças de Mao - e em 1949 o Partido Comunista chegou ~o
poder em toda a China. Mao se moveu um pouco mais rápido do que Stalin
recomendara em 1948, mas a proporção com que o sistema construído pelo
PCC era uma cópia do que existia na URSS não podia agradar ao líder
soviético. Embora alguns estudiosos chineses argumentem que mesmo nas
primeiras fases do-regime Comunista havia diferenças significativas, bem
como semelhanças, com o sistema soviético, um historiador russo sustenta
convincentemente que o que se construiu na China foi "o modelo soviético
de desenvolvimento político, social e econômico". E ele prossegue descre-
vendo o que eram, de fato, características fundamentais que eles tinham em
comum: "o poder indiviso do Partido Comunista estritamente centralizado
, e hierárquico, o culto ilimitado ao líder do partido, o controle total sob~e a
vida política e intelectual dos cidadãos pelos órgãos de segurança púbh,ca,
a tomada das propriedades privadas pelo Estado, o planejamento estrrta-
mente centralizado, a prioridade ao desenvolvimento da indústria pesada
e os enormes recursos destinados à defesa nacional't."
228 ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO
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Mao irritara Sralin de tempos em tempos com sua doutrina ortodoxa
bem como com diversas de suas iniciativas quando Stalin pedia cautela. Ma:
embora indubitavelmente tivesse reservas em relação a Stalin, Mao tivera
o cuidado, até mesmo nos anos 1930, de se apresentar aos emissários da
União Soviética como um seguidor dedicado do uozhd' do Kremlin. Assim
quando um diretor de documentários, Roman Karmen, foi à China, na
primavera de 1939, para fazer um filme sobre Mao, esteposDu.com'uma
obra de Stalin em suas mãos, estudando-a atentamente ~ assegurando'
que o quadro de Stalin fosse claramente mostrado pela câmera. Karmen
pôde relatar a Moscou o entusiasmo com que Mao falou sobre Stalin.28
Entretanto, Mao se encontrou com Stalin pela primeira vez somente em
dezembro de 1949. A visita foi marcada para coincidir com a celebração
do 70° aniversário de Stalin, o que teve o efeito de ofuscar a chegada de
Mao. Os Comunistas chineses haviam chegado ao poder apenas dois meses
e meio antes, e esse acontecimento foi recebido em Moscou como urna prova
da marcha progressiva do Comunismo - além do mais, em um país de
grande significado internacional. Mas se qualquer pessoa fosse avaliar pela
cobertura na imprensa soviética, seria obrigada a concluir que entre os dois
acontecimentos, a chegada do Partido Comunista ao poder no Estado mais
populoso do mundo foi uma ocasião menos importante para comemorar
do que os 70 anos de Stalin.
Ao longo dos anos, Mao tivera o cuidado de desacreditar potenciais rivais
dentro do partido ou torná-Ios dependentes dele. Quando os Comunistas
chegaram ao poder na China, havia, porém, indivíduos talentos os de alto
prestítigo na liderança do país, além de Mao. Uma dessas pessoas era Liu
Shaoqi. Embora Mao fosse o líder principal e inquestionável, com sua base
de poder no partido, Liu, que na guerra civil Contra os nacionalistas atuara
com habilidade nas "áreas brancas" por trás das linhas inimigas, ocupava
o segundo lugar. O terceiro na hierarquia era o chefe da administração
do governo, Zhou Enlai, que combinava esse cargo com o de ministro do
Exterior. 29 Veterano do partido com grande habilidade, e que se opuse-ra
a Mao algumas vezes no início dos anos 1930, Zhou tinha o instinto de
amenizar algumas das políticas mais extremas de Mao. Assim como Anas-
tas Mikoyan - de maneira semelhante, um inteligente, flexível e antigo
membro do Politburo soviético sob o comando de Stalin e Kruschev _
Zhou se contentava em nunca buscar o cargo mais alto. (Nesse aspecto,
ele se diferenciava de Wang Ming.) Assim, conseguiu ficar na liderança do
partido durante quatro décadas, ao preço de dividir a responsabilidade
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA
r
229
por erros caros e pela sangrenta repressão. Permanecendo comprometido
com a causa Comunista que abraçara na juventude, Zhou Enlai aceitava as
viradas e distorções da liderança de Mao assim como Mikoyan aceitava sua
'subordinação a Stalin. (Na União Soviética, mais ainda do que na China,
fazer ou não fazer isso era uma questão de vida ou morte.) Ao comentar as
"contradições evidentes" de Mao Zedong, um importante especialista em
política chinesa, LowelI Dittmer, escreveu que embora Mao estivesse "ab-
solutamente determinado a ter seu próprio caminho e esmagar a oposição,
;ele desprezava aqueles que (como Zhou Enlai) o agradavam e bajulavam't '?
Mas, apesar dessas relações desiguais e desconfortáveis, durante os
.'anos que os Comunistas chineses consolidaram seu poder de Estado - de
;'ol.ltubro de 1949 a meados dos anos 1950 - a elite dominante permane-
ceu estável. A grande maioria dos membros do Comitê Central eleitos no
;VII Congresso do partido, em 1945, que ainda estavam vivos em 1956 foi
"reeleita no VIII Congresso, naquele ano." A unidade da elite na época con-
trastava com o tumulto que ocorreria mais tarde, mas o princípio leninista
de centralismo democrático dentro do partido funcionava em seu benefício
enquanto este consolidava seu poder. Na prática política, isso significava
projetar para a sociedade uma imagem monolítica, baseada na disciplina
rígida e na organização extremamente hierárquica que prevalecia dentro
. do Partido Comunista. Havia também na época um genuíno entendimento
no PCC de que a experiência soviética provia o modelo de construção do
socialismo, embora esse "modelo" tivesse variado ao longo do tempo - da
Nova Política Econômica de Lenin à coletivização compulsória da agricul-
tura por Stalin e a introdução dos planos de cinco anos de desenvolvimento
. econômico. Nos primeiros anos do regime, os Comunistas chineses tendiam
a olhar para a experiência soviética do fim dos anos 1920 ao considerar o
desenvolvimento econômico, mas para as instituições políticas do sistema
político soviético consolidado.ê!
Um dos slogans disseminados pelo Partido Comunista Chinês no início
dos anos 1950 era: "A União Soviética de hoje é o nosso amanhã.v" No-
tadamente, ainda no fim de janeiro de 1956, Mao declarou que os Comu-
nistas chineses haviam meramente aprimorado as realizações soviéticas.P
"As "eleições" para o Comitê Central ou para seu órgão interno, o Politburo - na China, assim
como em outros Estados comunistas- não eram por meio de uma escolha livre de delegados para
o Congresso do Partido. Endossavam uma lista de nomes de pessoas escolhidas pela liderança
interna do partido, sendo que Mao, no caso chinês, tinha uma influência desproporcionalmente
grande no resultado.
I
230
ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 231
Durante esse período de construção do sistema Comunista, como observa
Frederick Teiwes, as influências soviéticas afetaram a política do Partido
Comunista Chinês e a sociedade chinesa de maneiras diversas e complexas.
Teiwes prossegue: "Em alguns sentidos, o processo estava além do controle
dos líderes do Partido, porém mais fundamentalmente refletia a eScolha
consciente deles. E quando esses líderes - ou um grupo dominante deles '--
viram a necessidade de romper Com o caminho soviético,-dépoi_s de 1957,
fazer isso era algo que estava dentro de sua capacidade, embora muita,s
influências soviéticas tenham inevitavelmente permanecido."34
A população imensa e bastante espalhada do Estado chinês e o tamanho
do Partido Comunista do país o puseram em uma categoria bastante dife-
rente dos regimes impostos pelos soviéticos no centro e no leste da Europa
quando, alguns anos depois da morte de Stalin, começaram a surgir sérias
diferenças com a liderança soviética. Nos primeiros anos do PCC no poder,
porém, havia em grande medida um acordo entre os dois maiores partidos
Comunistas do mundo.
Os partidos 'Comunistas do Leste Europeu cujo caminho para o poder
tinha pelo menos alguma coisa em comum com o PCC eram os da Iugoslávia
e da Albânia, porque nos dois casos foram os exércitos Comunistas que
tiveram uma vitória essencialmente militar, na qual a libertação nacional
em relação à ocupação estrangeira e a revolução social e política ocorreram
paralelamente. Outra característica comum - e especialmente significativa
- é que, apesar da importância que os exércitos tiveram em todas as três
vitórias, a supremacia do Partido Comunista foi preservada. Mao explicou
isso claramente já em 1938: "Nosso princípio é de que o Partido comanda
a arma, e nunca se pode permitir que a arma comande o Partido." Quando
O PCC chegou ao poder, esse princípio foi seguido estritamente. O primeiro
secretário do partido em cada região era, assim como em outros países do
mundo Comunista, a figura de maior autoridade dentro daquele território,
e em cada região chinesa, exceto uma - o Centro-Sul, onde o cargo foi
dado a Lin Biao, um dos mais bem-sucedidos comandantes do Exercito
Vermelho chinês - esse cargo era exercido por uma figura política civil. 15
Assim como os partidos Comunistas do Leste Europeu, o PCC teve um
rápido aumento de seu número de membros durante o período em que es-
tava chegando ao poder, passando de cerca de 2,8 milhões de membros, em
1948, para cerca de 5,8 milhões em 1950. A velocidade com que o partido
mais do que dobrou seu tamanho significava que faltava a muitos dos novos
recrutas não apenas conhecimento sobre a ideologia marxista-leninista, mas
té mesmo uma alfabetização básica. Além disso, eles estavam i.ntegrando
a lado vencedor, o que significava que aqueles que haviam participado da
~nga luta contra os nacionalistas não estavam certos sobre o quan~~ erl~
autêntico o comprometimento dos novos recrutas com a causa Comunista.
A guerra da Coreia e o rompimento interno
. ,. I" d K mintang foram deixadosInicialmente, muitos funcioná nos ocais ~ uo .
e os Comunistas não tinham pessoas suficientes paraem seus cargos, porqu , I
reencher todos os cargos. O novo governo Comunista consegul,u~ontro " a
inflação desenfreada, em parte se apoderan,d~ do sistema banca no e, assim,
btendo o controle sobre a emissão de credito, e em parte controland~ o
~u rimento de produtos e pagando às pessoas ~rinc,ipalmente em n:erca 0-
, p -'1 o O índice de inflação fOIrapidamente reduzido paranas, como graos e o e . "
15 or cento ao ano." Nos primeiros dias, o regime Comunista evocou
ent~siasmo em grande parte da sociedade chinesa. Nas palavras de John
King Fairbank:
Ali estava um governo dedicado que realmente arrumou as coisas - não
apenas osesgotose as ruas, mas também os mendig?~,prostltutaAselPeque-
lhid econdicionarnento. I estavanosdelinquentes todos elesreco I os para r c I
Chl'na'da qual as pessoas podiam se orgulhar, que contra ou a
uma nova , _ f de é e a
inflação,aboliu os privilégiosde estrangeiros, eliminouo ~mo e opio ,
corrupção emgerale levouoscidadãos a uma profusãodeatividadesSOCiaIS
t obras públicas disseminar o alfabetisrno,controlar doenças,para conser ar, _ p to de
aliar-se à classesubalterna e estudar a Nova Democraciaeo ensamen d
Mao Zedong.Todasessasatividades abriram novasportas para a juventu e
idealista e arnbiciosa.ê"
Se grande parte disso - mas de modo algum tudo - ,foi positi~o, ~olado
mais obscuro do regime Comunista não demorou rrunto p~r,a VI[ a tona.
Mantendo um estrito controle sobre o comportamento pohtlc,~ e ~o,breo
acesso à informação, enquanto introduzia uma mudança revolucionária n~s
" 'I' ' o levou logicamente a uma repressaorelações SOCIaiSe po ttrcas, o govern _ I A "
física e à ditadura do partido. Éprovável que o período de rel~t1vato e~ancla
d ão Comunista da sociedade tenha sido ainda mais breve o que
o estrato na d C o Aquela
Poderia ter sido devido à entrada da China na Guerra a oreia. _
0_- 'I" b - um conflito que custou afoi uma luta fortemente ideo ogrca, em corno o
I
i
~
"
232 ASCENSÃO E QU EDA DO COMUNISMO
vida de,mUi,tossoldados. Três milhões de soldados chineses participaram,
e as estimanvas de mortos variam entre 400 mil e um milhão sendo pou '
a cre~ibilidade, dada ao número oficial de 152 mil mortos, fornecido p~:
autoridades chinesas na época." Entre os mortos na Coreia estava - em
um bombardeio americano - o filho mais velho de Mao Zedong q
b Ih . , ue
tra a a,va como tradutor de russo para o comandànte chinês da Guerra
da Coreia, Peng Dehuai." A União Soviética não participou abertamente
da guerra, mas deu enorme assistência às forças chinesas e norte-éoreanas -
mal equipadas, enviando clandestinamente equipes aéreas, assessores ~
fornecendo tecnologia militar em grande escala." -
Hoje sabemos, por meio da leitura cuidadosa de documentos dos ar-
quivos soviéticos, que o líder coreano Kim Il-sung convenceu Stalin de
que ~oderia vencer rapidamente uma guerra para incorporar o sul a uma
C~rela Comunista unida e o convenceu também a lhe dar o aval para pla-
nejar um ataque. Quando o sucesso inicial dos norre-coreanos foi revertido
pela resi~tência americana, Stalin manifestou a Kim Il-sung esperança e
expectat~va de que "voluntários" chineses salvassem os norte-coreanos.?
~ao hesitou, porém, em comprometer as forças chinesas com o conflito,
citando, e~ uma mensagem a Stalin em 2 de outubro de 1950, o desejo de
paz na China depois de tantos anos de guerra. Mao também enfrentava
sé~ias dúvidas no Politburo chinês sobre perturbar a reconstrução do país,
a~em de preocupações, de que a guerra pudesse expor a China a um ataque
direto dos Estados Unidos (as bombas atômicas lançadas no Japão em 1945
estavam frescas na memória)." Ao mencionar algumas dessas dificuldades a
S~al~n,,Mao ta,lvezestivesse também fortalecendo sua posição de negociador
vls-a-v~s a,Unlão Soviética com uma opinião também para consolidar sua
ascendência s?bre seus colegas do Politburo. Ele tinha que assegurar que
houvesse sufiCle~t~apoio militar secreto da União Soviética para compensar
o ~traso tecnológico das forças armadas chinesas. A liderança Comunista
chinesa com Zh E I ' L' B' , d-:- ou n ai e m iao envia os a Moscou para se encontrar
com Stalin - enfatizou a importância do apoio aéreo soviético se os chine-
ses participassem da guerra. Em uma carta que escreveu em 4 de outubro
de, 1950, e qu~ foi entregue a Mao no dia seguinte, Stalin pressionou os
chineses a enviar tropas à Coreia - no mínimo cinco ou seis "divisões de
voluntários". Argumentou que a China não receberia o reconhecimento in-
ternacio~al pelo qu~l ansiava com "temporização passiva e paciência", e que
estava ate mesmo disposro a se arriscar a uma guerra mundial envolvendo
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA
os Estados Unidos (embora não acreditasse que este fosse ser o resultado)
para impedir a derrota dos Comunistas na Coreia. Stalin escreveu:
Pode-se supor que os EUA, embora não estejam preparados para uma
grande guerra, poderiam ainda ser atraídos para uma grande guerra, o
que por sua vez arrastaria a China para a guerra e, juntamente com ela, a
URSS, que está ligada à China pelo Pacto de Assistência Mútua. Devemos
temer isso? Na minha opinião, não, porque juntos seremos mais fortes que
os EUA e a Inglaterra, enquanto os outros Estados capitalistas europeus-
sem a Alemanha, incapaz de dar qualquer assistência aos Estados Unidos
agora - não apresentam uma força militar séria. [Os trechos em itálico são
emendas feitas à mão por Stalin à carta darilografada.]"
Na mesma carta, Stalin disse ter ouvido de Mao que a presença de partidos
burgueses na coalizão chinesa significava que estes conseguiriam explorar
o descontentamento no país com o Partido Comunista e sua liderança em
caso de guerra. Disse que entendia a situação difícil de Mao, mas lembrou
que antes este declarara sua disposição para enviar tropas à Coreia. Stalin
deixou implícito que achava que Mao estava mostrando sinais de recuo e
demonstrando uma solidariedade revolucionária insuficiente. De fato, mais
tarde, Mao diria que Stalin suspeitava de que ele fosse um segundo Tiro e
só confiou nele depois de ele intervir na Coreia." Três dias após receber a
carta de Stalin - e depois do que ele disse terem sido três dias e noites sem
dormir - Mao deu uma ordem secreta para que "voluntários" chineses
cruzassem a fronteira coreana. Assim teve início a participação chinesa na
Guerra da Coreia - com o objetivo, nas palavras de Mao, de resistir aos
"ataques do imperialismo dos EUA e de seus lacaios"."
Pode ser que a hesitação de Mao se devesse em parte à sua suspeita de
que, além do perigo de um conflito mais amplo, a participação chinesa na
Guerra da Coreia - com o desvio de fundos e a perda de vidas que neces-
sariamente ocorreriam - aumentaria a oposição interna ao novo regime
e produziria distúrbios no país. Entretanto, ele viu que havia também
oportunidades a serem exploradas. A ameaça externa poderia consolidar
o controle interno e, ao levar a luta aos americanos, Mao fortaleceria seu
,prestígio entre os Comunistas internamente. Certamente ele estava pronto
para usar a tensão elevada como desculpa para tomar medidas duras contra
uma oposição até mesmo potencial. O número de execuções de cidadãos
chineses pelos Comunistas do país aumentou bastante depois de a Guerra da
Coreia começar. As estimativas do número de pessoas executadas na China
234 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
entre !949 e 1953 variam muito - de 800 mil a cinco milhões. A grande
rnaiorra das execuções Ocorreu depois de as tropas chinesas entrarem n
C ' a
orera, em outubro de 1950. O número de pessoas presas ou intimidadas
pelas autoridades foi muitas vezes maior." As pressões ideológicas sobre
raciocínios incorretos _. "reforma do pensamento" - também começaram
a aumentar e~ 1950. De maneira convincente, tem sido argumentado que
fOI ,uma combinação de terror disseminado deliberadamente compars-,
nalismo que permitiu ao Partido Comunista Chinês ter sucesso onde os'
nacional~stas_haviam fracassado nos anos 1930 e 1940 com suas estratégias
de mobilização e doutrinação.w O Estada. dava apoio material àqueles que
cooperavam com os novos governantes, enquanto lidava cruelmente com os
opositores. Foram organizadas apresentações públicas dedicadas às ativida-
des contrarrevolucionárias, nas quais os acusados desses crimes explicavam
a n~t~reza da ameaça contrarrevolucionária, manifestavam arrependimento
e diziam o quanto estavam gratos pelo fato de as autoridades apontarem
os erros em seus caminhos."
Simples~ente abster-se de atividades contrarrevolucionárias estava longe
de se,r suficiente. O que desencadeou os ataques a intelectuais que estavam
em CIma do muro e não abraçavam completamente os objetivos do Partido
Comunista foi um filme, A vida de Wu Xun, lançado em dezembro de
1950. O filme retratava um filantropo do século XIX que deixava de ser
um pobre mendigo para se tornar um rico proprietário de terras e usava
sua fortuna não apenas para criar escolas para os pobres, mas também
para convencer o governo imperial a participar de seu empenho. O filme
era popular e recebera boas críticas. Entretanto, na primavera de 1951,
começou a ser ferozmente atacado por iniciativa do Comitê de Gestão de
Filmes do Ministério da Cultura. Uma possível instigadora das críticas foi
Jian Qing, que recentemente fora nomeada membro do comitê e se tornara
a quarta esposa de Mao. Logo, jornais estavam dedicando um bocado de
suas páginas para denunciar A vida de Wu Xun. Um erro político funda-
mental do filme era sugerir que o progresso podia ser alcançado por meio de
um reformismo idealista, e não através da luta de classes revolucionária.v'
Um modo de pensar dicotômico tem sido característico da doutrina
Comunista ortodoxa." Isso significa que, em essência, só há dois lados
na_ luta - as forças do progresso revolucionário e as forças de reação.
Nao pode haver um "terceiro caminho". Isso foi dito aos produtores de
~lmes em .termos claros, e a mensagem foi rapidamente espalhada para os
mtelectualscomo um todo. Artistas, escritores, professores universitários
AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 235
, e professores primários estavam entre os que foram obrigados a participar
.de grandes reuniões em que tinham de discutir as obras de Marx, Lenin e
. Mao, denunciar seus pensamentos anteriores, fazer autocríticas e enfren-
tar as críticas de outros. Enquanto proprietários de terras e opositores da
revolução evidentes eram presos ou executados, o objetivo da campanha
de controle do pensamento era conservar as habilidades de pessoas instruí-
das mas remodelar completamente o pensamento delas em conformidade
com a nova ideologia dominante. Ao mesmo tempo, o sistema educacional
chinês foi reestruturado de acordo com a linha soviética, o que significou
dar grande prioridade a assuntos práticos - engenharia e ciências naturais
- e desmantelar programas educacionais liberais que haviam produzido
generalistas altamente instruídos (embora estes fossem uma pequena maioria
da população totall."
Uma série de campanhas caracterizou o período entre 1951 e 1953.
Em 1952, a campanha "Três-Anti" foi rapidamente seguida do projeto
"Cinco-Anti". Os focos da "três" eram a corrupção, o desperdício e a
burocracia. Já o "cinco" se referia a suborno, evasão de impostos, roubo
de propriedades do Estado, trapaças em contratos do governo e roubo de
dados econômicos do governo." Os alvos sociais das campanhas eram os
funcionários urbanos, principalmente aqueles envolvidos em administração
financeira, e os capitalistas. Uma campanha anterior, em 1951, levara à
prisão de "contrarrevolucionários" e "espiões"." Juntamente com essas
campanhas, a liderança começara a construir um sistema Comunista de
maneira relativamente ortodoxa, dando prioridade à nacionalização da
indústria pesada, que no fim de 1952 estava entre 70 e 80 por cento estati-
zada (assim como 40 por cento da indústria leve na época). Enquanto isso,
o Partido Comunista retirara as carteiras do partido de aproximadamente
10 por cento dos membros que haviam ingressado nos anos anteriores, mas
acrescentara novos recrutas, de modo que, no fim de 1953, o número de
membros continuava a ser de 6,5 milhões.v O que tudo isso significou foi
que enquanto Stalin estava vivo - ele morreu em março de 1953 - o siste-
ma Comunista chinês, apesar de seguir um caminho distinto para o poder,
estava desenvolvendo caminhos reconhecidos e aceitos pelos árbitros da
retidão ideológica e organizacional no Krernlin. Mao, no que dizia respeito
ao Movimento Comunista Internacional, ainda não se tornara "maoista".

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Comunismo na China

  • 1. 11 As tomadas de poder comunistas na China 'A Segunda Guerra Mundial, tão importante para os partidos Comunistas chegarem ao poder na Europa, foi crucial também na China. Enfraqueceu '1 imensamente Chiang Kai-shek, pois seu Kuomintang suportara o maior peso da luta contra os japoneses. Os Comunistas haviam tido um papel ,relativamente modesto na resistência aos ocupantes estrangeiros em seu país. ,'Uma prioridade maior para eles, e para Mao Zedong em particular, havia "sido se preparar para a luta contra os nacionalistas pelo controle de todo O , Estado chinês. Os Comunistas haviam fortalecido sua base de poder a tal ponto, que se em 1937, quando a guerra contra 'o Japão começou, contro- lavam áreas cujas populações totalizam apenas quatro milhões de pessoas e tinham cem mil soldados sob seu comando, em 1945, quando a guerra terminou, já comandavam territórios que compreendiam mais de 95 milhões de habitantes e tinham 900 mil soldados no Exército Vermelho chinês.' Na reunião de Yalta, na Crimeia soviética, em fevereiro de 1945, Roose- ,velt e Churchill haviam concordado prontamente com Stalin de que a URSS deveria entrar na guerra contra o japão.? De olho em ganhos territoriais, Stalin estava ansioso para fazer isso. De fato, a União Soviética tomou , posse das ilhas Curilas, conhecidas no Japão como Territórios do Norte, e : no século XXI estas continuam sendo um sério pomo de discórdia entre a Rússia e o Japão. Quando a guerra no Pacífico entrou em sua última fase, tropas soviéticas avançaram pela Manchúria.! Os Comunistas chineses se associaram às forças soviéticas e conseguiram se manter na Manchúria, apesar dos esforços de Chiang Kai-shek para expulsá-los. Entre 1946 e 1949, os Comunistas ampliaram gradualmente seu controle territorial a outras partes da China e acabaram tomando as importantes cidades de Beijing e Xangai. Embora reivindicasse o manto do nacionalismo, o Kuornintang não produziu qualquer solução para os problemas do país, enquanto os Comunistas pareciam estar reiterando a dignidade nacional e oferecendo uma visão do futuro da China." Muitos revolucionários jovens da geração
  • 2. !. I I! ,, li, i' r 220 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO 1 de Mao viam o marximo-leninismo como uma doutrina que apontava um caminho para pôr fim ao atraso econômico e político da China e à humilha- ção que seu país sofrera nas mãos de estrangeiros ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX.I O papel do Exército Vermelho da China no combate aos japoneses, embora bastante limitado em comparação ao das forças. lideradas por Chiang Kai-shek, foi significativo no norte do país, e conseguiu acrescentar um tom patriótico e nacional à luta:de classes dos Comunis~as. Em pa,rt~, isso foi r,e~ultado de uma propaganda eficiente, que se aproveitou ao máximo das vanas batalhas das quais eles participaram. As operações sob o controle do Partido Comunista Chinês (PCC) foram ~a maioria, ações de guerrilha para tomar terras não guarnecidas pelos Japoneses ou por seus auxiliares chineses. A ordem social que o PCC começou a destruir, e a substituir por novas relações sociais e políticas, estava muito mais firmemente estabelecida do que aquelas contra as quais qualquer partido Comunista europeu tivera que lutar. Embora tivessem ocorrido mudanças na posse sobre as terras ao ~ongo do tempo, aquela era uma estrutura de classes que existia, em muitos aspectos, há cerca de três mil anos.s Mas, independentemente de o quanto era brusco o rompimento com a tradição nacional que os Comunis- tas r.e,p~esentavam,havia um apelo à solidariedade nacional e à aspiração patrrotica nas palavras de Mao Zedong, usado em mais de uma ocasião especialmente na época da fundação da' República Popular da China. à povo chinês, disse ele, "erguera-se'? . As visões marxistas convencionais sobre classes sociais eram problemá- ticas no contexto chinês. Mesmo antes de 1917, havia algum interesse por elas por parte de uma pequena minoria de intelectuais chineses. Foi, porém, a revolução bolchevique, naquele ano, que despertou o interesse pelo leninis- mo. Depois da incorporação do Partido Comunista Chinês ao Comintern em 1922, o Comintern e assessores soviéticos ofereceram farta assistência e ajuda material ao partido chinês, mas a ênfase teórica marxista-Ieninista or~odoxa que eles davam à classe operária era inapropriada para a situação chi~esa. Também na Rússia - embora não na mesma proporção que a China - os camponeses eram de longe o maior estrato social na época da revolução. Na Rússia, porém, os campos de batalha urbanos foram mais importantes, principalmente São Petersburgo, e os operários tiveram um papel significativo na luta revolucionária. Em sua doutrina, bem como em sua prática política, o Partido Comunista da União Soviética manteve os camponeses firmemente em uma posição subordinada. Mesmo quando AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 221 pararam de falar na "ditadura do proletariado", os líderes e ideólogos so- viéticos substituíram o termo pelo "papel de liderança da classe operária". Na China, em contraste, os comunistas não foram a lugar algum antes de substituírem o proletariado pelos camponeses, mantendo à frente, portanto, a teoria marxista-leninista ortodoxa. sEmbora a população urbana da China tivesse tido um crescimento gradual na primeira metade do século XX, na época em que o PCC chegou ao poder, em 1949, esta representava apenas cerca de 57 milhões de pessoas em uma população de aproximadamente 550 milhões de habitantes. A guerra de resistência aos japoneses teve um preço tremendo para a China. As tropas de Chiang Kai-shek lutaram durante oito anos contra uma feroz força de combate japonesa. O exército Comunista, com táticas de guerrilha, sofreu baixas menos sérias do que os nacionalistas. Por ter empreendido menos campanhas grandes nos últimos anos da guerra, seus soldados estavam muito mais bem dispostos que os de Chiang.ê Depois da rendição japonesa, em 15 de agosto de 1945, os dois lados da resistência chinesa começaram a estabelecer suas autoridades em diferentes partes do país, dispostos a reiniciar suas guerras civis, que haviam sido interrompidas pela invasão japonesa. As tropas de Chiang conseguiram atuar na maior parte da região ao sul do rio Amarelo, enquanto o reduto Comunista ficava no norte. Ali, os Comunistas controlavam grande parte do interior, embo- ra O Kuomintang tenha conseguido ocupar as cidades." Uma tentativa de unir nacionalistas e Comunistas foi intermediada pelos Estados Unidos e apoiada (pelo menos para manter as aparências) por Stalin. Depois de as hostilidades entre nacionalistas e Comunistas serem reiniciadas com força total, Mao foi convencido a participar de negociações com Chiang Kai-shek. A luta entre o Kuomintang e os Comunistas prosseguia quando, em agosto de 1945, Mao seguiu em um avião americano para Chongquing, para o que acabaria sendo 45 dias de negociações com Chiang. Foi acompanha- do, por sua própria insistência, de um embaixador americano, porque sua desconfiança em relação aos nacionalistas era tanta, que ele não descartava uma tentativa de forjar um acidente. Diante da dependência de Chiang dos Estados Unidos para o fornecimento de armamentos, a companhia de uma autoridade americana era uma política, de segurança útil para Mao. Havia uma profunda desconfiança entre Chiang e Mao, e ambos tinham toda a intenção de obter uma vitória final na contínua guerra civil. Entretanto, Chiang, em particular, teve que se mostrar interessado em buscar um acordo com seus rivais Comunistas. Em parte, isso resultou de sua confiança no
  • 3. 222 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 223 apoio arnericano.!' Refletiu também o fato de que a opinião pública na China estava fortemente contrária à guerra civil e favorável a uma reconstrução nacional. O encontro terminou em um tom aparentemente positivo, com um acordo para realizar uma conferência de consulta política e reconhecer todos os partidos políticos. Entretanto, quase imediatamente, os dois lados retomaram a luta por controle territorial e o conflito se intensificou em 1946_ A guerra civil durou até 1949. Em 1947, as forças militaresCom~nistas foram rebatizadas de Exército de Libertação Popular (ELP),-e em 1948 ha- viam ido além da guerra de guerrilha, pondo grandes unidades de exército em campo e usando artilharia - na maior parte de origem japonesa ~ que lhe fora dada pelos aliados soviéticos. Mao Zedong chefiava o Comitê Militar Revolucionário, embora o comandante em chefe do ELP fosse um militar mais profissional, Zhu De.12 Uma combinação de redistribuição de terras para obter o apoio dos camponeses, convicção ideológica, forte disciplina do partido, impressionante capacidade de organização e perícia militar levou os Comunistas ao poder. Os nacionalistas dependiam tanto de pessoas influentes e grandes proprietários de terras, que foi impossível competir Com os Comunistas no campo da reforma agrária. Estavam tam- bém muito mais divididos internamente e sofrendo com a perda de seus principais profissionais militares. Mais de cem mil oficiais estavam entre os militares do Kuomintang perdidos na guerra sino-japonesa.13 Chiang Kai-shek também cometeu alguns erros sérios. Depois da derrota dos japoneses, a desmobilização do exército chinês acontecera rapidamente, sem qualquer providência para que os soldados desmobilizados ganhassem um novo meio de vida. Além disso, as forças chinesas que haviam lutado como auxiliares dos japoneses também foram desmanteladas, e o PCC não hesitou em recrutar grandes números desses ex-soldados que haviam sido treinados pelos japoneses e adquirido um nível de habilidade militar mais elevado que o de seus próprios soldados. Nem a União Soviética para os Comunistas nem os Estados Unidos para o Kuomintang foram aliados completamente sinceros. Sem dúvida, os soldados de Mao se beneficiaram da captura soviética da Manchúria depois de entrarem na guerra. Isso permitiu ao Exército Vermelho chinês se unir a seu,s colegas soviéticos, e depois disso o exército soviético partiu para o seu lado d~ fronteira. As forças Comunistas se beneficiaram também do amplo forneCImento de armas japonesas apreendidas que a União Soviética Ihes deu. Entretanto, Stalin era mais cauteloso que Mao e parecia contente com o fato de os Comunistas chineses controlarem somente o norte da China e não terem pressa alguma de tentar tirar de Chiang Kai-shek o controle do sul. Stalin e Chiang haviam chegado a um entendi~ento segundo o qual a China reconheceria a Mongólia (Exterior) como um Estado "independente", embora fosse essencialmentge um satélite soviético, em vez de fazer qualquer reivindicação de uma Mongólia unificada. Em novembro de 1948, quando os Comunistas estavam ganhando terreno sobre os nacionalistas na guerra civil, Stalin exortou Mao Zedong a consolidar os ganhos no norte, deixan- do o sul sob a administração de Chiang Kai-shek.!" Mao desconsiderou o conselho. Em conversa com um grupo de líderes dos partidos búlgaro e iugoslavo (que incluía Dimitrov da Bulgária, mas não Tito- da Iugoslávia) em Moscou, em fevereiro de 1948 - pouco antes da ruptura entre sovié- ticos e iugoslavos - Stalin admitiu que a liderança soviética havia se equivocado e que os Comunistas chineses estavam certos ao acreditar que podiam tomar o poder de todo o país. Ele disse: "É verdade. Nós também podemos cometer um erro. Aqui, quando a guerra com o Japão terminou, convidamos os camaradas chineses para concordar com um meio de alcan- çar um modus vivendi com Chiang Kai-shek. Eles concordaram conosco nas palavras, mas na prática agiram à sua maneira quando chegaram em casa: reuniram suas forças e atacaram. Foi demonstrado que eles estavam certos e nós não."!' Do outro lado da divisão política, os Estados Unidos também exortaram uma contenção. Embora de maneira geral apoiasse o Kuomintang, o governo Truman convenceu os nacionalistas a buscar um armistício em junho de 1946, justamente quando eles estavam a ponto de capturar a cidade chinesa mais próxima da fronteira russa, Harbin. As forças Comunistas na área, sob o comando de Lin Biao, receberam uma trégua bastante necessária. Em um esforço para pôr fim à luta, os Estados Unidos chegaram a introduzir um embargo ao fornecimento de armas à China, o que prejudicou mais os nacionalistas do que os Comunistas. No fim das contas, porém, o resultado da guerra civil foi determinado pela diferença na habilidade das lideranças dos dois exércitos chineses para inspirar suas forças e mobilizar apoio dentro da sociedade. Em 1949, quando os Comunistas finalmente estabeleceram sua supremacia, nem os Estados Unidos nem a União Soviética tiveram um papel oectsivo no resultado. , Embora todos esses fatores - além da liderança hábil e implacável de Mao - tenham tido uma influência importante na bem-sucedida conquis- ta do poder de toda a China pelos Comunistas em 1949, houve também condições com raizes mais profundas que contribuíram para esse sucesso.
  • 4. 224 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO ~o.longo da primeira metade do século XX, a China era um país que VIVIauma pobreza terrível. Os nacionalistas não haviam conseguido criar um programa para reduzi-Ia. Além disso, a corrupção entre eles - tanto em nível local quanto dentro do círculo familiar de Chiang Kai-shek _ provocava um amplo ressentimento. Imediatamente após a guerra, houve hiperinflação. Enquanto em 1937 o dólar americano equivalia a 3,42 iuanes (moeda chinesa), em 1945 equivalia a 1.705 iuanes, e em agosto. de J948 a impressionantes 8,6 milhões de iuanes. O governo nacionalista introduziu um novo iuane naquele mês, tentando estabilizá-lo no valor de um quarto de dólar. Em meados de maio de 1949, um dólar comprava 22,3 milhões de iuanes novos." O Kuomintang não conseguiu encontrar uma saída para esse enorme problema, levado a termo pelos Comunistas em seus primeiros anos no poder. Embora o apoio soviético ao Exército Vermelho chinês fosse significa- tivo, a China foi um caso bastante diferente dos países do Leste Europeu discutidos no capítulo anterior. Apesar da ajuda de Stalin, a chegada dos Comunistas chineses ao poder foi essencialmente um movimento nativo, comparável ao da Iugoslávia, e não a tomadas de poder Comunistas como dig~~os, a.da Hungria ou da Polônia. Na Iugoslávia e na China, as tropa; sovreticas tiveram um papel de apoio na recaptura do território (no primeiro caso, ocupado pelo alemães e no segundo, pelos japoneses), mas nos dois países a capacidade dos Comunistas de gerar apoio interno foi mais deci- siva. E embora a ajuda militar soviética tenha sido muito importante para o PCC depois de a Segunda Guerra Mundial acabar no Pacífico, também havia sido dada uma ajuda em quantidade substancial a Chiang Kai-shek quando seu exército combatia os japoneses. Mao Zedong e a liderança comunista chinesa A :sc~n~ão do Partido Comunista Chinês e a ascensão de Mao Zedong estao Intimamente interligadas, por mais absurdamente exageradas que as conquistas de Mao fossem se tornar durante o culto à sua personalidade, que ele promoveu quando estava no poder. Ele emergiu da Longa Marcha como a principal figura do partido de fato, embora isso só fosse se tornar oficial durante a Segunda Guerra Mundial. Bem antes da guerra, foi re- conhecido na União Soviética como líder dos Comunistas chineses. Alta- mente simpático a Mao,o livro Red Star Over China, de Edgar Snow, foi AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 225 publicado na URSS, em tradução russa, em 1938. Em 1939, uma inflamada biografia de Mao foi publicada em Moscou e, no mesmo ano, um livreto soviético foi dedicado aos dois uozhdi do povo chinês, sendo o segundo uozbd' Zhu De, chefe militar do Exército Vermelho chinês.'?" A liderança de Mao foi institucionalizada quando ele se tornou presidente do Polirburo e do Secretariado do Partido Comunista Chinês, em 1943, e quando sua posição suprema foi ratificada no VII Congresso do Partido, em 1945.1S Mao tinha uma relação de altos e baixos com Stalin muito antes de encontrá-Io pela primeira vez em 1949. Reconhecia, porém, o líder soviético como a maior autoridade dentro do Movimento Comunista Internacional. Tinha consciência de que o controle de Stalin sobre o Comintern e seu prestígio entre Comunistas em todo o mundo, inclusive na China, era tan- to, que ele tinha o poder de dar a outra pessoa a honra de ser o líder dos Comunistas chineses. Neste caso, a pessoa recebia esse status não apenas de um número suficiente de membros do partido chinês mas também do Comintern e, assim, de rodo o Movimento Comunista Internacional. À luz dessa consciência, Mao desconfiava especialmente do representante da China no Cornintern, Wang Ming, que, devido a seu cargo, passou a maior parte do tempo em Moscou até o Comintern ser extinto, em 1943. Wang realmente aspirava ao principal cargo na China e, portanto, era visto por Mao como um rival fatal. Além disso, tinha também em Moscou um aliado cauteloso na chefia da administração do Comintern: Georgi Dimitrov, que adotara como sua a jovem filha de Wang.19 Stalin, porém, era o árbitro que decidia a liderança de partidos Comunistas não governantes e tinha uma opinião menos favorável sobre Wang Ming do que Dimitrov. Em de- terminada fase, Wang manchou seriamente seu nome com Stalin. Quando um dos líderes militares chineses com ligações com os Comunistas capturou Chiang Kai-shek;em 1936, Stalin ficou furioso por Wang Ming reagir a isso propondo um telegrama indicando que Chiang fosse morto - ou, pelo menos, foi o que informaram a Stalin.?" Stalin considerava Chiang essencial para seu plano de formar uma frente unida contra os japoneses. À meia-noite de 14 de dezembro de 1936, Dimitrov recebeu um telefo- nema de Stalin em que o líder soviético perguntou: "Quem é esse Wang Ming de vocês? Um provocador? Ele queria apresentar um telegrama para matar Chiang Kai-shek.'?' Para um dirigente do Comintern, ser chamado "Yozbd' (o singular de vuzhdi) indica um líder bastante comum. Embora usado de manei:.a mais ampla do que Führer (como indica sua aplicação a dois Comunistas chineses conremporâneos), é o equivalente russo mais próximo da palavra alemã.
  • 5. / 226 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO de "provocador" por Stalin era normalmente um prelúdio de uma sentença de morte. Mas, com apoio de Dimitrov, Wang Ming sobreviveu." Em dis- cussões no Comintern, Wang frequentemente desdenhava das qualidades de Mao Zedong como líder. Mas Stalin, apesar de todas as suas reservas em relação a Mao, combinava um relutante respeito a ele com uma contínua suspeita sobre Wang Ming. Um recente artigo acadêmico em urna.revista russa (baseado em um estudo de documentos do Comintern) tem.até O" título de "Como Stalin ajudou Mao a se tornar líder (vozhd')".23 Aparentemente, Stalin foi firmemente a favor de Mao em 1938. Transmitindo as preferências de Stalin, Dimitrov disse a uma delegação do Partido Comunista Chinês env iada ao Comintern: "Vocês devem comunicar a todos que eles precisam apoiar Mao Zedong como uozhd' do Partido Comunista da China. Ele é fortalecido pela prática da luta. Não há necessidade alguma de pessoas como Wang Ming lutarem pela liderança.'?" As vontades de Sta!in e suas sérias dúvidas em relação a Wang Ming claramente prevaleceram sobre a amizade pessoal de Dimitrov com Wang. De maneira mais geral, a política de Stalin, até o momento em que os Comunistas conseguiram ganhar o poder em toda a China, era exortar cautela ao partido chinês, porque ele aprovara a participação do exército de Chiang Kai-shek na guerra contra o Japão e o via como um contrapeso ao imperialismo britânico. Aos olhos de Stalin, Chiang tinha também como vantagem as relações desconfortávéis com seus aliados americanos. Durante a guerra, Stalin quis que os Comunistas chineses mantivessem sua aliança com o Kuomintang e se concentrassem mais no combate aos japoneses. Na época e na guerra civil que se seguiu, Mao e os Comunistas chineses continuaram em frente, independentemente de sua agenda política interna de suplantar completamente os nacionalistas. A vitória veio mais rapidamente do que até mesmo eles esperavam. Em abril de 1948, Stalin, antecipando uma vitória final dos Comunistas chineses, exortou Mao a ser cauteloso também no período inicial do regime Comunista. Tendo em mente o exemplo do Leste Europeu - de uma coalizão genuína abrindo caminho para uma pseudocoalizão e, no devido tempo, para o monopólio do poder Comunista - Stalin enfatizou a necessidade de um governo com uma base ampla depois da vitória finaLna guerra civil. Ele escreveu a Mao: "Deve-se manter em mente que depois da vitória do exército de libertação popular da China - pelo menos em um período pós-vitória, cuja duração é difícil definir agora - o governo chinês, em termos de política, será um governo democrático revolucionário nacional, e não um governo Comunista."> Isso, AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 227 prosseguiu ele, significaria um necessário adiamento da nacionali~açdo e confisco de propriedades de grandes, médios e pequenos proprtetarros de terra. Enquanto isso, os Comunistas chineses prosseguiram com o conflito militar e, em fevereiro de 1949, tomaram Beijing. Em outubro daquele ano, eles ganharam o controle da última grande cidade do sul, Guangzhou. Chiang Kai-shek apelou aos Estados Unidos para obter mais ajuda, mas não conseguiu. Teve poucas opções além de partir com o que restava de seu governo e seu exército para a ilha de Taiwarr." o modelo soviético e a China comunista Embora disposto a reconhecer a preeminência da União Soviética como o primeiro "Estado socialista" do mundo, o que combinava com seu p~udente respeito à autoridade de Stalin, Mao se considerava, não sem motivo, um melhor avaliador das condições no território chinês. Sua desconsideração pelos conselhos de Stalin de tempos em tempos não causou, nessa fase, qual- quer crise nas relações entre os Comunismos soviético e chinês, porque os resultados das políticas de Mao foram suficientemente positivos do ponto de vista soviético. A guerra no Pacífico terminara com a derrota do Japão _ embora graças mais aos americanos e ao exército de Chiang Kai-shek do que às forças de Mao - e em 1949 o Partido Comunista chegou ~o poder em toda a China. Mao se moveu um pouco mais rápido do que Stalin recomendara em 1948, mas a proporção com que o sistema construído pelo PCC era uma cópia do que existia na URSS não podia agradar ao líder soviético. Embora alguns estudiosos chineses argumentem que mesmo nas primeiras fases do-regime Comunista havia diferenças significativas, bem como semelhanças, com o sistema soviético, um historiador russo sustenta convincentemente que o que se construiu na China foi "o modelo soviético de desenvolvimento político, social e econômico". E ele prossegue descre- vendo o que eram, de fato, características fundamentais que eles tinham em comum: "o poder indiviso do Partido Comunista estritamente centralizado , e hierárquico, o culto ilimitado ao líder do partido, o controle total sob~e a vida política e intelectual dos cidadãos pelos órgãos de segurança púbh,ca, a tomada das propriedades privadas pelo Estado, o planejamento estrrta- mente centralizado, a prioridade ao desenvolvimento da indústria pesada e os enormes recursos destinados à defesa nacional't."
  • 6. 228 ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO Ir I1 il P I ,í 'I, Mao irritara Sralin de tempos em tempos com sua doutrina ortodoxa bem como com diversas de suas iniciativas quando Stalin pedia cautela. Ma: embora indubitavelmente tivesse reservas em relação a Stalin, Mao tivera o cuidado, até mesmo nos anos 1930, de se apresentar aos emissários da União Soviética como um seguidor dedicado do uozhd' do Kremlin. Assim quando um diretor de documentários, Roman Karmen, foi à China, na primavera de 1939, para fazer um filme sobre Mao, esteposDu.com'uma obra de Stalin em suas mãos, estudando-a atentamente ~ assegurando' que o quadro de Stalin fosse claramente mostrado pela câmera. Karmen pôde relatar a Moscou o entusiasmo com que Mao falou sobre Stalin.28 Entretanto, Mao se encontrou com Stalin pela primeira vez somente em dezembro de 1949. A visita foi marcada para coincidir com a celebração do 70° aniversário de Stalin, o que teve o efeito de ofuscar a chegada de Mao. Os Comunistas chineses haviam chegado ao poder apenas dois meses e meio antes, e esse acontecimento foi recebido em Moscou como urna prova da marcha progressiva do Comunismo - além do mais, em um país de grande significado internacional. Mas se qualquer pessoa fosse avaliar pela cobertura na imprensa soviética, seria obrigada a concluir que entre os dois acontecimentos, a chegada do Partido Comunista ao poder no Estado mais populoso do mundo foi uma ocasião menos importante para comemorar do que os 70 anos de Stalin. Ao longo dos anos, Mao tivera o cuidado de desacreditar potenciais rivais dentro do partido ou torná-Ios dependentes dele. Quando os Comunistas chegaram ao poder na China, havia, porém, indivíduos talentos os de alto prestítigo na liderança do país, além de Mao. Uma dessas pessoas era Liu Shaoqi. Embora Mao fosse o líder principal e inquestionável, com sua base de poder no partido, Liu, que na guerra civil Contra os nacionalistas atuara com habilidade nas "áreas brancas" por trás das linhas inimigas, ocupava o segundo lugar. O terceiro na hierarquia era o chefe da administração do governo, Zhou Enlai, que combinava esse cargo com o de ministro do Exterior. 29 Veterano do partido com grande habilidade, e que se opuse-ra a Mao algumas vezes no início dos anos 1930, Zhou tinha o instinto de amenizar algumas das políticas mais extremas de Mao. Assim como Anas- tas Mikoyan - de maneira semelhante, um inteligente, flexível e antigo membro do Politburo soviético sob o comando de Stalin e Kruschev _ Zhou se contentava em nunca buscar o cargo mais alto. (Nesse aspecto, ele se diferenciava de Wang Ming.) Assim, conseguiu ficar na liderança do partido durante quatro décadas, ao preço de dividir a responsabilidade AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA r 229 por erros caros e pela sangrenta repressão. Permanecendo comprometido com a causa Comunista que abraçara na juventude, Zhou Enlai aceitava as viradas e distorções da liderança de Mao assim como Mikoyan aceitava sua 'subordinação a Stalin. (Na União Soviética, mais ainda do que na China, fazer ou não fazer isso era uma questão de vida ou morte.) Ao comentar as "contradições evidentes" de Mao Zedong, um importante especialista em política chinesa, LowelI Dittmer, escreveu que embora Mao estivesse "ab- solutamente determinado a ter seu próprio caminho e esmagar a oposição, ;ele desprezava aqueles que (como Zhou Enlai) o agradavam e bajulavam't '? Mas, apesar dessas relações desiguais e desconfortáveis, durante os .'anos que os Comunistas chineses consolidaram seu poder de Estado - de ;'ol.ltubro de 1949 a meados dos anos 1950 - a elite dominante permane- ceu estável. A grande maioria dos membros do Comitê Central eleitos no ;VII Congresso do partido, em 1945, que ainda estavam vivos em 1956 foi "reeleita no VIII Congresso, naquele ano." A unidade da elite na época con- trastava com o tumulto que ocorreria mais tarde, mas o princípio leninista de centralismo democrático dentro do partido funcionava em seu benefício enquanto este consolidava seu poder. Na prática política, isso significava projetar para a sociedade uma imagem monolítica, baseada na disciplina rígida e na organização extremamente hierárquica que prevalecia dentro . do Partido Comunista. Havia também na época um genuíno entendimento no PCC de que a experiência soviética provia o modelo de construção do socialismo, embora esse "modelo" tivesse variado ao longo do tempo - da Nova Política Econômica de Lenin à coletivização compulsória da agricul- tura por Stalin e a introdução dos planos de cinco anos de desenvolvimento . econômico. Nos primeiros anos do regime, os Comunistas chineses tendiam a olhar para a experiência soviética do fim dos anos 1920 ao considerar o desenvolvimento econômico, mas para as instituições políticas do sistema político soviético consolidado.ê! Um dos slogans disseminados pelo Partido Comunista Chinês no início dos anos 1950 era: "A União Soviética de hoje é o nosso amanhã.v" No- tadamente, ainda no fim de janeiro de 1956, Mao declarou que os Comu- nistas chineses haviam meramente aprimorado as realizações soviéticas.P "As "eleições" para o Comitê Central ou para seu órgão interno, o Politburo - na China, assim como em outros Estados comunistas- não eram por meio de uma escolha livre de delegados para o Congresso do Partido. Endossavam uma lista de nomes de pessoas escolhidas pela liderança interna do partido, sendo que Mao, no caso chinês, tinha uma influência desproporcionalmente grande no resultado.
  • 7. I 230 ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 231 Durante esse período de construção do sistema Comunista, como observa Frederick Teiwes, as influências soviéticas afetaram a política do Partido Comunista Chinês e a sociedade chinesa de maneiras diversas e complexas. Teiwes prossegue: "Em alguns sentidos, o processo estava além do controle dos líderes do Partido, porém mais fundamentalmente refletia a eScolha consciente deles. E quando esses líderes - ou um grupo dominante deles '-- viram a necessidade de romper Com o caminho soviético,-dépoi_s de 1957, fazer isso era algo que estava dentro de sua capacidade, embora muita,s influências soviéticas tenham inevitavelmente permanecido."34 A população imensa e bastante espalhada do Estado chinês e o tamanho do Partido Comunista do país o puseram em uma categoria bastante dife- rente dos regimes impostos pelos soviéticos no centro e no leste da Europa quando, alguns anos depois da morte de Stalin, começaram a surgir sérias diferenças com a liderança soviética. Nos primeiros anos do PCC no poder, porém, havia em grande medida um acordo entre os dois maiores partidos Comunistas do mundo. Os partidos 'Comunistas do Leste Europeu cujo caminho para o poder tinha pelo menos alguma coisa em comum com o PCC eram os da Iugoslávia e da Albânia, porque nos dois casos foram os exércitos Comunistas que tiveram uma vitória essencialmente militar, na qual a libertação nacional em relação à ocupação estrangeira e a revolução social e política ocorreram paralelamente. Outra característica comum - e especialmente significativa - é que, apesar da importância que os exércitos tiveram em todas as três vitórias, a supremacia do Partido Comunista foi preservada. Mao explicou isso claramente já em 1938: "Nosso princípio é de que o Partido comanda a arma, e nunca se pode permitir que a arma comande o Partido." Quando O PCC chegou ao poder, esse princípio foi seguido estritamente. O primeiro secretário do partido em cada região era, assim como em outros países do mundo Comunista, a figura de maior autoridade dentro daquele território, e em cada região chinesa, exceto uma - o Centro-Sul, onde o cargo foi dado a Lin Biao, um dos mais bem-sucedidos comandantes do Exercito Vermelho chinês - esse cargo era exercido por uma figura política civil. 15 Assim como os partidos Comunistas do Leste Europeu, o PCC teve um rápido aumento de seu número de membros durante o período em que es- tava chegando ao poder, passando de cerca de 2,8 milhões de membros, em 1948, para cerca de 5,8 milhões em 1950. A velocidade com que o partido mais do que dobrou seu tamanho significava que faltava a muitos dos novos recrutas não apenas conhecimento sobre a ideologia marxista-leninista, mas té mesmo uma alfabetização básica. Além disso, eles estavam i.ntegrando a lado vencedor, o que significava que aqueles que haviam participado da ~nga luta contra os nacionalistas não estavam certos sobre o quan~~ erl~ autêntico o comprometimento dos novos recrutas com a causa Comunista. A guerra da Coreia e o rompimento interno . ,. I" d K mintang foram deixadosInicialmente, muitos funcioná nos ocais ~ uo . e os Comunistas não tinham pessoas suficientes paraem seus cargos, porqu , I reencher todos os cargos. O novo governo Comunista consegul,u~ontro " a inflação desenfreada, em parte se apoderan,d~ do sistema banca no e, assim, btendo o controle sobre a emissão de credito, e em parte controland~ o ~u rimento de produtos e pagando às pessoas ~rinc,ipalmente em n:erca 0- , p -'1 o O índice de inflação fOIrapidamente reduzido paranas, como graos e o e . " 15 or cento ao ano." Nos primeiros dias, o regime Comunista evocou ent~siasmo em grande parte da sociedade chinesa. Nas palavras de John King Fairbank: Ali estava um governo dedicado que realmente arrumou as coisas - não apenas osesgotose as ruas, mas também os mendig?~,prostltutaAselPeque- lhid econdicionarnento. I estavanosdelinquentes todos elesreco I os para r c I Chl'na'da qual as pessoas podiam se orgulhar, que contra ou a uma nova , _ f de é e a inflação,aboliu os privilégiosde estrangeiros, eliminouo ~mo e opio , corrupção emgerale levouoscidadãos a uma profusãodeatividadesSOCiaIS t obras públicas disseminar o alfabetisrno,controlar doenças,para conser ar, _ p to de aliar-se à classesubalterna e estudar a Nova Democraciaeo ensamen d Mao Zedong.Todasessasatividades abriram novasportas para a juventu e idealista e arnbiciosa.ê" Se grande parte disso - mas de modo algum tudo - ,foi positi~o, ~olado mais obscuro do regime Comunista não demorou rrunto p~r,a VI[ a tona. Mantendo um estrito controle sobre o comportamento pohtlc,~ e ~o,breo acesso à informação, enquanto introduzia uma mudança revolucionária n~s " 'I' ' o levou logicamente a uma repressaorelações SOCIaiSe po ttrcas, o govern _ I A " física e à ditadura do partido. Éprovável que o período de rel~t1vato e~ancla d ão Comunista da sociedade tenha sido ainda mais breve o que o estrato na d C o Aquela Poderia ter sido devido à entrada da China na Guerra a oreia. _ 0_- 'I" b - um conflito que custou afoi uma luta fortemente ideo ogrca, em corno o
  • 8. I i ~ " 232 ASCENSÃO E QU EDA DO COMUNISMO vida de,mUi,tossoldados. Três milhões de soldados chineses participaram, e as estimanvas de mortos variam entre 400 mil e um milhão sendo pou ' a cre~ibilidade, dada ao número oficial de 152 mil mortos, fornecido p~: autoridades chinesas na época." Entre os mortos na Coreia estava - em um bombardeio americano - o filho mais velho de Mao Zedong q b Ih . , ue tra a a,va como tradutor de russo para o comandànte chinês da Guerra da Coreia, Peng Dehuai." A União Soviética não participou abertamente da guerra, mas deu enorme assistência às forças chinesas e norte-éoreanas - mal equipadas, enviando clandestinamente equipes aéreas, assessores ~ fornecendo tecnologia militar em grande escala." - Hoje sabemos, por meio da leitura cuidadosa de documentos dos ar- quivos soviéticos, que o líder coreano Kim Il-sung convenceu Stalin de que ~oderia vencer rapidamente uma guerra para incorporar o sul a uma C~rela Comunista unida e o convenceu também a lhe dar o aval para pla- nejar um ataque. Quando o sucesso inicial dos norre-coreanos foi revertido pela resi~tência americana, Stalin manifestou a Kim Il-sung esperança e expectat~va de que "voluntários" chineses salvassem os norte-coreanos.? ~ao hesitou, porém, em comprometer as forças chinesas com o conflito, citando, e~ uma mensagem a Stalin em 2 de outubro de 1950, o desejo de paz na China depois de tantos anos de guerra. Mao também enfrentava sé~ias dúvidas no Politburo chinês sobre perturbar a reconstrução do país, a~em de preocupações, de que a guerra pudesse expor a China a um ataque direto dos Estados Unidos (as bombas atômicas lançadas no Japão em 1945 estavam frescas na memória)." Ao mencionar algumas dessas dificuldades a S~al~n,,Mao ta,lvezestivesse também fortalecendo sua posição de negociador vls-a-v~s a,Unlão Soviética com uma opinião também para consolidar sua ascendência s?bre seus colegas do Politburo. Ele tinha que assegurar que houvesse sufiCle~t~apoio militar secreto da União Soviética para compensar o ~traso tecnológico das forças armadas chinesas. A liderança Comunista chinesa com Zh E I ' L' B' , d-:- ou n ai e m iao envia os a Moscou para se encontrar com Stalin - enfatizou a importância do apoio aéreo soviético se os chine- ses participassem da guerra. Em uma carta que escreveu em 4 de outubro de, 1950, e qu~ foi entregue a Mao no dia seguinte, Stalin pressionou os chineses a enviar tropas à Coreia - no mínimo cinco ou seis "divisões de voluntários". Argumentou que a China não receberia o reconhecimento in- ternacio~al pelo qu~l ansiava com "temporização passiva e paciência", e que estava ate mesmo disposro a se arriscar a uma guerra mundial envolvendo AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA os Estados Unidos (embora não acreditasse que este fosse ser o resultado) para impedir a derrota dos Comunistas na Coreia. Stalin escreveu: Pode-se supor que os EUA, embora não estejam preparados para uma grande guerra, poderiam ainda ser atraídos para uma grande guerra, o que por sua vez arrastaria a China para a guerra e, juntamente com ela, a URSS, que está ligada à China pelo Pacto de Assistência Mútua. Devemos temer isso? Na minha opinião, não, porque juntos seremos mais fortes que os EUA e a Inglaterra, enquanto os outros Estados capitalistas europeus- sem a Alemanha, incapaz de dar qualquer assistência aos Estados Unidos agora - não apresentam uma força militar séria. [Os trechos em itálico são emendas feitas à mão por Stalin à carta darilografada.]" Na mesma carta, Stalin disse ter ouvido de Mao que a presença de partidos burgueses na coalizão chinesa significava que estes conseguiriam explorar o descontentamento no país com o Partido Comunista e sua liderança em caso de guerra. Disse que entendia a situação difícil de Mao, mas lembrou que antes este declarara sua disposição para enviar tropas à Coreia. Stalin deixou implícito que achava que Mao estava mostrando sinais de recuo e demonstrando uma solidariedade revolucionária insuficiente. De fato, mais tarde, Mao diria que Stalin suspeitava de que ele fosse um segundo Tiro e só confiou nele depois de ele intervir na Coreia." Três dias após receber a carta de Stalin - e depois do que ele disse terem sido três dias e noites sem dormir - Mao deu uma ordem secreta para que "voluntários" chineses cruzassem a fronteira coreana. Assim teve início a participação chinesa na Guerra da Coreia - com o objetivo, nas palavras de Mao, de resistir aos "ataques do imperialismo dos EUA e de seus lacaios"." Pode ser que a hesitação de Mao se devesse em parte à sua suspeita de que, além do perigo de um conflito mais amplo, a participação chinesa na Guerra da Coreia - com o desvio de fundos e a perda de vidas que neces- sariamente ocorreriam - aumentaria a oposição interna ao novo regime e produziria distúrbios no país. Entretanto, ele viu que havia também oportunidades a serem exploradas. A ameaça externa poderia consolidar o controle interno e, ao levar a luta aos americanos, Mao fortaleceria seu ,prestígio entre os Comunistas internamente. Certamente ele estava pronto para usar a tensão elevada como desculpa para tomar medidas duras contra uma oposição até mesmo potencial. O número de execuções de cidadãos chineses pelos Comunistas do país aumentou bastante depois de a Guerra da Coreia começar. As estimativas do número de pessoas executadas na China
  • 9. 234 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO entre !949 e 1953 variam muito - de 800 mil a cinco milhões. A grande rnaiorra das execuções Ocorreu depois de as tropas chinesas entrarem n C ' a orera, em outubro de 1950. O número de pessoas presas ou intimidadas pelas autoridades foi muitas vezes maior." As pressões ideológicas sobre raciocínios incorretos _. "reforma do pensamento" - também começaram a aumentar e~ 1950. De maneira convincente, tem sido argumentado que fOI ,uma combinação de terror disseminado deliberadamente compars-, nalismo que permitiu ao Partido Comunista Chinês ter sucesso onde os' nacional~stas_haviam fracassado nos anos 1930 e 1940 com suas estratégias de mobilização e doutrinação.w O Estada. dava apoio material àqueles que cooperavam com os novos governantes, enquanto lidava cruelmente com os opositores. Foram organizadas apresentações públicas dedicadas às ativida- des contrarrevolucionárias, nas quais os acusados desses crimes explicavam a n~t~reza da ameaça contrarrevolucionária, manifestavam arrependimento e diziam o quanto estavam gratos pelo fato de as autoridades apontarem os erros em seus caminhos." Simples~ente abster-se de atividades contrarrevolucionárias estava longe de se,r suficiente. O que desencadeou os ataques a intelectuais que estavam em CIma do muro e não abraçavam completamente os objetivos do Partido Comunista foi um filme, A vida de Wu Xun, lançado em dezembro de 1950. O filme retratava um filantropo do século XIX que deixava de ser um pobre mendigo para se tornar um rico proprietário de terras e usava sua fortuna não apenas para criar escolas para os pobres, mas também para convencer o governo imperial a participar de seu empenho. O filme era popular e recebera boas críticas. Entretanto, na primavera de 1951, começou a ser ferozmente atacado por iniciativa do Comitê de Gestão de Filmes do Ministério da Cultura. Uma possível instigadora das críticas foi Jian Qing, que recentemente fora nomeada membro do comitê e se tornara a quarta esposa de Mao. Logo, jornais estavam dedicando um bocado de suas páginas para denunciar A vida de Wu Xun. Um erro político funda- mental do filme era sugerir que o progresso podia ser alcançado por meio de um reformismo idealista, e não através da luta de classes revolucionária.v' Um modo de pensar dicotômico tem sido característico da doutrina Comunista ortodoxa." Isso significa que, em essência, só há dois lados na_ luta - as forças do progresso revolucionário e as forças de reação. Nao pode haver um "terceiro caminho". Isso foi dito aos produtores de ~lmes em .termos claros, e a mensagem foi rapidamente espalhada para os mtelectualscomo um todo. Artistas, escritores, professores universitários AS TOMADAS DE PODER COMUNISTAS NA CHINA 235 , e professores primários estavam entre os que foram obrigados a participar .de grandes reuniões em que tinham de discutir as obras de Marx, Lenin e . Mao, denunciar seus pensamentos anteriores, fazer autocríticas e enfren- tar as críticas de outros. Enquanto proprietários de terras e opositores da revolução evidentes eram presos ou executados, o objetivo da campanha de controle do pensamento era conservar as habilidades de pessoas instruí- das mas remodelar completamente o pensamento delas em conformidade com a nova ideologia dominante. Ao mesmo tempo, o sistema educacional chinês foi reestruturado de acordo com a linha soviética, o que significou dar grande prioridade a assuntos práticos - engenharia e ciências naturais - e desmantelar programas educacionais liberais que haviam produzido generalistas altamente instruídos (embora estes fossem uma pequena maioria da população totall." Uma série de campanhas caracterizou o período entre 1951 e 1953. Em 1952, a campanha "Três-Anti" foi rapidamente seguida do projeto "Cinco-Anti". Os focos da "três" eram a corrupção, o desperdício e a burocracia. Já o "cinco" se referia a suborno, evasão de impostos, roubo de propriedades do Estado, trapaças em contratos do governo e roubo de dados econômicos do governo." Os alvos sociais das campanhas eram os funcionários urbanos, principalmente aqueles envolvidos em administração financeira, e os capitalistas. Uma campanha anterior, em 1951, levara à prisão de "contrarrevolucionários" e "espiões"." Juntamente com essas campanhas, a liderança começara a construir um sistema Comunista de maneira relativamente ortodoxa, dando prioridade à nacionalização da indústria pesada, que no fim de 1952 estava entre 70 e 80 por cento estati- zada (assim como 40 por cento da indústria leve na época). Enquanto isso, o Partido Comunista retirara as carteiras do partido de aproximadamente 10 por cento dos membros que haviam ingressado nos anos anteriores, mas acrescentara novos recrutas, de modo que, no fim de 1953, o número de membros continuava a ser de 6,5 milhões.v O que tudo isso significou foi que enquanto Stalin estava vivo - ele morreu em março de 1953 - o siste- ma Comunista chinês, apesar de seguir um caminho distinto para o poder, estava desenvolvendo caminhos reconhecidos e aceitos pelos árbitros da retidão ideológica e organizacional no Krernlin. Mao, no que dizia respeito ao Movimento Comunista Internacional, ainda não se tornara "maoista".