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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
      CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
         DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS




          EDMILSON CELESTINO DE BARROS




 RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E
PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO
         FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE




                    São Cristóvão
                        2010
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        EDMILSON CELESTINO DE BARROS




 RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E
PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO
         FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE




                       Monografia apresentada como requisito à
                       conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências
                       Sociais da Universidade Federal de Sergipe.

                       Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi




                   São Cristóvão
                       2010
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           EDMILSON CELESTINO DE BARROS




    RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E
PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS
               DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE




                                      Monografia apresentada como requisito à
                                      conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências
                                      Sociais da Universidade Federal de Sergipe.

                                      Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi




                        BANCA EXAMINADORA




            -----------------------------------------------------------
                    Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi
                                   Presidente



            -----------------------------------------------------------
                      Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses
                                  Examinador



            -----------------------------------------------------------
                      Profª. M.Sc. Beatriz Góis Dantas
                                 Examinadora
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Dedico este trabalho a meu pai (in memoriam), minha
mãe, por serem a matéria fundamental para consolidação
da minha vida.
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                                   AGRADECIMENTOS



         Agradeço a Deus, maravilhoso Mestre e Senhor, pois que me tem dado força e
coragem em todos os momentos, especialmente naqueles em que pensei desistir desta jornada.
         À minha família, nas pessoas de minha mãe, Maria Stênia Gomes de Barros, sempre
comigo nas horas mais difíceis, fazendo-me acreditar que tudo é possível a quem procura.
         Ao meu pai, Pedro Celestino de Barros (in memoriam), pois, mesmo distante, ainda
permanece presente na lição de vida que nos legou, além do respeito, carinho e admiração
pela cultura afro. Foi através dele que aconteceu a minha aproximação com o Centro de Culto
Afro Brasileiro Filhos de Obá. Foi o meu pai que deixou em mim e em toda a família a raiz
do sentimento de companheirismo e a convivência social entre os nossos irmãos
afrodescendentes e religiosos do terreiro de Obá. Foi nesse local que reconheci minha
identidade e desenvolvi a capacidade de me ver enquanto valor humano.
         Agradeço também a todos os meus irmãos: Fátima (em São Paulo), uma mão sempre
a me guiar; Hosana, cuja característica mais marcante é a generosidade; Edílson, o mais velho
entre os irmãos homens, ao mesmo tempo forte e doce; Givaldo, severo e providencial;
Ginaldo, aquele que, sendo o mais jovem, faz sentir-me uma criança perante ele; Gicênia,
meu anjo guardião; Elisângela, uma presença de todas as horas, a caçula.
         Aos meus primos e primas, aos meus tios e tias, aos meus cunhados e cunhadas,
todos somados, fiéis escudeiros.
         Aos meus professores da graduação e a todo o Departamento de Ciências Sociais
pelo empenho acadêmico. Também agradeço a professores de outros departamentos que
contribuíram com informações de relevância para o aprimoramento desta pesquisa.
         Especiais agradecimentos ao meu orientador, o Professor e Doutor, Hippolyte Brice
Sogbossi. Sem a sua condução do processo, eu teria fracassado em meus objetivos. Foi com
Brice que aprendi muito sobre o continente africano e sua riqueza cultural.
         A todos os filhos de Obá, essência e foco desta obra. Tá Joaquina (in memoriam), a
fundadora do Centro Filhos de Obá; Alexandre José da Silva (in memoriam), figura
exponencial do candomblé em Sergipe, indispensável é inscrever seu nome quando se trata de
pesquisa sobre o culto afro brasileiro.
         A Mãe Alira (in memoriam), a mãe de cota, a mãe pequena, carinhosa, meiga e
também severa, no momento necessário; a Dona Duda, esta mais sisuda, ekede dos orixás de
Lixandre; Cecilinha (in memoriam), mulher valorosa e destemida, fervorosa, exemplo de
5


mulher e mandatária a ser seguido; Paulo Gitoky (in memoriam), de quem guardo apenas
longínquas lembranças, um homem de muita força na celebração dos ritos afro.
        A Dona Deco que desempenhou de forma responsável suas tarefas junto a Cecilinha
e que, atualmente, auxilia a Yalorixá, /mãe Ginalva, uma das mais jovens remanescentes,
mulher de fibra e personalidade marcante. A Marieta, mãe da atual Yalorixá do Filhos de Obá
e sua ekede.
        Apresento meus sinceros agradecimentos a tantos que contribuíram para a execução
desta pesquisa, cada um oferecendo um préstimo: Professora Aglaé D’Ávila Fontes,
Secretária de Cultura de São Cristóvão; Paulo Roberto, Secretário de Finanças da Prefeitura
de São Cristóvão; Professora Josenilma A. de Jesus; Reverendo Riuler; Reverendo Givanildo;
Adenilson Pereira; Gerison e Michael (professores de informática); Antonio Argôlo,
responsável pela digitação deste trabalho rigorosamente nas normas da ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas); Professor João Bosco, Secretário Adjunto de Cultura de N. S.
do Socorro; Professor Morgan Prado, Secretário de Educação do Município de São Cristóvão;
Paulinho dos Correios, Presidente da Câmara dos Vereadores de São Cristóvão; Paulo Filho;
Wilma Santos Silva e Lucenira Sampaio do Arquivo Público Municipal de Aracaju; Cláudio
Vítor, Jorge Henrique e Hélio Araújo, todos funcionários do Cartório do Segundo Ofício de
Laranjeiras. Maria Lúcia da Conceição (Dona Lucinha), Bibliotecária da UFS.
        Agradecido à Professora Tânia Maria da Conceição Meneses Silva, revisora deste
texto. Licenciada em Letras Português/Inglês pela UFS, poetisa, fundadora da cadeira n. 8
(patrono: Dr. João Batista Perez Garcia Moreno), do MAC (Movimento de Apoio Cultual Dr.
Antônio Garcia Filho), ligado à Academia Sergipana de Letras.
6




“O Candomblé sobrevive até hoje porque não quer
convencer as pessoas sobre uma verdade, absoluta, ao
contrário da maioria das religiões”.
                                       Pierre Verger
7


                                        RESUMO


Esta pesquisa conduz ao tema Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e Parentesco no
Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objetivo primordial do
presente trabalho é o de estudar desde as raízes do Candomblé, na África, seu roteiro até o
Brasil, observando-lhes as diversas manifestações, a formação da família de santo e a história
do Filhos de Obá, em Laranjeiras/SE. As abordagens se estendem desde o caminho percorrido
pelos africanos até chegarem ao Brasil onde passaram a criar na terra uma cultura matizada
que foi se espalhando ao longo do litoral brasileiro, especialmente. Esse povo imprimiu sua
marca através de seus ritos religiosos e seus costumes familiares. O Candomblé trouxe
também a noção de famílias de santo que se tornaram poderosas e decisivas no processo de
enraizamento do culto afro. Nesta pesquisa encontra-se em foco a história do Centro de Culto
Afro Brasileiro Filhos de Obá, terreiro situado no município sergipano de Laranjeiras.

Palavras-chave: Candomblé. Laranjeiras. Famílias de santo. Poder. Filhos de Obá.
8


                                      ABSTRACT


This research takes the theme of Candomblé Roots and Relations of Power and Kinship in the
Worship Center of Afro Brazilian Sons of Oba - Laranjeiras/SE. The primary objective of this
work is to study from the roots of Candomble in Africa, its roadmap to Brazil, observing them
with the various manifestations, of family formation and history of the Sons of Oba, in
Laranjeiras/SE. The approaches range from the path taken by Africans to arrive in Brazil
where the land began to create a nuanced culture that was spreading throughout the Brazilian
coast, especially. These people left its mark through their religious rites and their family
customs. Candomblé also brought the concept of holy families of saints who have become
powerful and decisive in the process of rooting african cult. This research is focused on the
history of Afro Brazilian Worship Center Sons of Oba yard located in the city of Laranjeiras
Sergipe.

Keywords: Candomblé. Laranjeiras. Families of the saint. Power. Sons of Oba.
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                                               LISTA ICONOGRÁFICA


Foto 01: Alexandre José da Silva, aos 15 anos de idade, ao lado de sua genitora, 1915......... 82

Foto 02: Alexandre recebendo visitas de pais de santo: da Bahia, à sua esquerda; e, do Rio de
Janeiro, à direita - presentes ao último ritual promovido por Lixandre, que foi concluído por
Cecilinha, em 1971. (Relato de Dona Deco, 17 de outubro de 2008)...................................... 83

Foto 03: Roda de santo tocada em nagô com as presenças de três das mais importantes figuras
do Filhos de Obá: Cecília da Silva de Oxalá; (Cecilinha) Paulo Santos Chagas de Obaluaê,
(Paulo Gitokí) e Carlos José dos Santos de Oxalá, (Carrinho). Paulo Gitokí de costas, meio
que de lado para Cecilinha e Carrinho usando uma touca branca, postado à frente de
Cecilinha, em 1972................................................................................................................... 84

Foto 04: Foto antiga de Lixandre, manifestado com Obaluaê, ao lado de duas figuras
igualmente importantes no contexto do Filhos de Obá, as duas localizadas ao lado esquerdo
dele, e, à frente, a Mãe Pequena da casa, Alira Leão Ribeiro, (Mãe Alira),;logo atrás dona
Duda, ekéde da casa, em 1971.................................................................................................. 85

Foto 05: Feitorio de um dos mais antigos barcos tirados por Lixandre, Cecilinha e duas outras
figuras que atuavam como madrinhas do referido barco. Os personagens eram: José Antônio
Santos (Zé de Ogum); José Araújo Santos (Caô); Antônio Luciano Nóbrega (Luciano de
Oxossi), em 1968...................................................................................................................... 86

Foto 06: Roda de nagô na atual gestão do terreiro Filhos de Obá. Ao centro Marieta e Dona
Deco, irmãs de sangue, as duas voldunças da relação de parentesco, ainda vivas. Abertura do
canzuá no sábado da aleluia, no ritmo do nagô, em 2007........................................................ 87

Foto 07: Duas irmãs de sangue ladeando a filha sanguínea e atual mãe de santo do Filhos de
Obá, acompanhadas por um Babalorixá baiano, em visita à casa por ocasião do Axêxê, em
2007.......................................................................................................................................... 88

Foto 08: Dançarina diante de alguns amuletos no projeto cultural implementado pela parceria
prefeitura/terreiro, na gestão atual do Filhos de Obá, em 2001............................................... 89

Foto 09: Culinária africana do Filhos de Obá a serviço dos orixás, também a disposição da
comunidade. Oferendas de alimentos para: Oxum; Oxossi e Xangô, 2001............................. 90

Foto 10: Crianças da comunidade sendo alfabetizadas por Mãe Ginalva, no interior do barracão do
Filhos de Obá, no projeto de parceria com a prefeitura local de Laranjeiras, 1996........................... 91

Foto 11: Grupo de guias turísticos, composto por universitários, capacitados pelo Filhos de
Obá, passeando no Centro Histórico de Laranjeiras, em 2000................................................ 92

Foto 12: Aula de culinária de comidas típicas africanas no Filhos de Obá, ministrada por
Dona Marieta, em 2001............................................................................................................ 93

Foto 13: Conclusão do curso de corte e costura para as mulheres da comunidade, promovido
pelos Filhos de Obá, através de Mãe Ginalva, em 1998.......................................................... 94
10


Foto 14: Grupo cultural na linha africana e formado por pessoas nascidas no Filhos de Obá,
em 2003.................................................................................................................................... 95

Foto 15: Dona Marieta, atual ekédi do Filhos de Obá, nos idos da juventude, com sua mãe de
santo ao lado, e, à sua retaguarda, seu filho, que agora tem em média 50 anos de idade, no
terreiro Massanganga, no Rio de Janeiro, onde foi feita, em 1969.......................................... 96

Foto 16: Dona Marieta (de pé, à esquerda) com alguns familiares de santo do terreiro
Massanganga, Rio de Janeiro, em 1987................................................................................... 97

Foto 17: Dona Marieta (à esquerda) dando rum com Oxum Apará, no terreiro Massanganga,
Rio de Janeiro, em 1986........................................................................................................... 98

Foto 18: Imagem de Exu, símbolo da prosperidade. Ao lado, o pesquisador, no museu afro,
em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................. 99

Foto 19: Imagem do orixá Xangô, identidade de rei dos astros, em 17 de outubro de 2008..........100

Foto 20: Iansã Balé, orixá que controla os eguns; os ventos e as tempestades, no museu afro,
em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................101

Foto 21: O pesquisador entre pejis e alguns amuletos, objetos relativos às obrigações dos
orixás, no museu, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008.................................................... 102

Foto 22: Amuletos que representam alguns exus e elementos de que, supostamente, fariam
uso. Museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..................................................103

Foto 23: O pesquisador diante da imagem do Orixá Obaluaê, que representa a terra e todas
suas doenças, no museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..............................104

Foto 24: O pesquisador ao lado de Oxum Maré, orixá que representa o equilíbrio da terra, no
museu afro, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008. Fotógrafo: Padre Givanildo.................105

Foto 25: Imagem de Iemanjá, orixá que representa as águas salgadas. Museu afro, em
Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008...................................................................................106

Foto 26: O pesquisador ao lado de Oxalá que, segundo a fé, representa a força do Cristo Deus
entre os Orixás, no museu afro da cidade de Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008............107
11


                                                          SUMÁRIO



1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13

2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ ............................................................18
  2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé .......................................................18
  2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil ...........................................20
  2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas ..............................................................25

3 CAPÍTULO II – O CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PARENTESCO E PODER........31
  3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé ...................31
  3.2 A Família de Santo, Linhagens.......................................................................................34
      3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé....................................................................37

4 CAPITULO III – CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE
  OBÁ/LARANJEIRAS/SE ...................................................................................................41
  4.1 A Cidade de Laranjeiras, Berço dos Filhos de Obá .......................................................41
  4.2 A História do Centro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE....................................................43
      4.2.1 Usos e costumes do Filhos de Obá........................................................................45
  4.3 O Centro Filhos de Obá - Uma Fotografia em Preto e Branco ......................................48
      4.3.1 A figura exponencial de Tá Joaquina, a fundadora do Centro Filhos de Obá......54
      4.3.2 A importância do pai de santo Lixandre na hierarquia do Filhos de Obá ............56
      4.3.3 Cecilinha sucede Lixandre de Laranjeiras.............................................................61
      4.3.4 Mãe Ginalva, a atual Yalorixá...............................................................................62
  4.4 O Mapa do Poder no Centro Filhos de Obá ...................................................................64

5 METODOLOGIA................................................................................................................66

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................71

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................73

GLOSSÁRIO ..........................................................................................................................77

LISTA ICONOGRÁFICA .....................................................................................................82

ANEXOS ...............................................................................................................................108
12
13


1 INTRODUÇÃO



          O termo Candomblé é utilizado na Bahia e em outros estados brasileiros para designar
os grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças de origem africana. Entretanto,
ao longo de sua história, o Candomblé tem recebido denominações populares às vezes usadas
de maneira um tanto depreciativa por alguns segmentos sociais, tais como Xangô, Macumba e
Toré.1
          Na opinião de Dona Marieta Santos, ekedi do Filhos de Obá e mãe da atual Yalorixá
deste centro, Ginalva, existem diferenças importantes entre os termos toré e xangô. Estudos
diversos definem o Toré como uma denominação de terreiro de caboclo que mistura tradições
rituais diversas. O termo Xangô é a denominação aludida a uma divindade do próprio
Candomblé, um orixá africano ligado aos raios, trovões e tempestades, não tem a ver com o
espaço físico de realização do ritual, muito embora o senso comum utilize o termo dessa
forma. E o vocábulo Candomblé é realmente a nomenclatura apropriada para denominar a
religião afro brasileira no seu conjunto, mas também se utiliza para identificar o local do culto
que conjunturalmente agrega os filhos de santo com seus assentamentos dos orixás, ou seja,
casa de santo, roça, candomblé.
          Para o estudioso Lody (2006, p. 12) foi na década de 70 que surgiu

                             [...] com eficácia semântica e simbólica o rótulo afro para designar patrimônio
                             africano no Brasil e, especialmente, identificar nas manifestações consagradamente
                             afro-brasileiras um certo purismo africano.


          O tema desta pesquisa é relativo às Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e
Parentesco no Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objeto de
estudo, por sua vez, se encarrega de focalizar a hierarquia do Candomblé.
          O objetivo principal é esboçar um estudo das raízes do Candomblé, na África, e
centre-se no Brasil, observando-lhes algumas de suas manifestações, as exigências para a
formação da família de santo e, especificamente, focalizar a história do Filhos de Obá, em
Laranjeiras/SE.
          Os objetivos específicos dão conta de: 1. esboçar estudo das origens do Candomblé,
considerando-o à luz de aspectos sócio-antropológicos; 2. entender a representatividade das
relações de parentesco e poder do Candomblé; 3. levantar informações sobre a história do


1
    Momento da dança dos orixás em festejos, confundido pelo senso comum como espaço do ritual da dança.
14


Filhos de Obá, evidenciando as figuras de Tá Joaquina, Lixandre de Laranjeiras, Cecilinha e
Mãe Ginalva.
       Esta pesquisa se justifica por atender à necessidade primeira de tentar conhecer alguns
aspectos da cultura afro brasileira, o que contribuiu para a minimização do preconceito social
existente e até auxilia no processo de reconhecimento e inclusão de comunidades religiosas
marginalizadas pela sociedade burguesa - além de, ainda, procurar reconhecer-lhes o legado
de suma importância para a formação da cultura do povo brasileiro. No caso deste trabalho,
especialmente, para a formação da cultura de Sergipe.
           No marco teórico discute-se sobre as teorias sócio-antropológicas com base nas
religiões de presença africana no Brasil, além do que, faz-se uma abordagem sobre a história
do Candomblé no país - sob a ótica de Edson Carneiro, Vivaldo da Costa Lima, Reginaldo
Prandi, Pierre Verger, Roger Bastide, Patrícia Birman, Ruth Landes, Beatriz Góis Dantas,
Hipollite Brice, e mais algumas reflexões desenvolvidas por outros teóricos sobre a temática
em tela.
       Os trabalhos de pesquisa sobre o Candomblé de Laranjeiras pouco se debruçaram
sobre as questões da religião e da forma do exercício de poder vivido pelos filhos de Obá, e,
portanto, o objetivo desta pesquisa visa preencher tal lacuna. Entretanto, frise-se um trabalho
que se tornou referência, o da pesquisadora Beatriz Góis Dantas, intitulado Vovô nagô e papai
branco. Usos e abusos da África no Brasil. Nesta obra, a eminente pesquisadora se dedica a
configurar o prestígio em terreiros de Xangô, à fala do Nagô sobre sua saga e, ainda à fala dos
“outros” sobre o Nagô; à construção e significado da “pureza nagô” e aos usos da África pelo
terreiro Nagô. Em suas conclusões, a professora adianta que

                         Essa busca incessante de “africanismos” implica, por outro lado, o reconhecimento
                         de que a identidade do negro brasileiro é algo que se ata à existência de uma cultura
                         africana autêntica, cujos “pedaços” são continuadamente procurados como tesouros
                         a serem ciosamente guardados e preservados, porque atestadores da identidade
                         negra. (DANTAS, 1988, p. 247).


       As observações realizadas no campo permitiram perceber que algumas das teorias
utilizadas na elaboração do projeto inicial, ou aquelas encontradas durante o percurso – que se
acreditou poder contribuir de alguma forma na compreensão do fenômeno – não davam conta
da complexidade apresentada pelo objeto.

                         Há, no entanto informações e teorias que não se incorporaram ao senso comum por
                         seu grau de complexidade ou por ser contra a experiência cotidiana e, neste ponto, o
                         senso comum é muito poderoso. São de difícil aceitação as ideias que são muito
                         diferentes de nossa experiência imediata. Talvez a mais comum destas ideias diga
                         respeito à própria origem do conhecimento. (CARVALHO, 2006. p. 19).
15


       No que tange ao surgimento do Centro Filhos de Obá, por exemplo, constatou-se a
importância de se conhecer a dinâmica que resulta da confluência entre dois mundos: África e
Brasil. De um lado a África que, além de subjugada, costumava também deportar seus filhos,
escravos, os quais traziam consigo sua cultura, seus costumes e principalmente, sua
religiosidade. Na outra ponta, uma pequena cidade interiorana, florescente zona açucareira do
Estado de Sergipe.
       Em outras palavras, a dinâmica encontrada nos fatos, nessas idas e vindas, ao campo
representa a inconstância, desse fenômeno, que é atual, ainda relativamente novo, e cuja
tímida aparência ainda não envolve muitos terreiros, mas suscitam reflexões importantes,
sobre questões relacionadas ao urbano, à política de identidades, à pós-modernidade entendida
através da globalização econômica e cultural, às ressignificações sincréticas realizadas pelos
sujeitos nos grandes centros onde as possibilidades estão abertas.

                        Os negros introduzidos no Brasil pertenciam a civilizações diferentes e proviam das
                        mais variadas regiões, da África. Porém, suas religiões, quaisquer que fossem
                        estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios
                        biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, as estruturas aldeãs ou
                        comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se
                        incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família
                        patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas. Que se passou então? Esta é a
                        primeira questão que temos de resolver. Mas o período de escravidão durou três
                        séculos e no curso desse tempo a sociedade brasileira não permaneceu imóvel.
                        (BASTIDE, 1971, p. 30).


       Para melhor entender uma crença afro brasileira, o pesquisador precisa adotar uma
posição flexível, ponderada, pois, raramente se encontrará Casas de Candomblé que sigam
uma mesma doutrina ou realizem rituais da mesma maneira. Tão diverso é o continente
africano, tão diverso é o Candomblé.
       O fato de o Candomblé ser uma religião politeísta e desprovida de um poder
centralizador, que estabeleça regras a serem seguidas, permite que cada sacerdote “seja rei em
sua própria Casa”. É ele (o Babalorixá) /ou ela (a Yalorixá) quem dita as regras a serem
seguidas pela sua comunidade de santo, o que implica em certas discrepâncias doutrinárias
e/ou litúrgicas distribuídas pelos diferentes espaços pelos quais o Candomblé vem se
disseminando. Tais diferenças encontradas obrigam o pesquisador a refletir acerca do real
significado do termo “afro brasileiro”.
       Entender as diferenças na forma de cultuar ou de gerenciar existentes nos terreiros de
Candomblé exigiria a realização de uma etnografia desses centros para se tentar compreender
as situações históricas por eles vividas, pois cada qual guarda sua particularidade desde sua
16


fundação. Com o esforço deste trabalho, foi alcançado realizar a amostra centrada no
gerenciamento e cultos praticados no Centro Filhos de Obá.
          Este trabalho é, portanto, uma retórica etnográfica relativa ao Centro Filhos de Obá
onde se concentraram as atividades para que assim fosse possível traduzir a atualidade da
religião e das formas de comando praticadas por aquela comunidade de santo em Laranjeiras.
          Os sacerdotes do Candomblé se debruçam sobre práticas culturais supostas e
provavelmente seguidas pelos seus antepassados. Eles realizam um ato político de marcação
de diferença, muito parecido com uma nação/etnicidade, como também um ato simbólico no
sentido de que absorvem os aspectos iorubas não somente como traços diacríticos, mas
também como aspectos culturais historicamente perdidos ao longo do desenvolvimento dessa
religiosidade difundida no Brasil.
          A percepção do significado cultural do Centro Filhos de Obá só se tornou possível
quando foram reunidos os dados coletados no campo e as informações sobre a historicidade
do movimento que representa o desdobramento do processo de territorialização da religião
africana no Brasil, iniciada pelos primeiros escravos africanos aqui aportados.
          O Capítulo 1 trata das raízes do Candomblé e de sua trajetória até as terras brasileiras
por onde se difundiram em diversas manifestações, além de ainda tecer algumas
considerações de ordem sócio-antropológicas. A sustentação teórica foi buscada em autores
do porte de Lody, Silveira, Pierucci e Prandi, Camurça, Verger, Capone, Dantas, Landes e
outros.
          O Capítulo 2 aborda a temática do Candomblé em suas relações de parentesco e poder,
envolvendo noções sobre a formação de famílias de santos, suas linhagens e o sistema
hierárquico do Candomblé. Para alcançar este objetivo foram consultadas as teorias de Roger
Bastide, Godelier, Alves Filho, Pereira Neto.
          O Capítulo 3 se ocupa da história do Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá,
situado no município sergipano de Laranjeiras/SE, desde a sua fundação, focalizando das
Yalorixás e os Babalorixás, até a atual administração. Para conseguir alcançar a composição
deste capítulo, foi utilizado o material informativo oral obtido nas diversas atividades da
pesquisa de campo realizada no referido terreiro de Candomblé.
          Espera-se, assim, haver contribuído para ampliar o conhecimento sobre a temática
abraçada.
17
18


2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ



2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé


       Em se tratando de identidades culturais no sentido verso/inverso Brasil-África-Brasil,
a história apresenta o estigma colonialista e se fundamenta nos valores éticos e morais
ocidental-judaico-cristãos que se submeteram ao poder econômico evoluído do mercantilismo
e “chega a um capitalismo mais ou menos ortodoxo que ainda reafirma as condições escravas
pelo subemprego - ação servil tão infame quanto a do escravismo oficialmente extinto em
1888”. (LODY, 2006, p. 19).
       A informação sobre a existência de cultos africanos no Brasil remonta ao século XVII.
Trata-se do “calundu colonial” trazido à baila por historiadores e antropólogos brasileiros.
São exemplos dos primórdios dessa cultura religiosa:

                       [...] o congolês Domingos Umbata, flagrado em 1646 pelos visitadores da Inquisição
                       na capitania de Ilhéus; a angolana Branca, ativa na cidade baiana de Rio Real nos
                       primeiríssimos anos do século XVIII; outra angolana, Luzia Pinta, muito bem
                       sucedida na freguesia de Sabará, nas Minas Gerais, entre 1720 e 1740; a courana
                       Josefa Maria ou Josefa Courá com sua “dança de Tunda”, estabelecida em 1747 no
                       arraial de Paracatu, Minas Gerais; o daomeano Sebastião, estabelecido em 1785 na
                       cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano; e enfim Joaquim Baptista, ogan (uma
                       espécie de líder de terreiro) do “culto ao deus Vodum”, no Accu de Brotas,
                       freguesia periférica da cidade da Bahia, em 1829. A esta lista poderia ser
                       acrescentada uma significativa aquarela de Zacharias Wagener, artista que viveu no
                       Pernambuco holandês de 1634 a 1641, representando uma festa de africanos e
                       trazendo preciosas informações visuais sobre a variedade e a disposição dos atores,
                       figurinos e instrumentos musicais. (SILVEIRA, 2005, p. 2).


       Esses rituais estiveram presentes no Brasil durante todo período colonial, sendo
registrado o primeiro templo no início do século XIX, erguido nos fundos de uma igreja na
cidade de Salvador/BA.
       Esses cultos jejes eram comunitários e com fortes tradições litúrgicas, as que foram
implantadas na Bahia. Receberam o apoio dos calundus e bantos e partiram em busca de
reconhecimento e oficialização. Foi em Salvador mesmo, no Bairro da Barroquinha, que se
estabeleceram e a transição foi tentada com relativo sucesso.

                       Segundo as tradições orais dos nagôs (africanos iorubas, originários de regiões da
                       Nigéria, Benin e Togo) baianos, o primeiro candomblé de sua linhagem foi fundado
                       em terras situadas atrás da capela de Nossa Senhora da Barroquinha, no centro
                       histórico de Salvador. Segundo se conta, existia uma irmandade de negros ali
                       funcionando, cujos associados teriam sido os fundadores africanos. Hoje, esse
                       candomblé é um dos maiores e mais respeitados do Brasil, chama-se oficialmente
19

                         Ilê Axé Iyá Nassô Oká, em homenagem à sua fundadora principal, mas é
                         popularmente conhecido como Casa Branca do Engenho Velho da Federação.
                         [...]
                         A investigação sobre a data inaugural motivou antropólogos ligados ao Axé Opô
                         Afonjá, filial do candomblé da Barroquinha, os quais fizeram estimativas que vão do
                         final do século XVIII a 1830. Em 1943, por ocasião do I Primeiro Congresso Afro-
                         Baiano, teve lugar na Casa Branca uma exposição comemorativa dos 154 anos de
                         sua fundação, segundo a qual o candomblé teria então sido fundado em 1789. Essa
                         data coincide com a chegada à Bahia dos primeiros escravos nagôs do reino de Ketu
                         (cujo território foi cortado em dois pela fronteira Nigéria-Benin), de onde teriam
                         vindo os fundadores, bem como com a oficialização da irmandade do Senhor Bom
                         Jesus dos Martírios, em 1788. (SILVEIRA, 2005, p. 2).


       A realidade social no campo das religiões no Brasil tem enfrentado um movimentado
processo de mudança cultural e que leva ao pluralismo religioso competitivo. São abordagens
destacadas por Pierucci e Prandi (1996) que fazem um criterioso estudo da evolução da
paisagem religiosa através do tempo e revela determinados aspectos geralmente escondidos
pela sociedade, a exemplo da ligação existente entre os seguidores do Candomblé com o
dinheiro e a política.
       Camurça (2009, p. 63) frisa que “somos todos nativos” e que empreendemos o
“encontro pós-colonial onde o antropólogo não necessita mais fazer viagens transoceânicas
para encontrar este outro e desta forma fazer um esforço de ‘conversão’ a uma cultura
totalmente exógena”.
       Em sua incomparável obra sobre o tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a
Bahia de Todos os Santos, Verger (1987) aborda profundamente aspectos que elucidam a
movimentação que providenciou a chegada dos africanos ao Brasil. O pesquisador não trata
da religiosidade, mas sua pesquisa abre o mais extenso panorama sobre o longo momento
histórico e descortina a paisagem do país àquela época.
       Os aspectos evidenciados na obra de Verger e que se ligam ao que interessa à presente
pesquisa são as relações econômico-filantrópicas anglo-portuguesas e sua influência no
tráfico de escravos no Brasil; as revoltas e rebeliões de escravos na Bahia (estado vizinho a
Sergipe e cujas facetas históricas têm ligação) para o Brasil; Revoltas e rebeliões de escravos
na Bahia - 1807-1835; Bahia, 1835-1850. Rumo ao fim do tráfico de escravos; emancipação
de escravos; condições de vida dos escravos na Bahia no século XIX, etc. Relembra o
brasileiro Gilberto Freyre e anota:

                         O escravo da casa-grande ou do sobrado grande foi o melhor nutrido de todos os
                         elementos da sociedade patriarcal brasileira. Nutrido com feijão com toucinho, com
                         angu, com mandioca, com inhame, com arroz. [...] Melhor nutrido que o próprio
                         senhor de engenho, o fazendeiro ou o proprietário de mina, cuja alimentação
                         caracterizava-se também pelo excesso de charque e de bacalhau que mandava vir da
                         cidade. (op. cit, p. 495-496).
20


       Outro estudioso se encarrega de atestar a contribuição do patrimônio material do
homem africano no Brasil. Lody (2006, p. 31) se reporta à formação das nações, grupamentos
de negros no Brasil, unidos por motivos culturais, inclusive e em primeiro lugar, pelas
línguas. Reporta-se, ainda às ações “tradicionais que caracterizam as casas de candomblé na
Bahia, nos xangôs em Pernambuco, Sergipe e Alagoas e nos Tambores Minas-Jeje no
Maranhão”.
       Por sua vez, Capone (2009, p. 296) ressalta, usando os ensinamentos de Nina
Rodrigues (1906), o papel da língua iorubá (o nagô) como veiculadora entre os escravos da
Bahia. Nina Rodrigues, conforme explicita Capone, criticava

                       [...] o fato de, no Brasil, as línguas bantas serem consideradas as únicas a merecer a
                       atenção dos linguistas, e acrescentava que, se o quimbundo predominava no Norte e
                       no Sul do país, era o nagô (iorubá) que prevalecia na Bahia.


       O pesquisador Sogbossi (2007, p. 81) refere-se às religiões afro brasileiras e africanas
a partir de suas experiências de ensino e diz da carência do povo brasileiro quanto ao
conhecimento de seu patrimônio histórico-cultural. Ressalta o estudioso que

                       O Curso de Aperfeiçoamento em História a África e Cultura Afro-Brasileira, projeto
                       elaborado sob iniciativa do Prof. Dr. Frank Marcon, no âmbito da lei 10.639/03, e
                       apoiado pelos docentes Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi e Prof. Dr. Ulisses Neves
                       Rafael, todos antropólogos do departamento de Ciências Sociais da Universidade
                       Federal de Sergipe, foi aprovado e financiado pela equipe UNIAFRO do
                       MEC/SESu. O projeto se insere entre os projetos do Núcleo de Estudos Afro-
                       brasileiros da Universidade Federal de Sergipe.




2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil


              A influência de Portugal e da África na América, na fase inicial, “não foi uma
colonização de povoamento”. Havia as feitorias no litoral criadas por franceses, ingleses e
portugueses para negociar e, em lugar de influenciarem os nativos com suas culturas, ocorreu
um fenômeno reverso e os estrangeiros eram influenciados pelos índios. Quanto à chegada
dos navios negreiros, esses traziam

                       [...] cargas cada vez mais numerosas de africanos, a emigração portuguesa ao Brasil,
                       por sua vez, acelerou-se sobretudo com a descoberta de minas de ouro no século
                       XVIII e com o progresso dos empreendimentos comerciais no século XIX.
                       (BASTIDE, 1971, p. 53).
21


       O tráfico altamente intenso de escravos espalhava negros de inúmeras localidades do
vasto território africano e misturavam-se usos e costumes diferenciados de um mesmo povo,
de tal forma como se estranhos fossem entre si.
       No Brasil, a exemplo do Estado da Bahia, encontra-se a influência de populações
negras oriundas do golfo de Benin, cultores dos antigos voduns e orixás, da mesma forma que
o faziam os habitantes do sul do Daomé e sudoeste da Nigéria.

                       Durante mais de três séculos, homens, mulheres e crianças da raça negra oriundas do
                       continente africano, foram trazidos como escravos. Até o advento da lei Eusébio de
                       Queiroz, promulgada em 4 de setembro de 1850 e mesmo alguns anos depois,
                       integrantes de várias nações vinham para o Brasil, trazendo consigo toda uma
                       tradição cultural e religiosa que muito influenciou na formação do povo brasileiro.
                       (SANTOS, 2005, p.1).


       Segundo Verger (1987), as localidades de origem dos escravos da Bahia estão
demarcadas em quatro períodos: o ciclo da Guiné (segunda metade do século XVI); o ciclo de
Angola e do Congo (século XVII); o ciclo da Costa da Mina (três primeiros quartos do século
XVIII); e o ciclo da baía de Benin (entre 1770 e 1850).
       Estudos de Lody (2006, p. 25) sobre o fazer e o significar do patrimônio material do
homem africano no Brasil dão conta de que se convenciona atribuir à arte afro brasileira “um
limite no âmbito e no fazer religioso que será de função e significado para o culto dos orixás,
voduns e inquices”. Para esse pesquisador, “Marca a história do homem africano a ação do
próprio homem africano como protagonista, criador dos seus próprios momentos de vida”.
       Importante referencial sobre aspectos da África no Brasil é a obra de Landes (1947, p.
53), edição de 2002, intitulada A cidade das mulheres. Nesse importante estudo científico,
texto narrativo em prosa poética, a antropóloga estadunidense, traça o perfil das mães nagôs
na Bahia e deixa patente o seu interesse pela questão da homossexualidade entre os cultos
caboclos afro brasileiros. No seu texto encontramos a pesquisadora envolvida com o seu
objeto de pesquisa e nele transformando-se, assim como aconteceu com este trabalho no
Filhos de Obá:

                       Sabia que não seria possível estudar a Bahia como o faria com uma galeria de arte,
                       nem com certas tribos indígenas das nossas reservations, onde se podem contratar
                       indivíduos que se plantem numa cadeira, durante meses seguidos, e falem de si
                       mesmos. Teria de persuadir os baianos a me deixarem participar da sua vida. Teria
                       de abrir caminho para o fluxo humano e tornar-me parte dele. Para estudar as
                       pessoas, deveria viver com elas, apreciá-las e procurar, constantemente, fazer com
                       que gostassem de mim.


       Outro pesquisador, muitos anos depois que por aqui passou Landes, envolveu-se no
trabalho de campo. Velho (1977, p. 52) realizou sua pesquisa em um terreiro de Umbanda, no
22


Bairro de Andaraí, Rio de Janeiro. Abordando as guerras dos orixás, Velho, também em texto
narrativo, como o fez a pesquisadora norte-americana, se dedica à figura feminina, a mãe de
santo. Durante a realização das atividades no terreiro, o pesquisador ficou temeroso, pois um
de seus alunos, durante uma sessão, “caiu no santo”.
       Decerto, o Candomblé sempre foi um espaço de relações e de medição de forças entre
terreiros cujos embates se expressam em termos de uma oposição, às vezes velada e às vezes
explícita entre os guardiões da tradição, os detentores legítimos do saber sagrado, e os
profanos da tradição, que passam a ser vistos como “charlatões”, “clandestinos”,
“sincréticos”, “impuros”. Porém, cada terreiro de Candomblé, seja qual for a nação, Keto,
Jeje, Angola ou Caboclo, assim como no passado, valorizam as suas tradições, acima de todas
as outras nações proclamando a sua pureza.
       De acordo com Dantas (1998, p. 145):

                        Como a ideologia da pureza pressupõe a existência de um estado original, uma
                        espécie de reduto cultural preservado das influências deturpadoras de elementos
                        estranhos, seria de se esperar que os terreiros que se identificam como nagôs e que,
                        por suposto, teriam origem comum e um mesmo patrimônio cultural definissem sua
                        pureza em função de um mesmo conjunto de traços culturais.


       Segundo Bacelar (2001) apesar da existência de tensões e rivalidades entre os
terreiros, uma oposição plena ou luta acirrada entre as casas de Candomblé, nunca chegou a
constituir traço característico do campo afro-baiano.
       Acredita-se que essa cordialidade sempre existiu juntamente com as disputas. Não
obstante, deve se atentar para o fato de que a solidariedade fica mais visível em terreiros que
se constituem enquanto uma rede, pelo parentesco, pelo ritual e pelas disposições geográficas
de pertencerem a mesma localidade, ou por uma afinidade alicerçada no grau da amizade
entre sacerdotes.
       O Candomblé chegou à atualidade e adquiriu um destaque especial dentre as religiões
brasileiras por ter uma capacidade ímpar no que se refere à conquista de fiéis. Nesse sentido,
é imprescindível ressaltar que a incorporação da crença dos santos católicos pode ser
interpretada também segundo essa perspectiva que, ao invés de contradizer a perspectiva de
uma concepção cosmológica politeísta, reforça-a acrescentando as características de respeito à
autoridade e senioridade próprias da sociedade iorubana para se tentar compreender o
fenômeno do sincretismo afro-católico, da mesma forma que o respeito ao senhor de engenho
levou os escravos a respeitarem também os seus deuses.
23

                        O que Fernanda Peixoto mostra em detalhe é que Bastide opõe à ideia de
                        sincretismo como mistura o conceito de sincretismo como mosaico, que implica a
                        "coexistência de objetos discordantes". E que o fato, por exemplo, de se ter
                        estabelecido a correspondência de deuses africanos e santos católicos deriva não da
                        assimilação dos contrários, mas de uma necessidade dos escravos de dissimularem
                        suas crenças aos olhos dos brancos: uma forma de resistência, portanto. Submetidos,
                        mas ao mesmo tempo colocados à margem da sociedade, os africanos no Brasil
                        teriam criado "ilhas culturais". Conceito que, por sua vez, foi também motivo de
                        controvérsia, nos anos 70, quando os novos intérpretes das religiões africanas no
                        Brasil criticaram o mestre francês, acusando esta operação mental de propugnar uma
                        pretensa pureza dos candomblés, derivados do "modelo nagô", por oposição à
                        umbanda, vista como forma degenerada. O que faria de Bastide um herdeiro acrítico
                        da tradição "romântica" que remonta a Nina Rodrigues. (GOMES JR, 2001, p. 1).


       O campo das religiões afro brasileiras, em particular aquele confirmado pelos terreiros
de Candomblé, foi organizado, inicialmente, de forma cooperativista, tecendo alianças entre
as etnias que muitas vezes eram historicamente rivais no continente africano. Existiu no
interior dessas comunidades uma permanente ajuda mútua, trocas de favores, mantendo-se
assim uma solidariedade via teias de prestações e contraprestações que terminaram.
        À medida que a cultura vai se modificando, e a África não é exceção, torna-se
necessário reorganizar os ritos. Por isso, o Ogã nunca deixa de mencionar que reintroduzir
elementos, não significa trazê-los prontos, mas implica (re) negociações com a doutrina
representada pelos escritos de Ifá, com os ritos trazidos da África atual e da antiga, e com o
contexto brasileiro contemporâneo.

                        É compreensível, nessas condições, que o catolicismo negro em geral sobrepôs-se,
                        mais que a penetrou, à religião africana, e a confraria frequentemente prolongou-se
                        em candomblé. Vilhena reconhece que é impossível arrancar do coração dos
                        africanos os costumes e as cerimônias que “beberam com o leite de sua mãe” e que
                        seus pais lhes ensinaram; ele afirma que entre mil negros, há talvez um que siga
                        voluntariamente o cristianismo; entre todos os outros, este é imposto de fora, um
                        simples verniz superficial. (14) Em 1738, o prior dos beneditinos da Bahia, num
                        documento encontrado nos arquivos por Luiz Viana Filho, lamenta-se que os
                        Angolas, os negros de São Tomé e de outros lugares, se bem que catequizados,
                        batizados e vivendo no meio dos brancos. (BASTIDE, 1971, p. 183).


       Nesse sentido, observam-se diferentes estratégias para se modificar um ritual, para
atualizá-lo no contexto em que praticam o Candomblé, ou, então, justificam de modo
diferente as transformações feitas nesses rituais. Ressalte-se que as alterações ritualísticas não
são somente baseadas nas observações ou com o pai de santo, mas requerem a prática.
Também existem os ensinamentos a partir de anotações que vêm passando de geração a
geração.
       As referências à África e às raízes da religião tradicionalista configuram-se como
pilares da luta empreendida pela sociedade na busca pelo reconhecimento étnico da população
24


afrodescendente – da qual fazem parte, no Centro Filhos de Obá, Tá Joaquina, Lixandre de
Laranjeiras, Cecilinha, Paulo Gitokí e Mãe Ginalva.
       Significa dizer que temos um entrecruzamento de mundos, nos quais, ao reivindicar
uma cultura específica à qual os demais também teriam o direito porque praticam a mesma
religião afro brasileira. Os participantes procuram afirmar a maior legitimidade da Casa a que
pertencem, invocando a afrodescendência.
       Ao buscar o reconhecimento do espaço do negro na sociedade, especificamente no
caso do Centro Filhos de Obá, propõe-se, não apenas a “reafricanização” do Candomblé, mas
abriga-se, como se pode comprovar, na cultura da primeira sacerdotisa dos filhos de Obá, em
terras sergipanas, Tá Joaquina, com a finalidade de renovar o Axé através dos mitos, dos
rituais, do idioma tradicional dos orixás, e das concepções africanas de mundo desse povo.
       Busca-se com o que se convencionou chamar de “reafricanização” uma tentativa de
retorno às origens mais legítimas do Candomblé tendo em vista a passagem de tantos séculos
e, ainda, a interação de usos e costumes com outros povos. Essa origem mais legítima é a que
se liga diretamente à realidade do culto no continente africano. Cumpre dizer que a África
também não é imune à passagem do tempo e nem à convivência e troca de usos e costumes
com outros povos, inclusive na diferenciação que existe de região para região no imenso
continente.
       Quanto às relações internas, no seio das comunidades de santo, parece existir uma
rígida hierarquia, mas tal rigidez não influencia a conduta de aparente informalidade do
cotidiano, pois os seguidores entre si se reconhecem e ao chegarem ao terreiro, os filhos de
santo não precisam fazer o cumprimento ritualístico e nem se dirigir uns aos outros pelo nome
de santo.
       De Capone (2009, p. 83), inclui-se a este texto o mapa do Brasil contendo as zonas de
maior concentração, de Porto Alegre ao Maranhão, relativas ao culto a Exu. Interessante notar
que todo o gráfico mostra a presença marcante do culto afro em terras do litoral.
       Outro importante estudo é o de Ferretti (1995, p. 75) sobre o sincretismo na região
norte. Refere-se ao Maranhão e à Bahia. Tal pesquisa admite, por exemplo, que religiões de
origem africana, no Estado do Pará,

                       [...] só a partir das décadas de 1960 e 1970 passarão a ser objeto de estudos
                       sistematizados. Na década de 1950, a religiosidade popular do caboclo do interior da
                       Amazônia foi estudada por Eduardo Galvão (1976), mostrando a junção do
                       catolicismo ibérico, que enfatiza o culto dos santos, com elementos ameríndios e
                       africanos.
25

FIGURA 1 – Repartição dos cultos afro brasileiros




Fonte: CAPONE, 2009, p. 83.




2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas


        Segundo Vilhena (1997, p. 59), “dentre os segmentos que compõem as ciências
sociais, stricto senso, a antropologia era a disciplina que ainda mantinha um vínculo um
pouco menos tênue com os estudos de folclore”.
26


        Os primeiros estudos antropológicos sobre o universo das religiões afro brasileiras
foram realizados sobre os candomblés nagôs.2 Edson Carneiro (1948 apud LIMA, 2003) foi o
primeiro a mostrar interesse pelos candomblés tidos como não puros ou pouco ortodoxos,
conforme avaliava serem os dois tipos Banto e Caboclo.
        Essas redes de relações entre os agentes religiosos levaram à criação de organizações
conventuais, estruturadas em normas e padrões étnicos, manipulando determinados sinais
diacríticos (língua, culinária, sistema mitológico, rituais etc.,) em oposição a outros sistemas
de crenças, oriundos do continente africano e dos índios brasileiros.
        Essas organizações conventuais são os terreiros ou roças3 de Candomblé. São
instituições resultantes da manipulação dos traços identitários das civilizações africanas que
se organizaram em nações, aqui no Brasil.
        Desse modo, a nação não é apenas a procedência territorial, mas sim todo um conjunto
de padrões ideológicos e rituais. O espaço terreiro passou a condensar os valores de uma
África mítica. Isso significa dizer que os orixás, na África, pertenciam a distintas localidades
(grupos étnicos) diferentes, transplantados para o Brasil e se concentraram no mesmo
território. (LIMA. 2003, p. 77-78).
        O terreiro é o espaço físico impregnado de signos que revelam a consciência ancestral
e não apenas uma área delimitada geometricamente ou geograficamente. No terreiro estão
presentes as representações do Aiyé (Terra) e do Orum (espaço transcendental) e também nos
assentamentos dos orixás, eguns, Exu e caboclos.
        Decerto, o terreiro é o lugar apropriado à manipulação de símbolos pelos fiéis que
partilham uma socialização calcada na herança, conjunto de bens simbólicos recebidos dos
ancestrais. E foi o terreiro o expediente mais eficaz na manutenção de uma tradição
ressemantizada e ressimbolizada.
        Os terreiros de Candomblé organizados enquanto uma comunidade com características
próprias, instalações geralmente em espaços de área verde, significando a floresta sagrada; o
barracão; o salão principal das festas públicas com espaços delimitados e destinados aos
membros efetivos da casa e à assistência popular, além das áreas sagradas destinadas à
iniciação e reclusão dos neófitos4. As casas dos orixás, como podem ser vistas atualmente, se

2
  Nação do Candomblé em que os afro-religiosos geralmente se apresentam vestindo branco, momento comum
  das presenças dos chamados orixás nagôs (velhos nagôs). No Filhos de Obá, o culto nagô ocorre meio
  misturado com outras nações, a exemplo de Jexá.
3
  Nesse espaço encontramos os assentamentos dos orixás, confundindo-se com o lugar de fauna e flora, o plantio.
4
  Neófito é um iniciante no culto. Em Maçonaria o Aprendiz é apelidado comumente neófito. Na igreja
  primitiva, era um pagão recentemente convertido, principiante ou novato. O termo neófito vem do latim novus,
  nova, novum; em sânscrito návah; sentido de "noviço" ou "novo convertido". (www.wikipedia.com.br).
27


constituíram dentro desse contexto, como informa a literatura etnográfica afro brasileira
(CARNEIRO, 1948 In LIMA, 2003).
           Pertencente à escola baiana dos estudos afro brasileiros, fundada por Nina Rodrigues,
Carneiro tem sua obra eivada do etnocentrismo em vigor na época. Entretanto, ainda assim,
seus estudos servem de ponto de partida para a compreensão dos Caboclos, pela minuciosa
descrição das cantigas e nomes dos Caboclos cultuados outrora na Bahia. A noção de pureza
dos cultos afro brasileiros é facilmente reconhecível na análise da literatura antropológica do
início do século XX, nas obras de Nina Rodrigues, Artur Ramos, Edson Carneiro, Ruth
Landes, Roger Bastide e Reginaldo Prandi, até a década de setenta do século passado.
           Os intelectuais buscaram uma correspondência entre a valorização da tradição africana
e a valorização de uma tradição anti-sincrética, “pura”, que remetia tanto a uma perspectiva
intelectual de pensar o afro brasileiro, quanto a uma prática religiosa mantida pelas casas de
santo tradicionais na Bahia.
           Nina Rodrigues (1935 apud FERRETTI, 1995, p. 42) distingue candomblés africanos
(terreiros de gente da Costa) dos candomblés nacionais, “de gente da terra, crioulos e
mulatos”.
           Desde o início dos estudos científicos sobre o Candomblé, os pesquisadores das
religiões afro brasileiras, com tendências a explicações em termos de genética cultural,
classificaram os terreiros de suposta origem iorubana5 como sendo, de algum modo, mais
“puros” que os de origem banta.
           Este é um problema que diz respeito às disputas de poder e prestígio tanto no campo
acadêmico quanto no campo religioso. A ideia de pureza foi dos pesquisadores e acontece
concomitante à ideia de tradição, relacionada com a história de cada casa de santo na
preservação dos costumes e valores dos ancestrais africanos.
           A partir da década de setenta, do século XX, inaugura-se uma série de análises mais
atentas para a observação das transformações das religiões afro brasileiras, identificando uma
nova morfologia social dos terreiros de Candomblé. Passando a valorizar a descontinuidade,
não mais presas a uma postura metodológica preocupada com pureza, origens e equilíbrio.
Essas análises chamaram a atenção para o fato de que fazer ciência social é estar atento para
qualquer forma de visão de mundo empreendida pelos atores sociais.
           No Candomblé o conhecimento é transmitido oralmente em estágios específicos para
cada filho de santo. Esses conhecimentos ou fundamentos são o marco principal da diferença,


5
    Relativo à ioruba. Linguagem em que se dá a comunicação musical; relativo à cultura no candomblé.
28


delimitam a posição do indivíduo na estrutura religiosa e a distância regulamentar que deve
manter frente a outros membros da casa.
       A competência é questionada a partir da acusação de que certo agente religioso não
tem autoridade, ou não tem domínio dos fundamentos, não é “um entendido nos preceitos”,
nos saberes litúrgicos. Para que o indivíduo venha a deter o saber que marca o seu diferencial
faz-se necessária a observância gradual dos preceitos em consonância com o grau que ocupa
na estrutura religiosa.
       A transgressão dessa regra religiosa pelo filho de santo que se esforça em dominar os
segredos, antecipando, ou melhor, atropelando o seu tempo de iniciação, estará ferindo as
regras da estrutura dos candomblés e o insolente terá seu comportamento reprovado pelo povo
de santo mais ligado às tradições.
       Geralmente, a bandeira que serve de símbolo e de identificação dos centros de culto
afro é hasteada numa vara grande e de madeira, de um tamanho suficiente para que, a
qualquer distância, possa identificar ser ali um terreiro de Candomblé.
       Da mesma forma, esse grupo de filhos de santos empenha-se no aprendizado ritual em
livros, muitos desses escritos por sacerdotes. Tal documentação era anteriormente envolvida
em uma aura de restrições, mistérios e segredos. Ao buscar o entendimento do processo de
consolidação dos candomblés baianos e sergipanos não se pode esquecer ou menosprezar as
disputas internas deste universo religioso, pois estas são estratégias eficazes de demarcação de
terreno na competição no mercado religioso.
       Pela categoria de tradição entende-se um conjunto de sistemas simbólicos que são
passados de geração a geração e que têm um caráter repetitivo. Repetição significa
atualização dos esquemas de vida. Em outros termos, pode-se dizer que a tradição é uma
orientação em direção ao passado, de modo que o passado tem uma significativa força e
influência sobre o curso das ações presentes. A tradição também se reporta ao futuro, ou
melhor, procura organizar o mundo para o tempo futuro.
       Desse modo, e assim entendida, a tradição passa a representar não apenas o que é feito
numa sociedade, mas o que deve ser feito no próprio processo de mudança. Nos “tempos
antigos”, a reclusão em terreiros de Candomblé durava entre seis meses e um ano, o que
limitava as atividades econômicas dos filhos de santo. As tradições estão sempre mudando
“mas há algo em relação à noção de tradição, que pressupõe persistência; se é tradicional, uma
crença ou prática tem uma integridade e continuidade que resistem aos contratempos e as
mudanças”. Desta maneira, as tradições tendem a desenvolver um caráter orgânico: se
desenvolvendo e amadurecendo, ou enfraquecendo e “morrendo”. Por isso, os agentes sociais,
29


“os guardiões”, os mediadores do sagrado realçam constantemente os elementos constitutivos
da tradição: a integridade, ou a autenticidade.
          Entrementes, não foi enquanto invenção que a categoria nativa de tradição se
cristalizou e naturalizou no campo acadêmico do início do século XX, mas sim em termos de
uma cultura inerte ao tempo, não dando conta da historicidade, da posição dos sujeitos na
estrutura do campo religioso e da subjetividade desses atores.
          O uso do conceito de campo religioso para o estudo das religiões africanas, segundo
Serafim e Andrade (2009, p. 3) e lastrado nos estudos de Bourdieu, revela que esse conceito
tem íntima relação com a noção de intelectual “no sentido mais racionalista” existente. Tem a
ver com discurso e escrita, o que torna difícil a “sua utilização em grupos pautados na tradição
oral”.

                             Há na construção do campo religioso de Bourdieu a oposição entre manipulação
                             legítima do sagrado (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou
                             feitiçaria), sendo que esta pode ser uma profanação objetiva (a magia ou feitiçaria
                             como religião dominada) ou profanação intencional (a magia como anti-religião ou
                             religião invertida). (Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/rbhr/o-
                             conceito-de-campo-religioso-e-o-estudo-das-religioes-africanas.pdf>. Acesso em: 20
                             out. 2010).


          Assim, faz-se necessário observar que os conceitos e categorias são produzidos pelos
atores sociais, para atender as expectativas de suas próprias ações e a necessidades de relações
significativas em suas vidas. Logo, no campo do Candomblé, os sacerdotes mais atávicos em
suas tradições originárias não reconheciam como legítimos os cultos misturados, aceitando
como legítimo os candomblés Kêto.6
          No campo das religiões afro brasileiras, cujo esquema de poder é disperso pelos
terreiros que resistem à centralização, a ideia de pureza é também um elemento constituinte na
busca de legitimidade e na luta pela hegemonia, não só no interior do segmento afro, como na
relação com a sociedade mais ampla.
          O campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse,
isto é, o interesse que leva os leigos a esperarem de certas categorias de agentes mediadores
na      experiência     religiosa,   que     realizem     ações    mágicas      ou    prodigiosas.     Ações,
fundamentalmente “mundanas” e práticas, conduzidas com a finalidade de que tudo corra bem
para o corpo de fiéis, que aderem a um sistema de crenças e a um estilo de vida particular.



6
    Nação dos orixás na linguagem iorubana em que são cultuados com arcos davi (varas com as quais se tocam o
    Xirê (cântico para os orixás) do santo.
30


       Pensando sobre a questão da tradição cultural para um determinado grupo, é
importante ressaltar que a cultura retomada e ensejada pela etnicidade é assumida e vivida
pelos indivíduos que a proclamam como autêntica. Não no sentido de não ser deliberadamente
manipulada, mas não significa dizer que deixe de ser um processo consciente. E, justamente,
por ser considerada como a verdadeira e tradicional manifestação do grupo é que ela, a
cultura, ganha status de fronteira. Ou seja, a tradição é usada como diferença em um dado
contexto não apenas como um ato político de comunidade, mas sim porque os grupos
acreditam na autenticidade de suas tradições. Portanto, “a viagem de volta é imaginada, mas é
real para os atores envolvidos”. (OLIVEIRA FILHO, 1999).
       Os pais e mães de santo dos terreiros de Candomblé são reconhecidos como
detentores exclusivos de um monopólio na gestão dos bens sagrados. Detentores de um
domínio prático, de um conjunto de esquemas de pensamentos somados a presença de traços
africanos, em maior ou menor intensidade. Entretanto, sua autoridade é inquestionável no
âmbito mítico-ritual, seus perfis de liderança são desenvolvidos na dinâmica concreta dos seus
terreiros, pela sua capacidade de manter a estabilidade, controlar os conflitos, garantir o
recrutamento contínuo e evitar a deserção dos membros e da clientela, processo que consolida
e prova sua legitimidade pela competência em administrar os bens sagrados.

                        Isso não significa dizer que suas funções defensivas sejam, em última análise,
                        adequadas ao desafio. O desaparecimento dessas comunidades corporadas fechadas,
                        nos lugares onde existira no passado, o seu número decrescente no presente
                        confirmam a proposição de que, a longo prazo, elas são incapazes de evitar a
                        mudança. (WOLF, 2003. p. 158).


       O pai ou a mãe de santo são vistos pelos fieis como as “âncoras” ou os “portos
seguros” contra os perigos do universo das aflições. Os seus sucessos e fracassos vão lhes
conferindo uma identidade e atribuindo-a aos terreiros que administram enquanto uma
entidade reconhecida no campo religioso que revela o resultado de suas decisões e ações,
mediatizados pela rede de relações e circunstâncias que poucas vezes chegarão a controlar
completamente.
       A autoridade e o poder das mães e dos pais de santo, conforme creem os adeptos, se
renovam e se reafirmam através de sua comunicação com os orixás, a quem pedem, de
joelhos, pela prosperidade do terreiro.
31


3   CAPÍTULO          II    –   O     CANDOMBLÉ                 E    AS      RELAÇÕES              DE
    PARENTESCO E PODER



3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé


       Os estudos de Tesserolli (2009, p. 1), baseados em Woortmann (1978, p. 245), acerca
das questões de parentesco no âmbito do Candomblé, indicam dois princípios basilares na
constituição do poder desses grupos de culto africano: a senioridade e o sexo. Inclusive a
autora frisa que, para os iorubanos tradicionais, o princípio da senioridade é muito importante
para o desempenho de funções importantes dentro do culto.

                       Klaas Woortmann estudou, em seu livro A família das mulheres, no capítulo IV, O
                       passado escravo e a “Família de Santo”, a organização dos terreiros baianos e nos
                       diz que, de alguma forma, essa organização remete à África do século XIX, pois
                       “guarda semelhanças com a organização política e administrativa tradicional
                       africana”.


       Para atestar o valor do princípio da senioridade, a referida estudiosa, desta vez lastrada
em estudos de Sousa, 1965, p. 57-58, adianta que “nas sociedades tradicionais africanas, a
ancianidade é não só uma questão biológica, mas uma qualidade social”. E ainda insere que,

                       Então, se pensarmos em uma pirâmide, no ápice estão os grandes antepassados da
                       família, depois seus descendentes, sempre em ordem de antiguidade, depois os
                       vivos: dos mais antigos aos mais novos. No Brasil, isso se traduz, por exemplo,
                       quando vemos algum membro das religiões de matriz africana se manifestar
                       publicamente: ele começa por reverenciar os mais velhos, pedindo-lhes a benção,
                       para somente ao final reverenciar os mais novos. (TESSEROLLI, 2009, p. 1).


       Por sua vez, Lima (2003) defende ser o valor do princípio do parentesco uma questão
de cooperação, de solidariedade e de fidelidade entre os indivíduos das famílias. E, em assim
sendo, torna-se especialmente importante tal princípio no sentido de fincar bases muito
sólidas quanto aos laços de parentesco - principalmente em casos de grupos nos quais a
perspectiva das relações consanguíneas não garante a sustentação de uma autoridade e nem
fundamenta o conceito de liderança. Assim, “parentesco e senioridade asseguram o respeito
aos costumes, à autoridade e a tradição, sobre os quais se estabelecem as relações
interpessoais entre os iorubas”. (LIMA, 2003. p. 79).
32


       Quanto aos padrões familiares, Tesserolli (op. cit.) trata da sexualidade e de sua
preponderante influência na organização de poder dentro de um grupo de culto, de uma
família de santo - ressaltando os papéis femininos e os masculinos.

                         Durante o período da escravidão os africanos eram separados por sexo, só tinham
                         acesso ao sexo oposto para a reprodução; não cabe aqui, porém, nos alongarmos nas
                         explicações acerca de como procediam os escravistas e como eram dispostos, esses
                         homens e mulheres, nas senzalas. As mulheres ficavam com seus filhos e deles
                         cuidavam quando isso lhes era permitido. Dessa forma, aos poucos, surge um tipo
                         de família matrilocal e matrifocal que será conservada após a libertação dos negros:
                         as mulheres são as responsáveis pela casa e pela manutenção da mesma. Lembrando
                         que para as mulheres, após a libertação, era mais fácil conseguir trabalho do que
                         para os homens: trabalho doméstico, lavagem de roupas para fora, comidas que
                         podiam ser vendidas em tabuleiros nas ruas, enfim, tantos serviços que mantêm a
                         mulher em casa.
                         [...]
                         O princípio do sexo se expressa nos papéis atribuídos predominantemente às
                         mulheres – mães e filhas “de santo” – e outros atribuídos a homens – ogãs; as
                         mulheres constituem o núcleo do sistema de autoridade e de papéis rituais. A família
                         de “santo” é matrifocal: a grande maioria das casas é de mulheres, pode ser chamada
                         de família parcial baseada na unidade mãe-filhas. Há predominância feminina entre
                         as principais posições de status, particularmente a de mãe de santo.
                         A presença masculina é menor nas casas tradicionais de Salvador: o iniciado
                         masculino quase sempre é devido à mãe grávida na sua própria iniciação. Ainda
                         existem outros fatores: a questão da possessão espiritual dos homens é relacionada à
                         possessão sexual, ameaçando a masculinidade.


       No que diz respeito à homossexualidade, aspecto inclusive abordado por outros
estudiosos do Candomblé e que parece ter também relação com a hierarquia nos centros,
Tesserolli (op. cit.) remete ao estigma que atinge o masculino, pois segundo, Woortmann,
(1978, 261) filhos e/ou pais “de santo” “são, em larga medida, homossexuais”: “tornar-se
“filho de santo” (ou, eventualmente, “... pai de santo”) parece ser uma forma de legitimar
culturalmente a homossexualidade”.

                         Gaiaku Luíza, mãe “de santo” de Cachoeira, Bahia, rígida nos ensinamentos da
                         tradição jêje mahin, já falecida, fazia críticas quando aparecia um filho “de santo”
                         homossexual, mas não deixava de incorporá-lo a casa. De qualquer forma, parece
                         haver mais tolerância nos cultos afro-brasileiros do que em outras religiões posto
                         que pude perceber claramente a presença de homossexuais nas casas que estive. A
                         noção de pecado que permeia as religiões judaico-cristãs parece não estar presente,
                         nesse caso.


       Outros apontamentos de Tesserolli (op. cit.) se referem à família biológica e suas
semelhanças e diferenças em relação à constituição de uma família de santo à organização da
família de santo onde,

                         Hierarquicamente, o posto mais alto de uma casa de Candomblé de Salvador é o da
                         mãe “de santo”: ela é a zeladora da casa, portanto, quem recebe as visitas
                         importantes e supervisiona a organização dos ritos e doméstica; deve estar presente
33

                        às cerimônias públicas, nos ritos de iniciação e na leitura dos búzios. Os iniciados
                        por ela devem respeito e subordinação, que mostram através de seus gestos que vão
                        desde prostrar-se à sua frente até comer o que ela deixa em um prato, pois tem o seu
                        axé.


       Por sua vez, Bernardo (2005, p. 1), em seus estudos sobre o Candomblé e o poder
feminino, admite que, apesar de, na África, o poder estar concentrado em mãos masculinas, a
mulher se destacou pelos seus dotes de negociante (inicialmente nas feiras), foi se impondo e
alcançou status. A autora inclui que:

                        Apesar de os dados contidos na afirmação de Verger atestarem a patrilinearidade em
                        relação ao poder religioso (os filhos são consagrados ao deus do cônjuge), a mulher,
                        ao praticar o culto de sua família de origem, está vinculada ao deus paterno;
                        portanto, guarda uma certa autonomia em relação a seu marido. (op. cit.)


       Quanto ao fator sexual, Moura (2010, p. 204) adverte que, tanto a importância quanto
a recorrência deste, “são pensadas como propiciadoras da correlação de forças - o jogo de
poder que permeia o relacionamento entre as diferentes identidades sexuais”. Portanto,
conforme esclarece o autor, a maneira de se comportar individualmente, no caso de adeptos
do Candomblé, passa a ter sentido por se encontrarem esses indivíduos ligados à própria
realidade física e também social.
       Para Vinagre Silva (2010, p. 1), “a geografia do poder institui formas de simbolizar os
seres e todas as coisas do mundo, bem como também determina práticas sociais”.
       No caso da penetração da cultura afro no Brasil, equivaleria a dizer que tais práticas e
maneiras de pensar se interpenetram na teia social e nessa estrutura altamente complexa
produz efeitos os mais diversos e que passam a povoar o coletivo. De forma difusa ou mais
clara, os indícios dessa herança cultural estão presentes em todo o nosso cabedal histórico.
       Ainda sobre questões relativas ao poder as chamadas “guerras de orixás pela
sucessão”, frise-se o caso marcante de João da Gomeia, contado por Ziegler (1977, p. 85).
Joãozinho da Gomeia, cujo verdadeiro nome era João Alves Torres Filho, faleceu na
Policlínica de São Paulo, no dia 19 de março de 1971. Filho do Orixá Iansã, reinou no
Candomblé do Rio de Janeiro. Após sua morte foi grande a movimentação em torno da
herança de seu poder que terminou se tornando caso policial envolvendo uma criança. Foi
assim que:

                        Os inimigos da nova mãe de santo atacaram então a sua investidura diante do
                        Juizado de Menores do Estado do Rio de Janeiro, sob cuja jurisdição se acha Duque
                        de Caxias, exigindo que o juiz impedisse Sandra Regina de exercer o cargo de mãe
                        de santo, pois uma menina de 10 anos não poderia assumir, sem graves perigos para
                        a sua saúde física e mental, o pesado encargo do governo do candomblé.
34


        Nesse desenho de regime de poder há diferenciações de terreiros para terreiros,
entretanto aqui se apresenta a disposição da relação de poder/ os agentes, de acordo com suas
responsabilidades, na Umbanda, de respeitosa rivalidade com candomblé, conforme
explicitam Brumana e Martinez (1991):

QUADRO 1 - Diferenciações de terreiros para terreiros
                   pai ou mão-
                          pai ou mão-             médiuns     ogãs      atabaqueiros   cambones
                    de-santopequena
  Intermediação         +       +                        +
     Proteção           +      (+)                      (+)                   (+)
     Contato            +      (+)                       +                     +
   Assistência                 (+)                       +     +                          +
Fonte: BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p. 148.



        Segundo Prandi (2005, p. 20), as sustentações da organização do Candomblé estão
diretamente relacionadas, no que diz respeito à autoridade religiosa e hierarquia sacerdotal, à
“noção de experiência de vida, aprendizado e saber, intimamente decorrentes da ideia de
tempo ou a ela associados”.
        Quanto às distinções entre Umbanda e Candomblé, Magnani (1991) afirma que a
Umbanda surgiu e se espalhou pelos centros urbanos e industrializados e dos seus seguidores
não se pode cobrar uma dedicação exclusiva e nem as sessões podem se estender por longas
horas da noite até alcançar a madrugada. Nessas considerações o autor inclui que a estrutura
burocrática é estatutária e se sobrepõe à hierarquia, sendo mais simples do que a do
Candomblé.
        Por outro lado, o Candomblé dispõe da casa do Babalorixá para o culto (ilê); a sede se
apresenta como centro de uma família “que inclui ilês comandados por chefes de cultos feitos
por ele e cujos membros, além dos vínculos de parentesco espiritual, estão ligados também
por laços de solidariedade e relações de conflito”. (op. cit, idem, p. 39).


3.2 A Família de Santo, Linhagens


         Nas palavras de Uziel (2010, p. 1), “Se a família aparece como a mais natural das
categorias sociais, é porque ela funciona como esquema classificatório e princípio de
construção do mundo social”.
        Para uma explicação mais ampla sobre a estrutura familiar no contexto das religiões
afro brasileiras, pode-se afirmar que a linhagem de santos apresenta semelhanças com a
linhagem da família consanguínea. Nesta perspectiva, no Candomblé, mais precisamente, no
35


Centro Filhos de Obá, a relação de parentesco está atrelada às crenças e manifestações dos
orixás do terreiro, pois os dirigentes não só acreditam que o comando se deve dar pela
consanguinidade (parentesco), mas, inclusive, pela determinação sugerida pelos búzios (Infá)
e de invumbes. Uma vez credenciada autoridade ali e, não tenha, em tempo, passado esse
poder para um substituto, o pretendente ao cargo maior dependeria do choro que ocorre
durante a cerimônia do Axexê (evento que conta com a presença dos voldunços7 da casa que
convocam os orixás controladores dos eguns: Ogum, Yansã e Obaluaê, além do orixá do
Babalorixá em questão).

                              A ideia fundamental do sistema religioso iuorubá é a concepção segundo a qual todo
                              homem descende de uma divindade [...]. Todos os membros de uma família
                              descendem da mesma divindade [...]. É inteiramente indiferente que esta divindade
                              seja ao mesmo tempo o deus da tempestade ou da forja, de um rio, da terra, do céu,
                              ou o deus de uma força ou de uma atividade. Cada deus tem descendência e face a
                              esta, tem o poder de nela se perpetuar através de filhos. Mas, numa segunda
                              perspectiva [...]. Cada deus tem uma função determinada que lhe é própria. Temos o
                              deus do ferro que fornece o metal para a forja [...]. Se a chuva faltar em algum lugar,
                              toda população interessada invoca em comum o deus das chuvas, qualquer que seja
                              Orixá que cada família descende. Se uma guerra sobrevier, toda comunidade invoca
                              o deus do ferro (que é também o deus do destino das guerras) qualquer que seja o
                              deus que descende cada pai de família [...] consequentemente, é preciso que cada
                              propriedade possua um altar do deus familiar onde o serviço seja assegurado por um
                              intermediário ou um preposto, um sacerdote familiar. E, em segundo lugar, cada
                              comunidade urbana tem necessidade, para que cada grande deus possa agir bem ou
                              mal sobre ela própria, de um templo, de um santuário onde as grandes festas, as
                              cerimônias sejam celebradas por um grão-sacerdote ligado a cada deus [...] o
                              membro celebrante da família chama-se Aboxá, o sacerdote da comunidade, Ajé.
                              (BASTIDE, 1971. p. 86).


           Diante dessa realidade, os seguidores de Obá remetem, entretanto, ao que se pode
chamar de rito de passagem (Adecá), o que só ocorre quando há a passagem do poder
religioso daquele líder espiritual que está morrendo para o que está nascendo. Naquele
momento é feita a previsão de quem vai assumir e, ao contrário, só no Axexê se vai poder
dizer, através das entidades, quem, de fato, teria autonomia para assumir o cargo. Pode,
entretanto, ocorrer que, na ocasião do choro, a entidade aponte alguém fora do critério
habitual, isto é, fora do campo da consanguinidade.
           De acordo com Lévi Strauss (1982, p. 19), essa relação de parentesco, ou seja, as
“estruturas elementares do parentesco é que podem definir classes ou determinar relações”.
           Outro exemplo dessa relação familiar é percebido no terreiro Abaçá São Jorge, situado
em Aracaju, onde primeiramente comandou Mãe Erundina Nobre (Nanã Manadeuí) que foi
sucedida por Mãe Marizete Silva Lessa (Oiá Matamba); sua sobrinha, que, por sua vez,


7
    Anciãos com mais de vinte e um anos de feitorio.
36


deverá ser sucedida por sua filha Rita Maria Silva Lessa. Esta, por sua vez, deverá em um
futuro remoto ser sucedida por Williane Lessa dos Santos, cumprindo assim, a linha de
sucessão natural das Yalorixás do terreiro.
       Quase da mesma forma tem sido no Filhos de Obá, que tenta, atualmente, obedecer a
uma sucessão de pai para filho, a exemplo da própria Ginalva, sobrinha-neta de Lixandre e,
ainda, filha no parentesco do santo, sucessora de Paulo Gitokí e Cecília da Silva. O caso de
Tá Inácia e Lixandre foi diferenciado, o que se constatará no decorrer deste texto.
       Convém salientar que uma família de santo bem se iguala ao modelo tradicional de
família patriarcal especialmente por três grandes motivos: 1. Manutenção de uma hierarquia
cujo poder irradiador é do chefe de terreiro; 2. Subordinação dos irmãos mais novos; e 3.
Solidariedade.
        Radcliffe-Brown (1995), em suas considerações sobre os sistemas africanos de
parentesco e casamento, apresenta uma reflexão sobre o termo “consanguinidade”, que se usa
com o significado de “parentesco”, mas que segundo esse cientista, há uma concepção maior
e que transcende à noção da biologia. Há ambiguidade e na palavra pai e é isto que procura
explicar desde a concepção romana, passando por uma inglesa e se estendo até a noção de
paternidade social - o que fica bem entendido como uma responsabilidade maior e não apenas
o simples fato de alguém ter engravidado uma mulher. Pai é sinônimo de chefe e de
orientador, como deixa entrever na frase de um provérbio corso que usa para exemplificar.
Diz a frase que se chama de pai àquele que nos dá o pão.
       Acrescenta o autor acima mencionado que

                        Em várias regiões da África há um costume segundo o qual uma mulher pode passar
                        pelo rito do casamento com outra mulher e, desta forma, ficar no lugar de pai (pater)
                        da prole da esposa, cujo pai físico (genitor) é um amante designado. (op. cit, p. 63).


       Apesar de semelhanças com a família tradicional, conste também que existem
diferenças entre os dois tipos de grupos. As identidades dos indivíduos de uma família de
santo podem apresentar características como a diferença de idade. Isto é, a pessoa pode ser um
jovem e ser considerada um senhor (a senioridade) em virtude de seu desempenho ou avanço
espiritual na família de santo. Por outro lado, pode ser avançado na idade cronológica e ainda
um iniciante nos ritos. Em casos assim, de mais experiência nos ritos, o jovem terá
prevalência ao de mais idade. Dentro do Filhos de Obá vale lembrar, por exemplo, Lixandre
que, desde menino já se mostrava prodigioso.
       Carneiro (1948 apud LIMA, 2003, p. 77-78) apresenta a noção de atemporalidade no
Candomblé:
37

                        [...] esclarece vem a diferença entre os mais velhos na idade e os mais velhos no
                        santo. Muitas vezes, num barco, estão recolhidas pessoas que têm entre si uma
                        grande diferença de idade. Mas que são irmãos de barco, com a mesma idade do
                        santo. Mas qualquer iniciado de um barco é “mais velho”, seja qual for a sua idade,
                        do que qualquer iaô do barco imediatamente subsequente e, por isso mesmo, será
                        mais novo no santo do que qualquer iaô de barcos anteriores aos seus.


        A faceta relativa ao sistema de descendência sucessória na família de santo do
Candomblé apresenta-se em dois tipos: o primeiro que reconhecia a regra da descendência
ligada à família religiosa (filhos são os iniciados e não os concebidos biologicamente). Esta
forma representa a maioria. E a segunda seria a do grupo de descendência ligada ao fator
biológico, segundo explica Lima (2003).
        Os casamentos realizados no Centro Filhos de Obá ocorrem entre seguidores dessa fé.
Sendo que, um pretendente fora desse requisito, deverá passar por um processo de iniciação
aos ritos para ser aceito. O evento matrimonial é ritualizado pelo Babalorixá ou pela Yalorixá
que abençoa as alianças segundo os costumes dos adeptos dos orixás.
        Para alguém ser aceito na família de santo exige-se que se submeta ao ritual dos
búzios; deve frequentar as reuniões, passar pela lavagem de cabeça para se constatar a
legítima afinidade com a crença. Logo após, sendo aprovado, o postulante enfrenta o feitorio e
se torna um familiar naquele ambiente.


3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé


        Diverso e complexo é o sistema de poder no Candomblé, desde a África, e assim se
mantém no Brasil. Há informações diferenciadas sobre os postos que ocupam os membros
que constituem o esquema de comando entre os grupos representativos da religiosidade afro
brasileira.
        O estudioso Reginaldo Prandi (2001, p. 45) adianta que:

                        Os membros de um candomblé são classificados basicamente em duas grandes
                        categorias de idade iniciática: os iaôs, aqueles iniciados há pouco tempo e que
                        formam o grupo júnior, e os ebômis, os iniciados há bastante tempo e que assim são
                        capazes de realizar, com autonomia, atividades rituais mais complexas, o grupo
                        sênior. A palavra ebômi, do iorubá egbomi, significa exatamente "meu mais velho",
                        e era assim que na antiga família poligínica iorubá as esposas mais velhas se
                        tratavam. Iaô, nessa família tradicional, era a denominação dada às esposas mais
                        novas. No candomblé, enquanto os ebômis conquistam certa autonomia em relação à
                        autoridade suprema da mãe ou do pai de santo e são encarregados de tarefas rituais
                        importantes, de prestígio dentro do grupo, com privilégios e honras especiais, as
                        iaôs (ou os iaôs, pois há muito a palavra iaô perdeu no candomblé a conotação de
                        esposa), os jovens iniciados, enfim, só fazem obedecer, usando símbolos e
                        cultivando gestos e posturas que denotam a sua inferioridade hierárquica.
                        Lembrando que a estrutura organizacional do candomblé é uma reprodução
38

                        simbólica da estrutura tradicional da família iorubá, de resto perdida no Brasil,
                        evidencia-se a importância da experiência acumulada na constituição dos grupos de
                        autoridade. Os ebômis são os que sabem, porque são mais velhos, viveram mais,
                        acumularam maior experiência. Sua autoridade é dada pelo tempo acumulado, que
                        pressupõe saber maior.


       Outros aspectos ligados especificamente às hierarquias nas sociedades primitivas e
antropologia econômica são vistos por Godelier (In Aguiar, org. 1974, p. 80). O estudioso
enfoca a diversidade das vias de desenvolvimento econômico e afirma que a competição no
interior do grupo se inicia geralmente para além “da esfera da produção e da apropriação dos
bens de subsistência e não leva à perda da existência física, mas do status social dos
indivíduos”.
       Alves Filho (2008, 173), ao estudar o Quilombo dos Palmares na formação histórica
do Brasil, afirma que este foi o primeiro evento histórico em todo o território brasileiro a
levantar as contradições e os impasses do regime das imensas propriedades da zona rural que
exploravam o braço escravo, o que era típico da dominação portuguesa nestas terras. Seria,
portanto, conhecer a revolta dos Palmares, uma forma de “desmascarar o mito da maior
produtividade do trabalho escravo em relação ao trabalho livre em meio colonial”.
       No que diz respeito à cultura, sociedade, comunidade e as novas formas societárias,
Pereira Neto (2008) admite a necessidade de questionar e refletir acerca dos preceitos que
encaminham um grupo a exercer o poder em determinada sociedade. Inclusive este autor frisa
em seu trabalho quanto à complexidade da sociedade atual no pertinente à demarcação de
poderes e fronteiras religiosas.
       A hierarquia do Candomblé, entretanto, reserva para os seus seguidores destacadas e
inquestionáveis posições, a depender de alguns critérios internamente e tradicionalmente
estipulados, inclusive para fazer valer a cultura, mantendo-a em terras estranhas.

                        O poder da mãe de santo e sua autoridade sobre os filhos de sua casa pode ser
                        expresso pelas cerimônias de iniciação em seus vários graus de intensidade. É a mãe
                        de santo quem integra a pessoa no grupo com os rituais adequados para cada nível
                        de participação: é quem lava as contas das abiãs; que dá o bori dos ogãs; quem
                        assenta o santo das equedes; e que, afinal, raspa a cabeça das iaôs. (LIMA, 2003, p.
                        135).


        O cientista Verger (2000, p. 92-103), em sua obra Notas sobre o culto aos orixás e
voduns, descreve detalhadamente, em cada etapa, uma cerimônia de iniciação, desde os
preliminares até a refeição em comum. Em virtude da extensão e minúcias do relato, são
introduzidos a este texto apenas dois excertos: um referente ao início da referida cerimônia, e
o outro, ao final:
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EDMILSON CELESTINO DE BARROS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE São Cristóvão 2010
  • 2. 1 EDMILSON CELESTINO DE BARROS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi São Cristóvão 2010
  • 3. 2 EDMILSON CELESTINO DE BARROS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi BANCA EXAMINADORA ----------------------------------------------------------- Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi Presidente ----------------------------------------------------------- Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses Examinador ----------------------------------------------------------- Profª. M.Sc. Beatriz Góis Dantas Examinadora
  • 4. 3 Dedico este trabalho a meu pai (in memoriam), minha mãe, por serem a matéria fundamental para consolidação da minha vida.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, maravilhoso Mestre e Senhor, pois que me tem dado força e coragem em todos os momentos, especialmente naqueles em que pensei desistir desta jornada. À minha família, nas pessoas de minha mãe, Maria Stênia Gomes de Barros, sempre comigo nas horas mais difíceis, fazendo-me acreditar que tudo é possível a quem procura. Ao meu pai, Pedro Celestino de Barros (in memoriam), pois, mesmo distante, ainda permanece presente na lição de vida que nos legou, além do respeito, carinho e admiração pela cultura afro. Foi através dele que aconteceu a minha aproximação com o Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá. Foi o meu pai que deixou em mim e em toda a família a raiz do sentimento de companheirismo e a convivência social entre os nossos irmãos afrodescendentes e religiosos do terreiro de Obá. Foi nesse local que reconheci minha identidade e desenvolvi a capacidade de me ver enquanto valor humano. Agradeço também a todos os meus irmãos: Fátima (em São Paulo), uma mão sempre a me guiar; Hosana, cuja característica mais marcante é a generosidade; Edílson, o mais velho entre os irmãos homens, ao mesmo tempo forte e doce; Givaldo, severo e providencial; Ginaldo, aquele que, sendo o mais jovem, faz sentir-me uma criança perante ele; Gicênia, meu anjo guardião; Elisângela, uma presença de todas as horas, a caçula. Aos meus primos e primas, aos meus tios e tias, aos meus cunhados e cunhadas, todos somados, fiéis escudeiros. Aos meus professores da graduação e a todo o Departamento de Ciências Sociais pelo empenho acadêmico. Também agradeço a professores de outros departamentos que contribuíram com informações de relevância para o aprimoramento desta pesquisa. Especiais agradecimentos ao meu orientador, o Professor e Doutor, Hippolyte Brice Sogbossi. Sem a sua condução do processo, eu teria fracassado em meus objetivos. Foi com Brice que aprendi muito sobre o continente africano e sua riqueza cultural. A todos os filhos de Obá, essência e foco desta obra. Tá Joaquina (in memoriam), a fundadora do Centro Filhos de Obá; Alexandre José da Silva (in memoriam), figura exponencial do candomblé em Sergipe, indispensável é inscrever seu nome quando se trata de pesquisa sobre o culto afro brasileiro. A Mãe Alira (in memoriam), a mãe de cota, a mãe pequena, carinhosa, meiga e também severa, no momento necessário; a Dona Duda, esta mais sisuda, ekede dos orixás de Lixandre; Cecilinha (in memoriam), mulher valorosa e destemida, fervorosa, exemplo de
  • 6. 5 mulher e mandatária a ser seguido; Paulo Gitoky (in memoriam), de quem guardo apenas longínquas lembranças, um homem de muita força na celebração dos ritos afro. A Dona Deco que desempenhou de forma responsável suas tarefas junto a Cecilinha e que, atualmente, auxilia a Yalorixá, /mãe Ginalva, uma das mais jovens remanescentes, mulher de fibra e personalidade marcante. A Marieta, mãe da atual Yalorixá do Filhos de Obá e sua ekede. Apresento meus sinceros agradecimentos a tantos que contribuíram para a execução desta pesquisa, cada um oferecendo um préstimo: Professora Aglaé D’Ávila Fontes, Secretária de Cultura de São Cristóvão; Paulo Roberto, Secretário de Finanças da Prefeitura de São Cristóvão; Professora Josenilma A. de Jesus; Reverendo Riuler; Reverendo Givanildo; Adenilson Pereira; Gerison e Michael (professores de informática); Antonio Argôlo, responsável pela digitação deste trabalho rigorosamente nas normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas); Professor João Bosco, Secretário Adjunto de Cultura de N. S. do Socorro; Professor Morgan Prado, Secretário de Educação do Município de São Cristóvão; Paulinho dos Correios, Presidente da Câmara dos Vereadores de São Cristóvão; Paulo Filho; Wilma Santos Silva e Lucenira Sampaio do Arquivo Público Municipal de Aracaju; Cláudio Vítor, Jorge Henrique e Hélio Araújo, todos funcionários do Cartório do Segundo Ofício de Laranjeiras. Maria Lúcia da Conceição (Dona Lucinha), Bibliotecária da UFS. Agradecido à Professora Tânia Maria da Conceição Meneses Silva, revisora deste texto. Licenciada em Letras Português/Inglês pela UFS, poetisa, fundadora da cadeira n. 8 (patrono: Dr. João Batista Perez Garcia Moreno), do MAC (Movimento de Apoio Cultual Dr. Antônio Garcia Filho), ligado à Academia Sergipana de Letras.
  • 7. 6 “O Candomblé sobrevive até hoje porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade, absoluta, ao contrário da maioria das religiões”. Pierre Verger
  • 8. 7 RESUMO Esta pesquisa conduz ao tema Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e Parentesco no Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objetivo primordial do presente trabalho é o de estudar desde as raízes do Candomblé, na África, seu roteiro até o Brasil, observando-lhes as diversas manifestações, a formação da família de santo e a história do Filhos de Obá, em Laranjeiras/SE. As abordagens se estendem desde o caminho percorrido pelos africanos até chegarem ao Brasil onde passaram a criar na terra uma cultura matizada que foi se espalhando ao longo do litoral brasileiro, especialmente. Esse povo imprimiu sua marca através de seus ritos religiosos e seus costumes familiares. O Candomblé trouxe também a noção de famílias de santo que se tornaram poderosas e decisivas no processo de enraizamento do culto afro. Nesta pesquisa encontra-se em foco a história do Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá, terreiro situado no município sergipano de Laranjeiras. Palavras-chave: Candomblé. Laranjeiras. Famílias de santo. Poder. Filhos de Obá.
  • 9. 8 ABSTRACT This research takes the theme of Candomblé Roots and Relations of Power and Kinship in the Worship Center of Afro Brazilian Sons of Oba - Laranjeiras/SE. The primary objective of this work is to study from the roots of Candomble in Africa, its roadmap to Brazil, observing them with the various manifestations, of family formation and history of the Sons of Oba, in Laranjeiras/SE. The approaches range from the path taken by Africans to arrive in Brazil where the land began to create a nuanced culture that was spreading throughout the Brazilian coast, especially. These people left its mark through their religious rites and their family customs. Candomblé also brought the concept of holy families of saints who have become powerful and decisive in the process of rooting african cult. This research is focused on the history of Afro Brazilian Worship Center Sons of Oba yard located in the city of Laranjeiras Sergipe. Keywords: Candomblé. Laranjeiras. Families of the saint. Power. Sons of Oba.
  • 10. 9 LISTA ICONOGRÁFICA Foto 01: Alexandre José da Silva, aos 15 anos de idade, ao lado de sua genitora, 1915......... 82 Foto 02: Alexandre recebendo visitas de pais de santo: da Bahia, à sua esquerda; e, do Rio de Janeiro, à direita - presentes ao último ritual promovido por Lixandre, que foi concluído por Cecilinha, em 1971. (Relato de Dona Deco, 17 de outubro de 2008)...................................... 83 Foto 03: Roda de santo tocada em nagô com as presenças de três das mais importantes figuras do Filhos de Obá: Cecília da Silva de Oxalá; (Cecilinha) Paulo Santos Chagas de Obaluaê, (Paulo Gitokí) e Carlos José dos Santos de Oxalá, (Carrinho). Paulo Gitokí de costas, meio que de lado para Cecilinha e Carrinho usando uma touca branca, postado à frente de Cecilinha, em 1972................................................................................................................... 84 Foto 04: Foto antiga de Lixandre, manifestado com Obaluaê, ao lado de duas figuras igualmente importantes no contexto do Filhos de Obá, as duas localizadas ao lado esquerdo dele, e, à frente, a Mãe Pequena da casa, Alira Leão Ribeiro, (Mãe Alira),;logo atrás dona Duda, ekéde da casa, em 1971.................................................................................................. 85 Foto 05: Feitorio de um dos mais antigos barcos tirados por Lixandre, Cecilinha e duas outras figuras que atuavam como madrinhas do referido barco. Os personagens eram: José Antônio Santos (Zé de Ogum); José Araújo Santos (Caô); Antônio Luciano Nóbrega (Luciano de Oxossi), em 1968...................................................................................................................... 86 Foto 06: Roda de nagô na atual gestão do terreiro Filhos de Obá. Ao centro Marieta e Dona Deco, irmãs de sangue, as duas voldunças da relação de parentesco, ainda vivas. Abertura do canzuá no sábado da aleluia, no ritmo do nagô, em 2007........................................................ 87 Foto 07: Duas irmãs de sangue ladeando a filha sanguínea e atual mãe de santo do Filhos de Obá, acompanhadas por um Babalorixá baiano, em visita à casa por ocasião do Axêxê, em 2007.......................................................................................................................................... 88 Foto 08: Dançarina diante de alguns amuletos no projeto cultural implementado pela parceria prefeitura/terreiro, na gestão atual do Filhos de Obá, em 2001............................................... 89 Foto 09: Culinária africana do Filhos de Obá a serviço dos orixás, também a disposição da comunidade. Oferendas de alimentos para: Oxum; Oxossi e Xangô, 2001............................. 90 Foto 10: Crianças da comunidade sendo alfabetizadas por Mãe Ginalva, no interior do barracão do Filhos de Obá, no projeto de parceria com a prefeitura local de Laranjeiras, 1996........................... 91 Foto 11: Grupo de guias turísticos, composto por universitários, capacitados pelo Filhos de Obá, passeando no Centro Histórico de Laranjeiras, em 2000................................................ 92 Foto 12: Aula de culinária de comidas típicas africanas no Filhos de Obá, ministrada por Dona Marieta, em 2001............................................................................................................ 93 Foto 13: Conclusão do curso de corte e costura para as mulheres da comunidade, promovido pelos Filhos de Obá, através de Mãe Ginalva, em 1998.......................................................... 94
  • 11. 10 Foto 14: Grupo cultural na linha africana e formado por pessoas nascidas no Filhos de Obá, em 2003.................................................................................................................................... 95 Foto 15: Dona Marieta, atual ekédi do Filhos de Obá, nos idos da juventude, com sua mãe de santo ao lado, e, à sua retaguarda, seu filho, que agora tem em média 50 anos de idade, no terreiro Massanganga, no Rio de Janeiro, onde foi feita, em 1969.......................................... 96 Foto 16: Dona Marieta (de pé, à esquerda) com alguns familiares de santo do terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1987................................................................................... 97 Foto 17: Dona Marieta (à esquerda) dando rum com Oxum Apará, no terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1986........................................................................................................... 98 Foto 18: Imagem de Exu, símbolo da prosperidade. Ao lado, o pesquisador, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................. 99 Foto 19: Imagem do orixá Xangô, identidade de rei dos astros, em 17 de outubro de 2008..........100 Foto 20: Iansã Balé, orixá que controla os eguns; os ventos e as tempestades, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................101 Foto 21: O pesquisador entre pejis e alguns amuletos, objetos relativos às obrigações dos orixás, no museu, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008.................................................... 102 Foto 22: Amuletos que representam alguns exus e elementos de que, supostamente, fariam uso. Museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..................................................103 Foto 23: O pesquisador diante da imagem do Orixá Obaluaê, que representa a terra e todas suas doenças, no museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..............................104 Foto 24: O pesquisador ao lado de Oxum Maré, orixá que representa o equilíbrio da terra, no museu afro, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008. Fotógrafo: Padre Givanildo.................105 Foto 25: Imagem de Iemanjá, orixá que representa as águas salgadas. Museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008...................................................................................106 Foto 26: O pesquisador ao lado de Oxalá que, segundo a fé, representa a força do Cristo Deus entre os Orixás, no museu afro da cidade de Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008............107
  • 12. 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13 2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ ............................................................18 2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé .......................................................18 2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil ...........................................20 2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas ..............................................................25 3 CAPÍTULO II – O CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PARENTESCO E PODER........31 3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé ...................31 3.2 A Família de Santo, Linhagens.......................................................................................34 3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé....................................................................37 4 CAPITULO III – CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ/LARANJEIRAS/SE ...................................................................................................41 4.1 A Cidade de Laranjeiras, Berço dos Filhos de Obá .......................................................41 4.2 A História do Centro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE....................................................43 4.2.1 Usos e costumes do Filhos de Obá........................................................................45 4.3 O Centro Filhos de Obá - Uma Fotografia em Preto e Branco ......................................48 4.3.1 A figura exponencial de Tá Joaquina, a fundadora do Centro Filhos de Obá......54 4.3.2 A importância do pai de santo Lixandre na hierarquia do Filhos de Obá ............56 4.3.3 Cecilinha sucede Lixandre de Laranjeiras.............................................................61 4.3.4 Mãe Ginalva, a atual Yalorixá...............................................................................62 4.4 O Mapa do Poder no Centro Filhos de Obá ...................................................................64 5 METODOLOGIA................................................................................................................66 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................71 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................73 GLOSSÁRIO ..........................................................................................................................77 LISTA ICONOGRÁFICA .....................................................................................................82 ANEXOS ...............................................................................................................................108
  • 13. 12
  • 14. 13 1 INTRODUÇÃO O termo Candomblé é utilizado na Bahia e em outros estados brasileiros para designar os grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças de origem africana. Entretanto, ao longo de sua história, o Candomblé tem recebido denominações populares às vezes usadas de maneira um tanto depreciativa por alguns segmentos sociais, tais como Xangô, Macumba e Toré.1 Na opinião de Dona Marieta Santos, ekedi do Filhos de Obá e mãe da atual Yalorixá deste centro, Ginalva, existem diferenças importantes entre os termos toré e xangô. Estudos diversos definem o Toré como uma denominação de terreiro de caboclo que mistura tradições rituais diversas. O termo Xangô é a denominação aludida a uma divindade do próprio Candomblé, um orixá africano ligado aos raios, trovões e tempestades, não tem a ver com o espaço físico de realização do ritual, muito embora o senso comum utilize o termo dessa forma. E o vocábulo Candomblé é realmente a nomenclatura apropriada para denominar a religião afro brasileira no seu conjunto, mas também se utiliza para identificar o local do culto que conjunturalmente agrega os filhos de santo com seus assentamentos dos orixás, ou seja, casa de santo, roça, candomblé. Para o estudioso Lody (2006, p. 12) foi na década de 70 que surgiu [...] com eficácia semântica e simbólica o rótulo afro para designar patrimônio africano no Brasil e, especialmente, identificar nas manifestações consagradamente afro-brasileiras um certo purismo africano. O tema desta pesquisa é relativo às Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e Parentesco no Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objeto de estudo, por sua vez, se encarrega de focalizar a hierarquia do Candomblé. O objetivo principal é esboçar um estudo das raízes do Candomblé, na África, e centre-se no Brasil, observando-lhes algumas de suas manifestações, as exigências para a formação da família de santo e, especificamente, focalizar a história do Filhos de Obá, em Laranjeiras/SE. Os objetivos específicos dão conta de: 1. esboçar estudo das origens do Candomblé, considerando-o à luz de aspectos sócio-antropológicos; 2. entender a representatividade das relações de parentesco e poder do Candomblé; 3. levantar informações sobre a história do 1 Momento da dança dos orixás em festejos, confundido pelo senso comum como espaço do ritual da dança.
  • 15. 14 Filhos de Obá, evidenciando as figuras de Tá Joaquina, Lixandre de Laranjeiras, Cecilinha e Mãe Ginalva. Esta pesquisa se justifica por atender à necessidade primeira de tentar conhecer alguns aspectos da cultura afro brasileira, o que contribuiu para a minimização do preconceito social existente e até auxilia no processo de reconhecimento e inclusão de comunidades religiosas marginalizadas pela sociedade burguesa - além de, ainda, procurar reconhecer-lhes o legado de suma importância para a formação da cultura do povo brasileiro. No caso deste trabalho, especialmente, para a formação da cultura de Sergipe. No marco teórico discute-se sobre as teorias sócio-antropológicas com base nas religiões de presença africana no Brasil, além do que, faz-se uma abordagem sobre a história do Candomblé no país - sob a ótica de Edson Carneiro, Vivaldo da Costa Lima, Reginaldo Prandi, Pierre Verger, Roger Bastide, Patrícia Birman, Ruth Landes, Beatriz Góis Dantas, Hipollite Brice, e mais algumas reflexões desenvolvidas por outros teóricos sobre a temática em tela. Os trabalhos de pesquisa sobre o Candomblé de Laranjeiras pouco se debruçaram sobre as questões da religião e da forma do exercício de poder vivido pelos filhos de Obá, e, portanto, o objetivo desta pesquisa visa preencher tal lacuna. Entretanto, frise-se um trabalho que se tornou referência, o da pesquisadora Beatriz Góis Dantas, intitulado Vovô nagô e papai branco. Usos e abusos da África no Brasil. Nesta obra, a eminente pesquisadora se dedica a configurar o prestígio em terreiros de Xangô, à fala do Nagô sobre sua saga e, ainda à fala dos “outros” sobre o Nagô; à construção e significado da “pureza nagô” e aos usos da África pelo terreiro Nagô. Em suas conclusões, a professora adianta que Essa busca incessante de “africanismos” implica, por outro lado, o reconhecimento de que a identidade do negro brasileiro é algo que se ata à existência de uma cultura africana autêntica, cujos “pedaços” são continuadamente procurados como tesouros a serem ciosamente guardados e preservados, porque atestadores da identidade negra. (DANTAS, 1988, p. 247). As observações realizadas no campo permitiram perceber que algumas das teorias utilizadas na elaboração do projeto inicial, ou aquelas encontradas durante o percurso – que se acreditou poder contribuir de alguma forma na compreensão do fenômeno – não davam conta da complexidade apresentada pelo objeto. Há, no entanto informações e teorias que não se incorporaram ao senso comum por seu grau de complexidade ou por ser contra a experiência cotidiana e, neste ponto, o senso comum é muito poderoso. São de difícil aceitação as ideias que são muito diferentes de nossa experiência imediata. Talvez a mais comum destas ideias diga respeito à própria origem do conhecimento. (CARVALHO, 2006. p. 19).
  • 16. 15 No que tange ao surgimento do Centro Filhos de Obá, por exemplo, constatou-se a importância de se conhecer a dinâmica que resulta da confluência entre dois mundos: África e Brasil. De um lado a África que, além de subjugada, costumava também deportar seus filhos, escravos, os quais traziam consigo sua cultura, seus costumes e principalmente, sua religiosidade. Na outra ponta, uma pequena cidade interiorana, florescente zona açucareira do Estado de Sergipe. Em outras palavras, a dinâmica encontrada nos fatos, nessas idas e vindas, ao campo representa a inconstância, desse fenômeno, que é atual, ainda relativamente novo, e cuja tímida aparência ainda não envolve muitos terreiros, mas suscitam reflexões importantes, sobre questões relacionadas ao urbano, à política de identidades, à pós-modernidade entendida através da globalização econômica e cultural, às ressignificações sincréticas realizadas pelos sujeitos nos grandes centros onde as possibilidades estão abertas. Os negros introduzidos no Brasil pertenciam a civilizações diferentes e proviam das mais variadas regiões, da África. Porém, suas religiões, quaisquer que fossem estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, as estruturas aldeãs ou comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas. Que se passou então? Esta é a primeira questão que temos de resolver. Mas o período de escravidão durou três séculos e no curso desse tempo a sociedade brasileira não permaneceu imóvel. (BASTIDE, 1971, p. 30). Para melhor entender uma crença afro brasileira, o pesquisador precisa adotar uma posição flexível, ponderada, pois, raramente se encontrará Casas de Candomblé que sigam uma mesma doutrina ou realizem rituais da mesma maneira. Tão diverso é o continente africano, tão diverso é o Candomblé. O fato de o Candomblé ser uma religião politeísta e desprovida de um poder centralizador, que estabeleça regras a serem seguidas, permite que cada sacerdote “seja rei em sua própria Casa”. É ele (o Babalorixá) /ou ela (a Yalorixá) quem dita as regras a serem seguidas pela sua comunidade de santo, o que implica em certas discrepâncias doutrinárias e/ou litúrgicas distribuídas pelos diferentes espaços pelos quais o Candomblé vem se disseminando. Tais diferenças encontradas obrigam o pesquisador a refletir acerca do real significado do termo “afro brasileiro”. Entender as diferenças na forma de cultuar ou de gerenciar existentes nos terreiros de Candomblé exigiria a realização de uma etnografia desses centros para se tentar compreender as situações históricas por eles vividas, pois cada qual guarda sua particularidade desde sua
  • 17. 16 fundação. Com o esforço deste trabalho, foi alcançado realizar a amostra centrada no gerenciamento e cultos praticados no Centro Filhos de Obá. Este trabalho é, portanto, uma retórica etnográfica relativa ao Centro Filhos de Obá onde se concentraram as atividades para que assim fosse possível traduzir a atualidade da religião e das formas de comando praticadas por aquela comunidade de santo em Laranjeiras. Os sacerdotes do Candomblé se debruçam sobre práticas culturais supostas e provavelmente seguidas pelos seus antepassados. Eles realizam um ato político de marcação de diferença, muito parecido com uma nação/etnicidade, como também um ato simbólico no sentido de que absorvem os aspectos iorubas não somente como traços diacríticos, mas também como aspectos culturais historicamente perdidos ao longo do desenvolvimento dessa religiosidade difundida no Brasil. A percepção do significado cultural do Centro Filhos de Obá só se tornou possível quando foram reunidos os dados coletados no campo e as informações sobre a historicidade do movimento que representa o desdobramento do processo de territorialização da religião africana no Brasil, iniciada pelos primeiros escravos africanos aqui aportados. O Capítulo 1 trata das raízes do Candomblé e de sua trajetória até as terras brasileiras por onde se difundiram em diversas manifestações, além de ainda tecer algumas considerações de ordem sócio-antropológicas. A sustentação teórica foi buscada em autores do porte de Lody, Silveira, Pierucci e Prandi, Camurça, Verger, Capone, Dantas, Landes e outros. O Capítulo 2 aborda a temática do Candomblé em suas relações de parentesco e poder, envolvendo noções sobre a formação de famílias de santos, suas linhagens e o sistema hierárquico do Candomblé. Para alcançar este objetivo foram consultadas as teorias de Roger Bastide, Godelier, Alves Filho, Pereira Neto. O Capítulo 3 se ocupa da história do Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá, situado no município sergipano de Laranjeiras/SE, desde a sua fundação, focalizando das Yalorixás e os Babalorixás, até a atual administração. Para conseguir alcançar a composição deste capítulo, foi utilizado o material informativo oral obtido nas diversas atividades da pesquisa de campo realizada no referido terreiro de Candomblé. Espera-se, assim, haver contribuído para ampliar o conhecimento sobre a temática abraçada.
  • 18. 17
  • 19. 18 2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ 2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé Em se tratando de identidades culturais no sentido verso/inverso Brasil-África-Brasil, a história apresenta o estigma colonialista e se fundamenta nos valores éticos e morais ocidental-judaico-cristãos que se submeteram ao poder econômico evoluído do mercantilismo e “chega a um capitalismo mais ou menos ortodoxo que ainda reafirma as condições escravas pelo subemprego - ação servil tão infame quanto a do escravismo oficialmente extinto em 1888”. (LODY, 2006, p. 19). A informação sobre a existência de cultos africanos no Brasil remonta ao século XVII. Trata-se do “calundu colonial” trazido à baila por historiadores e antropólogos brasileiros. São exemplos dos primórdios dessa cultura religiosa: [...] o congolês Domingos Umbata, flagrado em 1646 pelos visitadores da Inquisição na capitania de Ilhéus; a angolana Branca, ativa na cidade baiana de Rio Real nos primeiríssimos anos do século XVIII; outra angolana, Luzia Pinta, muito bem sucedida na freguesia de Sabará, nas Minas Gerais, entre 1720 e 1740; a courana Josefa Maria ou Josefa Courá com sua “dança de Tunda”, estabelecida em 1747 no arraial de Paracatu, Minas Gerais; o daomeano Sebastião, estabelecido em 1785 na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano; e enfim Joaquim Baptista, ogan (uma espécie de líder de terreiro) do “culto ao deus Vodum”, no Accu de Brotas, freguesia periférica da cidade da Bahia, em 1829. A esta lista poderia ser acrescentada uma significativa aquarela de Zacharias Wagener, artista que viveu no Pernambuco holandês de 1634 a 1641, representando uma festa de africanos e trazendo preciosas informações visuais sobre a variedade e a disposição dos atores, figurinos e instrumentos musicais. (SILVEIRA, 2005, p. 2). Esses rituais estiveram presentes no Brasil durante todo período colonial, sendo registrado o primeiro templo no início do século XIX, erguido nos fundos de uma igreja na cidade de Salvador/BA. Esses cultos jejes eram comunitários e com fortes tradições litúrgicas, as que foram implantadas na Bahia. Receberam o apoio dos calundus e bantos e partiram em busca de reconhecimento e oficialização. Foi em Salvador mesmo, no Bairro da Barroquinha, que se estabeleceram e a transição foi tentada com relativo sucesso. Segundo as tradições orais dos nagôs (africanos iorubas, originários de regiões da Nigéria, Benin e Togo) baianos, o primeiro candomblé de sua linhagem foi fundado em terras situadas atrás da capela de Nossa Senhora da Barroquinha, no centro histórico de Salvador. Segundo se conta, existia uma irmandade de negros ali funcionando, cujos associados teriam sido os fundadores africanos. Hoje, esse candomblé é um dos maiores e mais respeitados do Brasil, chama-se oficialmente
  • 20. 19 Ilê Axé Iyá Nassô Oká, em homenagem à sua fundadora principal, mas é popularmente conhecido como Casa Branca do Engenho Velho da Federação. [...] A investigação sobre a data inaugural motivou antropólogos ligados ao Axé Opô Afonjá, filial do candomblé da Barroquinha, os quais fizeram estimativas que vão do final do século XVIII a 1830. Em 1943, por ocasião do I Primeiro Congresso Afro- Baiano, teve lugar na Casa Branca uma exposição comemorativa dos 154 anos de sua fundação, segundo a qual o candomblé teria então sido fundado em 1789. Essa data coincide com a chegada à Bahia dos primeiros escravos nagôs do reino de Ketu (cujo território foi cortado em dois pela fronteira Nigéria-Benin), de onde teriam vindo os fundadores, bem como com a oficialização da irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, em 1788. (SILVEIRA, 2005, p. 2). A realidade social no campo das religiões no Brasil tem enfrentado um movimentado processo de mudança cultural e que leva ao pluralismo religioso competitivo. São abordagens destacadas por Pierucci e Prandi (1996) que fazem um criterioso estudo da evolução da paisagem religiosa através do tempo e revela determinados aspectos geralmente escondidos pela sociedade, a exemplo da ligação existente entre os seguidores do Candomblé com o dinheiro e a política. Camurça (2009, p. 63) frisa que “somos todos nativos” e que empreendemos o “encontro pós-colonial onde o antropólogo não necessita mais fazer viagens transoceânicas para encontrar este outro e desta forma fazer um esforço de ‘conversão’ a uma cultura totalmente exógena”. Em sua incomparável obra sobre o tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos, Verger (1987) aborda profundamente aspectos que elucidam a movimentação que providenciou a chegada dos africanos ao Brasil. O pesquisador não trata da religiosidade, mas sua pesquisa abre o mais extenso panorama sobre o longo momento histórico e descortina a paisagem do país àquela época. Os aspectos evidenciados na obra de Verger e que se ligam ao que interessa à presente pesquisa são as relações econômico-filantrópicas anglo-portuguesas e sua influência no tráfico de escravos no Brasil; as revoltas e rebeliões de escravos na Bahia (estado vizinho a Sergipe e cujas facetas históricas têm ligação) para o Brasil; Revoltas e rebeliões de escravos na Bahia - 1807-1835; Bahia, 1835-1850. Rumo ao fim do tráfico de escravos; emancipação de escravos; condições de vida dos escravos na Bahia no século XIX, etc. Relembra o brasileiro Gilberto Freyre e anota: O escravo da casa-grande ou do sobrado grande foi o melhor nutrido de todos os elementos da sociedade patriarcal brasileira. Nutrido com feijão com toucinho, com angu, com mandioca, com inhame, com arroz. [...] Melhor nutrido que o próprio senhor de engenho, o fazendeiro ou o proprietário de mina, cuja alimentação caracterizava-se também pelo excesso de charque e de bacalhau que mandava vir da cidade. (op. cit, p. 495-496).
  • 21. 20 Outro estudioso se encarrega de atestar a contribuição do patrimônio material do homem africano no Brasil. Lody (2006, p. 31) se reporta à formação das nações, grupamentos de negros no Brasil, unidos por motivos culturais, inclusive e em primeiro lugar, pelas línguas. Reporta-se, ainda às ações “tradicionais que caracterizam as casas de candomblé na Bahia, nos xangôs em Pernambuco, Sergipe e Alagoas e nos Tambores Minas-Jeje no Maranhão”. Por sua vez, Capone (2009, p. 296) ressalta, usando os ensinamentos de Nina Rodrigues (1906), o papel da língua iorubá (o nagô) como veiculadora entre os escravos da Bahia. Nina Rodrigues, conforme explicita Capone, criticava [...] o fato de, no Brasil, as línguas bantas serem consideradas as únicas a merecer a atenção dos linguistas, e acrescentava que, se o quimbundo predominava no Norte e no Sul do país, era o nagô (iorubá) que prevalecia na Bahia. O pesquisador Sogbossi (2007, p. 81) refere-se às religiões afro brasileiras e africanas a partir de suas experiências de ensino e diz da carência do povo brasileiro quanto ao conhecimento de seu patrimônio histórico-cultural. Ressalta o estudioso que O Curso de Aperfeiçoamento em História a África e Cultura Afro-Brasileira, projeto elaborado sob iniciativa do Prof. Dr. Frank Marcon, no âmbito da lei 10.639/03, e apoiado pelos docentes Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi e Prof. Dr. Ulisses Neves Rafael, todos antropólogos do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe, foi aprovado e financiado pela equipe UNIAFRO do MEC/SESu. O projeto se insere entre os projetos do Núcleo de Estudos Afro- brasileiros da Universidade Federal de Sergipe. 2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil A influência de Portugal e da África na América, na fase inicial, “não foi uma colonização de povoamento”. Havia as feitorias no litoral criadas por franceses, ingleses e portugueses para negociar e, em lugar de influenciarem os nativos com suas culturas, ocorreu um fenômeno reverso e os estrangeiros eram influenciados pelos índios. Quanto à chegada dos navios negreiros, esses traziam [...] cargas cada vez mais numerosas de africanos, a emigração portuguesa ao Brasil, por sua vez, acelerou-se sobretudo com a descoberta de minas de ouro no século XVIII e com o progresso dos empreendimentos comerciais no século XIX. (BASTIDE, 1971, p. 53).
  • 22. 21 O tráfico altamente intenso de escravos espalhava negros de inúmeras localidades do vasto território africano e misturavam-se usos e costumes diferenciados de um mesmo povo, de tal forma como se estranhos fossem entre si. No Brasil, a exemplo do Estado da Bahia, encontra-se a influência de populações negras oriundas do golfo de Benin, cultores dos antigos voduns e orixás, da mesma forma que o faziam os habitantes do sul do Daomé e sudoeste da Nigéria. Durante mais de três séculos, homens, mulheres e crianças da raça negra oriundas do continente africano, foram trazidos como escravos. Até o advento da lei Eusébio de Queiroz, promulgada em 4 de setembro de 1850 e mesmo alguns anos depois, integrantes de várias nações vinham para o Brasil, trazendo consigo toda uma tradição cultural e religiosa que muito influenciou na formação do povo brasileiro. (SANTOS, 2005, p.1). Segundo Verger (1987), as localidades de origem dos escravos da Bahia estão demarcadas em quatro períodos: o ciclo da Guiné (segunda metade do século XVI); o ciclo de Angola e do Congo (século XVII); o ciclo da Costa da Mina (três primeiros quartos do século XVIII); e o ciclo da baía de Benin (entre 1770 e 1850). Estudos de Lody (2006, p. 25) sobre o fazer e o significar do patrimônio material do homem africano no Brasil dão conta de que se convenciona atribuir à arte afro brasileira “um limite no âmbito e no fazer religioso que será de função e significado para o culto dos orixás, voduns e inquices”. Para esse pesquisador, “Marca a história do homem africano a ação do próprio homem africano como protagonista, criador dos seus próprios momentos de vida”. Importante referencial sobre aspectos da África no Brasil é a obra de Landes (1947, p. 53), edição de 2002, intitulada A cidade das mulheres. Nesse importante estudo científico, texto narrativo em prosa poética, a antropóloga estadunidense, traça o perfil das mães nagôs na Bahia e deixa patente o seu interesse pela questão da homossexualidade entre os cultos caboclos afro brasileiros. No seu texto encontramos a pesquisadora envolvida com o seu objeto de pesquisa e nele transformando-se, assim como aconteceu com este trabalho no Filhos de Obá: Sabia que não seria possível estudar a Bahia como o faria com uma galeria de arte, nem com certas tribos indígenas das nossas reservations, onde se podem contratar indivíduos que se plantem numa cadeira, durante meses seguidos, e falem de si mesmos. Teria de persuadir os baianos a me deixarem participar da sua vida. Teria de abrir caminho para o fluxo humano e tornar-me parte dele. Para estudar as pessoas, deveria viver com elas, apreciá-las e procurar, constantemente, fazer com que gostassem de mim. Outro pesquisador, muitos anos depois que por aqui passou Landes, envolveu-se no trabalho de campo. Velho (1977, p. 52) realizou sua pesquisa em um terreiro de Umbanda, no
  • 23. 22 Bairro de Andaraí, Rio de Janeiro. Abordando as guerras dos orixás, Velho, também em texto narrativo, como o fez a pesquisadora norte-americana, se dedica à figura feminina, a mãe de santo. Durante a realização das atividades no terreiro, o pesquisador ficou temeroso, pois um de seus alunos, durante uma sessão, “caiu no santo”. Decerto, o Candomblé sempre foi um espaço de relações e de medição de forças entre terreiros cujos embates se expressam em termos de uma oposição, às vezes velada e às vezes explícita entre os guardiões da tradição, os detentores legítimos do saber sagrado, e os profanos da tradição, que passam a ser vistos como “charlatões”, “clandestinos”, “sincréticos”, “impuros”. Porém, cada terreiro de Candomblé, seja qual for a nação, Keto, Jeje, Angola ou Caboclo, assim como no passado, valorizam as suas tradições, acima de todas as outras nações proclamando a sua pureza. De acordo com Dantas (1998, p. 145): Como a ideologia da pureza pressupõe a existência de um estado original, uma espécie de reduto cultural preservado das influências deturpadoras de elementos estranhos, seria de se esperar que os terreiros que se identificam como nagôs e que, por suposto, teriam origem comum e um mesmo patrimônio cultural definissem sua pureza em função de um mesmo conjunto de traços culturais. Segundo Bacelar (2001) apesar da existência de tensões e rivalidades entre os terreiros, uma oposição plena ou luta acirrada entre as casas de Candomblé, nunca chegou a constituir traço característico do campo afro-baiano. Acredita-se que essa cordialidade sempre existiu juntamente com as disputas. Não obstante, deve se atentar para o fato de que a solidariedade fica mais visível em terreiros que se constituem enquanto uma rede, pelo parentesco, pelo ritual e pelas disposições geográficas de pertencerem a mesma localidade, ou por uma afinidade alicerçada no grau da amizade entre sacerdotes. O Candomblé chegou à atualidade e adquiriu um destaque especial dentre as religiões brasileiras por ter uma capacidade ímpar no que se refere à conquista de fiéis. Nesse sentido, é imprescindível ressaltar que a incorporação da crença dos santos católicos pode ser interpretada também segundo essa perspectiva que, ao invés de contradizer a perspectiva de uma concepção cosmológica politeísta, reforça-a acrescentando as características de respeito à autoridade e senioridade próprias da sociedade iorubana para se tentar compreender o fenômeno do sincretismo afro-católico, da mesma forma que o respeito ao senhor de engenho levou os escravos a respeitarem também os seus deuses.
  • 24. 23 O que Fernanda Peixoto mostra em detalhe é que Bastide opõe à ideia de sincretismo como mistura o conceito de sincretismo como mosaico, que implica a "coexistência de objetos discordantes". E que o fato, por exemplo, de se ter estabelecido a correspondência de deuses africanos e santos católicos deriva não da assimilação dos contrários, mas de uma necessidade dos escravos de dissimularem suas crenças aos olhos dos brancos: uma forma de resistência, portanto. Submetidos, mas ao mesmo tempo colocados à margem da sociedade, os africanos no Brasil teriam criado "ilhas culturais". Conceito que, por sua vez, foi também motivo de controvérsia, nos anos 70, quando os novos intérpretes das religiões africanas no Brasil criticaram o mestre francês, acusando esta operação mental de propugnar uma pretensa pureza dos candomblés, derivados do "modelo nagô", por oposição à umbanda, vista como forma degenerada. O que faria de Bastide um herdeiro acrítico da tradição "romântica" que remonta a Nina Rodrigues. (GOMES JR, 2001, p. 1). O campo das religiões afro brasileiras, em particular aquele confirmado pelos terreiros de Candomblé, foi organizado, inicialmente, de forma cooperativista, tecendo alianças entre as etnias que muitas vezes eram historicamente rivais no continente africano. Existiu no interior dessas comunidades uma permanente ajuda mútua, trocas de favores, mantendo-se assim uma solidariedade via teias de prestações e contraprestações que terminaram. À medida que a cultura vai se modificando, e a África não é exceção, torna-se necessário reorganizar os ritos. Por isso, o Ogã nunca deixa de mencionar que reintroduzir elementos, não significa trazê-los prontos, mas implica (re) negociações com a doutrina representada pelos escritos de Ifá, com os ritos trazidos da África atual e da antiga, e com o contexto brasileiro contemporâneo. É compreensível, nessas condições, que o catolicismo negro em geral sobrepôs-se, mais que a penetrou, à religião africana, e a confraria frequentemente prolongou-se em candomblé. Vilhena reconhece que é impossível arrancar do coração dos africanos os costumes e as cerimônias que “beberam com o leite de sua mãe” e que seus pais lhes ensinaram; ele afirma que entre mil negros, há talvez um que siga voluntariamente o cristianismo; entre todos os outros, este é imposto de fora, um simples verniz superficial. (14) Em 1738, o prior dos beneditinos da Bahia, num documento encontrado nos arquivos por Luiz Viana Filho, lamenta-se que os Angolas, os negros de São Tomé e de outros lugares, se bem que catequizados, batizados e vivendo no meio dos brancos. (BASTIDE, 1971, p. 183). Nesse sentido, observam-se diferentes estratégias para se modificar um ritual, para atualizá-lo no contexto em que praticam o Candomblé, ou, então, justificam de modo diferente as transformações feitas nesses rituais. Ressalte-se que as alterações ritualísticas não são somente baseadas nas observações ou com o pai de santo, mas requerem a prática. Também existem os ensinamentos a partir de anotações que vêm passando de geração a geração. As referências à África e às raízes da religião tradicionalista configuram-se como pilares da luta empreendida pela sociedade na busca pelo reconhecimento étnico da população
  • 25. 24 afrodescendente – da qual fazem parte, no Centro Filhos de Obá, Tá Joaquina, Lixandre de Laranjeiras, Cecilinha, Paulo Gitokí e Mãe Ginalva. Significa dizer que temos um entrecruzamento de mundos, nos quais, ao reivindicar uma cultura específica à qual os demais também teriam o direito porque praticam a mesma religião afro brasileira. Os participantes procuram afirmar a maior legitimidade da Casa a que pertencem, invocando a afrodescendência. Ao buscar o reconhecimento do espaço do negro na sociedade, especificamente no caso do Centro Filhos de Obá, propõe-se, não apenas a “reafricanização” do Candomblé, mas abriga-se, como se pode comprovar, na cultura da primeira sacerdotisa dos filhos de Obá, em terras sergipanas, Tá Joaquina, com a finalidade de renovar o Axé através dos mitos, dos rituais, do idioma tradicional dos orixás, e das concepções africanas de mundo desse povo. Busca-se com o que se convencionou chamar de “reafricanização” uma tentativa de retorno às origens mais legítimas do Candomblé tendo em vista a passagem de tantos séculos e, ainda, a interação de usos e costumes com outros povos. Essa origem mais legítima é a que se liga diretamente à realidade do culto no continente africano. Cumpre dizer que a África também não é imune à passagem do tempo e nem à convivência e troca de usos e costumes com outros povos, inclusive na diferenciação que existe de região para região no imenso continente. Quanto às relações internas, no seio das comunidades de santo, parece existir uma rígida hierarquia, mas tal rigidez não influencia a conduta de aparente informalidade do cotidiano, pois os seguidores entre si se reconhecem e ao chegarem ao terreiro, os filhos de santo não precisam fazer o cumprimento ritualístico e nem se dirigir uns aos outros pelo nome de santo. De Capone (2009, p. 83), inclui-se a este texto o mapa do Brasil contendo as zonas de maior concentração, de Porto Alegre ao Maranhão, relativas ao culto a Exu. Interessante notar que todo o gráfico mostra a presença marcante do culto afro em terras do litoral. Outro importante estudo é o de Ferretti (1995, p. 75) sobre o sincretismo na região norte. Refere-se ao Maranhão e à Bahia. Tal pesquisa admite, por exemplo, que religiões de origem africana, no Estado do Pará, [...] só a partir das décadas de 1960 e 1970 passarão a ser objeto de estudos sistematizados. Na década de 1950, a religiosidade popular do caboclo do interior da Amazônia foi estudada por Eduardo Galvão (1976), mostrando a junção do catolicismo ibérico, que enfatiza o culto dos santos, com elementos ameríndios e africanos.
  • 26. 25 FIGURA 1 – Repartição dos cultos afro brasileiros Fonte: CAPONE, 2009, p. 83. 2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas Segundo Vilhena (1997, p. 59), “dentre os segmentos que compõem as ciências sociais, stricto senso, a antropologia era a disciplina que ainda mantinha um vínculo um pouco menos tênue com os estudos de folclore”.
  • 27. 26 Os primeiros estudos antropológicos sobre o universo das religiões afro brasileiras foram realizados sobre os candomblés nagôs.2 Edson Carneiro (1948 apud LIMA, 2003) foi o primeiro a mostrar interesse pelos candomblés tidos como não puros ou pouco ortodoxos, conforme avaliava serem os dois tipos Banto e Caboclo. Essas redes de relações entre os agentes religiosos levaram à criação de organizações conventuais, estruturadas em normas e padrões étnicos, manipulando determinados sinais diacríticos (língua, culinária, sistema mitológico, rituais etc.,) em oposição a outros sistemas de crenças, oriundos do continente africano e dos índios brasileiros. Essas organizações conventuais são os terreiros ou roças3 de Candomblé. São instituições resultantes da manipulação dos traços identitários das civilizações africanas que se organizaram em nações, aqui no Brasil. Desse modo, a nação não é apenas a procedência territorial, mas sim todo um conjunto de padrões ideológicos e rituais. O espaço terreiro passou a condensar os valores de uma África mítica. Isso significa dizer que os orixás, na África, pertenciam a distintas localidades (grupos étnicos) diferentes, transplantados para o Brasil e se concentraram no mesmo território. (LIMA. 2003, p. 77-78). O terreiro é o espaço físico impregnado de signos que revelam a consciência ancestral e não apenas uma área delimitada geometricamente ou geograficamente. No terreiro estão presentes as representações do Aiyé (Terra) e do Orum (espaço transcendental) e também nos assentamentos dos orixás, eguns, Exu e caboclos. Decerto, o terreiro é o lugar apropriado à manipulação de símbolos pelos fiéis que partilham uma socialização calcada na herança, conjunto de bens simbólicos recebidos dos ancestrais. E foi o terreiro o expediente mais eficaz na manutenção de uma tradição ressemantizada e ressimbolizada. Os terreiros de Candomblé organizados enquanto uma comunidade com características próprias, instalações geralmente em espaços de área verde, significando a floresta sagrada; o barracão; o salão principal das festas públicas com espaços delimitados e destinados aos membros efetivos da casa e à assistência popular, além das áreas sagradas destinadas à iniciação e reclusão dos neófitos4. As casas dos orixás, como podem ser vistas atualmente, se 2 Nação do Candomblé em que os afro-religiosos geralmente se apresentam vestindo branco, momento comum das presenças dos chamados orixás nagôs (velhos nagôs). No Filhos de Obá, o culto nagô ocorre meio misturado com outras nações, a exemplo de Jexá. 3 Nesse espaço encontramos os assentamentos dos orixás, confundindo-se com o lugar de fauna e flora, o plantio. 4 Neófito é um iniciante no culto. Em Maçonaria o Aprendiz é apelidado comumente neófito. Na igreja primitiva, era um pagão recentemente convertido, principiante ou novato. O termo neófito vem do latim novus, nova, novum; em sânscrito návah; sentido de "noviço" ou "novo convertido". (www.wikipedia.com.br).
  • 28. 27 constituíram dentro desse contexto, como informa a literatura etnográfica afro brasileira (CARNEIRO, 1948 In LIMA, 2003). Pertencente à escola baiana dos estudos afro brasileiros, fundada por Nina Rodrigues, Carneiro tem sua obra eivada do etnocentrismo em vigor na época. Entretanto, ainda assim, seus estudos servem de ponto de partida para a compreensão dos Caboclos, pela minuciosa descrição das cantigas e nomes dos Caboclos cultuados outrora na Bahia. A noção de pureza dos cultos afro brasileiros é facilmente reconhecível na análise da literatura antropológica do início do século XX, nas obras de Nina Rodrigues, Artur Ramos, Edson Carneiro, Ruth Landes, Roger Bastide e Reginaldo Prandi, até a década de setenta do século passado. Os intelectuais buscaram uma correspondência entre a valorização da tradição africana e a valorização de uma tradição anti-sincrética, “pura”, que remetia tanto a uma perspectiva intelectual de pensar o afro brasileiro, quanto a uma prática religiosa mantida pelas casas de santo tradicionais na Bahia. Nina Rodrigues (1935 apud FERRETTI, 1995, p. 42) distingue candomblés africanos (terreiros de gente da Costa) dos candomblés nacionais, “de gente da terra, crioulos e mulatos”. Desde o início dos estudos científicos sobre o Candomblé, os pesquisadores das religiões afro brasileiras, com tendências a explicações em termos de genética cultural, classificaram os terreiros de suposta origem iorubana5 como sendo, de algum modo, mais “puros” que os de origem banta. Este é um problema que diz respeito às disputas de poder e prestígio tanto no campo acadêmico quanto no campo religioso. A ideia de pureza foi dos pesquisadores e acontece concomitante à ideia de tradição, relacionada com a história de cada casa de santo na preservação dos costumes e valores dos ancestrais africanos. A partir da década de setenta, do século XX, inaugura-se uma série de análises mais atentas para a observação das transformações das religiões afro brasileiras, identificando uma nova morfologia social dos terreiros de Candomblé. Passando a valorizar a descontinuidade, não mais presas a uma postura metodológica preocupada com pureza, origens e equilíbrio. Essas análises chamaram a atenção para o fato de que fazer ciência social é estar atento para qualquer forma de visão de mundo empreendida pelos atores sociais. No Candomblé o conhecimento é transmitido oralmente em estágios específicos para cada filho de santo. Esses conhecimentos ou fundamentos são o marco principal da diferença, 5 Relativo à ioruba. Linguagem em que se dá a comunicação musical; relativo à cultura no candomblé.
  • 29. 28 delimitam a posição do indivíduo na estrutura religiosa e a distância regulamentar que deve manter frente a outros membros da casa. A competência é questionada a partir da acusação de que certo agente religioso não tem autoridade, ou não tem domínio dos fundamentos, não é “um entendido nos preceitos”, nos saberes litúrgicos. Para que o indivíduo venha a deter o saber que marca o seu diferencial faz-se necessária a observância gradual dos preceitos em consonância com o grau que ocupa na estrutura religiosa. A transgressão dessa regra religiosa pelo filho de santo que se esforça em dominar os segredos, antecipando, ou melhor, atropelando o seu tempo de iniciação, estará ferindo as regras da estrutura dos candomblés e o insolente terá seu comportamento reprovado pelo povo de santo mais ligado às tradições. Geralmente, a bandeira que serve de símbolo e de identificação dos centros de culto afro é hasteada numa vara grande e de madeira, de um tamanho suficiente para que, a qualquer distância, possa identificar ser ali um terreiro de Candomblé. Da mesma forma, esse grupo de filhos de santos empenha-se no aprendizado ritual em livros, muitos desses escritos por sacerdotes. Tal documentação era anteriormente envolvida em uma aura de restrições, mistérios e segredos. Ao buscar o entendimento do processo de consolidação dos candomblés baianos e sergipanos não se pode esquecer ou menosprezar as disputas internas deste universo religioso, pois estas são estratégias eficazes de demarcação de terreno na competição no mercado religioso. Pela categoria de tradição entende-se um conjunto de sistemas simbólicos que são passados de geração a geração e que têm um caráter repetitivo. Repetição significa atualização dos esquemas de vida. Em outros termos, pode-se dizer que a tradição é uma orientação em direção ao passado, de modo que o passado tem uma significativa força e influência sobre o curso das ações presentes. A tradição também se reporta ao futuro, ou melhor, procura organizar o mundo para o tempo futuro. Desse modo, e assim entendida, a tradição passa a representar não apenas o que é feito numa sociedade, mas o que deve ser feito no próprio processo de mudança. Nos “tempos antigos”, a reclusão em terreiros de Candomblé durava entre seis meses e um ano, o que limitava as atividades econômicas dos filhos de santo. As tradições estão sempre mudando “mas há algo em relação à noção de tradição, que pressupõe persistência; se é tradicional, uma crença ou prática tem uma integridade e continuidade que resistem aos contratempos e as mudanças”. Desta maneira, as tradições tendem a desenvolver um caráter orgânico: se desenvolvendo e amadurecendo, ou enfraquecendo e “morrendo”. Por isso, os agentes sociais,
  • 30. 29 “os guardiões”, os mediadores do sagrado realçam constantemente os elementos constitutivos da tradição: a integridade, ou a autenticidade. Entrementes, não foi enquanto invenção que a categoria nativa de tradição se cristalizou e naturalizou no campo acadêmico do início do século XX, mas sim em termos de uma cultura inerte ao tempo, não dando conta da historicidade, da posição dos sujeitos na estrutura do campo religioso e da subjetividade desses atores. O uso do conceito de campo religioso para o estudo das religiões africanas, segundo Serafim e Andrade (2009, p. 3) e lastrado nos estudos de Bourdieu, revela que esse conceito tem íntima relação com a noção de intelectual “no sentido mais racionalista” existente. Tem a ver com discurso e escrita, o que torna difícil a “sua utilização em grupos pautados na tradição oral”. Há na construção do campo religioso de Bourdieu a oposição entre manipulação legítima do sagrado (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou feitiçaria), sendo que esta pode ser uma profanação objetiva (a magia ou feitiçaria como religião dominada) ou profanação intencional (a magia como anti-religião ou religião invertida). (Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/rbhr/o- conceito-de-campo-religioso-e-o-estudo-das-religioes-africanas.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010). Assim, faz-se necessário observar que os conceitos e categorias são produzidos pelos atores sociais, para atender as expectativas de suas próprias ações e a necessidades de relações significativas em suas vidas. Logo, no campo do Candomblé, os sacerdotes mais atávicos em suas tradições originárias não reconheciam como legítimos os cultos misturados, aceitando como legítimo os candomblés Kêto.6 No campo das religiões afro brasileiras, cujo esquema de poder é disperso pelos terreiros que resistem à centralização, a ideia de pureza é também um elemento constituinte na busca de legitimidade e na luta pela hegemonia, não só no interior do segmento afro, como na relação com a sociedade mais ampla. O campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse, isto é, o interesse que leva os leigos a esperarem de certas categorias de agentes mediadores na experiência religiosa, que realizem ações mágicas ou prodigiosas. Ações, fundamentalmente “mundanas” e práticas, conduzidas com a finalidade de que tudo corra bem para o corpo de fiéis, que aderem a um sistema de crenças e a um estilo de vida particular. 6 Nação dos orixás na linguagem iorubana em que são cultuados com arcos davi (varas com as quais se tocam o Xirê (cântico para os orixás) do santo.
  • 31. 30 Pensando sobre a questão da tradição cultural para um determinado grupo, é importante ressaltar que a cultura retomada e ensejada pela etnicidade é assumida e vivida pelos indivíduos que a proclamam como autêntica. Não no sentido de não ser deliberadamente manipulada, mas não significa dizer que deixe de ser um processo consciente. E, justamente, por ser considerada como a verdadeira e tradicional manifestação do grupo é que ela, a cultura, ganha status de fronteira. Ou seja, a tradição é usada como diferença em um dado contexto não apenas como um ato político de comunidade, mas sim porque os grupos acreditam na autenticidade de suas tradições. Portanto, “a viagem de volta é imaginada, mas é real para os atores envolvidos”. (OLIVEIRA FILHO, 1999). Os pais e mães de santo dos terreiros de Candomblé são reconhecidos como detentores exclusivos de um monopólio na gestão dos bens sagrados. Detentores de um domínio prático, de um conjunto de esquemas de pensamentos somados a presença de traços africanos, em maior ou menor intensidade. Entretanto, sua autoridade é inquestionável no âmbito mítico-ritual, seus perfis de liderança são desenvolvidos na dinâmica concreta dos seus terreiros, pela sua capacidade de manter a estabilidade, controlar os conflitos, garantir o recrutamento contínuo e evitar a deserção dos membros e da clientela, processo que consolida e prova sua legitimidade pela competência em administrar os bens sagrados. Isso não significa dizer que suas funções defensivas sejam, em última análise, adequadas ao desafio. O desaparecimento dessas comunidades corporadas fechadas, nos lugares onde existira no passado, o seu número decrescente no presente confirmam a proposição de que, a longo prazo, elas são incapazes de evitar a mudança. (WOLF, 2003. p. 158). O pai ou a mãe de santo são vistos pelos fieis como as “âncoras” ou os “portos seguros” contra os perigos do universo das aflições. Os seus sucessos e fracassos vão lhes conferindo uma identidade e atribuindo-a aos terreiros que administram enquanto uma entidade reconhecida no campo religioso que revela o resultado de suas decisões e ações, mediatizados pela rede de relações e circunstâncias que poucas vezes chegarão a controlar completamente. A autoridade e o poder das mães e dos pais de santo, conforme creem os adeptos, se renovam e se reafirmam através de sua comunicação com os orixás, a quem pedem, de joelhos, pela prosperidade do terreiro.
  • 32. 31 3 CAPÍTULO II – O CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PARENTESCO E PODER 3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé Os estudos de Tesserolli (2009, p. 1), baseados em Woortmann (1978, p. 245), acerca das questões de parentesco no âmbito do Candomblé, indicam dois princípios basilares na constituição do poder desses grupos de culto africano: a senioridade e o sexo. Inclusive a autora frisa que, para os iorubanos tradicionais, o princípio da senioridade é muito importante para o desempenho de funções importantes dentro do culto. Klaas Woortmann estudou, em seu livro A família das mulheres, no capítulo IV, O passado escravo e a “Família de Santo”, a organização dos terreiros baianos e nos diz que, de alguma forma, essa organização remete à África do século XIX, pois “guarda semelhanças com a organização política e administrativa tradicional africana”. Para atestar o valor do princípio da senioridade, a referida estudiosa, desta vez lastrada em estudos de Sousa, 1965, p. 57-58, adianta que “nas sociedades tradicionais africanas, a ancianidade é não só uma questão biológica, mas uma qualidade social”. E ainda insere que, Então, se pensarmos em uma pirâmide, no ápice estão os grandes antepassados da família, depois seus descendentes, sempre em ordem de antiguidade, depois os vivos: dos mais antigos aos mais novos. No Brasil, isso se traduz, por exemplo, quando vemos algum membro das religiões de matriz africana se manifestar publicamente: ele começa por reverenciar os mais velhos, pedindo-lhes a benção, para somente ao final reverenciar os mais novos. (TESSEROLLI, 2009, p. 1). Por sua vez, Lima (2003) defende ser o valor do princípio do parentesco uma questão de cooperação, de solidariedade e de fidelidade entre os indivíduos das famílias. E, em assim sendo, torna-se especialmente importante tal princípio no sentido de fincar bases muito sólidas quanto aos laços de parentesco - principalmente em casos de grupos nos quais a perspectiva das relações consanguíneas não garante a sustentação de uma autoridade e nem fundamenta o conceito de liderança. Assim, “parentesco e senioridade asseguram o respeito aos costumes, à autoridade e a tradição, sobre os quais se estabelecem as relações interpessoais entre os iorubas”. (LIMA, 2003. p. 79).
  • 33. 32 Quanto aos padrões familiares, Tesserolli (op. cit.) trata da sexualidade e de sua preponderante influência na organização de poder dentro de um grupo de culto, de uma família de santo - ressaltando os papéis femininos e os masculinos. Durante o período da escravidão os africanos eram separados por sexo, só tinham acesso ao sexo oposto para a reprodução; não cabe aqui, porém, nos alongarmos nas explicações acerca de como procediam os escravistas e como eram dispostos, esses homens e mulheres, nas senzalas. As mulheres ficavam com seus filhos e deles cuidavam quando isso lhes era permitido. Dessa forma, aos poucos, surge um tipo de família matrilocal e matrifocal que será conservada após a libertação dos negros: as mulheres são as responsáveis pela casa e pela manutenção da mesma. Lembrando que para as mulheres, após a libertação, era mais fácil conseguir trabalho do que para os homens: trabalho doméstico, lavagem de roupas para fora, comidas que podiam ser vendidas em tabuleiros nas ruas, enfim, tantos serviços que mantêm a mulher em casa. [...] O princípio do sexo se expressa nos papéis atribuídos predominantemente às mulheres – mães e filhas “de santo” – e outros atribuídos a homens – ogãs; as mulheres constituem o núcleo do sistema de autoridade e de papéis rituais. A família de “santo” é matrifocal: a grande maioria das casas é de mulheres, pode ser chamada de família parcial baseada na unidade mãe-filhas. Há predominância feminina entre as principais posições de status, particularmente a de mãe de santo. A presença masculina é menor nas casas tradicionais de Salvador: o iniciado masculino quase sempre é devido à mãe grávida na sua própria iniciação. Ainda existem outros fatores: a questão da possessão espiritual dos homens é relacionada à possessão sexual, ameaçando a masculinidade. No que diz respeito à homossexualidade, aspecto inclusive abordado por outros estudiosos do Candomblé e que parece ter também relação com a hierarquia nos centros, Tesserolli (op. cit.) remete ao estigma que atinge o masculino, pois segundo, Woortmann, (1978, 261) filhos e/ou pais “de santo” “são, em larga medida, homossexuais”: “tornar-se “filho de santo” (ou, eventualmente, “... pai de santo”) parece ser uma forma de legitimar culturalmente a homossexualidade”. Gaiaku Luíza, mãe “de santo” de Cachoeira, Bahia, rígida nos ensinamentos da tradição jêje mahin, já falecida, fazia críticas quando aparecia um filho “de santo” homossexual, mas não deixava de incorporá-lo a casa. De qualquer forma, parece haver mais tolerância nos cultos afro-brasileiros do que em outras religiões posto que pude perceber claramente a presença de homossexuais nas casas que estive. A noção de pecado que permeia as religiões judaico-cristãs parece não estar presente, nesse caso. Outros apontamentos de Tesserolli (op. cit.) se referem à família biológica e suas semelhanças e diferenças em relação à constituição de uma família de santo à organização da família de santo onde, Hierarquicamente, o posto mais alto de uma casa de Candomblé de Salvador é o da mãe “de santo”: ela é a zeladora da casa, portanto, quem recebe as visitas importantes e supervisiona a organização dos ritos e doméstica; deve estar presente
  • 34. 33 às cerimônias públicas, nos ritos de iniciação e na leitura dos búzios. Os iniciados por ela devem respeito e subordinação, que mostram através de seus gestos que vão desde prostrar-se à sua frente até comer o que ela deixa em um prato, pois tem o seu axé. Por sua vez, Bernardo (2005, p. 1), em seus estudos sobre o Candomblé e o poder feminino, admite que, apesar de, na África, o poder estar concentrado em mãos masculinas, a mulher se destacou pelos seus dotes de negociante (inicialmente nas feiras), foi se impondo e alcançou status. A autora inclui que: Apesar de os dados contidos na afirmação de Verger atestarem a patrilinearidade em relação ao poder religioso (os filhos são consagrados ao deus do cônjuge), a mulher, ao praticar o culto de sua família de origem, está vinculada ao deus paterno; portanto, guarda uma certa autonomia em relação a seu marido. (op. cit.) Quanto ao fator sexual, Moura (2010, p. 204) adverte que, tanto a importância quanto a recorrência deste, “são pensadas como propiciadoras da correlação de forças - o jogo de poder que permeia o relacionamento entre as diferentes identidades sexuais”. Portanto, conforme esclarece o autor, a maneira de se comportar individualmente, no caso de adeptos do Candomblé, passa a ter sentido por se encontrarem esses indivíduos ligados à própria realidade física e também social. Para Vinagre Silva (2010, p. 1), “a geografia do poder institui formas de simbolizar os seres e todas as coisas do mundo, bem como também determina práticas sociais”. No caso da penetração da cultura afro no Brasil, equivaleria a dizer que tais práticas e maneiras de pensar se interpenetram na teia social e nessa estrutura altamente complexa produz efeitos os mais diversos e que passam a povoar o coletivo. De forma difusa ou mais clara, os indícios dessa herança cultural estão presentes em todo o nosso cabedal histórico. Ainda sobre questões relativas ao poder as chamadas “guerras de orixás pela sucessão”, frise-se o caso marcante de João da Gomeia, contado por Ziegler (1977, p. 85). Joãozinho da Gomeia, cujo verdadeiro nome era João Alves Torres Filho, faleceu na Policlínica de São Paulo, no dia 19 de março de 1971. Filho do Orixá Iansã, reinou no Candomblé do Rio de Janeiro. Após sua morte foi grande a movimentação em torno da herança de seu poder que terminou se tornando caso policial envolvendo uma criança. Foi assim que: Os inimigos da nova mãe de santo atacaram então a sua investidura diante do Juizado de Menores do Estado do Rio de Janeiro, sob cuja jurisdição se acha Duque de Caxias, exigindo que o juiz impedisse Sandra Regina de exercer o cargo de mãe de santo, pois uma menina de 10 anos não poderia assumir, sem graves perigos para a sua saúde física e mental, o pesado encargo do governo do candomblé.
  • 35. 34 Nesse desenho de regime de poder há diferenciações de terreiros para terreiros, entretanto aqui se apresenta a disposição da relação de poder/ os agentes, de acordo com suas responsabilidades, na Umbanda, de respeitosa rivalidade com candomblé, conforme explicitam Brumana e Martinez (1991): QUADRO 1 - Diferenciações de terreiros para terreiros pai ou mão- pai ou mão- médiuns ogãs atabaqueiros cambones de-santopequena Intermediação + + + Proteção + (+) (+) (+) Contato + (+) + + Assistência (+) + + + Fonte: BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p. 148. Segundo Prandi (2005, p. 20), as sustentações da organização do Candomblé estão diretamente relacionadas, no que diz respeito à autoridade religiosa e hierarquia sacerdotal, à “noção de experiência de vida, aprendizado e saber, intimamente decorrentes da ideia de tempo ou a ela associados”. Quanto às distinções entre Umbanda e Candomblé, Magnani (1991) afirma que a Umbanda surgiu e se espalhou pelos centros urbanos e industrializados e dos seus seguidores não se pode cobrar uma dedicação exclusiva e nem as sessões podem se estender por longas horas da noite até alcançar a madrugada. Nessas considerações o autor inclui que a estrutura burocrática é estatutária e se sobrepõe à hierarquia, sendo mais simples do que a do Candomblé. Por outro lado, o Candomblé dispõe da casa do Babalorixá para o culto (ilê); a sede se apresenta como centro de uma família “que inclui ilês comandados por chefes de cultos feitos por ele e cujos membros, além dos vínculos de parentesco espiritual, estão ligados também por laços de solidariedade e relações de conflito”. (op. cit, idem, p. 39). 3.2 A Família de Santo, Linhagens Nas palavras de Uziel (2010, p. 1), “Se a família aparece como a mais natural das categorias sociais, é porque ela funciona como esquema classificatório e princípio de construção do mundo social”. Para uma explicação mais ampla sobre a estrutura familiar no contexto das religiões afro brasileiras, pode-se afirmar que a linhagem de santos apresenta semelhanças com a linhagem da família consanguínea. Nesta perspectiva, no Candomblé, mais precisamente, no
  • 36. 35 Centro Filhos de Obá, a relação de parentesco está atrelada às crenças e manifestações dos orixás do terreiro, pois os dirigentes não só acreditam que o comando se deve dar pela consanguinidade (parentesco), mas, inclusive, pela determinação sugerida pelos búzios (Infá) e de invumbes. Uma vez credenciada autoridade ali e, não tenha, em tempo, passado esse poder para um substituto, o pretendente ao cargo maior dependeria do choro que ocorre durante a cerimônia do Axexê (evento que conta com a presença dos voldunços7 da casa que convocam os orixás controladores dos eguns: Ogum, Yansã e Obaluaê, além do orixá do Babalorixá em questão). A ideia fundamental do sistema religioso iuorubá é a concepção segundo a qual todo homem descende de uma divindade [...]. Todos os membros de uma família descendem da mesma divindade [...]. É inteiramente indiferente que esta divindade seja ao mesmo tempo o deus da tempestade ou da forja, de um rio, da terra, do céu, ou o deus de uma força ou de uma atividade. Cada deus tem descendência e face a esta, tem o poder de nela se perpetuar através de filhos. Mas, numa segunda perspectiva [...]. Cada deus tem uma função determinada que lhe é própria. Temos o deus do ferro que fornece o metal para a forja [...]. Se a chuva faltar em algum lugar, toda população interessada invoca em comum o deus das chuvas, qualquer que seja Orixá que cada família descende. Se uma guerra sobrevier, toda comunidade invoca o deus do ferro (que é também o deus do destino das guerras) qualquer que seja o deus que descende cada pai de família [...] consequentemente, é preciso que cada propriedade possua um altar do deus familiar onde o serviço seja assegurado por um intermediário ou um preposto, um sacerdote familiar. E, em segundo lugar, cada comunidade urbana tem necessidade, para que cada grande deus possa agir bem ou mal sobre ela própria, de um templo, de um santuário onde as grandes festas, as cerimônias sejam celebradas por um grão-sacerdote ligado a cada deus [...] o membro celebrante da família chama-se Aboxá, o sacerdote da comunidade, Ajé. (BASTIDE, 1971. p. 86). Diante dessa realidade, os seguidores de Obá remetem, entretanto, ao que se pode chamar de rito de passagem (Adecá), o que só ocorre quando há a passagem do poder religioso daquele líder espiritual que está morrendo para o que está nascendo. Naquele momento é feita a previsão de quem vai assumir e, ao contrário, só no Axexê se vai poder dizer, através das entidades, quem, de fato, teria autonomia para assumir o cargo. Pode, entretanto, ocorrer que, na ocasião do choro, a entidade aponte alguém fora do critério habitual, isto é, fora do campo da consanguinidade. De acordo com Lévi Strauss (1982, p. 19), essa relação de parentesco, ou seja, as “estruturas elementares do parentesco é que podem definir classes ou determinar relações”. Outro exemplo dessa relação familiar é percebido no terreiro Abaçá São Jorge, situado em Aracaju, onde primeiramente comandou Mãe Erundina Nobre (Nanã Manadeuí) que foi sucedida por Mãe Marizete Silva Lessa (Oiá Matamba); sua sobrinha, que, por sua vez, 7 Anciãos com mais de vinte e um anos de feitorio.
  • 37. 36 deverá ser sucedida por sua filha Rita Maria Silva Lessa. Esta, por sua vez, deverá em um futuro remoto ser sucedida por Williane Lessa dos Santos, cumprindo assim, a linha de sucessão natural das Yalorixás do terreiro. Quase da mesma forma tem sido no Filhos de Obá, que tenta, atualmente, obedecer a uma sucessão de pai para filho, a exemplo da própria Ginalva, sobrinha-neta de Lixandre e, ainda, filha no parentesco do santo, sucessora de Paulo Gitokí e Cecília da Silva. O caso de Tá Inácia e Lixandre foi diferenciado, o que se constatará no decorrer deste texto. Convém salientar que uma família de santo bem se iguala ao modelo tradicional de família patriarcal especialmente por três grandes motivos: 1. Manutenção de uma hierarquia cujo poder irradiador é do chefe de terreiro; 2. Subordinação dos irmãos mais novos; e 3. Solidariedade. Radcliffe-Brown (1995), em suas considerações sobre os sistemas africanos de parentesco e casamento, apresenta uma reflexão sobre o termo “consanguinidade”, que se usa com o significado de “parentesco”, mas que segundo esse cientista, há uma concepção maior e que transcende à noção da biologia. Há ambiguidade e na palavra pai e é isto que procura explicar desde a concepção romana, passando por uma inglesa e se estendo até a noção de paternidade social - o que fica bem entendido como uma responsabilidade maior e não apenas o simples fato de alguém ter engravidado uma mulher. Pai é sinônimo de chefe e de orientador, como deixa entrever na frase de um provérbio corso que usa para exemplificar. Diz a frase que se chama de pai àquele que nos dá o pão. Acrescenta o autor acima mencionado que Em várias regiões da África há um costume segundo o qual uma mulher pode passar pelo rito do casamento com outra mulher e, desta forma, ficar no lugar de pai (pater) da prole da esposa, cujo pai físico (genitor) é um amante designado. (op. cit, p. 63). Apesar de semelhanças com a família tradicional, conste também que existem diferenças entre os dois tipos de grupos. As identidades dos indivíduos de uma família de santo podem apresentar características como a diferença de idade. Isto é, a pessoa pode ser um jovem e ser considerada um senhor (a senioridade) em virtude de seu desempenho ou avanço espiritual na família de santo. Por outro lado, pode ser avançado na idade cronológica e ainda um iniciante nos ritos. Em casos assim, de mais experiência nos ritos, o jovem terá prevalência ao de mais idade. Dentro do Filhos de Obá vale lembrar, por exemplo, Lixandre que, desde menino já se mostrava prodigioso. Carneiro (1948 apud LIMA, 2003, p. 77-78) apresenta a noção de atemporalidade no Candomblé:
  • 38. 37 [...] esclarece vem a diferença entre os mais velhos na idade e os mais velhos no santo. Muitas vezes, num barco, estão recolhidas pessoas que têm entre si uma grande diferença de idade. Mas que são irmãos de barco, com a mesma idade do santo. Mas qualquer iniciado de um barco é “mais velho”, seja qual for a sua idade, do que qualquer iaô do barco imediatamente subsequente e, por isso mesmo, será mais novo no santo do que qualquer iaô de barcos anteriores aos seus. A faceta relativa ao sistema de descendência sucessória na família de santo do Candomblé apresenta-se em dois tipos: o primeiro que reconhecia a regra da descendência ligada à família religiosa (filhos são os iniciados e não os concebidos biologicamente). Esta forma representa a maioria. E a segunda seria a do grupo de descendência ligada ao fator biológico, segundo explica Lima (2003). Os casamentos realizados no Centro Filhos de Obá ocorrem entre seguidores dessa fé. Sendo que, um pretendente fora desse requisito, deverá passar por um processo de iniciação aos ritos para ser aceito. O evento matrimonial é ritualizado pelo Babalorixá ou pela Yalorixá que abençoa as alianças segundo os costumes dos adeptos dos orixás. Para alguém ser aceito na família de santo exige-se que se submeta ao ritual dos búzios; deve frequentar as reuniões, passar pela lavagem de cabeça para se constatar a legítima afinidade com a crença. Logo após, sendo aprovado, o postulante enfrenta o feitorio e se torna um familiar naquele ambiente. 3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé Diverso e complexo é o sistema de poder no Candomblé, desde a África, e assim se mantém no Brasil. Há informações diferenciadas sobre os postos que ocupam os membros que constituem o esquema de comando entre os grupos representativos da religiosidade afro brasileira. O estudioso Reginaldo Prandi (2001, p. 45) adianta que: Os membros de um candomblé são classificados basicamente em duas grandes categorias de idade iniciática: os iaôs, aqueles iniciados há pouco tempo e que formam o grupo júnior, e os ebômis, os iniciados há bastante tempo e que assim são capazes de realizar, com autonomia, atividades rituais mais complexas, o grupo sênior. A palavra ebômi, do iorubá egbomi, significa exatamente "meu mais velho", e era assim que na antiga família poligínica iorubá as esposas mais velhas se tratavam. Iaô, nessa família tradicional, era a denominação dada às esposas mais novas. No candomblé, enquanto os ebômis conquistam certa autonomia em relação à autoridade suprema da mãe ou do pai de santo e são encarregados de tarefas rituais importantes, de prestígio dentro do grupo, com privilégios e honras especiais, as iaôs (ou os iaôs, pois há muito a palavra iaô perdeu no candomblé a conotação de esposa), os jovens iniciados, enfim, só fazem obedecer, usando símbolos e cultivando gestos e posturas que denotam a sua inferioridade hierárquica. Lembrando que a estrutura organizacional do candomblé é uma reprodução
  • 39. 38 simbólica da estrutura tradicional da família iorubá, de resto perdida no Brasil, evidencia-se a importância da experiência acumulada na constituição dos grupos de autoridade. Os ebômis são os que sabem, porque são mais velhos, viveram mais, acumularam maior experiência. Sua autoridade é dada pelo tempo acumulado, que pressupõe saber maior. Outros aspectos ligados especificamente às hierarquias nas sociedades primitivas e antropologia econômica são vistos por Godelier (In Aguiar, org. 1974, p. 80). O estudioso enfoca a diversidade das vias de desenvolvimento econômico e afirma que a competição no interior do grupo se inicia geralmente para além “da esfera da produção e da apropriação dos bens de subsistência e não leva à perda da existência física, mas do status social dos indivíduos”. Alves Filho (2008, 173), ao estudar o Quilombo dos Palmares na formação histórica do Brasil, afirma que este foi o primeiro evento histórico em todo o território brasileiro a levantar as contradições e os impasses do regime das imensas propriedades da zona rural que exploravam o braço escravo, o que era típico da dominação portuguesa nestas terras. Seria, portanto, conhecer a revolta dos Palmares, uma forma de “desmascarar o mito da maior produtividade do trabalho escravo em relação ao trabalho livre em meio colonial”. No que diz respeito à cultura, sociedade, comunidade e as novas formas societárias, Pereira Neto (2008) admite a necessidade de questionar e refletir acerca dos preceitos que encaminham um grupo a exercer o poder em determinada sociedade. Inclusive este autor frisa em seu trabalho quanto à complexidade da sociedade atual no pertinente à demarcação de poderes e fronteiras religiosas. A hierarquia do Candomblé, entretanto, reserva para os seus seguidores destacadas e inquestionáveis posições, a depender de alguns critérios internamente e tradicionalmente estipulados, inclusive para fazer valer a cultura, mantendo-a em terras estranhas. O poder da mãe de santo e sua autoridade sobre os filhos de sua casa pode ser expresso pelas cerimônias de iniciação em seus vários graus de intensidade. É a mãe de santo quem integra a pessoa no grupo com os rituais adequados para cada nível de participação: é quem lava as contas das abiãs; que dá o bori dos ogãs; quem assenta o santo das equedes; e que, afinal, raspa a cabeça das iaôs. (LIMA, 2003, p. 135). O cientista Verger (2000, p. 92-103), em sua obra Notas sobre o culto aos orixás e voduns, descreve detalhadamente, em cada etapa, uma cerimônia de iniciação, desde os preliminares até a refeição em comum. Em virtude da extensão e minúcias do relato, são introduzidos a este texto apenas dois excertos: um referente ao início da referida cerimônia, e o outro, ao final: