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O documento é um seminário sobre educação popular e lutas sociais realizado em 2004 no Rio de Janeiro. Ele contém artigos de vários autores sobre educação popular, formação da consciência e lutas políticas no Brasil.
1. Seminário de Educação Popular
e Lutas Sociais
17 e 18 de novembro 2004
Dê um duplo clique para iniciar a
apresentação
Seminário de Educação Popular/ Organizadores do evento: Maria
Lídia Souza da Silveira e Eblin Farage
Rio de Janeiro – Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ –
2005
126 p.ISBN- 85-99052-02-0
1- Processos de consciência 2- Lutas sociais 3- Educação Popular
4- Subjetividade.
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INDICE DE AUTORES
Adelar João Pizetta
EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA
Aída Bezerra
PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR
Bruno José da Cruz Oliveira
A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA
PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL:
UM DEBATE NECESSÁRIO
Eblin Farage
EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO
Elisonete Ribeiro
INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E DIÁLOGO COM A EDUCUÇÃO POPULAR
Emilio Gennari
A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
Emilio Gennari*
EDUCAÇÃO POPULAR, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ATUAIS: NÚCLEO DE EDUCAÇÃO
POPULAR 13 DE MAIO.
Francine Helfreich Coutinho dos Santos
SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: DIMENSÕES DE POSSÍVEIS DIÁLOGOS
Grace Karen Emrick
SAÚDE DO IDOSO, SERVIÇO SOCIAL E RECURSOS HUMANOS EM UMA UNIDADE
DE SAÚDE: REALIDADES E DESAFIOS. POSTOS NO DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO
POPULAR
Maria Dalva Casimiro Silva
EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR E MOVIMENTO SINDICAL: REPENSANDO AS
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA
Maria Isabel de Araújo Lins
O MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR DE RECIFE
Maria Lídia Souza da Silveira
EDUCAÇÃO POPULAR: NOVAS TRADUÇÕES PARA UM OUTRO TEMPO HISTÓRICO.
Mauro Luis Iasi
3. EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA
Regina Rocha
INTRODUÇÃO AO DEBATE: UM PERCURSO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO POPULAR
Rute Maria Monteiro Machado Rios
SEMINÁRIO: EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL
EDUCAÇÃO POPULAR NA DÉCADA DE 60
Rute Maria Monteiro Machado Rios (texto 2)
PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR
4. EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA1
Adelar João Pizetta2
Introdução
Quero em nome do MST, agradecer o convite e dizer que é uma satisfação poder
estar participando de um evento tão relevante como este. Por isso, parabenizo pela
iniciativa e realização.
É um desafio, em tempo restrito (30 minutos), abordar um tema, que trata da
educação, da consciência e das lutas políticas. Por isso, vou tentar fazer referência e trazer
alguns elementos que possam ajudar e contribuir no debate. Outros elementos, não menos
importantes, poderão se agregados posteriormente.
Espero que todos possamos, ao final, sairmos mais enriquecidos ao participarmos
desse momento de interação e diálogo.
Ainda a título de introdução, quero ressaltar, que talvez, pela primeira vez temos no
Brasil, um processo de educação e formação popular vinculado e sob orientação de um
movimento social como o MST. Ou seja, um processo educativo, formativo que faz parte da
estratégia de luta e do processo organizativo do Movimento dos Sem Terra, que há 20 anos
vem sendo construído com a participação coletiva, bebendo em diferentes fontes teóricas e
nas experiências históricas. Já avançamos mas, os desafios são enormes e a estrada ainda
é longa.
Na minha exposição quero fazer referência a 5 tópicos que se entrelaçam e
conformam um mesmo processo - o da formação da consciência e das lutas sociais.
1- A conquista do direito de usar a consciência
Os trabalhadores Sem Terra, através de suas ações coletivas e organizadas na luta
pela conquista da terra, resgatam o direito de ter consciência e de utilizá-la para construir
uma vida diferente.
Se no processo de luta, os Sem Terra se afirmam diante da realidade em mudança,
também muda seu papel e sua condição na história. De vítimas da estrutura da sociedade
atual excludente, passam a ocupar um lugar no espaço geográfico e político. Podemos
dizer, que conquistam um “espaço” a partir do “não espaço”, do espaço negado.
1
Exposição realizada na Mesa: Educação Popular: formação da consciência e luta política, realizada no dia 18
de novembro de 2004, no seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, promovido pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ/RJ.
2
Membro do Movimento dos trabalhadores Rurais sem terra (MST)
5. Essa dinâmica que acontece na base material, logicamente tem sua influência na
consciência dos Sem Terra envolvidos na luta. No entanto, não são as mudanças na
consciência que transformam a realidade. Nem tampouco, as transformações na realidade
mudam por si só o jeito de pensar e conceber o mundo. Aqui, estabelece-se uma relação
dialética entre o Ser e o Pensar. O determinante são as condições materiais, que influem
sobremaneira na consciência dos indivíduos. É nessa relação que se dá o processo de
conscientização, pois a consciência é capaz de interpretar os fenômenos do real que estão
além da aparência. Percebe a realidade como um todo complexo que está sendo, algo
dinâmico, em movimento constante de mudança.
Mas, mesmo que ocorra uma mudança na percepção dos sujeitos envolvidos no
processo, que ocorra um desvelamento da realidade, ainda não se efetivou o processo de
conscientização. Por que? Porque esse processo de conscientização não pode parar na
etapa da compreensão da realidade. A conscientização se dá quando a prática do desvelar
a realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática de transformação da
mesma. Ou seja, não existe conscientização, não existe elevação do nível de consciência
sem as ações práticas que vão transformando a realidade. No caso específico do MST, os
militantes, educadores populares, que articulam as famílias para romper as cercas do
latifúndio, transformam o conhecimento da realidade em ação, portanto, se dá um passo no
processo de conscientização.
Agora, essa nova realidade – acampamento/assentamento – gera uma nova
compreensão que vai exigir uma nova ação com mais qualidade e consciência para
continuar a luta pela Reforma Agrária e evoluir no processo de formação da consciência.
2. A importância da participação consciente e a consciência da participação
Quem nada faz, quem não participa, logicamente também não se faz, não se
constrói enquanto sujeito político. Quem não participa de um Núcleo de Base, quem não
assume nenhuma tarefa, não desempenha nenhuma função na organização, é “matéria
morta”, não é força para a luta, não permite o desenvolvimento, da consciência política.
Se o assentado depois de conquistar a terra deixa de participar, está indo para a
morte enquanto Sem Terra e vai enterrando o avanço da consciência. A consciência
despertada no movimento da ocupação precisa agora de um novo impulso, através da
participação efetiva e permanente.
No trabalho de formação e educação popular, é importante perceber, que para
desenvolver a consciência são necessários alguns requisitos: a) Saber interpretar as reais
6. necessidades das massas, suas causas e contradições; b) Definir coletivamente os
objetivos e metas a serem alcançadas; c) Elaborar planos de ações com a divisão de
tarefas que envolvam um conjunto de muitas pessoas; d) Desenvolver as ações e avaliá-las
permanentemente, extraindo delas lições.
Na organicidade do MST, cada núcleo que participa de determinado assentamento
e/ou acampamento, enfrenta problemas reais. Esses problemas, depois de identificados
precisam ser aprofundados, discutidos para serem assimilados por todos. Isso possibilita a
tomada de decisões, não de maneira individual, mas, com a participação coletiva.
Em seguida é necessário, estabelecer ações concretas que deverão ser assumidas
não por meia dúzia de militantes, mas, envolvendo muitas pessoas, desde as tarefas mais
simples até as mais complexas, sempre levando em conta as habilidades e potencialidades
dos integrantes dos coletivos de base (núcleos).
Como disse Freire: “Não há conscientização popular sem uma radical denúncia das
estruturas de dominação e sem o anúncio de uma nova realidade a ser criada em função
dos interesses das classes sociais hoje dominadas”.3 Portanto, não basta negar e destruir a
realidade que aliena. É necessário ir forjando a realidade que liberta, de forma gradativa, as
consciências e a realidade. O estudo ganha mais força e sentido quando estiver colado
com a prática política e organizativa dos grupos sociais.
Por isso, a consciência está em movimento se o corpo estiver em movimento.
Porque sua função é refletir a realidade que rodeia o corpo e, no esforço do fazer, é que a
consciência se desenvolve. O ser humano ao fazer algo concreto se faz a si próprio, e
desenvolve a consciência. O Sem Terra ao fazer a luta pela terra, constrói sua identidade e
na sua participação, cada vez mais consciente, constrói a organização política que o
representa e o faz Ser Político.
3- A organicidade no processo de formação da consciência
Na nossa compreensão, quanto mais rapidamente avançarmos na organização e
nas lutas de massa, mais se abre o campo para a formação da consciência. A organização
é a chave para divulgar, assimilar e implementar na prática as idéias da mudança. É a
organização que possibilita alcançar os objetivos e superar os desafios que a realidade
impõe. A força está na organização.
3 Paulo Freire. Ação Cultural pela Liberdade e outros escritos. SP, p. 95.
7. Os Sem Terra elevam seu nível de consciência quando participam dos processos
de organização, discussão e tomada de decisões, influenciada pela capacidade pedagógica
dos militantes, das lideranças.
A evolução na formação da consciência, pode ser medida pelo sentimento de
indignação e pelos gestos de solidariedade que um grupo demonstra. Pelas ações que
esse grupo desenvolve e pela postura política que adota diante dos desafios, contradições
e complexidade do momento atual.
Na práxis política e organizativa do MST, procuramos combinar as ações,
iniciativas, articulando de maneira consciente: a organicidade, a formação e as lutas. No
processo de formação da consciência esse tripé é fundamental, se requer se complementa.
A ausência dessa articulação, pode levar a que o processo de acúmulo comece a
perder força e, aquilo que está sendo novidade torna-se rotina, não passa de definições,
regras que não conseguem ser realizadas na prática.
Por isso, achamos fundamental combinar o processo de lutas com o estudo teórico
para que haja um desenvolvimento mais completo e amplo da consciência dos militantes. É
nos embates que ela vai sendo moldada e “polida” pela teoria.
4. Papel da formação
Trabalhar a elevação do nível da consciência dos Sem Terra, agora nos
assentamentos e acampamentos, não se pode considerar “caixas vazias”, nas quais vão
sendo depositados conhecimentos políticos e técnicos, imaginando que estamos assim
formando-as.
É preciso entender que ao transformar - mesmo que de maneira incompleta - a
realidade, abrem-se brechas para ir transformando o mundo da cultura criado pelos Sem
Terra e que agora, também se volta sobre ele próprio. Ou seja, os camponeses
desenvolvem uma maneira de pensar e de perceber o mundo de acordo com o ambiente
cultural, fortemente influenciado pela ideologia dos grupos dominantes na sociedade em
que estão inseridos. Essa maneira de pensar acaba sendo cristalizada, traduzida, e se
expressa naquilo que Paulo Freire chama de “cultura do silêncio”, impregnada na
consciência de muitos camponeses que participam do MST.
Segundo Freire,
Esta ‘cultura do silêncio’, gerada nas condições objetivas de uma realidade
opressora, não somente condiciona a forma de estar sendo dos
camponeses enquanto se acha vigente a infra-estrutura que a cria, mas
8. continua condicionando-os, por largo tempo, ainda quando sua infra-
estrutura tenha sido modificada4.
Em nosso caso específico, mesmo tendo mudado o contexto social em que os Sem
Terra estão inseridos, os resquícios do mundo da cultura anterior, continuam se
manifestando na tentativa da produção de uma nova cultura. É como se fosse uma luta
entre os elementos em desconstrução e os aspectos da construção de um novo jeito de ser
e pensar, de viver valores e comportamentos distintos do exigido na sociedade capitalista.
Trata-se portanto, de ver formas de relações entre as pessoas, baseadas na nova
estrutura material criada, capazes de ir influenciando a vida, a cultura, num sentido bem
oposto ao da vida anterior.
Nesse sentido, a tarefa que se coloca para a formação/educação é a de, partindo
daquela visão e concepção de mundo – “cultura do silêncio” – desenvolver com os
camponeses, um processo crítico sobre ela, por meio da inserção dos mesmos, cada vez
mais conscientes, na realidade que se transforma e os transforma.
Ao possibilitar que as pessoas elaborem seus pensamentos, que discutam
coletivamente as proposições, dúvidas, incertezas e esperanças, abre-se caminho para
criar alternativas e buscar soluções que por eles serão assumidas e levadas adiante na
ação cotidiana.
Nesse contexto, o papel da formação é: a) Despertar as consciências que
adormecem ao embalo dos chavões; b) Instigar a curiosidade teórica, a imaginação que
projeta a construção do novo; c) Motivar para que as idéias de mudança se traduzam em
força de mudança por intermédio da ação coletiva dos homens e mulheres organizados no
movimento social; d) Tirar o véu que oculta a verdadeira causa dos problemas que afligem
o povo; e) Demonstrar que a utopia é viva, que a mística alimenta o sonho da
transformação que vai se processando ao nível individual e aos poucos, contagia uma
massa enorme de seres humanos; f) Contribuir na eficácia e eficiência da ação dos
militantes e dirigentes que constroem, com sacrifício e heroísmo, o MST.
5. A consciência como o conjunto de seus momentos
Cabe nessa exposição, recuperar a explicação que já conhecemos sobre a
consciência, como o conjunto dos seus momentos: Conhecimento; Auto-conhecimento; As
emoções; A imaginação; A vontade.
4 Paulo Freire. Ação Cultural para a liberdade e outros. p. 37.
9. Consciência é conhecimento, mas não qualquer conhecimento. Qual o
conhecimento que liberta? A consciência se constitui em formas de conhecimento, porque o
conhecimento não é uma porta fechada, é um conjunto de momentos, de sentimentos, de
desejos, vontades, expectativas. Na medida em que se aprofunda a luta de classes, novas
demandas e saberes são colocados para os educadores e militantes do Movimento. Ou
seja, são vários conhecimentos, várias dimensões que precisam ser articuladas no
processo de formação e educação.
Através das lutas e da formação, as pessoas vão descobrindo e entendendo o
papel que podem desempenhar nos processos e na história. Conseguem recuperar a auto-
estima, a força que brota das ações coletivas e organizadas. No fundo, esse processo de
confronto com o status quo, permite que tomem consciência do seu papel diante da
realidade em mudança e da sua importância enquanto sujeitos do processo orgânico e de
luta pela Reforma Agrária. É a auto-consciência.
Percebe-se também, que o povo entende de forma rápida e fácil, a linguagem do
sentimento, do coração, das emoções, do fazer cotidiano. As pessoas têm emoções que as
entusiasmam, e, se entusiasmadas participam, se movimentam, transformam. Se não for
expressado o sentimento de raiva, indignação mas também de alegria, vibração nas
conquistas, a consciência vai ficando incompleta.
É preciso trabalhar e desenvolver a imaginação, a capacidade de criar, projetar,
sonhar. Já disse Florestan: “A grandeza de um homem se define por sua imaginação. E
sem uma educação de primeira qualidade a imaginação é pobre e incapaz de dar ao
homem instrumentos para transformar o mundo”5.
Por fim a vontade. A consciência tem um caráter ativo, durante a sua formação. É a
capacidade de mover todas as forças para enfrentar os problemas e buscar alternativas
para satisfazer as necessidades, transformando a realidade. Os grupos precisam querer
fazer, querer lutar, querer a mudança, pois, sem essa decisão concreta, não basta ter boas
idéias é preciso transformá-las em ações transformadoras.
A força das mudanças está no povo, no entanto, é preciso organizar essa força. Os
militantes, dirigentes que passam pelo processo de formação e educação popular, devem
aprender a organizar as massas. Os técnicos, intelectuais que atuam nos assentamentos,
precisam saber e se não sabem, precisam aprender a organizar o trabalho das massas. É
uma arte. Precisam dominar o método, desenvolver uma pedagogia de trabalho e educação
das massas.
À guisa de conclusão
5 Florestan Fernandes.
10. Como alertei no início, chega-se ao término da exposição com o sentimento de que
lacunas ficaram abertas; de que idéias precisam ser mais aprofundadas; de que o tema nos
instiga a continuar a reflexão. É bom que seja assim, pois assim, alimentam-se os passos
que ainda serão dados.
Após a trajetória, a reflexão aqui feita, cabe um trecho de um poema de Ademar
Bogo:
Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em
frente companheiro, você é o guerrilheiro que a história nos deu.
Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em
frente companheira, você é a guerrilheira que a história nos deu6.
Como educadores, militantes que somos, esta é nossa grande tarefa, nossa grande
missão: acabar com a “seca” que afeta o cultivo na consciência dos Sem Terra, fruto da
“cerca ignorante” da sociedade capitalista excludente.
A educação popular, conjuntamente com as lutas e a organização dos
trabalhadores, deverá “regar”, cultivar, formar a consciência e os militantes, com um novo
perfil, com uma nova qualidade, para que as sementes produzam novos frutos. Um povo
consciente é um povo forte, um povo valente e construtor do seu destino.
Acreditar que a força das consciências, que a força das idéias pode combater as
idéias da força, nos coloca num patamar em que “quem não sabe faz, mas, quem sabe faz
diferente e melhor”.
Bem disse José Marti: “Trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedras”.
Construir a força das consciências, essas trincheiras de idéias e imaginação, construir a
luta de classes, como forma de levar adiante os processos de mudança, é nossa tarefa
histórica, da qual não podemos nos esquivar.
Muito obrigado a todos pela paciência e atenção..
6 Poema de Ademar Bogo.
11. PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR7
Aída Bezerra
Rute Maria Monteiro Machado Rios
8
Alguns traços de uma história pregressa
Considerando que o momento histórico/político da década de 60, no Brasil, abre
um espaço conjuntural ao desenvolvimento do que depois se costumou chamar de
educação popular, acreditamos que não se possa tomá-la como um fenômeno sem raízes
numa história política e cultural pregressa. A atenção à herança histórica pode nos ajudar a
compreender muito dos componentes da ação direta dos educadores que aí se
inscreveram.
O discurso político - denunciador das relações de exploração, convocador da luta
anti-imperialista, mobilizador de um movimento de organização política das camadas
populares - dá um pano de fundo à nova qualidade da intervenção educativa mas, por si só,
não se traduz em intermediações que falem de uma mudança radical no plano pedagógico.
Por isso, tentaremos aqui explorar as contribuições pedagógicas e metodológicas que
influenciaram a prática de uma educação voltada para os segmentos mais pobres da
sociedade.
Podemos situar, a grosso modo, num período que vai de 1945 a 1958, três modos
de intervenção educativa que marcaram o momento e que, somadas às novas contribuições
que surgiram na fase 1959/64, vão repercutir sobre as práticas educativas desenvolvidas na
década de 60. São elas: a presença educativa da Igreja, sobretudo a Católica, nos meios
populares; a extensão rural; e o desenvolvimento de comunidade (BEZERRA, 1977, p.35-
56).9
7 Este texto e parte do artigo “A negociação: uma relação pedagógica possível” publicado espanhol na revista CESO
PAPERBACK nº22, Cultura y política en educación popular: princípios, pragmatismo y negociación – La Haya, Holanda,
1995.
8
Educadora
9 Por não considerar que tenham tido preponderância na formulação das estratégias de educação que tomaram peso na
década de 60, não incluímos aqui as iniciativas governamentais do tipo ensino supletivo ou campanhas de alfabetização;
nem os serviços de aprendizagem profissional do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e do SENAC -
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ambos do Ministério do Trabalho; nem aqueles implementados pelo SESI
- Serviço Social da Indústria e SESC - Serviço Social do Comércio, ligados às necessidades identificadas pela burguesia
comercial e industrial.
12. a) Período de 1945 a 1958
A presença educativa da Igreja
Ao mesmo tempo em que priorizava as suas instituições de ensino voltadas para a
formação das elites, a Igreja mantinha em suas obras sociais, paroquiais e diocesanas,
serviços educativos de tipo assistencial e preventivo. Preocupavam-se com o destino social
e moral (alcoolismo, roubo, prostituição) dos desocupados, pobres, egressos do meio rural.
Nesse sentido, as atividades educativas se atinham à instrução (alfabetização e ensino
elementar) e à iniciação profissional (distinta para homens e mulheres).
A relação que se estabelecia entre a instituição e a sociedade era do tipo entre
provedores/carentes. A existência de pobres não era um dado questionável. Isso
correspondia à visão de uma sociedade estável, onde o que contava era a salvação
individual. A ausência de crítica e avaliação dos trabalhos tinha a sua explicação: faz-se
crítica quando se sente a necessidade da mudança. Tudo se resolvia de modo
administrativo e isoladamente: a cada instituição, sua clientela, sua fatia de pobres.
No entanto, é outra a percepção dos Círculos Operários. Criados, em 1932, para
garantir formação cristã a uma liderança operária, começam, a partir de 1954, a redefinir o
seu papel em termos mais agressivos, chegando a se alinhar às forças de resistência às
investidas do "comunismo" no meio sindical (MANFREDI, 1986, p. 35-75).
A extensão rural
A extensão rural foi criada a partir da definição do Brasil enquanto um país de
"vocação" essencialmente agrícola.10 Depois de um período de experimentação, a extensão
rural se institucionalizou órgãos executores (Associações de Crédito e Assistência Rural) do
convênio entre o governo brasileiro e o Ponto IV (Instrumento da cooperação norte-
americana).11
Do ponto de vista da educação, a importância desse registro está em destacar a
sua qualidade de produto importado. Todos os seus técnicos de primeiro escalão eram
treinados nos Estados Unidos. A metodologia de atuação refletia essa falta de
10 O Censo de 1950 do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística informa que a população rural do país, nessa
ocasião, era da ordem de 64%, utilizando como critério para definir população urbana os residentes em aglomerados
acima de 2.000 habitantes. Daí se pode inferir que, na verdade, a participação relativa da população rural na composição
demográfica do país, nessa época, era muito mais alta.
11 Mais tarde, essas diversas associações regionais de crédito e assistência rural se organizam numa estrutura central -
ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural) vinculada ao Ministério da Agricultura.
13. contextualização na padronização do trabalho, qualquer que fosse a região atendida, e na
ausência de criatividade pedagógica. O conteúdo já estava dado e os meios de
comunicação se colocavam no primeiro lugar nas preocupações educativas. O bom
educador era aquele tecnicamente capaz de manejar com eficiência o arsenal de recursos
audiovisuais de persuasão.
A educação era voltada fundamentalmente para a produção e para o consumo. O
desenvolvimento era uma questão de modernização, e por essa via o bem estar de todos
(social welfare). A clientela da extensão era composta por indivíduos produtivos e a família
era a unidade dessa produção. A estratégia de atuação era uma combinação das linhas
específicas de atendimento a cada um dos componentes da família (chefes de família,
donas de casa e jovens).
Um aspecto marcante na metodologia da extensão foi o destaque dado à liderança
(leadership), quer institucional (padre, prefeito, professora), quer espontânea, dos
agricultores. Isso com vistas não só à legitimação da intervenção, como ao aproveitamento
do poder de influência das pessoas. O treinamento de líderes teve, na extensão rural, um de
seus grandes promotores, e o uso deste tipo de instrumento vai ser reproduzido por um
sem-número de iniciativas educativas na década de 60.
É desnecessário comprovar que uma teoria social de base funcionalista dava
suporte a toda essa intervenção.
O desenvolvimento de comunidade
As raízes anglo-saxônicas do desenvolvimento de comunidade (community
development) foram nitidamente marcadas pelo comportamento colonial inglês, como nos
ensina Yves Goussault a respeito das diferenças do comportamento inglês e francês na
África:
[...] a identidade do colonizador, e de suas intenções metropolitanas,
determina, de antemão, os modos específicos de ação sobre a vida colonial
local. Por sua origem, o estilo de intervenção difere e essa diferença marcará
toda a evolução do desenvolvimento durante o período colonial,
compreendendo inclusive o nascimento da animação e do desenvolvimento
de comunidade (GOUSSAULT, 1968, p. 572).
Entretanto, a experiência de desenvolvimento de comunidade que chegou ao Brasil
não foi diretamente a que resultou das colônias africanas, mas a que se desenvolveu nas
terras da Nova Inglaterra.
A tradição inglesa de governo local se encontra, pois, acentuada pelo
fenômeno da colonização, e é a idealização da autonomia e do voluntariado
14. que encontraremos na base de numerosos projetos de desenvolvimento de
comunidade. (MEISTER ,1969, p.204)
O seu embasamento teórico mais recente só se explicitou com o desenvolvimento
da sociologia inglesa e norte-americana, adquirindo progressivamente um arcabouço
explicativo e um aperfeiçoamento de sua sistemática de intervenção (estudo/diagnóstico-
planejamento - execução - avaliação). Foi esta proposta, já testada e elaborada, que
recebemos no Brasil: uma expressão ativa do funcionalismo norte-americano que contava
com o aval da OEA.
Acreditava-se que uma atuação de âmbito comunitário era suficiente para atingir e
solucionar a maioria dos problemas das populações locais. E também que o hábito de
transferir ao governo a iniciativa das questões sociais fizera com que as populações
deixassem de assumir a sua parcela de esforço em prol do bem comum. Impunha-se, então,
educar as comunidades para a auto-promoção (self-help) de seu desenvolvimento, a partir
das suas necessidades sentidas (felt-needs). O bem comum era um valor que convocava ao
acordo e as estratégias propostas estavam atentas à neutralização dos conflitos.
Na formação de técnicos em desenvolvimento de comunidade ministrada, sobretudo
pelas Escolas de Serviço Social, podem ser identificadas, entre outras influências-teóricas,
no plano filosófico, como o personalismo de Mounier, as idéias de cristianismo social de
Maritain; e no plano sociológico, as propostas de desenvolvimento harmônico e integral de
Lebret. Tudo isso era conjugado, sem grandes questionamentos, ao ensino da sociologia
funcionalista que dava respaldo ao desenvolvimento de comunidade.
Esses técnicos reclamavam dos pressupostos economicistas a partir dos quais se
planejava o desenvolvimento. O desenvolvimento social era mais abrangente e estava
referido ao bom funcionamento das instituições representativas dos diversos setores da
sociedade. Um bom projeto de desenvolvimento de comunidade era aquele que chegava a
organizar um Centro Social e a obter a constituição de um Conselho de Comunidade ao qual
competia exercer uma vigilância dinâmica sobre a vida local e decidir sobre a
compatibilização de seus programas e esforços em função do bem comum. Deviam
convocar as atividades necessárias à solução dos problemas sentidos e à maximização das
possibilidades do desenvolvimento local. A construção de um consenso era fundamental
para o sucesso do empreendimento.
Deixando de ter como referência a aldeia africana ou o núcleo de povoamento norte-
americano, o conceito de comunidade ficou mal traduzido em termos operativos, apesar dos
inúmeros esforços de precisão dos nossos sociólogos. Mas, a idéia de uma ação educativa
15. mais abrangente e a noção de desenvolvimento local, vão perdurar em muitas das
intervenções que se seguiram.
b) Período de 1959 a 1964
A concessão das liberdades democráticas, fruto do novo pacto de conteúdo
populista que caracterizou a fase do desenvolvimentismo no Brasil, ofereceu um clima
propício à expressão de diversas lutas. Nesse período se situa a expansão de uma
educação voltada para as camadas populares.
Para caracterizar essas iniciativas referimo-nos às instituições que formaram e/ou
forneceram os quadros responsáveis pela concretização dos vários tipos de proposta. A
origem dos agentes determinou, em muito, as suas estratégias de ação e nos permitiu
entender melhor as tensões e as possibilidades de alianças entre as diferentes tendências.
Três âmbitos institucionais inspiraram os agentes de educação nas linhas dominantes e nas
formas de intervenção junto aos grupos populares: as Universidades e o Movimento
Estudantil; os partidos e as organizações políticas de programas socialistas; e a Igreja,
fundamentalmente a Católica.
Mesmo tendo em comum o caráter politizador e mobilizador das ações, somente
algumas dessas iniciativas demonstraram preocupação maior com a questão pedagógica ou
com a estruturação de uma metodologia que desse organicidade à sua atuação educativa.
As Universidades e o Movimento Estudantil
Ao nosso ver, o que marcou a iniciativa das elites intelectuais foi uma preocupação
de ordem político-cultural. A denúncia do imperialismo econômico se estende à do
imperialismo cultural. Era preciso dar maior solidez à cultura nacional para que ela resistisse
e se impusesse à invasão cultural imperialista. Nessa direção, enfrentavam os desafios de
tirar a Universidade de seu enclausuramento pelas elites sociais e de encontrar os seus
caminhos de serviço ao povo.
Novamente estava em jogo a afirmação de uma cultura nacional. O que importava,
agora, era principalmente a democratização da cultura. Na verdade, este movimento se
traduziu sobretudo pelo esforço de criar e ampliar os acessos do povo à cultura consumida
pelas elites: teatro "popular" politizante, música "popular" politizante ou educação do gosto
musical do povo; e o uso de recursos da cultura popular para comunicar conteúdos
politizantes (poesia de cordel, violeiros repentistas, e a valorização do folclore nacional). A
ênfase desse movimento esteve predominantemente vinculada à expressão da arte
engajada, e o conteúdo educativo da proposta ficou circunscrito aos limites dessa postura. O
16. apoio da UNE (União Nacional dos Estudantes) e das UEEs (União Estadual de
Estudantes), através da criação dos CPCs (Centro Popular de Cultura), foi fundamental à
dinamização dessa linha de atuação.
Data desse período a valorização dos cursos de Filosofia e a implantação dos
cursos de Sociologia. O estudo do marxismo deixava de ser uma quase prerrogativa da
formação de quadros dos partidos comunistas e da pesquisa e debate de núcleos de
intelectuais.
Os partidos e as organizações políticas
A Revolução Cubana estimulava as esperanças revolucionárias acalentadas pela
esquerda brasileira e que se fortaleciam no clima de reivindicação das reformas de base do
governo João Goulart. A militância dos vários partidos e organizações políticas, sobretudo os
de inspiração marxista, se expandiu fortemente nessa fase. A urgência de mobilização e
organização das massas, convocadas a se inscrever na grande luta revolucionária da
tomada do poder de Estado, levava essa militância a atuar nas instituições que serviam
como canal de acesso às camadas populares, ou nas (ou sobre as) organizações
específicas dos trabalhadores.
As estratégias de acumulação de forças para o confronto de classes e a luta pela
hegemonia de poder nas instituições vão levar esses grupos a se defrontar com outras
propostas (de resistência às mudanças ou alternativas de encaminhamento). Dependendo
da inscrição da tendência política (trotskista, maoísta, stalinista e outras) os militantes
optavam preferencialmente por uma atuação no meio urbano ou no meio rural. As alianças
se tornavam mais viáveis, ou mais litigiosas, segundo o grau de radicalismo exercido pelos
grupos. Afora o movimento estudantil, a presença estava mais concentrada no universo das
organizações de trabalhadores do que nas iniciativas que enfatizavam o caráter educativo
da ação.
Mesmo com toda a intensidade da luta urbana, o que ocorria no meio rural tinha
uma repercussão política muito significativa no panorama nacional. O fato de trazer à tona a
questão explosiva da Reforma Agrária, aliando-a à convocação do campesinato para a
arena das forças políticas, de onde sempre fora excluído, ameaçava a tranqüilidade da
"ordem pública". O baixo nível de organização convencional dos trabalhadores rurais era
propício à ressonância das mais variadas convocações e, ao lado disso, o respaldo dado por
estratégias do governo Goulart contribuía para acelerar essa mobilização. Aí, vão se
encontrar e se defrontar: a militância de diversos partidos e organizações lutando pelo
controle da maior parcela de sindicatos. Uma parte da Igreja lutando pela hegemonia do
17. sindicalismo cristão; e outra parte, via Movimento de Educação de Base, lutando, num
primeiro momento, por um sindicalismo independente.
A intervenção oficial foi patrocinada diretamente pela SUPRA - Superintendência da
Reforma Agrária, e pretendia construir a base da aliança do Governo com os trabalhadores
rurais. As Ligas Camponesas12, presentes sobretudo no nordeste do país, e que tinham
antecedido todo o ativismo arregimentador da sindicalização rural, mantinham uma tensão
com esse movimento.
As Ligas, na sua origem, tinham um estatuto de sociedade beneficente e reunia
pequenos produtores da periferia dos latifúndios da cana-de-açúcar. Posteriormente,
ampliou o seu atendimento a um público de assalariados e, dada a incidência de litígios
trabalhistas e de terra, começaram a intermediar os interesses dos seus associados. O
Partido Comunista Brasileiro oferecia assessoria e apoio jurídico. Pouco a pouco, as Ligas
se transformaram numa organização de luta e defesa dos interesses dos trabalhadores
rurais, levantando a bandeira da luta pela terra, o que demandou uma estrutura jurídica
adequada. Francisco Julião, consagrado líder das Ligas Camponesas e seu principal
assessor, ganha projeção política nesse quadro.
O movimento de sindicalização rural que se instalou, ameaçou o território de
atuação e expansão das Ligas. Mas a convivência se decretou mais pacífica quando a
liderança das Ligas se pronunciou, afirmando: "a Liga Camponesa é a mãe do Sindicato".
A Igreja e a sua extensa presença
Culturalmente enraizada, em todo território nacional, o papel desempenhado pela
Igreja teve uma enorme significação nesse período e durante a ditadura militar. Com o
Concílio Vaticano II, o seu envolvimento com os problemas sociais passa a ser mais
conseqüente. A criação da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, joga um
papel político fundamental. As palavras de ordem passam a ser, principalmente, o
ecumenismo, a justiça social e a pastoral de conjunto. O novo perfil de organização adotado
pela CNBB - os regionais - e o traçado de linhas especializadas - as pastorais - vão, por um
lado, mudar o perfil de sua ação, e o desenho jurídico e representativo da Igreja Católica no
Brasil - com conseqüências imediatas no plano das relações com o Estado; e, por outro, vão
facilitar a explicitação e o confronto, em plano nacional, das tendências diversas abrigadas
sob o mesmo teto institucional.
12 Afora as Ligas Camponesas, contava-se nessa época com a presença de outros movimentos de trabalhadores rurais.
Por exemplo, o MASTER - Movimento dos Agricultores Sem Terra, no Rio Grande do Sul; a UTAB - União dos
Trabalhadores Agrícolas Brasileiros, com pretensões de representatividade em plano nacional; Frente Agrária Gaúcha,
etc. Mas nenhum teve a intensidade da repercussão política das Ligas Camponesas.
18. Assim, refletindo o movimento das idéias e das tensões da sociedade, a CNBB, se
vê obrigada a negociar com orientações que se contradiziam. Nesse universo, era possível
apontar duas principais tendências: uma conservadora, lidando com argumentos que
traduziam o temor do comunismo e do "materialismo ateu", muito marcada por uma
perspectiva de construção da cristandade moderna; e outra, que tentava identificar o
compromisso cristão com a presença efetiva da militância, ao lado das forças sociais de
mudança, na construção de uma sociedade justa e democrática.
A Igreja formava quadros que preenchiam as necessidades dessas duas principais
tendências. Os mais comprometidos com as mudanças sociais eram formados, via a
eficiente metodologia utilizada pela Ação Católica, que consistia em preparar e especializar
jovens militantes para a atuação nos meios estudantis, rural e operário. Com o acirramento
das lutas, esses militantes vão se tornar um problema para a hierarquia mais conservadora,
pelas concepções de fé e política que imprimiam às suas ações, sobretudo nas fileiras dos
movimentos estudantis, sindicais e educativos (inclusive no interior da própria Ação
Católica). E, mais tarde, é sobre essa estrutura de quadros pré-formada que se assenta o
fundamental do Movimento de Educação de Base da CNBB. São, ainda, esses militantes
que, aliados a outros da mesma época, criam a AP - Ação Popular, opção socialista, não
marxista (nesse momento), de organização política.
A outra tendência, que pretendia preservar e ampliar o poder da Igreja, tomou como
base de atuação, principalmente, a estrutura diocesana. Algumas dioceses patrocinavam a
criação de instituições mais adequadas às novas demandas da sociedade e, a partir daí,
apoiavam programas de incentivo ao desenvolvimento e à educação dirigidos às zonas mais
pobres; ao mesmo tempo em que promoviam a evangelização das camadas populares.
Nessa dupla intenção, implementavam as mais diversas atividades.
A autoridade episcopal era incontestável nos limites de sua diocese. A CNBB não
tinha sobre as suas escolhas nenhum poder de controle. Assim, as dioceses mais
conservadoras vão, através dos seus centros de treinamento, garantir a formação dos
quadros necessários à sua ação, sob a estrita orientação da hierarquia local. Diversos atritos
vão ocorrer entre a orientação de muitas dioceses e os militantes de Ação Católica e do
Movimento de Educação de Base, ambos organizados em plano nacional e com diretrizes
próprias.
c. O encontro das águas ou o choque das correntes
A considerar o panorama acima descrito, em linhas muito gerais, as perguntas que
se seguem são as seguintes: finalmente, o que é que se esboça nesse contexto enquanto
19. contribuição efetiva para a prática de uma educação comprometida com as camadas
populares? em que se apoiou o fundamental da prática e da reflexão pedagógica dessa
época?
Para efeito da análise, vale a pena distinguir as iniciativas, presentes em duas
principais vertentes: aqueles núcleos que, de fato, se vão constituir em campos de
experimentação de propostas pedagógicas e metodológicas, e aqueles cujos objetivos se
ativeram estritamente aos interesses políticos de mobilização e organização dos
trabalhadores. Deixando de lado o segundo grupo, tudo em reconhecendo que, num sentido
amplo, as suas ações e os seus discursos politizantes produziram um efeito educativo sobre
as populações, vamos dar relevo às iniciativas declaradamente educativas. Essas últimas,
se tomadas em seu conjunto, revelam uma convergência em torno das atividades de
alfabetização, principalmente de adultos13, de educação de base e de cultura popular. E é no
nordeste do país, uma das regiões politicamente mais efervescentes, que incide uma
significativa concentração desses movimentos.
Desse conjunto de experiências, selecionamos três movimentos que, do nosso
ponto de vista, não só representam o que havia de mais significativo em matéria de
experimentação pedagógica e metodológica, como recuperam o percurso histórico do que
se chamou depois educação popular, tornando visíveis as tendências presentes na maioria
das iniciativas da época: o SAR - Serviço de Assistência Rural, o MEB - Movimento de
Educação de Base e o MCP - Movimento de Cultura Popular. É no Movimento de Cultura
Popular que Paulo Freire enfrenta sérios debates em torno da alfabetização de adultos,
antes de assentar, já no interior do SEC - Serviço de Extensão Cultural da Universidade
Federal de Pernambuco, as bases de sua metodologia.
O Serviço de Assistência Rural (SAR)
O SAR, sediado em Natal, uma das capitais nordestinas, subordinado à
Arquidiocese, estendia a sua influência a outras dioceses do país. Esse movimento
consegue reproduzir, com o máximo de fidelidade, todas as receitas deixadas e/ou
difundidas pela extensão rural e pelo desenvolvimento de comunidade, na esteira de uma
atuação com temperos de incentivo à pequena produção, de acomodação dos conflitos
sociais e de "evangelização dos pobres". Evidentemente, se apóia numa estrutura de
paróquias e mobiliza voluntários (contando com a indicação dos párocos) que são erigidos à
13 A supervalorização da alfabetização de adultos se devia a diversos tipos de percepção: como condição de acesso ao
voto e, portanto, de acesso à participação permitida pelos mecanismos da democracia formal; como uma das formas de
superação da miséria e da ignorância, tidas como condicionantes do subdesenvolvimento; ou como instrumento de
politização e, portanto, de aquisição de uma consciência crítica para intervir efetivamente no processo social.
20. categoria de líderes. Uma equipe de técnicos anima, supervisiona, acompanha e forma
quadros para uma diversidade de atividades, entre elas: alfabetização pelo rádio, animada
por monitores treinados para esse fim)14, cooperativismo, sindicalização rural (de inspiração
cristã), incentivo ao artesanato e à produção rural, assistência à maternidade, campanhas de
saúde pública etc. Ao nível local, mobilizava-se o esforço de auto-promoção das
comunidades na implantação de centros sociais. Um centro de treinamento servia como
estrutura de apoio à formação dos quadros. Com a dinâmica que toma esse movimento têm-
se a impressão de estar diante de uma estrutura paralela ao do governo oficial.
A militância da Ação Católica sob a jurisdição da Arquidiocese foi convocada a
integrar o movimento mas os atritos no plano das orientações, sobretudo com a JUC
(Juventude Universitária Católica), tornaram difícil a convivência.
O SAR, em última análise, é a típica continuidade das obras sociais da Igreja, sendo
que atualizadas. Preocupada, agora, com o subdesenvolvimento e com os recursos técnicos
de intervenção no profano, tudo em garantindo a cristianização dos resultados dessa
intervenção. Os seguidores desse modelo foram muitos, dentro e fora do âmbito da Igreja.
O Movimento de Cultura Popular (MCP)
Sediado em Recife, capital de Pernambuco, o MCP se auto-caracteriza como uma
entidade eclética, reunindo representantes de várias tendências da intelectualidade local:
sociólogos, artistas, educadores e jovens militantes de organizações políticas ou religiosas.
Dependente financeiramente da Prefeitura Municipal é identificado, pelas forças de
resistência à mudança, como um instrumento eleitoral que investia na ascensão do Prefeito
(então, Miguel Arraes) ao cargo de governador do Estado.
Não se pode dizer que o MCP fosse somente uma versão mais institucionalizada do
movimento de democratização da cultura que empolgava a intelectualidade da época,
embora se pudesse ler, em diversas formas de sua presença, muito parentesco com a arte
engajada. Dizemos isso porque outras fontes marcaram também as suas opções. As idéias
veiculadas pela Peuple et Culture da França, o não-diretivismo e a metodologia de
Treinamento Mental, com seus círculos de cultura, além de outras contribuições da
sociologia, tiveram muito peso. O sociólogo francês Joffre Dumazedier esteve presente nos
debates para a formulação das estratégias do MCP.
Entre as ações de democratização da cultura (teatro, música, pintura, valorização do
folclore), de democratização do ensino (expansão da rede escolar), de centros de cultura de
14 Tanto o SIRENA - Sistema Radio-Educativo Nacional, do Ministério da Educação e Cultura, como o SAR, tinham se
inspirado na experiência de Sutatenza (Colômbia).
21. base comunitária etc, e a necessidade de presença efetiva na mobilização política, o MCP
viveu tensões internas muito significativas. Dada a diversidade de tendências e interesses
que abrigava em sua atuação, ficou difícil o controle de suas ações enquanto um conjunto
articulado.
As discussões conceituais do momento, que mobilizavam não só os educadores do
MCP, giravam em torno de questões como massificação, manipulação, participação,
espontaneísmo, politização, libertação, democracia, autoritarismo etc. Pouco a pouco, vão
tomando espaço as questões sobre consciência e conscientização que, no horizonte,
tentavam responder ao desafio posto pelo marxismo em termos dos caminhos a tomar para
se chegar a "uma consciência dos reais interesses da classe". A equipe de educadores do
MCP chegou a produzir um polêmico livro de leitura para adultos, de conteúdo politizante,
em torno cujas suas linhas pedagógico/metodológicas foi muito problemática a costura de
um acordo.
Finalmente, em 1964, o golpe militar autoriza uma intervenção no MCP, cuja
influência na criação de entidades similares em outros ponto do país era explícita.
Os primórdios do Método Paulo Freire
É difícil desvincular o que se segue, em termos da elaboração e experimentação
orientada por Paulo Freire, já com base no SEC - Serviço de Extensão Comunitária da
Universidade Federal de Pernambuco, do que tinha sido, antes, vivenciado por ele mesmo
no MCP. Os desafios já estavam dados: como tratar, numa perspectiva democrática, a
questão da cultura e da consciência nos limites de uma alfabetização de adultos que
respondesse com eficiência e rapidez às demandas políticas do momento?
Donde, antes da elaboração mais consistente de uma pedagogia da libertação, as
preocupações se ativeram à demanda mais imediata de uma metodologia de alfabetização
de adultos. Depois é que o pedagogo aprofunda as bases teóricas de sua pedagogia e a
difunde. Do que conhecemos, foi a primeira tentativa de teorização, no campo da pedagogia,
que tomava em consideração o peso político das relações entre os agentes do processo
educativo - o diálogo - e investia nas implicações filosóficas que decorriam dessa postura.
O Movimento de Educação de Base (MEB)
O MEB foi criado pelo convênio que se firmou, em março de 1961, entre o governo
federal e a CNBB. A CNBB punha à disposição um horário das emissoras diocesanas para a
transmissão de aulas radiofônicas, com ênfase na alfabetização de adultos, e o governo
22. subvencionava o funcionamento da estrutura educativa.15 Em decorrência disso, a base de
intervenção e de organização do MEB foi o sistema rádio-educativo. Esses sistemas que
pressupunham a produção, emissão e recepção organizada das aulas radiofônicas eram
subordinados às suas respectivas dioceses mas coordenados nacionalmente por uma
Equipe Técnica. Em 1964, o MEB contava com 55 sistemas espalhados por 15 estados da
federação (sobre um total de 22 estados), no nordeste, norte e centro-oeste do país.
(COSTA et all 1986:124-125)
O MEB reuniu, na constituição de seus quadros técnicos, sobretudo um pessoal
formado nas fileiras da Ação Católica. Isso influiu decisivamente na qualidade da orientação
e dos serviços prestados porque, se de um lado, a ingenuidade política caracterizava muito
a postura do Movimento, de outro, a carga ética que o grupo trazia de sua formação
imprimiu um novo perfil às relações pedagógicas que se foram construindo. Sem
compromissos seja com um alinhamento político determinado, seja com escolas teóricas
específicas, o MEB centrou as suas forças na transformação de militantes cristãos em
técnicos de educação de adultos. Criou uma sistemática de treinamento de equipes,
supervisão do desempenho e avaliação da prática educativa e fez disso os pilares de seu
funcionamento. Os treinamentos das equipes responsáveis por cada sistema rádio-
educativo que se implantava era a etapa inicial do seu processo de intervenção. Os
instrumentos utilizados nessa etapa, apesar de se apoiarem, à semelhança do MCP, na
psico-sociologia européia, no não-diretivismo (com algumas técnicas da dinâmica de grupo)
e na experiência do método de Treinamento Mental da "Peuple et Culture", vão tomar outras
direções. Muito cedo, a utilização desses recursos é avaliada e retrabalhada no sentido de
reduzir o grau de autoritarismo que se evidenciava na sua experimentação e de ampliar os
ganhos no que parecia ser principal para o trabalho: a autonomia das equipes em
criatividade pedagógica e poder de gerência, e o enraizamento das atividades educativas no
contexto local de cada sistema rádio-educativo.
O dinamismo estabelecido pela sistemática de treinamento/supervisão/avaliação da
prática rendeu uma agilidade muito grande entre a identificação dos desafios postos pela
prática educativa e a mobilização de esforços para a criação de respostas adequadas. Isso
foi ajudado pelo funcionamento de instâncias de decisão e controle administrativo que se
15 "Depois, saí da Ação Católica e fiquei sem saber o que fazer na vida. Por volta de 1958, 59, fui trabalhar com Marina
Bandeira na RENEC (Rede Nacional de Emissoras Católicas). Naquela época houve uma corrida pelo registro de
Emissoras, e os bispos entraram nessa corrida com a idéia de divulgar a religião católica. No momento em que as
Emissoras Católicas chegaram a cerca de quarenta, espalhadas por todo Brasil, a minha cabeça começou a "buzinar".
Não era possível continuar com aqueles programas religiosos e culturais - aliás, muito fracos - sem a perspectiva de
transformá-los." - Depoimento de Vera Jaccoud, primeira coordenadora nacional do MEB. (Costa et alls 1986:36-37)
23. articulavam entre os níveis locais, estaduais e nacional. A instância máxima de decisão era o
Encontro Nacional de Coordenação onde todos os sistemas se faziam representar.
Ao nível da ação direta tiveram mais peso as influências captadas nas experiências
de animação desenvolvidas na África - Senegal, Marrocos etc - pelo IRAM (Institut de
Recherches de Méthodes Pédagogiques) do que as contribuições do desenvolvimento de
comunidade e da extensão rural. Mas, na medida em que usava amplamente o seu espaço
de liberdade de atuação, organização e criatividade, o MEB se defrontava com dois tipos de
condicionamento que foram endurecendo no mesmo ritmo em que o movimento se fortalecia
e se expandia: a hierarquia da Igreja e as oligarquias rurais (a área de atuação do MEB era
quase que exclusivamente o meio rural. E, para se resguardar a direção do MEB tomou a
precaução de divulgar o mínimo possível os dados sobre os seus sucessos, a sua força nas
bases e a sua produção pedagógica; portanto, o mínimo de registros.16
O fortalecimento da aliança dos agentes educadores com os grupos populares levou
o movimento, independente de uma orientação formal de sua cúpula, a se inscrever em
diversas frentes de luta política. Nessa altura, o MEB já contava com a participação, de
militantes e ex-militantes de JUC (Juventude Universitária Católica) que trouxeram consigo
os desafios de uma fundamentação teórica da ação e o debate sobre a opção e o
alinhamento político das forças do movimento. A presença atuante no sindicalismo rural, as
alianças com as Ligas Camponesas, a explicitação e análise das condições de vida dos
trabalhadores rurais como conteúdo das emissões educativas etc, determinou o aumento
das pressões, fosse por parte da hierarquia, das forças sociais de resistência à mudança ou
dos grupos políticos mais radicais.
A mensagem política com tratamento pedagógico foi o que caracterizou o MEB nos
dois anos que precederam o golpe militar. Com o golpe, a hierarquia mais conciliatória
tomou as rédeas do poder sobre o MEB, propôs a descentralização do movimento e
expurgou os quadros considerados mais radicais. Em 1966, percebendo a
descaracterização progressiva do trabalho, a parte mais significativa do Movimento tomou a
iniciativa de fechar os sistemas rádio-educativos sob sua responsabilidade.
d. O que se seguiu
O período da ditadura militar, assim como ocorreu em vários países da América
Latina, empurrou o que subsistiu dessa época - enquanto uma qualidade nova da
intervenção educativa junto às camadas populares - para a clandestinidade, semi-
16 Para prejuízo posterior, a memória de sua experimentação pedagógica foi muito pouco documentada e dificultou as
tentativas de sistematização que podiam ter sido feitas a partir daí.
24. clandestinidade e para o isolamento. Aí foi uma fase que se caracterizou pela resistência às
forças de repressão e pelo estudo do marxismo como apoio teórico da ação desenvolvida.
Althusser, Lucaks, e Gramsci eram os autores a quem mais recorriam os educadores ou os
encarregados da formação de quadros. Sem esquecer, evidentemente, a influência que teve
Mao Tse Tung e a experiência chinesa sobre determinados grupos.
Somente a partir da segunda metade dos anos 7017 é que começou a ser analisada
criticamente a acumulação que as iniciativas de educação popular se fizeram ao longo
desse percurso histórico/político/pedagógico. Falamos de uma exploração mais abrangente
e que não se ateve, somente, à reserva imediata de instrumentos teóricos/práticos - de
mobilização, organização e ações mais especificamente educativas - utilizados em função
do fortalecimento do poder de intervenção das camadas populares. Aliás, essa aliança dos
educadores com os grupos populares sempre foi clara e explícita em suas intenções mas
nunca chegou a ter (salvo raras exceções) muita consistência nem em seus fundamentos
nem em suas conseqüências, dado, possivelmente, o grau de ativismo que caracterizava as
intervenções.
A credibilidade que uma grande parte18 desses educadores emprestava ao seu
esquemático/simplificado suporte teórico, sobretudo os mais letrados, lhes tinha dado
margem a se relacionar com certa superioridade com os grupos populares, cujo estágio de
consciência política era considerado insuficientemente instrumentalizado para o inadiável
confronto de classes. Ao mesmo tempo, a vocação de serviço e dedicação aos mais pobres
(levando em conta aí que a maioria dos quadros de educação popular era recrutada nos
meios cristãos ou entre militantes de organizações marxistas) levava-os a dignificar
eticamente o tipo de intervenção e a valorizar o humilde e o simples quase que por
categorias religiosas.
A militância chamada salvacionista foi um resultado compreensível desse
casamento da utopia política com a construção do Reino. No entanto, foi por esse viés que
se inaugurou uma nova forma de compromisso social da educação com as populações
deserdadas do protecionismo estatal e restringidas, pelos mecanismos de expropriação do
sistema, no seu desempenho sócio-político.
17 Afora os trabalhos publicados por Paulo Freire, Carlos Brandão e Vanilda Paiva, os primeiros documentos de que temos
conhecimento nesse período foram produzidos pela equipe do NOVA:
Suplemento do CEI 17, abril/1977, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Beatriz Costa, Pedro Garcia e Aída
Bezerra; suplemento do CEI 22, outubro/1978, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Pedro Garcia, Jorge
Munhoz e Aída Bezerra. Ver, ainda produzidos pela equipe do NOVA, os artigos publicados na série Cadernos do CEDI:
Cadernos do CEDI 1, s/data; Tempo e Presença; Cadernos do CEDI 2, s/data e Cadernos do CEDI 6, setembro/1980.
18 Aí nos incluímos.
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28. A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA
PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL:
UM DEBATE NECESSÁRIO
19
Bruno José da Cruz Oliveira
1- O processo histórico de construção do projeto ético-político
No início da década de 60 o Serviço Social iniciou o seu processo de diálogo com a
tradição marxista. Tal processo ocorreu no bojo do movimento de reconceituação
profissional, no qual os fundamentos teóricos, político-ideológicos e técnicos da profissão
passaram a ser profundamente questionados destacando-se a crítica à herança religiosa.
Esse movimento expressou-se por toda a América Latina impulsionado por uma
conjuntura marcada pela industrialização da região e pelo desenvolvimento de processos
políticos, econômicos e culturais anti-imperialistas e anti-capitalistas que ocorriam no
subcontinente.20
No Brasil o debate sobre o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado
movimentava diferentes setores da sociedade civil. A emergência de movimentos sociais
contestatórios aos fundamentos aristocrático-liberais da ordem social contribuiu para a
polarização da sociedade brasileira entre diferentes projetos de desenvolvimento
nacional.21
O Golpe Civil-Militar ocorrido em 1º de abril de 1964, que depôs o Presidente João
Goulart, desencadeou a suspensão das frágeis “liberdades democráticas” existentes.
Iniciou-se, com esse acontecimento, um período de intensa repressão policial-militar aos
setores da sociedade civil que questionavam o modelo de desenvolvimento associado ao
capital estrangeiro e hegemonizado por esse último.
Com a desarticulação das organizações populares e a intervenção política nas
Universidades, a influência do pensamento marxista no interior da categoria dos
19 Assistente Social, Mestrando em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ.
20 Ressaltamos que o processo de contestação da ordem desenvolvido na América Latina era portador de particularidades
regionais que refletia em diferentes níveis de organização política dos trabalhadores e demais setores subalternizados
pelo “Capitalismo Tardio” que se desenvolvia no continente.
Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendido pela maior arte das elites e o
projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma
incipiente burguesia nacional.
21
Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendo pela maior parte das elites e o
projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma
incipiente burguesia nacional.
29. assistentes sociais é obstaculizada22. Nesse período, o pensamento estrutural-
funcionalista consolidou-se como a principal influência teórica no Serviço Social,
refutando a influência religiosa na profissão, buscando empreender um caráter científico
à prática profissional e à produção acadêmica. O viés tecnicista como objetivo
profissional, busca adaptar o indivíduo às necessidades de reprodução ideológica
resultantes do processo de industrialização/urbanização da sociedade brasileira,
norteando a prática profissional numa perspectiva que negava a dimensão
político-ideológica da profissão23.
1.1- A retomada do debate político-ideológico no Serviço Social.
Em meados da década de 1970 a crise econômica ocasionada pelo fim do “Milagre
Econômico”, comprometeu o poder de consumo da classe média, colaborando
decisivamente para o processo de desgaste político da ditadura militar. Paralelamente,
cresciam as manifestações de repúdio às violações dos Direitos Humanos e em defesa
da Anistia para os perseguidos pelo regime. Ao mesmo tempo inicia-se, nesse período, a
reorganização dos movimentos sociais protagonizados pelas classes sociais subalternas,
com destaque para o movimento dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista.
Impulsionados pelas mobilizações promovidas por diversos setores da sociedade
civil em defesa da reinstalação das liberdades democráticas, setores da categoria
profissional identificados com o pensamento crítico-dialético ganham maior projeção. Os
primeiros sinais de rearticulação desta perspectiva foi a elaboração do Método Belo
Horizonte, ainda em 1975. Esse último lançava as diretrizes para uma intervenção crítica na
realidade, preconizando a intervenção “por fora” do aparelho de Estado, tendo como base
as concepções estruturalistas de Louis Althusser24.
A mudança na correlação de forças político-ideológicas entre os assistentes sociais
teve como símbolo o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em 1979,
conhecido como “O Congresso da Virada”. Ao longo dos anos 80, afirma-se a hegemonia
marxista na produção acadêmica do Serviço Social25. No mesmo período, a categoria
22
Nesse momento, a aproximação do Serviço Social com a tradição marxista se deu a partir das elaborações
teóricas de autores identificados com o marxismo, não aprofundando o debate com as obras marxistas.
Configurava-se um “marxismo sem Marx”.
23
Ver Netto (1990)
24
Pensador marxista formulador da teoria do “Aparelhos Ideológicos de Estado”, na qual afirma que o Estado
independente da sua formatação tem como principal função universalizar a visão da classe dominante
através dos seus aparelhos ideológicos como a escola, os meios de comunicação estatais.
25 Destacam-se as formulações de teóricas de Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros e
Aldaíza Sposatti
30. participa ativamente dos debates acerca da democratização da sociedade brasileira,
alinhando-se e identificando-se com os interesses imediatos e históricos da classe
trabalhadora. A mudança da perspectiva política-ideológica da profissão consolida-se em
1993 com o Código de Ética Profissional, cujos princípios fundamentam o Projeto Ético-
Político Profissional. São eles:
- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas
a ela inerentes, autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
- Defesa, intransigente, dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a
sociedade, com vistas a garantia dos direitos civis, sociais e políticos da classe
trabalhadora;
- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade e acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem
como sua gestão democrática;
- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o
respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças;
- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante
aprimoramento intelectual;
- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma
nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem
dos mesmos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores;
- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar por questões de
inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e
condição física.” (Código de Ética Profissional, 2001)
2- O Projeto Ético-Político Profissional diante da ofensiva Neoliberal
A eleição de Fernando Collor de Mello marca o início da implementação do
neoliberalismo no Brasil. O discurso de modernização do país, simbolizado pela defesa
31. indiscriminada do mercado interno aos produtos importados e da redução dos gastos
públicos através das privatizações, principalmente do setor produtivo estatal, passou a ser
base de fundamentação das políticas econômicas adotadas no país, aliadas às
necessidades de transferência de recursos públicos para o pagamento dos juros e serviços
da dívida pública. Ressalta-se que, com a queda do Muro de Berlim, o pensamento
Neoliberal ganha o “status” de pensamento único, iniciando uma ofensiva política,
econômica e ideológica do capital abertamente contra
a cultura democrática e igualitária da época contemporânea,
caracterizada não só pela afirmação da igualdade civil e política para todos,
mas também pela busca da redução das desigualdades entre os indivíduos
no plano econômico e social, no âmbito de um objetivo mais amplo de
libertar a sociedade e seus membros da necessidade e do risco. (NUNES in:
Netto, 1992)
Nesse sentido, toda e qualquer proposta alternativa ao modelo neoliberal que tinha
como referência a regulação da atividade econômica pelo Estado passou a ser
desqualificada. A estabilidade econômica atingida com o Plano Real, baseada na
manutenção das taxas de juros e na redução do poder de consumo da população,
contribuiu para consolidar a hegemonia neoliberal.
Paralelamente, verifica-se igualmente um refluxo dos movimentos sociais urbanos
num quadro de contra-ofensiva ideológica do capital e de reestruturação produtiva
fragilizando, ainda mais, a incipiente construção de um processo de identidade/consciência
de classe que questionasse a ordem vigente. Tal fato certamente contribuiu para que
parcela significativa dos trabalhadores aderisse ao discurso dominante.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, e a sua posterior reeleição
simbolizam o amplo consentimento social em torno das propostas neoliberais, embora
26
algumas categorias tenham vivido processos de enfrentamento a estas medidas . Nesse
período, o Brasil consolida a sua posição subalterna no processo de globalização,
inserindo-se nessa nova etapa do capitalismo como exportador de produtos agrícolas
primários à baixo custo.
No que diz respeito às estratégias de enfrentamento da “questão social”, o projeto
neoliberal lança mão de políticas focalizadas e compensatórias, baseadas numa ampla
“contra-reforma do Estado” (BEHRING, 1998). O paradigma da universalidade dos Direitos
Sociais que perpassou a Constituição de 1988 foi duramente atacado em nome da
austeridade fiscal. Tal estratégia se baseia na desresponsabilização do Estado com as
26 Destacaram-se nesse período as ocupações de terra empreendidas pelos trabalhadores rurais cujo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra foi a maior expressão, assim como, as greves dos trabalhadores do setor público.
32. políticas públicas, transferindo-a para a sociedade civil e para a iniciativa privada.
Conseqüentemente, multiplicam-se as organizações não governamentais (Ongs), bem
como as fundações empresariais de cunho filantrópico, essas últimas associadas ao
chamado “marketing social”27.
Na contramão desse processo, a produção acadêmica do Serviço Social brasileiro
consolida, ao longo dos anos 90, a sua perspectiva crítico-dialética referenciada na tradição
marxista. A vasta literatura produzida pelos intelectuais de referência para a categoria se
fundamenta numa dura crítica ao neoliberalismo, reafirmando a necessidade de
democratização da sociedade brasileira, na defesa das políticas sociais de caráter
universalista e na democratização da gestão dessas últimas. Porém as transformações
ocorridas no mundo do trabalho e a contra-reforma do Estado, ocorrida durante os anos 90,
colocam novos desafios para a formação dos assistentes sociais. Com a flexibilização das
relações trabalhistas em nome do aumento da taxa de lucros, a (relativa) autonomia
profissional passa a ser sistematicamente ameaçada. Paralelamente à precarização e a
focalização das políticas sociais, são reduzidos os recursos de intervenção nos espaços
nos quais se expressam a questão social, fato que também contribui para a reprodução de
uma prática profissional de caráter tecnocrático-assistencialista.
2.1- A formação humana e a defesa do Projeto ético- político profissional.
O Projeto ético-político profissional possui uma clara perspectiva político ideológica
alinhado à construção do processo de emancipação humana. É importante
compreendermos que os princípios que perpassam tal projeto foram construídos durante
mais de dois séculos de lutas sociais protagonizadas pelos trabalhadores e demais setores
subalternizados da sociedade capitalista. Nesse sentido podemos afirmar que a construção
do projeto ético-político profissional reflete o movimento teórico-político-ideológico realizado
pela categoria durante os anos 80 e 90, quando a mesma construiu a sua identificação com
a classe trabalhadora.
Todavia, esta não está imune à ofensiva ideológica neoliberal que promove uma
avassaladora capitalização social de valores e princípios identificados com o consumismo e
o individualismo hedonista. Segundo Silveira,
há portanto, no traçado das relações sociais, um processo de conformação
e subsunção à lógico mercantil, de tal ordem que a direção intelectual e
moral que esta sendo gestada, vai afetar as formas de sociabilidade
27
Não podemos, certamente, incorrer em generalizações acerca do papel das ONG’s na atual fase
do Capitalismo, uma vez que, muitas delas exercem uma importante função de assessoria aos
movimentos sociais de esquerda.
33. existentes , produzindo marcas profundas nos sujeitos individuais e
coletivos. (2003:2)
As mudanças ocorridas na sociedade brasileira, em conseqüência das contra-
reformas, colocam novos desafios para aqueles que defendem uma formação ético-política
profissional de caráter crítico, uma vez que, a construção “de uma maioria político-
profissional radicalmente democrática e progressista, (...). demanda trabalho de largo prazo
e conjuntura histórica favorável.” (NETTO, 1996)
Para tanto, se fez necessário investir na circulação de valores sintonizados com a
construção de uma nova organização societária. Segundo Silveira,
A adoção, portanto de uma outra perspectiva de conhecimento que interroga
os fatos sociais e não os vê como algo dado, vai exigir, sobretudo do ponto
de vista da formação humana, um movimento metodológico e político
existencial, a interpelar sentimentos e razão, ao mesmo tempo em que vai
se revelando um auxiliar precioso no inestimável e necessário movimento de
síntese a ser realizado pelos sujeitos. (2003:4)
Objetiva-se assim, a formação de assistentes sociais que compreendam os
fenômenos do cotidiano como uma objetividade questionável, algo historicamente não
determinado.
A aproximação da categoria profissional com os movimentos sociais de
contestação à ordem, compreendendo esses últimos como “universais relativos” (Silveira,
2003), tanto no período de formação profissional quanto nos processos relativos à prática
profissional, apresenta-se como fundamental. Necessária também é a re-oxigenação dos
espaços coletivos da categoria, espaços esses que facilitam a troca de experiências, de
articulação e de reivindicação, revalorizando a perspectiva de contínua reconstrução
coletiva do projeto ético-político.
A efetivação de uma prática profissional politizadora do cotidiano, definitivamente
não será assegurada apenas pelo acúmulo teórico empreendido ao longo da formação
profissional. Portanto, necessário se torna o comprometimento entre profissionais “de
campo”, docentes e estudantes de Serviço Social, com uma formação de caráter
humanista, que implique na construção de novos sujeitos político-profissionais, capazes de
fundamentar a sua intervenção na realidade a partir da apreensão do movimento histórico
construído pela humanidade e no compromisso com a construção de uma nova
organização societária.
34. BIBLIOGRAFIA
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos
da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.
BEHRING, Elaine. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo: Cortez, 1998.
GUERRA, Yolanda e Montaño, Carlos (orgs). Serviço Social Críctico. Biblioteca Latino
Americana de Serviço Social. São Paulo: Cortez,2002.
IASI, Mauro. O Processo de Consciência. São Paulo: CPO, 2002.
NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. São Paulo: Cortez,
1992.
______. Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64.
São Paulo: Cortez, 1990.
______ Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise
prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez,
1996.
SILVEIRA, Maria Lídia Souza. “Categorias emancipatórias e sua afetação nos sujeitos
profissionais: a saudável tensão entre Formação Humana e Formação
Profissional”. ENPESS, Porto Alegre, RS: 2003.
35. EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO
Eblin Farage28-
Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda
leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal maneira que
“ ler o mundo” e “ ler palavra” se constituam um movimento em que não há
ruptura, em que você vai e volta. E “ ler mundo” e ‘ler palavra’ , no fundo,
para mim, implicam “ reescrever” o mundo” .(FREIRE, P.,1999, p.15)
INTRODUÇÃO
Ao longo dos tempos a educação, assim como a instituição escolar, vem
assumindo diferentes papéis e funções na formação dos indivíduos. As diferenças,
avanços, retrocessos e desafios são impulsionados pelo momento histórico, social e
econômico da sociedade, ou seja, a educação e a escola assumem papel e função
diferenciados de acordo com as orientações do Estado e o movimento da própria sociedade
e de seus sujeitos.
Em todos os momentos históricos da sociedade moderna, foi atribuído à educação
e à instituição escolar, a função de contribuir para a “emancipação” dos indivíduos,
independente de sua classe social, religião ou raça.
Para a teoria liberal, a educação e a instituição escolar não deveriam estar à
serviço de nenhuma classe social, mas sim dos indivíduos, do “homem total, liberado e
pleno” (CUNHA,1985:34). Porém sabemos o quanto o pensamento educacional brasileiro,
seguindo as orientações do pensamento educacional e político do mundo capitalista, pouco
fez para a emancipação dos homens, nem como indivíduos e muito menos como sujeitos
coletivos e históricos.
As diversas teorias da educação que têm origem no pensamento liberal do século
XVIII vêm tentando atribuir à educação e, em especial, à instituição escolar, um papel de
detentora exclusiva das possibilidades de reconstrução social, ascensão e emancipação
política para que se efetivem mudanças significativas na sociedade. Com isso,
desconsidera-se o caráter eminentemente ideológico da educação, dado pelo
direcionamento do Estado, burguês, altamente excludente e classista.
É sobre a orientação deste Estado que a educação no Brasil passa por diferentes
fases de constituição, ora com o objetivo de diminuir o analfabetismo e aumentar a
escolarização da força de trabalho, ora pela necessidade de maior qualificação profissional
28 Assistente social; mestranda em serviço social pela UFRJ.
36. dos trabalhadores em função do atendimento às demandas do mercado, gerando um
grande investimento na difusão do ensino fundamental através da ampliação de sua rede
de atendimento.
Segundo Neves:
[...] nos anos 1990, impulsionado por motivações distintas, o projeto neoliberal de
educação propôs como objetivo e vem executando, com relativo sucesso, o alargamento na base do
sistema educacional brasileiro, mais precisamente do ensino fundamental. (2002, p.163)
Assim, desenvolvendo-se a partir da demanda do mercado e das orientações do
Estado Brasileiro (sob as amarras da ditadura ou da “democracia”), muito pouco a
educação teve de “leitura de mundo”. Nas décadas passadas ainda se constatava a
existência da “leitura da palavra”, o que se torna cada vez mais escasso nas atuais escolas
públicas como demonstram as diferentes pesquisas realizadas e os dados dos órgãos
oficiais.
Paralelamente às reflexões e implementações educacionais realizadas pelos
governos, desenvolve-se uma nova concepção de educação, que ganha espaço na década
de 60 a partir dos escritos do educador Paulo Freire. A Educação popular como ficou
conhecida essa nova proposta de educação, que privilegia a realidade, a construção
coletiva e a formação de sujeitos históricos críticos e comprometidos com a transformação
da sociedade, se desenvolveu a partir de movimentos sociais e da iniciativa de setores
médios vinculados a segmentos da Igreja Católica e comprometidos com as classes
subalternas.
ESCOLA PÚBLICA E EDUCAÇÃO POPULAR – UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Segundo Carlos Rodrigues Brandão (2002, p.142), “com ou sem o símbolo deste
nome sonoro: educação popular é o justo reconhecermos que existe entre nós toda uma
trajetória de idéias, de ideários e de projetos a respeito de um tipo de trabalho de
educadores que nos autoriza pensar em uma tradição cultural própria na educação”. Sua
formulação parece sugerir a presença de algumas experiências de educação popular,
anteriores à década de 60.
Porém, mesmo se considerando que desde o início do século XX já eram
desenvolvidas experiências que tinham como princípios norteadores o que mais tarde
convencionou-se chamar de educação popular, foi só na década de 60 que, de forma
sistematizada, esta aparece com alguma consistência teórica.
A educação popular ganha destaque a partir da significação e proliferação do termo
no início da década de 60, como fruto da iniciativa de movimentos progressistas e também
37. por iniciativa do Estado, que apropriando-se do termo de forma populista, realiza iniciativas
como o MEB (Movimento de Educação de Base). Vale, no entanto, registrar que as
concepções norteadoras das diferentes experiências de educação popular tinham
conotações políticas distintas, pois se para o Estado a educação popular era vista como
uma forma de responder a distintas demandas do capital, por uma força de trabalho mais
qualificada, para os movimentos progressistas esta tinha relevância no sentido de uma uma
forma possível de contribuição no desenvolvimento da consciência das classes subalternas.
Nesta direção,
A educação popular por nós entendida é necessariamente uma educação de
classe. Uma educação comprometida com os segmentos populares da
sociedade cujo objetivo maior deve ser o de contribuir para a elevação da sua
consciência crítica, do reconhecimento da sua condição de classe e das
potencialidades transformadoras inerentes a essa condição. (VALE,1992, p.
57)
Apesar das diferentes leituras sobre educação popular, o eixo hegemônico a
nortear grande parte das experiências tinha como objetivo principal, possibilitar às
camadas subalternas, da cidade ou do campo, o acesso ao direito básico da educação.
Uma educação não pautada apenas no aprendizado das letras, mas essencialmente na
leitura do mundo, condição de superação do senso comum e forma de possibilitar a
crítica à organização social existente, apontando para uma perspectiva de sua
transformação.
Entre tantas experiências de alfabetização de adultos, cine-clubes, rádios
comunitárias, jornais de bairro e de fábrica, grupos jovens e tantas outras experiências
das décadas de 60, 70 e início de 80, que tinham como eixo central a educação popular,
pouco se percebe hoje dessas experiências na educação das classes subalternas. Tanto
no que se refere à dimensão técnica quanto á própria política da educação, seja formal
ou informal.
Apesar de o ensino fundamental no Brasil ter aumentado sua abrangência nas
últimas décadas, continua muito aquém das necessidades sociais. Parece existir uma
unanimidade no sentido de que esse aumento e sua cobertura se deram em detrimento da
qualidade do ensino. "Além de alfabetizar menos, o Brasil alfabetizou com pior qualidade do
que a maioria dos países do mundo. Quanto mais ofereceu educação às massas, mais
deteriorou a sua qualidade" (Carta Capital nº 261, de 2003, p. 30). A mesma reportagem
noticia um estudo sobre educação efetuado pela Unesco em 41 países, no qual o Brasil
ficou em 37º lugar no que tange à leitura. O estudo detectou que 50% dos escolares
brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, conseguem ler palavras em anúncios e
38. capas de revistas e sabem assinar o próprio nome, mas não compreendem o texto com o
qual têm contato.
As estatísticas de reprovação no município do Rio de Janeiro para o ensino
fundamental no período 1975-86, aumentou em todas as sérias exceto na primeira,
denotando a deterioração crescente da qualidade do ensino. Além disso, há um padrão que
se repete em todas as séries, fornecendo indicações dos principais problemas. A maior
reprovação ocorre na primeira série, certamente relacionada com o processo de
alfabetização. Daí até a quarta série há uma tendência decrescente. Na quinta série a taxa
de reprovação volta a aumentar, indicando a dificuldade de adaptação ao novo sistema de
ensino: o professor não é mais a 'Tia', e os conteúdos são fragmentados em matérias. A
taxa de reprovação na oitava série é pequena em ralação às demais, mas isso apenas
denota que o estrago (a evasão) já foi feito.
Segundo dados do Inep/MEC-2001, no Brasil, de cada 100 alunos que ingressaram
na primeira série do ensino fundamental, 59 concluem a 8ª série e os outros 41 param de
estudar no meio do caminho.
De acordo com o levantamento do Inep, grande parte dos estudantes
brasileiros está em atraso escolar. No ensino fundamental, 39% dos alunos
têm idade superior à adequada para a série que cursam. No ensino médio,
esse índice é de 53%. De acordo com o estudo, isso é conseqüência das
elevadas taxas de repetência. Com isso, esses estudantes têm
desempenho inferior aos alunos que estão em séries próprias à idade.
(ÉPOCA, on-line, 2003).
É nesse contexto de extremo abandono da educação por parte do poder público,
que emerge a reflexão sobre o modelo de educação que desejamos, a função da escola
pública e o processo de formação da consciência das classes subalternas.
A escola pode contribuir para que os sujeitos formados por ela, tenham acesso ao
conhecimento, a novos valores e a construção de uma nova racionalidade. A educação
aliada `a ação e a processos organizativos podem contribuir para a desmistificação do que
é meramente aparente no real, na construção de uma consciência coletiva crítica, com
capacidade de resgate da esperança, do sonho e da utopia. E nesse sentido pode
impulsionar os sujeitos para a construção de uma outra sociedade marcada pela
perspectiva das classes subalternas.
Portanto, é no interior do processo de acumulação de forças e da atualidade da luta
de classe, que a educação pode se colocar como elemento necessário à elaboração de
princípios essenciais a uma consciência de classe, através da ampliação da leitura de
mundo das classes subalternas. “A capacidade que uma classe fundamental tenha de
39. construir sua hegemonia, decorre da sua possibilidade de elaborar sua visão de mundo
própria, autônoma” (DIAS, 1996, p.10)
Nessa direção, como afirma Brandão,
A educação popular foi e prossegue sendo a seqüência de idéias e de
propostas de um estilo de educação em que tais vínculos são re-
estabelecidos em diferentes momentos da história, tendo como foco de sua
vocação um compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas de teor
político realizadas através de um trabalho cultural estendido a sujeitos das
classes populares compreendidos não como beneficiários tardios de um
‘serviço’, mas como protagonista emergente de um ‘processo’. (2002,
p.142).
O caráter educativo, formativo, democrático e político da escola pública, deve ser
resgatado na tentativa de se re-significar esse espaço, na busca de obter um equilíbrio
entre “o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,
industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (GRAMSCI,
2001:118).
A recriação do espaço da escola pública é ponto fundamental para a construção de
um novo saber, pois como afirma Garcia, “não há espaços para (o trabalhador) pensar. E
isso por duas razões: a) pelo tempo consumido na luta pela sobrevivência; b) pela
‘programação’ ideológica.” (1984, p.94).
Nesse sentido, a reconstrução do espaço da escola pública a partir de uma nova
perspectiva é fundamental para que se aglutinem condições para a formação dos sujeitos
(crianças, jovens e adultos), num quadro de novos valores, de uma nova solidariedade, de
uma nova cultura e de novos princípios que possibilitem a construção de uma nova ordem
social e de uma nova hegemonia. Nesse caminho o trabalho é duplo, pois pressupõe a
desconstrução dos valores e princípios constitutivos da ordem capitalista e a possibilidade
de constituição de outros, destes distintos. Esse processo de desconstrução do velho e
construção do novo se dá de forma concomitante, pois o novo necessariamente se gesta a
partir da presença ativa do velho.
A história se faz na medida em que se faz o possível de hoje e se ousa
possibilitar hoje o impossível de hoje. Só na medida em que eu ouso
viabilizar hoje o impossível de hoje eu sou capaz de viabilizá-lo amanhã.
(FREIRE, 1987 apud Vale).
Com o resgate da história e da identidade de classe, a partir de uma nova forma de
desenvolvimento da educação, é possível buscar a construção de uma nova cultura e de
uma nova racionalidade das classes subalternizadas, que se oponha à opressão do capital.