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:: Caderno Especial nº26

:: Edição: 04 a 25 de novembro 2005



       Parecer sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do
                              Serviço Social na Educação1
                                                             Ney Luiz Teixeira de Almeida2
Introdução
       A elaboração deste parecer foi solicitada pelo Conselho Federal de Serviço
Social (CFESS), em setembro de 2003, com o intuito de subsidiar as discussões
da própria entidade quanto às estratégias e ações a serem adotadas em relação à
apresentação e tramitação de Projetos de Lei que versam sobre a inserção do
Serviço Social na Educação, em particular o Projeto de Lei Federal nº 873/20033.
        Esta iniciativa do CFESS encerra um alto grau de sensibilidade política,
considerando que se trata de um movimento no âmbito do legislativo que pode vir
a materializar uma das grandes aspirações da categoria dos assistentes sociais: a
institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de
trabalho. Todavia, trata-se também de um tema que suscita uma série de cuidados
em decorrência da particular trajetória desta área de atuação do Estado, do
acúmulo profissional no campo das políticas sociais e das próprias justificativas
apresentadas pelos profissionais de Serviço Social com relação ao seu ingresso
neste importante espaço sócio-ocupacional.



1
    Texto produzido em março de 2004. Publicado no Caderno Especial n.26, em
http://www.assistentesocial.com.br
2
   Professor Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro e do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Mestre em Educação pela
Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Projeto de Extensão Educação Pública e
Serviço Social da FSS/UERJ (PEEPSS) e do Laboratório de Extensão: Organização de
Experiências em Serviço Social, Trabalho e Educação da UCB (LEXT-OESSTE).
3
  Os projetos de lei aqui analisados foram reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social na
ocasião da solicitação deste parecer, ou seja, em 2004. Com certeza outros projetos, ou mesmo,
versões surgiram de lá para cá, mas para não alterar substantivamente o documento original, a
presente socialização considerou apenas o que foi disponibilizado naquela ocasião. Da mesma
forma não foi feita nenhuma atualização em seu conteúdo a despeito de algumas mudanças ou
processos experimentados no campo da política educacional, com o intuito de manter o atual texto
fiel em seu propósito inicial.
2

      A presente abordagem, sobre tal matéria, articula-se integralmente às
preocupações acima assinaladas. Destarte, este documento expressa muito mais
uma contribuição ao esforço de análise teórica e política das implicações e dos
conteúdos dos projetos de lei em tela do que uma afirmação categórica sobre a
validade dos mesmos, sobretudo, em função do reconhecimento de que se trata
de um tema que ao ganhar o espaço do legislativo, como vem ocorrendo tanto no
nível federal, quanto no plano estadual e municipal, indica a existência de um
certo grau de reconhecimento de sua pertinência e necessidade.
      Não se trata aqui, portanto, de elaborar um argumento com características
de uma investigação estritamente acadêmica. Ainda que este tipo de abordagem
configure uma necessidade hoje, em virtude da carência de produções sobre o
trabalho do assistente social nesta área e sobre a própria política educacional em
nosso meio profissional, este investimento deverá ser realizado em uma outra
ocasião, reservando para este parecer uma reflexão que esteja sintonizada à
pauta de debates e ações políticas e institucionais aprovada pelo conjunto dos
assistentes sociais nos seus mais diversos espaços de organização política.
      Para tanto, foi escolhido um percurso de tratamento da questão que esteja
em conformidade com o que temos procurado destacar nos diferentes fóruns de
discussão sobre o Serviço Social na área de Educação, inscrevendo esta relação
no âmbito do processo de amadurecimento teórico e político da profissão, assim
como da própria dinâmica e particularidades da área de educação. Esperamos,
deste modo, sublinhar alguns elementos que possam contribuir para o debate e a
delimitação de estratégias por parte do Conselho Federal de Serviço Social e da
própria categoria profissional como um todo.
3

Particularidades da inserção do Serviço Social nas políticas sociais
       A trajetória da institucionalização do Serviço Social como profissão não
pode ser compreendida de forma distanciada do processo de estruturação e das
mudanças sofridas no âmbito das políticas sociais. Ao compreendermos as
políticas sociais como locus privilegiado do trabalho dos assistentes sociais
estamos delimitando um modo particular de tratar a história da construção e
identificação das alternativas, dos obstáculos, dos avanços e das respostas
profissionais como constitutiva das relações sociais que particularizam o modo de
organização da produção e de suas condições de reprodução em nossa
sociedade (ALMEIDA, 1996). Destaque seja feito, ainda, às relações travadas
entre o Estado e a Sociedade Civil para uma efetiva aproximação às demandas
historicamente colocadas à profissão, aos contornos e dinâmica de nosso
mercado de trabalho e aos significados ideológicos e políticos da ação
profissional.
       Situar a profissão historicamente exige examinar sua trajetória numa
perspectiva de totalidade, ou seja, a partir da relação existente entre o seu
desenvolvimento    sócio-institucional   e   a   dinâmica   do   ser   social.   Os
empreendimentos de natureza organizativas, intelectuais e sociais que foram
construídos ao longo da institucionalização do Serviço Social - enquanto profissão
inscrita no conjunto das alternativas de enfrentamento da questão social - só
ganham significação se considerado exatamente o conjunto de determinações que
põe em relevo as particularidades da profissão como resultante histórica de
processos sociais concretos, protagonizados por diferentes forças sociais e não
apenas pelos sujeitos profissionais (IAMAMOTO, 1992 e NETTO, 1992).
       Desta forma, a compreensão das políticas sociais como uma mediação
necessária à concretização do trabalho do assistente social situa uma dupla
implicação para os assistentes sociais: o seu reconhecimento enquanto espaço
privilegiado da sua profissionalização e atuação e como aporte importante ao
trabalho profissional, ou seja, como meio de operacionalização efetiva de sua
atividade laborativa (ALMEIDA, BARBOSA e CARDOSO, 1998). Se por um lado,
as políticas sociais constituem o terreno sobre o qual se materializa a profissão, o
4

que tem favorecido sua demarcação como um campo de interesse teórico e
político para os assistentes sociais, ainda que não lhe seja exclusivo, por outro,
ela tem se revelado uma contraditória fonte dos conteúdos técnicos e ideológicos,
assim como das condutas e instrumentais do trabalho profissional. A arquitetura
institucional das políticas sociais é determinada pela correlação de forças postas
na sociedade no confronto estabelecido pelos sujeitos sociais a partir de seus
projetos     societários,   expressando    graus     diferenciados    de      adesão   e
condicionamento às racionalidades que tipificam a especialização e a divisão do
trabalho coletivo, assim como aos valores e modos de interpretação da realidade
hegemônicos na sociedade. O trabalho dos assistentes sociais é determinado,
portanto,    pela   contraditória   dinâmica   institucional   e   complexa    rede    de
operacionalização dos serviços no âmbito das políticas sociais, considerando-se
as correlações forças postas em cada conjuntura.
       O estatuto legal de nossa atividade, ao passo que resguarda algumas
prerrogativas aos assistentes sociais como sujeito profissional, não chega a lhe
conferir uma autonomia plena na condução de seu trabalho (IAMAMOTO, 2003).
Deve ser salientado, portanto, que as condições de exercício da atividade
profissional não resultam exclusivamente dos graus de consciência que os sujeitos
profissionais têm delas assim como de sua competência teórico-metodológica,
ética ou política, mas, sobretudo, de processos históricos, reais, ou seja, das
formas objetivas de organização da produção e da reprodução social nas quais
interage. A autonomia profissional não significa, portanto, uma idealização; ela
expressa a capacidade teórico-metodológica, ética e política em pensar e propor
as ações profissionais como parte de um movimento de resistência e de tentativa
de superação dessas racionalidades e valores dominantes que condicionam a
organização da prestação dos serviços sociais no âmbito das políticas sociais.
Embora materialize o vetor político da ação profissional também está relacionada
aos processos sociais que caracterizam a luta ideológica em cada momento
histórico.
       O acúmulo intelectual produzido no interior da profissão tem permitido situar
as políticas sociais como um espaço contraditório: ao mesmo tempo em que se
5

constitui como uma expressão concreta de um esforço de equacionamento das
tensões sociais e econômicas através de recortes que fracionam os problemas e
as lutas sociais, também se apresenta como um importante espaço de luta e de
conquistas, como alternativa real e efetiva de acesso de largos segmentos sociais
às condições mínimas de sobrevivência e de ampliação de sua atuação política.
Considerando os horizontes teóricos e políticos postos pela inserção do Serviço
Social nas        políticas sociais,    são   identificados posicionamentos bastante
diferenciados na história da profissão em relação aos seus limites e
possibilidades4. Compreender a extensão da fronteira entre as condições
concretas de mudanças institucionais e seus impactos econômicos e políticos a
partir das políticas sociais e os reais limites impostos pela vinculação orgânica e
embrionária das políticas sociais à lógica da produção e das condições de
reprodução capitalista tem sido um dos principais desafios teóricos e políticos
colocados à profissão.
         As políticas sociais desenham um campo de forças no qual a profissão
ganha visibilidade social, materialidade institucional e potencialidade histórica.
Contudo, a mediação entre a ação cotidiana que caracteriza o exercício
profissional e os significados econômicos e ideológicos do conjunto de programas,
projetos e ações executadas como dimensões constitutivas das políticas sociais é
parte de um processo protagonizado por diferentes sujeitos coletivos, dentre os
quais se situa o próprio assistente social. Sob este prisma, a definição das rotinas
e procedimentos, a delimitação dos instrumentais e mesmo a demarcação do
objeto de intervenção não representam um movimento autônomo e circunscrito a
uma legalidade profissional, ao contrário, só podem ser compreendidas como
resultantes de uma relação entre a dinâmica profissional e a dinâmica sócio-
institucional em suas diferenciadas expressões e tensões.
         A trajetória da aproximação e da inserção do Serviço Social nas diferentes
áreas de política social tem revelado um dinamismo que não pode ser reduzido às
abordagens idealistas que a deduz de um lugar sócio-institucional consagrado em
toda e qualquer política social setorial. As análises mais consistentes têm revelado

4
    Conforme revela a reflexão de MENEZES (1993).
6

um processo bem mais complexo que decorre da combinação concreta de
diferentes aspectos: o grau de negociação alcançado no interior do Estado pelas
forças atuantes da sociedade civil quanto à incorporação de novas demandas
sociais, a maior ou menor participação estatal na regulação dos processos de
reprodução da força de trabalho e do mercado de trabalho, as formas de
organização da rede de serviços envolvendo níveis de especialização cada vez
maiores do trabalho institucional e a capacidade de leitura, organização e
intervenção   dos   segmentos     profissionais   na   composição   das   estruturas
institucionais implementadoras dos serviços sociais. A combinação desses fatores
constitui um momento decisivo para a compreensão dos processos de inserção
dos assistentes sociais nas políticas sociais.
      A compreensão dos processos sociais e institucionais que determinaram os
espaços de atuação sócio-ocupacionais dos assistentes sociais ao longo de sua
história tem apontado, centralmente, para um campo de disputa social em torno da
ampliação e consolidação dos direitos sociais que foi traduzida na incorporação,
nem sempre homogênea, de diferentes modalidades e formas de oferta dos
serviços sociais. Formas que encerraram, muitas vezes, estratégias de
desmobilização ou de atendimento temporário às pressões sociais, não
configurando um quadro de efetivo reconhecimento ou conquista social. Atestam
estas tendências, por exemplo, a erupção de programas e ações governamentais
descontínuos, ocasionais ou focalistas.
      Deste modo, a consolidação dos espaços de atuação profissional não tem
se dado como resultado exclusivo de um movimento progressivo de ampliação
dos direitos sociais, ao contrário, tem sido determinado pela dinâmica contraditória
das lutas sociais e da correlação de forças postas em diversas conjunturas,
combinando processos de institucionalização bastante diversificados. Nesta ampla
esteira que conforma o espaço de atuação profissional tem-se desde as áreas já
plenamente consolidadas, como as da saúde, até áreas emergentes, como as de
esporte e lazer, passando por aquelas que ainda sofrem com os percalços e as
incertezas dos processos políticos e institucionais, sobretudo nas esferas do poder
municipal, como a da assistência social. Soma-se a este espectro, fornecendo um
7

leque    ainda    mais    diversificado   de   possibilidades,   as   transformações
experimentadas pelo mercado de trabalho com as suas diferentes modalidades de
contratação e condições de trabalho.
        Estas considerações preliminares quanto à inserção do Serviço Social nas
políticas sociais têm o significado de balizar algumas das preocupações que serão
apontadas ao longo deste documento, sobretudo, no que se refere aos seguintes
aspectos:
        A problematização da educação como campo de atuação do Estado a
        partir da política social.
        O significado estratégico da política educacional no âmbito das relações de
        produção e reprodução social.
        A leitura da inserção do Serviço Social na política educacional sob o prisma
        da relação entre o mercado de trabalho, a organização do trabalho coletivo
        e as particularidades do espaço sócio-ocupacional na área educacional.
8

Sobre a educação, a política educacional e o Serviço Social
       A educação pode ser tomada como um dos mais complexos processos
constitutivos da vida social. A compreensão da educação como totalidade histórica
ultrapassa em muito a abordagem da sua institucionalização nos marcos das
ações reguladoras do Estado. A história da educação articula de modo não linear
a relação entre as esferas privada e pública, grupal e comunitária, econômica e
ideológica da vida em sociedade5. Não se propõe aqui a um exame detalhado
destas relações, mas a uma explicitação necessária quanto ao modo de abordar o
campo da política educacional. Considerando, portanto, a educação como uma
dimensão complexa e histórica da vida social, compreende-se a política
educacional como uma dada expressão da lutas sociais, em particular, aquelas
travadas em torno da disputa pela hegemonia no campo da cultura que não pode
ser pensada de forma desconexa da sua dinâmica particular com o mundo da
produção.
       A inscrição de um conjunto de práticas educacionais ao campo da política
social é a expressão histórica de uma disputa pela direção da elaboração e
difusão da cultura dos diferentes grupos sociais que ocupam lugares distintos na
organização da produção em nossa sociedade. A educação realizada no âmbito
da família, das instituições religiosas, da comunidade rural e nos mais diferentes
estabelecimentos edificados ao longo da história da humanidade sempre
constituiu um dos elementos representativos da diversidade e complexidade do
processo educacional como fenômeno social. A ampliação dos espaços, das
experiências sociais e do conjunto de sujeitos envolvidos com o processo
educacional nunca distanciou esta dimensão da vida social dos processos de
disputa cultural, tornando-a um campo altamente tenso6. Da mesma forma,
independente do momento histórico da vida em sociedade, a educação nunca
deixou de ser determinada, em última instância, pela dinâmica do modo de
organização social da produção dos bens materiais necessários à sobrevivência
dos sujeitos sociais, visto que as condições materiais de produção são

5
 Um minucioso resgate destas relações pode ser visto em MANACORDA (1989).
6
 Ver a este respeito a indispensável contribuição de GRAMSCI (1989) sobre a relação entre a
educação e a esfera da cultura.
9

determinantes do modo de organização da vida social (MARX e ENGELS, 1984).
A transmissão de valores, a educação das diferentes gerações dentro de uma
família ou comunidade, o conhecimento dos fenômenos naturais e das técnicas de
produção se relacionam, historicamente, com o mundo da cultura, expressando
processos sociais necessários à reprodução das condições de vida dos diferentes
grupos sociais.
      Ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista esta
dinâmica particular da esfera da reprodução social adquiriu feições diferenciadas,
determinadas pelos distintos interesses sociais em confronto, ou seja, pelas
diferentes formas dos sujeitos sociais pensarem a realidade e o seu lugar nela. As
principais classes sociais e suas frações expressam modos distintos de
compreender sua própria realidade e atuar a partir dela. A elaboração da visão de
mundo própria das classes sociais no modo de produção capitalista é um dos
aspectos centrais para a compreensão das principais tensões e disputas que
caracterizam a educação como uma das principais dimensões da vida social. A
institucionalização dos processos educacionais, ao longo da dinâmica e expansão
do modo de produção capitalista, e sua vinculação ao âmbito das ações
reguladoras do Estado não retiraram dos grupos sociais, já referidos neste texto,
as suas funções e prerrogativas educacionais, mas redesenhou a dinâmica interna
desses processos assim como sua vinculação orgânica com a esfera da produção.
      A educação, portanto, não deixou de ser um processo social vivenciado no
âmbito da sociedade civil e protagonizado por diferentes sujeitos sociais, mas
passou a ser também uma das principais e estratégicas áreas de atuação do
Estado. As lutas sociais pelo acesso à educação passaram a constituir
importantes fenômenos da política, tornando-se parte do processo de legitimação
do próprio Estado e do processo de conquistas sociais que levaram ao
reconhecimento da educação como direito social e não apenas como uma
expressão de processos circunscritos à dinâmica da vida privada. A luta pela
educação constituiu-se em uma das expressões da questão social exatamente por
encerrar um processo de politização em torno do reconhecimento e do
10

atendimento de certas necessidades que deixaram de pertencer exclusivamente à
esfera da reprodução privada e ingressaram nas agendas da esfera pública.
          A política educacional pode ser concebida também como expressão da
própria questão social na medida em que representa o resultado das lutas sociais
travadas pelo reconhecimento da educação pública como direito social. E aqui
deve ser ressaltada uma das principais características da realidade brasileira: o
fato de a educação não ter se constituído até o momento em um direito social
efetivo e universalmente garantido, um patrimônio da sociedade civil, conforme
ocorreu em vários países como etapa fundamental do processo de consolidação
do próprio modo de produção capitalista, ou seja, como um valor social universal e
como condição necessária ao desenvolvimento das forças produtivas.
          No caso brasileiro a educação pública, embora defendida desde o início do
século XX pelos educadores liberais, sempre foi tomada como contendo um
potencial de ameaça das massas ao projeto de dominação política das elites
(LEAL, PIMENTEL & PINTO, 2000 e MONARCHA, 1989). Desta forma, sua
vinculação às necessidades do mundo trabalho acabou sendo determinante para
os esforços de ampliação do acesso das massas à educação escolarizada. Ao
invés de compor os consensos sociais em torno de um ideário de “cidadania” mais
abrangente esteve muito mais condicionada aos contornos e dinâmica do mercado
de trabalho. O tipo de desenvolvimento e consolidação do capitalismo no país não
se caracterizou como um processo capaz de incluir progressiva e largamente as
massas oriundas do trabalho rural assalariado ou escravo e nem tão pouco os
processos        políticos    de    governabilidade   promoveram   esta   incorporação,
sedimentando uma cultura política de alternância do poder pactuada pelo alto7, a
educação das massas, enquanto momento da luta pela hegemonia cultural e
como parte do desenvolvimento das forças produtivas, adquiriu uma feição
excludente na realidade brasileira. Os ciclos de crescimento econômico, de um
lado, e a capacidade organizativa dos trabalhadores nos movimentos sindicais e
sociais, de outro, passaram a ter um peso ainda mais decisivo na luta pela
educação pública ao longo de todo o século passado.

7
    Ver a este respeito Coutinho (1990).
11

      A organização de um sistema educacional nacional foi uma das etapas
centrais deste processo de luta. O esforço empreendido pelo Estado para a sua
estruturação ao longo das primeiras três décadas do século XX não foi capaz de
criar as condições mínimas de consenso em torno de sua expansão e efetiva
capacidade de enfrentamento das desigualdades educacionais, ao contrário,
acirrou   uma   intensa   disputa   entre   os   interesses   privados   e   públicos,
protagonizada, em grande parte, por uma das instituições que procurou não ceder
terreno na disputa pela hegemonia no campo ideológico: a Igreja. O ingresso na
segunda parte do século XX não equacionou esta disputa, na verdade, novos
elementos compuseram este cenário, dada as características do processo de
expansão capitalista no Brasil e sua vinculação à dinâmica mundial. Parte do
processo educativo, aquele mais diretamente vinculado à formação técnica do
trabalhador, passou a ser realizado por instituições não tipicamente educacionais:
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (ALMEIDA, 2000a), inaugurando uma tendência, que
veio a ser ratificada no final do século XX, em retirar da própria política
educacional as orientações e financiamentos para a formação técnica do
trabalhador.
      As tensões no campo educacional, decorrentes dos interesses das distintas
forças sociais em relação à dimensão estratégica da educação no campo cultural
e produtivo, determinaram longos processos de negociação e embates, fazendo
com que as duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, elaboradas no século
passado, tramitassem durante longos anos no Congresso Nacional até serem
aprovadas, não sem articulações e golpes que conservassem a cultura política
dos acordos no interior da própria elite dirigente: a primeira durante o período
compreendido entre 1948 e 1961, a segunda de 1988 até 1996, ou seja, treze e
oito anos respectivamente.
      Tomando a política educacional na contemporaneidade como uma das
referências para a construção deste documento é preciso destacar que a
aprovação da LDB – Lei nº 9.394 de dezembro de 1996 representa um marco no
campo educacional na relação entre Estado e Sociedade Civil e entre o mundo
12

trabalho e o mundo da cultura. O seu processo de aprovação expressa o esforço
de adesão empreendido pelo governo federal às exigências externas colocadas à
inserção do país na globalização, reforçando o projeto neoliberal tanto na sua
dimensão ideológica quanto na organização gerencial da política educacional. A
LDB, embora encerre algumas conquistas e avanços no campo educacional, teve
seu processo de aprovação marcado por uma total intransigência por parte do
governo em dialogar com a sociedade civil organizada, onde as propostas dos
movimentos sociais vinculados a área de educação foram paulatinamente vetadas
desde as negociações em torno da sua aprovação até a elaboração do Plano
Nacional de Educação (VALENTE, 2001).
      A LDB contém, assim, um arcabouço geral de organização e orientação da
política educacional referenciado pelas principais balizas do Estado neoliberal
(ALMEIDA, 2000b).
             A reforma administrativa e gerencial do Estado. A LDB possui
             um     texto   legal   genérico,   deixando   para   as   legislações
             complementares toda a regulamentação da política educacional.
             Analisando estas legislações complementares é possível verificar a
             demarcação da função essencialmente gerencial que o Estado
             passa a adotar, investindo na estruturação de um conjunto de
             parâmetros curriculares para os diversos níveis de educação, na
             formulação de processos de avaliação que serviriam para orientar a
             destinação dos investimentos e dividindo responsabilidades na
             execução com a sociedade civil.
             A flexibilização das legislações exigida pela flexibilização da
             produção no mundo do trabalho. A LDB expressa uma adequação
             da política educacional às novas exigências de formação do
             trabalhador. Este processo de flexibilização contido no texto original
             se estende às legislações complementares. Esta tendência pode ser
             observada tanto na diversificação das instituições de ensino superior
             e das próprias modalidades de formação nesta área assim como na
             reforma empreendida no ensino médio.
13

             A   substituição    da   lógica    do   pleno    emprego    pela   da
             empregabilidade. A flexibilização dos processos formativos passa a
             ser justificada pela necessidade do aumento da capacidade
             competitiva das unidades produtivas e a elevação dos indicadores
             educacionais, sobretudo, o tempo de escolaridade da mão de obra,
             que passa a ser uma meta imprescindível nos tempos atuais. As
             alterações nos sistemas de progressão entre séries e ciclos, assim
             como as políticas de manutenção dos alunos por mais tempo na
             educação escolarizada cumprem uma função estratégica nesta
             direção. Muito embora a regulamentação destes processos não se
             dê no âmbito da LDB, especificamente, é a partir de seu espectro
             ideológico que essas ações vêm sendo promovidas.
             A valorização ideológica da supremacia do mercado e da
             individualidade. A função da educação no conjunto dos processos
             culturais de produção e reprodução dos valores e idéias dominantes
             de uma época é bastante potencializada a partir da LDB, em
             particular no estabelecimento de um novo patamar da relação entre
             o Estado e a Sociedade Civil, reforçando o diálogo com os
             segmentos não organizados e distorcendo a idéia de uma formação
             cidadã para a de formação de um cidadão consumidor. A
             flexibilização dos conteúdos curriculares e da integração entre as
             instituições educacionais e as instituições da sociedade civil menos
             politizadas   têm   levado   à    incorporação   de   conteúdos    que
             ideologicamente enfatizam o papel do mercado em nossa sociedade
             e reforçam a perspectiva de desresponsabilização do Estado com as
             políticas sociais através do fortalecimento das práticas voluntárias e
             da educação privada.
      A política educacional, embora tenha seu arcabouço legal e ideológico
ancorado na LDB, não se restringe a mesma, seja em função do próprio
significado que essa legislação possui, seja em decorrência das condições de sua
aprovação, assim como em razão daqueles fatores que acabam por caracterizar
14

uma política social e que extrapolam sua dimensão legal: a expressão e disputa
de interesses diferenciados e por vezes conflituosos; a arquitetura institucional que
ganha certa autonomia nas dinâmicas e particularidades dos diferentes
estabelecimentos da burocracia estatal e na relação entre as distintas instâncias
governamentais; e o grau de organização e a capacidade de pressão e
interferência das corporações e movimentos sociais. Compreende-se a política
educacional, desta forma, não só como um aparato institucional legal e
administrativo que se inscreve no âmbito do Estado, mas enquanto um espaço
que também enseja contradições e disputas, e que se altera histórica e
politicamente mediante a ação dos sujeitos sociais. Um espaço privilegiado para a
afirmação da concepção gramsciana de Estado ampliado, que envolve o
relacionamento da sociedade política com a sociedade civil. Os limites deste
relacionamento, ao longo dos últimos anos, têm determinado um desigual
alargamento das conquistas sociais, sobretudo, no sentido do fortalecimento da
participação dos segmentos organizados da sociedade civil. Os próprios
Conselhos de Educação nos âmbitos federal, estaduais e municipais, que
poderiam servir de espaço para a expressão de contra-tendências à hegemonia
do modelo neoliberal na educação, acabam não criando essa condição dada a sua
estruturação e composição em um formato muito distinto dos demais conselhos de
políticas sociais setoriais, como os das áreas de saúde, criança e adolescente e
assistência social, por exemplo, onde a sociedade civil organizada tem assento.
      Pensar as particularidades da política educacional na atualidade requer
também situar sua dinâmica e sua extensa e complexa capilaridade institucional
em relação às transformações em curso tanto no mundo do trabalho quanto no da
cultura. A relação entre a organização da educação escolarizada e o mundo do
trabalho não se dá de forma imediata e mecânica, assim, apreender as mediações
que as determina é fundamental para situar os projetos e práticas sociais que
atravessam e compõem o universo educacional. Vale, a título de ilustração da
importância desta relação, a observação de que, ao longo dos anos 90, ao mesmo
tempo em que se detectou uma expressiva diminuição dos postos de trabalho e o
reconhecimento do desemprego como um fenômeno não sazonal, mas estrutural
15

no capitalismo, também se verificou uma enorme expansão do ensino superior
privado no país, seja em termos de abertura de vagas ou de instituições, seja na
comparação do total de alunos inscritos nas instituições privadas e nas instituições
públicas. Como explicar esta aparente contradição sem referir às mudanças no
âmbito do Estado em relação aos seus papéis como executor e gestor no campo
das políticas sociais? Sem considerar o paradigma da empregabilidade (GENTILI,
1998) e o grau de adesão ideológica de certos estratos sociais ao mesmo como
orientador das estratégias de ingresso no “seleto e restrito” mercado de trabalho?
Ou, ainda, sem lançar luzes sobre o amplo e polêmico debate em torno da crise
fiscal do Estado e da política de renúncia fiscal como estratégia de incremento aos
setores produtivos? E, por último, como prescindir da análise da expansão da
burguesia do setor de serviços (NEVES, 2000) e, particularmente, a do setor
educacional e da progressiva transformação dos serviços culturais e educacionais
em mercadoria?
      Destarte, algumas mediações passam a ser centrais para a compreensão
da relação entre a educação, como dimensão da vida social, e a dinâmica do
mundo da cultura e do trabalho. Situar a política educacional neste esforço é
imprescindível, o que impõe a necessidade de não produzir nenhum hiato
interpretativo no tratamento de sua complexidade, ou seja, não se pode
desconsiderar a relação entre suas expressões legais, na qual se inscreve a LDB,
e institucionais, nas quais se materializa a extensa e diferenciada rede de
instâncias e unidades educacionais, com os processos culturais, econômicos e
políticos presentes na realidade brasileira e mundial. Vale sublinhar que a
progressiva ampliação da política educacional em suas bases de sustentação
legal, programática e institucional é a expressão histórica do lugar que ocupa nos
processos de disputa pela hegemonia cultural em relação ao dinamismo particular
da produção e da reprodução social em diferentes períodos. Essa expansão,
refletida, por exemplo, na LDB e na diversificada rede de serviços e entidades
educacionais, públicas ou privadas, demonstra também a ampliação e o grau de
complexidade alcançado na dinâmica entre o Estado e a sociedade civil em seus
relacionamentos com esta dimensão da vida social que é a educação.
16

      Nesta perspectiva, ao tratar da política educacional é preciso referenciar o
conjunto de áreas que são reguladas em termos das práticas e conhecimentos
legais e educacionais socialmente reconhecidos hoje enquanto arcabouço
institucional desta política. Ergue-se a partir desta forma de abordagem uma
questão de ordem teórica e política que é o próprio processo histórico de
institucionalização destas práticas reguladas e que ressalta a preocupação,
exatamente no curso dos processos sociais de disputa pela hegemonia, não só no
campo cultural, com as práticas educacionais contra-hegemônicas. Saber em que
medida essas práticas devem ou não ser conduzidas ao largo dessa
institucionalidade, demarcada pela política de educação, tem sido uma das
interrogações mais usuais na história da educação. Muito embora se perceba uma
tendência entre os principais educadores contemporâneos, comprometidos com
uma educação emancipatória, em não trilhar um percurso paralelo, mas caminhar
no sentido de que a institucionalização de práticas educacionais contra-
hegemônicas seja parte de um processo de conquistas e ampliação dos direitos
sociais e de fortalecimento de uma dada concepção política de educação.
      Neste sentido, sobretudo para os assistentes sociais, a quem este
documento se dirige, é vital que duas questões sejam assinaladas. A primeira
delas é a de que pensar a atuação dos assistentes sociais na política educacional
envolve a compreensão da dinâmica e complexidade deste campo de atuação do
Estado e da sociedade civil (ALMEIDA, 2003). Não se trata, portanto, de ponderar
ou especular sobre essa atuação apenas no interior dos estabelecimentos
educacionais mais tradicionais como a escola. Pensar essa inserção dos
assistentes sociais exige identificar que a política educacional engloba diferentes
níveis e modalidades de educação e ensino: a educação básica que é composta
pela educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e
adultos; a educação profissional; a educação superior e a educação especial. A
organização e a execução desses diferentes níveis de educação e ensino cabem
ao Estado em seus três níveis de atuação: a união, os estados e os municípios,
sendo que cada um deles tem responsabilidades e incumbências diferenciadas.
Destarte, é fundamental que não se perca a dimensão de totalidade na
17

compreensão do significado que a política educacional tem a partir desse desenho
institucional na relação entre o mundo da cultura e o do trabalho, ou seja, no
âmbito da dinâmica que particulariza as esferas da produção e da reprodução
social.
          A segunda questão a ser assinalada diz respeito ao reconhecimento de que
se a política educacional é uma das expressões das disputas protagonizadas
pelos sujeitos sociais no campo da cultura ela também não encerra todas as
particularidades da educação enquanto dimensão da vida social. Os assistentes
sociais devem, ao mesmo tempo, tomar a política educacional como um modo
historicamente determinado de oferta e regulação dos serviços educacionais, que
organiza diferentes formas de trabalho coletivo e modalidades de cooperação
entre os profissionais que atuam nesta área, como considerar a educação como
um fenômeno social, cujas práticas e seus sujeitos envolvem processos que
embora se relacionem com a política educacional a ela não necessariamente se
circunscrevem. Pensar a educação para além da política educacional é, deste
modo, uma outra exigência posta aos assistentes sociais e que requer um olhar
sobre a própria dimensão educativa de sua intervenção como constitutiva desses
processos mais amplos e não necessariamente vinculada a essa área de atuação
do Estado via política social. Em síntese, a dimensão educativa que caracteriza
um infindável universo de práticas sociais e experiências profissionais não
necessariamente configura um elemento justificador do pertencimento ou
proximidade dessas atuações à política de educação.
          Existem, contudo, situações reais que têm revelado a necessidade de
atuação dos assistentes sociais no ensino fundamental8, ou seja, numa área
específica da política educacional. Estas situações, resgatando a perspectiva de
abordagem que norteia este documento, podem ser compreendidas a partir das
expressões atuais da questão social na (e em relação à) educação, em seu


8
  Vale destacar que estas situações, ainda que expressem manifestações atuais da questão social,
não caracterizam a inserção dos assistentes sociais nas escolas como uma realidade nova, muito
ao contrário. Contudo são poucos os registros dessas inserções, o que vale destacar a
sistematização de uma dessas experiências feita por SANTOS (2001) sobre a experiência
alagoana.
18

sentido mais amplo já referido, assim como em sua dimensão mais particular, a
política educacional.
       A escola pública e, mesmo, a particular, na esfera do ensino fundamental,
se vê atravessada por uma série de fenômenos que, mesmo não sendo novos ou
estranhos ao universo da educação escolarizada, hoje se manifestam de forma
muito mais intensa e complexa: a juventude e seus processos de afirmação e
reconhecimento enquanto categoria social, exacerbadamente, mediado pelo
consumo; a ampliação das modalidades e a precoce utilização das drogas pelos
alunos; a invasão da cultura e da força do narcotráfico; a pulverização das
estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de
atrativo social da escola como possibilidade de ascensão social e econômica; a
desprofissionalização da assistência no campo educacional com a expansão do
voluntariado; a gravidez na adolescência tomando o formato de problema de
saúde pública e a precarização das condições de trabalho docentes são algumas
das muitas expressões da questão social.
       O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por
si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta
área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta
realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do
trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas
unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com
outras políticas setoriais9. Caso contrário, estará implícito, nas defesas desta
inserção, a presunção de que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um
determinado profissional, quando na verdade seu efetivo enfrentamento requer, na
atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, mas de um conjunto mais
amplo de profissionais especializados. O que parece ser central aqui e que já vem
sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não


9
  Esta abordagem filia-se a um campo de estudo presente na Faculdade de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre a inserção dos assistentes sociais em processos
de trabalho na área de educação, o que determina um olhar sobre a escola para além das suas
dinâmicas institucionais mais visíveis, mas como espaço de organização de um trabalho coletivo.
Sobre este tipo de olhar no campo educacional, ainda não muito difundido, vale destacar a reflexão
de SILVA JÚNIOR (1995).
19

vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de
enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de
nenhum profissional.
          Para além das suas funções com o processo de formação do cidadão -
perspectiva que vem sendo construída como parte da luta e da organização social
da categoria dos educadores e que, portanto, não se inaugura com a possibilidade
de entrada de um ou outro profissional na política educacional, mas traduz uma
luta histórica no âmbito das forças sociais - o professor não consegue acumular
outras funções que a escola vem assumindo como decorrência de seu lugar
estratégico no campo das políticas sociais. Há de se destacar, neste sentido, a
tendência marcante na última década de articulação das políticas de
enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima10 com a política
educacional,        aumentando       o   fluxo   de   informações   e   responsabilidades
institucionais da escola.
          Essa função estratégica da escola como porta de acesso de largos
segmentos sociais às políticas sociais e seus programas não tem resultado em um
processo tranqüilo no âmbito do ensino fundamental. A sobrecarga de funções dos
professores, em decorrência da incorporação dos procedimentos administrativos
desses programas, a visão até certo ponto ideológica de que a assistência social
se converte incondicionalmente em assistencialismo e que determina um
“conformismo” das estratégias de sobrevivência das famílias aos programas
sociais, acaba gerando uma certa preocupação com o que possa significar a
presença dos assistentes sociais nas escolas. Corrobora com essa visão, talvez
não hegemônica, mas presente e real, o fato de que as questões relativas à
sexualidade, às drogas, à família e à violência, embora façam parte da atuação
dos assistentes sociais em diversos outros campos de atuação, também, em certa
medida também compõem ou deveriam compor o universo da formação ampla e
cidadã com a qual muitos educadores e entidades educacionais investem como
parte do processo de construção de uma nova sociedade (LINHARES, 2001). A



10
     Ver a respeito desta tendência SPOSATI (1997).
20

questão se torna ainda mais delicada se tratada pelo lado da função educativa das
práticas profissionais e sociais.
       Diante do exposto não se procura aqui interditar este processo de
aproximação do Serviço Social à escola pública ou particular, ao contrário, busca-
se as bases reais e o significado político de construção dessa trajetória. A
afirmação da dimensão educativa do trabalho do assistente social deve ser
considerada não apenas em termos da valorização da sua inserção nas unidades
educacionais, mas do seu envolvimento com os processos sociais, em curso,
voltados para a construção de uma nova hegemonia no campo da educação e da
cultura, dos quais os educadores trazem significativos acúmulos e tradição, seja
no campo do pensamento intelectual, seja nas ações profissionais e políticas.
Para uma categoria como a dos assistentes sociais esta adesão não representa
algo novo, visto que sua aproximação às mais diferentes áreas de atuação do
Estado, através das políticas sociais, tem contado com um certo grau de
participação e mobilização política nos processos coletivos e na esfera pública. A
adesão às lutas e movimentos sociais em torno da erradicação do analfabetismo,
de uma educação pública universal, gratuita e de qualidade, do acesso
progressivo dos diversos segmentos sociais aos diferentes níveis de educação
constitui expressão importante deste processo de valorização da dimensão
educativa do trabalho do assistente social como inclusa nos processos de luta e
organização social.
       Por outro lado, a própria trajetória dos assistentes sociais no que se refere
ao acúmulo teórico e profissional no campo das políticas sociais e, em particular,
da assistência, tem sido um dos principais fatores de reconhecimento de sua
presença em diferentes áreas de atuação, mas cuja efetiva inserção, assim como
os alcances da sua atuação ultrapassam o campo da vontade e da competência,
visto que expressam movimentos e processos concretos de organização dos
serviços sociais no âmbito de estruturas institucionais historicamente construídas.
Desta forma, esta possibilidade recai, novamente, no campo da organização e da
intervenção política, pois expressará o resultado de um processo de ampliação
das formas de enfrentamento das expressões da questão social no ensino
21

fundamental. O reconhecimento do significado social e institucional desta inserção
junto aos sujeitos que atuam na área de educação representa, assim, elemento
decisivo para sua efetivação, direcionando o debate para a esfera dos processos
sociais dirigidos para a ampliação e conquista dos direitos sociais e educacionais.
22

Comentários sobre os projetos de lei
      Os projetos de lei federais, estaduais e municipais, levantados pelo
Conselho Federal de Serviço Social e sobre os quais se constrói este parecer,
expressam um universo bastante diversificado de argumentos e leituras sobre o
significado e a necessidade da presença dos assistentes sociais nessa área.
Alguns elementos podem ser inicialmente apontados para justificar esta
diversidade:
        Os períodos históricos em que foram produzidos. Existem projetos do
        início dos anos 70, de meados dos anos 80 e projetos mais recentes.
        Para se compreender as implicações deste largo espaço de tempo para a
        análise dos argumentos apresentados basta pensar sobre as mudanças
        sofridas na sociedade brasileira, na política educacional e no Serviço
        Social ao longo dos últimos trinta anos.
        A apresentação de argumentos que devem ter sido elaborados por
        parlamentares sem um conhecimento mais preciso sobre a profissão e as
        competências e habilidades profissionais.
        E, por último, o atravessamento de concepções generalistas sobre a
        própria educação assim como em relação ao Serviço Social. Talvez,
        essas representações construídas em torno da educação e das práticas
        dos assistentes sociais, e que demarca certas idéias e valores com base,
        sobretudo, no senso comum, estejam, ainda, muito enraizadas na própria
        sociedade, visto que elas, de certo modo, ainda foram encontradas no
        conjunto de leis e documentos analisados, independentemente do período
        histórico em que foram produzidos.
     A partir destas observações preliminares serão apresentados alguns
comentários sobre o conjunto dos projetos e documentos analisados, procurando-
se resgatar os elementos que tornam as atribuições previstas para os assistentes
sociais, nas escolas ou na área educacional, próximas ou distantes às abordagens
produzidas na primeira parte do presente documento e ao próprio acúmulo
elaborado pela categoria e expresso no projeto ético, político e profissional do
Serviço Social.
23



Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.006, de 1974
      Este projeto de lei foi elaborado com o seguinte propósito: “Modifica a
redação do artigo 10 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretrizes
e Bases para o ensino de 1º e 2º Graus, instituindo a obrigatoriedade de Serviço
Social Escolar”. Interessante observar que o projeto de lei foi elaborado com
intuito de modificar um artigo da LDB aprovada cerca de três anos antes e após
treze anos de tramitação no Congresso Nacional, o que demonstra a já assinalada
dificuldade de aprovação de uma legislação geral que contemple as expectativas
dos diferentes grupos sociais.
      A presença dos assistentes sociais nas escolas de 1º e 2º graus foi
justificada pela formação específica deste profissional, identificada como
necessária, e sem que possa ser desenvolvida pelo professor, na condução das
atividades de “assistência social escolar”. Este projeto é um dos muitos
apresentados a se referir a um “Serviço Social Escolar”, expressão que grassa
entre os assistentes sociais na atualidade e que não está isenta de uma série de
implicações sócio-ocupacionais. Considerando o debate profissional realizado ao
longo dos anos 80, e que orienta as principais produções na contemporaneidade
sobre a inscrição do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho, esta
forma de abordar a atuação do assistente social na área de educação tem dois
significados importantes. O primeiro é o de considerar os limites e os alcances de
uma especialização do exercício profissional nos marcos das políticas sociais
setoriais e das instituições sociais, ou seja, se afirma a possibilidade de um
Serviço Social específico para cada área: o Serviço Social Escolar, o Serviço
Social da Saúde e o Serviço Social Jurídico entre outros. O segundo significado é
o de reduzir a possibilidade de inserção dos assistentes sociais na política
educacional aos estabelecimentos educacionais do ensino fundamental, já
sinalizado anteriormente.
      Os problemas presentes no universo escolar e que justificam a atuação dos
assistentes sociais de certa forma gravitam em torno daquelas expressões da
questão social que já foram referidas no item anterior deste documento, contudo, o
24

modo de abordar algumas dessas expressões e a eleição de um conjunto de
“problemas” com os quais os assistentes vão ter que lidar denota uma concepção
de como a escola se inscreve em um amplo processo cultural de mascaramento
das determinações sociais desses fenômenos:
                      A Assistente Social constatará, com facilidades que
               lhe proporciona sua formação profissional, problemas
               como: má freqüência às aulas, rendimento deficiente,
               conduta inadequada (indisciplina, comportamento sexual
               irregular, furtos, etc.), higiene ou saúde precárias,
               deficiências físicas ou mentais, carências emocionais,
               irregularidades do lar, dificuldade de ambientação social,
               etc.
      E prossegue na mesma perspectiva de leitura dos problemas educacionais:
                  A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º
               graus (Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971), em
               inúmeros     dispositivos,     sugere    a   necessidade    de
               tratamento     especial      aos   alunos    que     apresentem
               aproveitamento     deficiente,     em   razão   de    problemas
               emocionais decorrentes, que de educação familiar errônea
               ou deficiente, quer da dificuldade em colocar-se no meio
               social, ou ainda, de defeitos físicos ou mentais.
               Realmente, a ocorrência dessas anomalias é bastante
               acentuada na área do ensino de 1º e 2º graus época da
               formação básica da individualidade, da colocação social e
               do alicerce intelectual do aluno.
               Atribuindo ao professor a tarefa de constatar e solucionar
               aquelas anomalias, a lei acaba por sobrecarrega-lo, em
               detrimento de suas obrigações precípuas.
      Para além do estranhamento que hoje possa causar esta forma de
considerar a relação entre a família e a escola e as dificuldades que se interpõem
ao trabalho do professor, já bastante criticadas e superadas no cenário intelectual
25

educacional contemporâneo e, relativizando o próprio texto, se considerada a sua
produção no âmbito da vida parlamentar em um dos períodos mais críticos da
ditadura militar no Brasil, o que deve causar inquietação e desconforto é o fato de
que com cores menos carregadas e apoiadas em novos aportes ideológicos, em
particular o neoliberalismo, em certa medida essa concepção de que a escola
possui uma dinâmica que vem sendo “atrapalhada” pelas atuais composições e
arranjos familiares e suas estratégias de sobrevivência estão fortemente presentes
no universo educacional e ainda sustenta os argumentos mais apresentados para
se justificar a presença dos assistentes sociais na área de educação na
atualidade.


Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.995, de 1976
      Este projeto de lei é na verdade uma reapresentação do anterior em uma
nova legislatura. A sua menção só se faz necessária conquanto dá continuidade à
mesma linha de abordagem do anterior, imprimindo uma marca ideológica dos
tempos da ditadura à intervenção que se desejava produzir com a inserção dos
assistentes sociais nas escolas. Observe:
               Rendendo as nossas melhores homenagens ao ex-
               Deputado       Maurício   de   Toledo,   autor   de   idêntica
               propositura na legislatura passada, arquivada ex vi do
               artigo 117 do Regimento Interno da Câmara dos
               Deputados, procuramos estabelecer com este projeto de
               lei a obrigatoriedade de assistência social escolar,
               executada por profissional especialmente formada para
               esse fim – A Assistente Social – porque entendemos que
               não basta sabermos da existência de um mal com
               conseqüências ruinosas para a formação das novas
               gerações, mas localizarmos as suas origens, para tentar
               eliminá-las.
26

      O “mal” referido, com certeza, não estaria na vida escolar, mas no
comportamento inadequado dos alunos e de suas famílias. Vale destacar que a
ideologia da segurança nacional impregnou um largo espectro da vida social,
imputando não só modos de compreensão, mas, sobretudo, práticas alicerçadas
em um gritante autoritarismo.


São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 59, de 1978
      O presente projeto de lei visava instituir na Secretaria dos Negócios da
Educação do Estado de São Paulo o setor de Serviço Social Escolar. Não cabe
retomar a questão já tratada anteriormente sobre o Serviço Social Escolar, apenas
sinalizar a sua persistência nos textos legais. O que é interessante observar neste
projeto é uma mudança qualitativa na abordagem, mas que se resume à
ultrapassagem da linguagem dura dos documentos anteriores, sem, contudo,
provocar profundas alterações na perspectiva de análise seja do campo
educacional, seja das atribuições dos assistentes sociais.
               Artigo 3º - Serão atribuições do Setor de Serviço Social
               Escolar o tratamento psico-social aos membros do corpo
               discente, a promoção da interação de grupos, a orientação
               social, a integração escola-comunidade, a assessoria às
               associações      ligadas   às   unidades      de   ensino,   o
               desenvolvimento de campanhas, seminários e ciclos de
               estudos, o incremento das atividades de lazer e a
               formação de grupos voltados para a prática cultural e
               desportiva, dentre outras.
      Observa-se que, ao mesmo tempo, o texto afirma as modalidades
tradicionais de intervenção do Serviço Social: caso, grupo e comunidade,
enfatizando uma perspectiva psico-social, e vislumbra uma ampliação das
fronteiras desse trabalho no interior da própria escola e que vieram a se constituir
em áreas de atuação dos assistentes sociais, como as de esporte, cultura e lazer.
      A justificativa apresentada para a criação do Setor de Serviço Social
Escolar enaltece tanto os problemas de ordem psicológica que constituiria um
27

argumento mais adequado para a criação de um Setor de Psicologia da
Educação. Identifica-se, desta forma, uma predominância ainda de abordagens
com um nítido sentido de garantia da funcionalidade da vida escolar e cujos
maiores entraves repousam sobre as disfunções e desajustes individuais dos
alunos assim como os apresentados por suas famílias. Em nenhum momento do
texto a escola é questionada como expressão de uma dada forma de organização
do sistema educacional, assim como as determinações sociais se colocam como
objeto para a atuação dos assistentes sociais.
                  As autoridades escolares, evidentemente não ignoram
               a existência de problemas de ordem social que hoje
               envolvem os jovens estudantes, em seus lares, no meio
               social em que vivem e nas próprias unidades de ensino,
               hoje desprovida de recursos humanos capazes de ensejar
               ampla orientação social aos seus alunos, complementando
               o processo educacional formal, através de atividades
               extra-curriculares.
               A eficiência de qualquer sistema de ensino depende em
               grande parte, das condições psicológicas apresentadas
               pelos aprendizes. Este fato não é menos conhecido que o
               anterior, mas nenhuma medida foi até aqui tomada
               objetivando   o   tratamento   dos   evidentes   problemas
               psicológicos, impostos aos jovens pela dinâmica da vida
               moderna. O sistema oficial de ensino não inclui como
               prioritário o tratamento ou prevenção das distorções de
               comportamento de milhares de discentes, dos problemas
               de adaptação de outros tantos milhares, dos desajustes
               familiares e inúmeros outros problemas psico-sociais que
               incidem diretamente no processo educacional formal,
               prejudicando-o.
28

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 374, de 1981
      Este projeto de lei é bastante sucinto, não permitindo uma análise mais
detalhada. Contudo, vale o registro de que o pouco conteúdo presente em seu
texto reitera a abordagem do projeto de lei anterior, enfatizando a atuação dos
assistentes sociais nos programas de lazer e cultura e junto aos centros cívicos e
Associações de Pais e Mestres. A ênfase da atuação profissional está centrada na
relação Escola-Família-Comunidade.


São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 336, de 1983
      O presente projeto de lei apresenta alguns elementos novos no trato da
questão e mantém outros já assinalados nos projetos anteriores. A ênfase da
intervenção ainda está assentada na relação Escola-Família-Comunidade.
Contudo, o texto do projeto em tela não faz mais alusão ao Serviço Social Escolar,
dirigindo-se a criação de um Serviço Social na Escola. Esta mudança não deve
ser tomada como uma mera questão semântica. A análise do teor do projeto
revela que esta pequena alteração já expressa uma mudança em curso na própria
profissão. Isto pode ser comprovado com a indicação, no texto do projeto, de que
o mesmo é o resultado de um grupo de trabalho constituído por assistentes
sociais do então Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) de São Paulo.
      Outra mudança bastante visível, e que comprova a aproximação do
processo de elaboração e tramitação do referido projeto à dinâmica interna do
Serviço Social, pode ser identificada na apresentação dos objetivos do Serviço
Social na Escola. Há aqui um claro redirecionamento da abordagem do significado
da profissão, saindo da perspectiva psico-social para uma análise mais política da
atuação dos assistentes sociais. Esta mudança, bastante relevante, ao passo que
representa um esforço de superação no âmbito da própria categoria profissional
em superar a herança ideológica e teórica de matriz conservadora, acaba também
expressando as interrogações e o deslocamento do foco profissional para a esfera
das práticas sociais, sem conseguir caracterizar, com precisão, com o que o
Serviço Social atuaria no campo educacional, considerando-se que o projeto de lei
29

tem que justificar a inserção nas escolas de um novo profissional com uma
formação diferente da do professor.
                   Artigo 4º - É objetivo geral do Serviço Social na
              Escola concorrer para a plena realização desta instituição
              educadora, socializadora, integradora, transformadora e
              conscientizadora, com vistas ao Desenvolvimento Social.
                   Parágrafo 1º - São objetivos específicos do Serviço
              Social na Escola:
              Identificar nos processos sociais as causas que impedem
              a plena participação dos elementos envolvidos no âmbito
              da educação para o alcance da qualidade de vida
              compatível com os direitos e exigências humanas;
              Propor   alternativas   e   possibilitar   a   participação   e
              integração da escola no conjunto da sociedade como um
              todo, com o objetivo de que essas causas sejam
              eliminadas e o processo de desenvolvimento social, ao
              nível educacional, se transforme de acordo com os direitos
              e exigências humanas;
              Participar na formulação e implementação das políticas
              sociais e seus respectivos planos que forem formados ao
              nível da educação sistemática e assistemática;
              Parágrafo 2º - Para a consecução do disposto neste artigo,
              utilizar-se-á da metodologia específica do Serviço Social, e
              dos meios institucionais: planejamento escolar, programas
              de lazer, cultura, integração escola-comunidade, das
              entidades e associações auxiliares já existentes: Centros
              Cívicos e Associações de Pais e Mestres.
      Pode se depreender do texto acima que a superação de uma abordagem
funcional da escola não resolveu de todo o problema da demarcação do foco da
atuação dos assistentes sociais na área de educação, ao contrário, criou-se um
outro problema: o de situar os objetivos profissionais num plano irrealizável
30

enquanto tal, visto que encerram um alcance social e político que não se inscreve
no âmbito de uma única profissão, mas da luta social empreendida por outros
sujeitos sociais. As formas de atuação sedimentam uma tendência já apontada
nos projetos anteriores que articula áreas afins à educação como a cultura e o
lazer e envolve outros agentes do campo educacional.
       A justificativa apresentada quanto à presença dos assistentes sociais nas
escolas de 1º e 2º graus ainda conserva a noção de que os alunos e os problemas
decorrentes de sua condição, a juventude, é que constituem o alvo de suas ações,
ainda que as razões desses problemas já não sejam reputadas apenas à família.
O texto do projeto, na parte da justificativa, mescla elementos novos e argumentos
presentes nos projetos anteriores, assim, ao mesmo tempo em que se
apresentam indícios de que a escola não é uma instituição que se encontra acima
e distante da dinâmica da sociedade, se refere novamente à organização de um
Serviço Social Escolar, único momento que esta expressão é utilizada nesse
projeto de lei.
                  A institucionalização do Serviço Social Escolar representa
                  proposta não só imperativo da lei, mas, sobretudo,
                  resposta eficiente a uma realidade social que a cada dia
                  produz, no meio estudantil, maior volume de reflexos
                  negativos, capazes de desestabilizar o rendimento escolar
                  de milhares de alunos espalhados pelos estabelecimentos
                  oficiais de ensino.
                  A inaptidão para determinadas matérias, a ausência às
                  aulas, as fugas, a rebeldia, a improdutividade, a
                  agressividade, a inadaptação a grupos, o desajustamento,
                  e até a marginalização, são efeitos nem sempre emergidos
                  do sistema de ensino, mas de causas muito mais
                  complexas e profundas, muitas vezes até externas ao
                  ambiente    escolar,   que   exigem   a   intervenção   de
                  profissionais especialmente preparados para o seu trato.
31

       Até o momento, os projetos de lei examinados não conseguem romper com
a leitura de que os problemas com os quais o assistente social deve lidar nas
unidades de ensino estão circunscritos aos processos comportamentais,
decorrentes de dificuldades de ajuste, seja de ordem familiar, social ou
econômica. Reside neste tipo de enfoque a dificuldade em situar não só as
particularidades da atuação profissional, mas, sobretudo, em pensar o próprio
processo educacional, na medida em que as questões relacionadas até então, em
sua grande maioria, não encerram outra coisa que não as dificuldades próprias à
vivência dos jovens enquanto categoria social, ou seja, questões que devem se
constituir em objeto de estudo e trabalho também dos próprios educadores que se
propõem a não retirar dos alunos a condição de sujeito do processo educativo.


São Paulo. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 09, de 1984
       Este projeto de lei municipal representa um significativo avanço em relação
aos anteriores e por uma razão particular: ele é elaborado pela então vereadora
da Cidade de São Paulo e assistente social Luiza Erundina de Sousa. O projeto
apresenta um texto sintonizado ao debate político e intelectual sobre o Serviço
Social da época. Ainda enfatizando a dimensão política do trabalho dos
assistentes sociais, como no projeto anteriormente analisado, este já aponta uma
relação entre os objetivos do Serviço Social e as lutas sociais travadas pela
educação pública. Desta forma, a abordagem dos objetivos do Serviço Social na
rede de ensino de São Paulo resgata algumas das atribuições previstas na lei que
regulamenta a profissão11 e se articulam ao processo social em defesa de uma
escola pública voltada para a formação do cidadão, sem se deter sobre os focos
de intervenção nas unidades de ensino. Ou seja, é um texto que não é tão
genérico no trato da dimensão política da profissão e que avança na direção da
delimitação das particularidades da inserção dos assistentes sociais nas unidades
de ensino.



11
   Aqui nos referimos a Lei nº 8.662, de junho de 1993 pelo reconhecimento de que alguns de seus
conteúdos já estavam presentes no referido projeto de lei, muito embora naquele período, 1984, a
lei em vigência fosse a Lei nº 3.852/57.
32

Artigo 2º - O Serviço Social na Escola tem como seu
campo de trabalho as relações entre os Agentes do
processo educativo: estudantes, pais, trabalhadores da
escola e representantes da comunidade.
Artigo 3º - O Serviço Social na Escola tem por objetivo
geral,   contribuir para    que   o      processo educacional
corresponda aos direitos, necessidades e melhores
condições de vida e trabalho da população abrangida pela
ação da escola e, assim, cumprir plenamente suas
finalidades de formação e transformação social.
Parágrafo único: São seus objetivos específicos:
   a)        Identificar e caracterizar as situações sociais
que impedem a participação dos indivíduos e grupos
envolvidos no processo educacional, nos bens e serviços
necessários para uma condição de vida satisfatória e
condizente com os reais direitos e exigências humanas.
   b)        Estimular a população a refletir sobre os
problemas sociais que interferem direta ou indiretamente
nas suas condições de vida e trabalho, buscando em
conjunto alternativas que visem à superação desses
problemas.
   c)        Identificar e resgatar as diversas experiências e
manifestações de cultura popular, contribuindo para a
incorporação desses conteúdos na criação e reformulação
de propostas educacionais.
   d)        Criar   condições    para    que   se   efetive   a
participação dos diferentes agentes do processo educativo
na formulação de políticas educacionais e de propostas
alternativas de trabalho.
33

                  e)      Contribuir para que a escola se constitua,
               também, num espaço de reflexão e vivência social que
               complemente o processo formal de educação.
                  f)      Estimular a criação de programas destinados
               aos escolares, em horários diferentes do período de aula,
               propiciando um espaço alternativo de informação, lazer e
               orientação sócio-educativa.
      Os objetivos acima descritos indicam a presença de elementos inéditos,
não referidos nos projetos anteriores. O primeiro deles diz respeito à atuação dos
assistentes sociais não só junto ao segmento estudantil e suas famílias, mas
também junto a outros agentes envolvidos com processo educativo: os
trabalhadores da escola. A segunda novidade se relaciona ao enfoque do trabalho
profissional na perspectiva da condução de atividades que envolvam as condições
de vida e trabalho da população. Esta concepção traz à tona a compreensão do
significado social da profissão no âmbito da produção e reprodução social. O
terceiro elemento, e, talvez, o mais inovador, envolve a preocupação com a
dimensão cultural, o que inscreve o processo educacional, de modo explícito,
conforme pode ser verifica na letra “C” do artigo terceiro do projeto, com as
disputas pela hegemonia na esfera da cultura. O quarto aspecto está relacionado
às funções de mobilização e fortalecimento dos processos de participação política
da população no âmbito das políticas sociais como um todo e da política
educacional em particular. Todos esses elementos expressam um giro
considerável em relação aos enfoques anteriores na relação do Serviço Social
com a política educacional e com a área de educação, conforme abordado na
parte anterior deste documento.


São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 517, de 1987
      O projeto de lei de 1987 é, na verdade, uma reedição do Projeto de Lei nº
336 de 1983, não contendo nenhum elemento novo substantivo para a presente
análise.
34

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 442, de 1995
      O presente projeto também reedita o Projeto de Lei nº 336 de 1983
mantendo a mesma base de justificação quanto à inserção dos assistentes sociais
nas escolas. A principal modificação está contida na exposição das competências
do Serviço Social nas escolas de 1º e 2º graus do Estado de São Paulo, voltando-
se novamente à utilização da concepção do Serviço Social Escolar.
                   Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:
                 I-      efetuar pesquisa de natureza sócio-econômica
              e familiar para caracterização da população escolar;
                 II-     efetuar e executar programas de orientação
              sócio-familiar, visando a prevenir a evasão escolar;
                 III-    articular-se   com     as     instituições   públicas,
              privadas e organizações comunitárias locais, com vistas
              ao encaminhamento de pais e alunos para atendimento de
              suas necessidades;
                 IV-     promover, juntamente com a associação de
              Pais e Mestres, eventos com finalidade assistencial;
                 V-      coordenar      os   programas      assistenciais    já
              existentes na escola, como o de merenda escolar e outros;
                 VI-     realizar visitas domiciliares com o objetivo de
              ampliar o conhecimento acercada realidade sócio-familiar
              do aluno, possibilitando assisti-lo adequadamente;
                 VII-    participar,    em    equipe     multidisciplinar,   da
              elaboração de programas que visem a prevenir a violência,
              o uso de drogas e o alcoolismo, bem como ao
              esclarecimento sobre as doenças insfectocontagiosas e
              demais questões de saúde pública;
                 VIII-   elaborar e desenvolver programas específicos
              nas escolas onde existam classes especiais;
                 IX-     empreender outras atividades pertinentes ao
              Serviço Social não especificadas neste artigo.
35

      É possível observar, a partir da leitura atenta do texto do projeto que ele
combina partes dos projetos anteriores com novos enfoques sobre o trabalho do
assistente social nas escolas. Contudo, não se trata de um texto totalmente novo.
A novidade se situa principalmente na explicitação, no artigo segundo, das
expressões da questão social para as quais os assistentes sociais devem dirigir
seu trabalho. As ações preventivas em relação às doenças infectocontagiosas, o
desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas e a questão da
violência são propostas e temas que não apareceram nos projetos anteriores. Há
também neste projeto uma forma particular de tratar os objetivos profissionais sem
se dar a mesma ênfase política e sem se estabelecer a vinculação aos processos
de luta do campo educacional, como ocorreu no projeto de lei de 1984, mas
introduzindo uma combinação entre problemas formas de intervenção. Uma leitura
cuidadosa do modo de atuar previsto no texto leva invariavelmente à
compreensão de que se tentou um ajuste da Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993
que regulamenta a profissão de assistente social à definição das funções dos
assistentes sociais nas escolas, não casualmente, anexada ao referido projeto.


Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 1.455, de 1996
      O projeto de lei em questão não incorpora nenhum novo argumento em
relação aos já expostos nos projetos anteriores. O que vale ser destacado nesse
texto é a clara definição das competências do Serviço Social nas escolas
municipais, assim como a retomada da referência ao Serviço Social Escolar.
                    Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:
                  I-       conhecer o universo da população escolar nos
               aspectos sócio-econômico e familiar;
                  II-      elaborar e executar programa de orientação
               sócio-familiar,   incentivando   a   formação   de   equipes
               multidisciplinares com o objetivo de prevenir a evasão
               escolar, melhorar o desempenho do aluno e sua formação
               para a cidadania;
36

                 III-     atuar   junto     aos   grupos     familiares    no
              conhecimento e satisfação de necessidades básicas,
              explicitando o papel da escola como transmissora de
              conhecimento e reflexão crítica;
                 IV-      incentivar e promover a inserção da instituição
              educacional na comunidade articulando-a com as demais
              instituições públicas, privadas e organizações comunitárias
              locais,    buscando      consolidá-la   como      instrumento
              democrático de formação e de informação;
                 V-       incentivar    a    participação,   em      equipes
              multidisciplinares, de todos os segmentos que integram a
              vida escolar buscando melhorias e soluções para as
              questões pertinentes à saúde, à alimentação, ao lazer, à
              segurança e ao próprio desenvolvimento educacional;
                 VI-      motivar, organizar, estabelecer e promover,
              juntamente com a Associação de Pais e Mestres, Políticas
              de Desenvolvimento que beneficiem a vida escolar;
                 VII-     desencadear          processos          avaliativos,
              envolvendo todos os segmentos que integram a vida
              escolar,    buscando        qualidade   na     produção      do
              conhecimento e na formação de valores que permeiam os
              objetivos propostos;
                 VIII-    elaborar e desenvolver programas específicos
              nas escolas onde existem classes especiais;
                 IX-      empreender e executar as demais atividades
              pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste
              artigo.
      É interessante observar, no trecho acima transcrito, a manutenção,
conforme foi identificada em outros projetos, de uma lógica de apresentação das
competências profissionais dos assistentes sociais mesclando as atribuições
contidas na lei que regulamenta a profissão com as preocupações em torno da
37

afirmação de um dado projeto de educação pública, articulado-as à luta pela
ampliação e conquista dos direitos sociais e fortalecimento de uma educação
cidadã. Mas deve ser sinalizado, também que algumas competências, como as
definidas nos incisos III e VII, de forma alguma podem ser tomadas como sendo
exclusivas dos assistentes sociais. Ainda que esta não tenha sido a intenção de
quem elaborou o projeto, sua formulação sugere duas questões importantes: uma
é a de que cabe ao assistente social explicitar o papel da escola, como se a
população tivesse uma leitura incompleta ou equivocada; a segunda é a de que os
processos avaliativos dependem de uma ação que o assistente social, certamente
tem condições de desenvolver, que é a de provocar novos procedimentos
institucionais. A outra, é que esta proposição se encontra sintonizada em relação
ao perfil do profissional que tem se procurado formar ao longo das últimas duas
décadas no Brasil, e cuja preocupação tem sido muito mais recorrente nos
projetos de atuação deste profissional do que em um texto legal. Aqui ainda cabe
a sinalização de que embora o assistente social possa cumprir este papel este
esforço não deva ser considerado como competência de um único segmento
profissional.


Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Lei nº 7.630, de 05 de março de 1997
       Esta lei contém o mesmo teor do projeto anteriormente analisado. Trata-se
do texto legal que resultou na aprovação do referido projeto. Por essa razão não
será tecido nenhum comentário a respeito do seu conteúdo, apenas a sinalização
de que, dentre o material analisado, representou um dos projetos que de fato
foram aprovados, regulamentando o Serviço Social na educação escolarizada.


Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.689, de 2000
       O texto do projeto de lei federal nº 3.689 de 2000 é bastante conciso, não
apresentando qualquer referência às competências dos assistentes sociais nas
escolas públicas, o que impede a análise deste quesito. A justificativa do projeto
fica circunscrita ao enfrentamento dos processos de evasão e repetência escolar.
38

              As taxas de evasão e repetência escolar, principalmente
              no Ensino Fundamental, infelizmente têm-se mantido
              constantes nos últimos anos.
              Sabemos que um dos fatores fundamentais que causam o
              fracasso escolar está diretamente relacionado às precárias
              condições socioeconômicas e culturais da família das
              crianças com dificuldades de aprendizagem.
              O constante acompanhamento do(a) assistente social,
              como profissional especializado, visa ajudar à família e ao
              estudante a buscarem a redução das conseqüências
              negativas advindas das dificuldades existentes. Tal
              atuação terá reflexos na diminuição da evasão escolar e
              servirá de apoio à ação do(a) professor(a), trazendo como
              resultado sensíveis melhoras nos níveis de aprendizagem
              dos estudantes. Além disso, será também de grande
              importância a atuação deste profissional na prevenção ao
              uso de drogas.
      Reiteradamente os textos dos projetos de lei dirigem para a família o
principal foco da atuação dos assistentes sociais, seja sob uma perspectiva de
responsabilização em relação aos problemas de “desajustes comportamentais”
dos estudantes, seja na perspectiva de apoiá-la na superação das dificuldades
enfrentadas. A família, em qualquer uma das abordagens, possui uma dimensão
de instituição a ser trabalhada, não estando presente, até o momento, qualquer
referência aos processos sociais que redesenharam as funções e composições
familiares no campo de produção e da reprodução social, assim como a
responsabilidade que o Estado deve ter na condução de seus programas sociais
voltados para este público. A partir da hegemonia do pensamento neoliberal no
âmbito do Estado, os programas sociais dirigidos à família tendem a transferir
para elas uma série de responsabilidades das quais o Estado tem se isentado, ou
seja, se retira da esfera pública e do campo do reconhecimento dos direitos
sociais uma série de cuidados e os desloca para a esfera privada, para o campo
39

da dinâmica familiar. Assim, todo o processo de mudanças sofrido pela família ao
longo das últimas duas décadas, tem sido acompanhado de ações públicas que
combinam de forma desigual uma variedade de estratégias de amenização de
algumas de suas necessidades com o aumento das suas responsabilidades do
ponto de vista legal e das expectativas sociais quanto ao seu papel.
      O texto reforça a tese de que as ações de mobilização a serem promovidas
pelos assistentes sociais, em especial junto às famílias e aos próprios alunos, têm
como finalidade garantir um padrão de desempenho no processo de
aprendizagem. Há aqui uma nítida redução tanto das possibilidades de atuação
dos assistentes sociais nas escolas públicas quanto do próprio significado do
processo educativo.


Vitória. Câmara Municipal. Projeto de Lei sn/2003
      O texto deste projeto não apresenta conteúdo suficiente para uma análise
das justificativas da inserção do Serviço Social nas escolas da rede pública
municipal de ensino de Vitória. O objetivo do Serviço Social é assim tratado:
                    Artigo 2º - O Serviço Social na área que trata o artigo
               1º, tem por objetivo:
                  I-        Propor,    executar   e   avaliar   projetos   que
               atendam as demandas sócio-econômicas e culturais da
               comunidade escolar, possibilitando atender a educação
               escolarizada suas necessidades sociais, técnicas e
               políticas;
                  II-       Promover     junto    à   comunidade      escolar,
               discussões sobre a realidade social, abordando questões
               inerentes à real situação de vida da criança e do
               adolescente;
                  III-      Implementar estratégias para diagnóstico social
               do grupo familiar;
                  IV-       Priorizar ações junto às famílias, dirigida à
               melhoria da qualidade de vida.
40

               Parágrafo Único - As ações do Serviço Social na educação
               serão executadas de forma interdisciplinar e integrada as
               demais políticas setoriais, visando compreender e mediar
               os aspectos econômicos, sócio-políticos e culturais da
               realidade   social   que   interferem   nas   relações   da
               comunidade escolar.
      A abordagem acima não entra em detalhamento das competências
profissionais dos assistentes sociais em relação aos problemas que se
manifestam nas escolas e para os quais a presença deste profissional se faz
necessária. Os objetivos propostos gravitam em torno das atribuições previstas na
lei que regulamenta a profissão, não trazendo elementos novos em relação aos
demais projetos analisados. Um destaque deve ser feito em relação à indicação
de um trabalho interdisciplinar e de articulação às demais políticas setoriais
destacando uma forma de condução do trabalho profissional em relação aos
demais profissionais e aos demais serviços sociais.


Prefeitura Municipal de Campos dos Goitacazes. Lei nº 7.438, de 03 de julho
de 2003
      Esta lei tem um caráter diferenciado dos demais projetos, ela não institui o
Serviço Social nas escolas mediante sua vinculação funcional às secretarias de
educação, aspecto presente em todos os demais projetos. A lei aprovada dota as
Escolas da rede municipal de ensino, Creches, Centros de Qualidade de Vida,
Postos de Saúde e Mini-Hospitais de assistentes sociais, cuja lotação caberá a
Secretaria de Saúde.
      Vale ponderar a partir desta lei a possibilidade de se inserir assistentes
sociais nas escolas públicas sem caracterizar seu vínculo funcional com a política
educacional. Ao mesmo tempo em que esta modalidade de ingresso abre
possibilidades bastante interessantes, e que de certa forma tem sido um dos
caminhos mais usados pelas prefeituras para desenvolver programas que
envolvam a participação dos assistentes sociais, por outro, induz a um certo
distanciamento desses profissionais das questões que são vividas pelos
41

profissionais da educação enquanto trabalhadores de uma dada política setorial,
gerando, inclusive, certo grau de instabilidade em razão de sua lotação funcional
original não se dar efetivamente na área de educação.


Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 837, de 2003
      O último projeto de lei a ser apreciado, e também o mais recente a nível
federal, contém elementos novos se comparado aos demais. A primeira
observação a ser feita é a de que ele não dispõe sobre a inserção de assistentes
sociais apenas, mas de psicólogos também. A segunda questão a ser destacada é
a de que o referido projeto não trata do campo do ensino fundamental, antigos 1º
e 2º graus, como a maioria dos projetos analisados. Este se refere às unidades
que compõem a educação básica, ou seja, envolve a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio. Refere-se, portanto, a um universo bem mais
amplo e diversificado de unidades de ensino. Pode-se afirmar que este é o projeto
que, dentre os demais apresentados, concebe a inserção do Serviço Social na
política de educação de forma mais ampla, não reduzindo àquela perspectiva, a
qual tem se criticado neste documento, do “Serviço Social Escolar” sendo
pensado apenas em relação ao ensino fundamental. Sua novidade consiste
também em pensar uma equipe composta por diferentes profissionais, ainda que
limitada, visto que não considera a presença de outros profissionais que também
têm uma contribuição particular a dar para a conquista de uma educação pública
de qualidade.
      Outro aspecto inovador na proposta diz respeito à delimitação de uma
proporcionalidade entre o número de profissionais e o total de alunos por unidade.
                     Artigo 2º - A equipe de atendimento e orientação
                profissional será constituída de acordo com as seguintes
                distribuições:
                   I-       até 200 alunos, um profissional de cada uma
                das áreas referidas;
                   II-      acima de 200 e até 600 alunos, um psicólogo e
                dois assistentes sociais;
42

                  III-    acima de 600 alunos, manter a proporção
               estabelecida no inciso II.
      A justificativa apresentada não difere da maioria já analisada. Os elementos
justificadores centrais para a presença e atuação desta equipe são os problemas
vivenciados pelas famílias e o objetivo a ser alcançado é o de contribuir para um
melhor desempenho dos alunos no processo de aprendizagem.
      A partir da análise dos projetos de lei reunidos pelo Conselho Federal de
Serviço Social, alguns apontamentos devem ser feitos em termos de conclusão
desta parte do documento de modo que favoreça o estabelecimento de algumas
estratégias por parte da entidade e dos próprios assistentes sociais.
        É importante sinalizar que todo projeto de lei, desta natureza, contém
        uma análise e uma proposição de enfrentamento de alguma situação
        posta na realidade. A identificação daquilo que se propõe equacionar com
        o ingresso do profissional de Serviço Social, assim como a concepção de
        profissão que orienta esta proposição é determinada por interesses
        diversos, em razão da própria dinâmica parlamentar, podendo, assim,
        expressar visões sobre a realidade e sobre a profissão sem sintonia com
        o projeto ético-político profissional. Ainda que esta articulação exista e se
        expresse no texto legal, sua dimensão histórica não se vê superada e
        tende a ser interrogada com o tempo, ou seja, se o texto for construído
        seguindo a estrutura dos aqui examinados, justificando a inserção do
        Serviço Social na educação, seja ela em que nível se dê, em relação a
        alguns elementos postos na realidade, invariavelmente, ele será
        ultrapassado pelos novos desafios que surgirão com o tempo. Outrossim,
        se o texto abandonar esta estrutura tenderá a ser conciso demais, não
        esclarecendo o significado dessa inserção.
        A leitura dos textos que justificam a institucionalização do Serviço Social
        na área de educação nos projetos analisados proporciona um
        entendimento de que apenas os assistentes sociais e, sobretudo, aqueles
        mais próximos ao debate contemporâneo presente na categoria, seriam
        capazes de identificar diferenças de matizes teóricas, ideológicas e
43

políticas naquelas formulações. Isto indica que as competências e as
justificativas assinaladas no corpo dos textos não devem ter se
constituído em fatores decisivos para os vetos dos projetos. A leitura de
um parecer elaborado por um relator que vetou um dos projetos e o que
se observa em situações outras, ocorridas com projetos semelhantes não
apresentados no conjunto dos documentos analisados, permite a
observação de que os principais argumentos sustentadores dos vetos que
os projetos de lei receberam e dos que possam vir a ser elaborados, não
se relacionam ao aspecto técnico e sim político e administrativo. Não
deverá ser o não reconhecimento dos problemas sociais e da condição de
seu enfrentamento por parte dos assistentes sociais que justificará o
possível veto a novos projetos de lei que versem sobre o mesmo tema. A
relação entre o poder executivo e o legislativo em cada instância: federal,
estadual e municipal, a alegação de sua constitucionalidade ou não e as
implicações decorrentes da indicação ou não da fonte de custeio para a
cobertura do aumento de despesa que será provocado com a aprovação
da proposta, sobretudo, a argüição quanto ao enquadramento da
proposta na lei de responsabilidade fiscal, parece ser o conjunto de
obstáculos mais efetivos à aprovação de projetos desta natureza.
Como o presente documento foi produzido tendo como fonte apenas os
projetos de lei, não é possível tecer qualquer comentário em relação ao
seu grau de aceitação ou resistência junto aos profissionais da área de
educação, assim como compreender em que medida eles se envolveram
com os textos legais. Esta é uma preocupação que deve ser considerada
no acompanhamento de novos projetos.
Outro fator importante, relacionado ao processo de elaboração dos
projetos de lei, é que, ainda que não se tenha a exata dimensão de como
a categoria dos assistentes sociais dele participou, é perceptível que há
significativas diferenças em relação às justificativas apresentadas e à
definição das competências profissionais nos textos em que há
referências a algum tipo de envolvimento dos assistentes sociais.
44



Vale destacar também que há uma ênfase na demarcação da atuação
dos assistentes sociais nas escolas em torno do eixo Escola-Família-
Comunidade, ainda que elas encerrem perspectivas de intervenção
diferenciadas.
Outro elemento que foi se tornando comum nos projetos, ao longo dos
anos, é a forte tendência em estabelecer os objetivos e as competências
profissionais dos assistentes sociais a partir das atribuições previstas na
lei que regulamenta a profissão. Esta tendência, no entanto, não se dá de
forma homogênea, visto que ora ela incide sobre um tratamento
generalista do fazer profissional, que independe de ser na área de
educação, ora ela é apenas uma referência básica que se articula às
questões do campo educacional.
A referência da atuação dos assistentes sociais na área de educação
como a de um profissional que procurará articular ações e projetos com
as demais políticas setoriais não esteve muito presente no conjunto dos
projetos de lei analisados. Menos presente ainda esteve nos textos, a
clara definição das atividades a serem desenvolvidas junto às demais
políticas setoriais. Esta observação merece destaque na medida em que
não se encontra em consonância com o acúmulo teórico e político
conquistado pela categoria, seja ao reconhecer as políticas sociais como
locus da sua atuação profissional, seja ao delimitar uma das suas
principais competências exatamente na articulação das redes e serviços
de diferentes políticas setoriais.
A predominância das abordagens que centram na família o principal foco
da intervenção a ser promovida pelos assistentes sociais é outro aspecto
a ser destacado nesta análise. Contudo, esta predominância se dá, quase
que exclusivamente, no sentido de reconhecer seu papel complementar
no processo educativo e não o seu papel político e a necessidade de se
promover e criar condições para a sua participação na construção de uma
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  • 1. :: Caderno Especial nº26 :: Edição: 04 a 25 de novembro 2005 Parecer sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do Serviço Social na Educação1 Ney Luiz Teixeira de Almeida2 Introdução A elaboração deste parecer foi solicitada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), em setembro de 2003, com o intuito de subsidiar as discussões da própria entidade quanto às estratégias e ações a serem adotadas em relação à apresentação e tramitação de Projetos de Lei que versam sobre a inserção do Serviço Social na Educação, em particular o Projeto de Lei Federal nº 873/20033. Esta iniciativa do CFESS encerra um alto grau de sensibilidade política, considerando que se trata de um movimento no âmbito do legislativo que pode vir a materializar uma das grandes aspirações da categoria dos assistentes sociais: a institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de trabalho. Todavia, trata-se também de um tema que suscita uma série de cuidados em decorrência da particular trajetória desta área de atuação do Estado, do acúmulo profissional no campo das políticas sociais e das próprias justificativas apresentadas pelos profissionais de Serviço Social com relação ao seu ingresso neste importante espaço sócio-ocupacional. 1 Texto produzido em março de 2004. Publicado no Caderno Especial n.26, em http://www.assistentesocial.com.br 2 Professor Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Projeto de Extensão Educação Pública e Serviço Social da FSS/UERJ (PEEPSS) e do Laboratório de Extensão: Organização de Experiências em Serviço Social, Trabalho e Educação da UCB (LEXT-OESSTE). 3 Os projetos de lei aqui analisados foram reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social na ocasião da solicitação deste parecer, ou seja, em 2004. Com certeza outros projetos, ou mesmo, versões surgiram de lá para cá, mas para não alterar substantivamente o documento original, a presente socialização considerou apenas o que foi disponibilizado naquela ocasião. Da mesma forma não foi feita nenhuma atualização em seu conteúdo a despeito de algumas mudanças ou processos experimentados no campo da política educacional, com o intuito de manter o atual texto fiel em seu propósito inicial.
  • 2. 2 A presente abordagem, sobre tal matéria, articula-se integralmente às preocupações acima assinaladas. Destarte, este documento expressa muito mais uma contribuição ao esforço de análise teórica e política das implicações e dos conteúdos dos projetos de lei em tela do que uma afirmação categórica sobre a validade dos mesmos, sobretudo, em função do reconhecimento de que se trata de um tema que ao ganhar o espaço do legislativo, como vem ocorrendo tanto no nível federal, quanto no plano estadual e municipal, indica a existência de um certo grau de reconhecimento de sua pertinência e necessidade. Não se trata aqui, portanto, de elaborar um argumento com características de uma investigação estritamente acadêmica. Ainda que este tipo de abordagem configure uma necessidade hoje, em virtude da carência de produções sobre o trabalho do assistente social nesta área e sobre a própria política educacional em nosso meio profissional, este investimento deverá ser realizado em uma outra ocasião, reservando para este parecer uma reflexão que esteja sintonizada à pauta de debates e ações políticas e institucionais aprovada pelo conjunto dos assistentes sociais nos seus mais diversos espaços de organização política. Para tanto, foi escolhido um percurso de tratamento da questão que esteja em conformidade com o que temos procurado destacar nos diferentes fóruns de discussão sobre o Serviço Social na área de Educação, inscrevendo esta relação no âmbito do processo de amadurecimento teórico e político da profissão, assim como da própria dinâmica e particularidades da área de educação. Esperamos, deste modo, sublinhar alguns elementos que possam contribuir para o debate e a delimitação de estratégias por parte do Conselho Federal de Serviço Social e da própria categoria profissional como um todo.
  • 3. 3 Particularidades da inserção do Serviço Social nas políticas sociais A trajetória da institucionalização do Serviço Social como profissão não pode ser compreendida de forma distanciada do processo de estruturação e das mudanças sofridas no âmbito das políticas sociais. Ao compreendermos as políticas sociais como locus privilegiado do trabalho dos assistentes sociais estamos delimitando um modo particular de tratar a história da construção e identificação das alternativas, dos obstáculos, dos avanços e das respostas profissionais como constitutiva das relações sociais que particularizam o modo de organização da produção e de suas condições de reprodução em nossa sociedade (ALMEIDA, 1996). Destaque seja feito, ainda, às relações travadas entre o Estado e a Sociedade Civil para uma efetiva aproximação às demandas historicamente colocadas à profissão, aos contornos e dinâmica de nosso mercado de trabalho e aos significados ideológicos e políticos da ação profissional. Situar a profissão historicamente exige examinar sua trajetória numa perspectiva de totalidade, ou seja, a partir da relação existente entre o seu desenvolvimento sócio-institucional e a dinâmica do ser social. Os empreendimentos de natureza organizativas, intelectuais e sociais que foram construídos ao longo da institucionalização do Serviço Social - enquanto profissão inscrita no conjunto das alternativas de enfrentamento da questão social - só ganham significação se considerado exatamente o conjunto de determinações que põe em relevo as particularidades da profissão como resultante histórica de processos sociais concretos, protagonizados por diferentes forças sociais e não apenas pelos sujeitos profissionais (IAMAMOTO, 1992 e NETTO, 1992). Desta forma, a compreensão das políticas sociais como uma mediação necessária à concretização do trabalho do assistente social situa uma dupla implicação para os assistentes sociais: o seu reconhecimento enquanto espaço privilegiado da sua profissionalização e atuação e como aporte importante ao trabalho profissional, ou seja, como meio de operacionalização efetiva de sua atividade laborativa (ALMEIDA, BARBOSA e CARDOSO, 1998). Se por um lado, as políticas sociais constituem o terreno sobre o qual se materializa a profissão, o
  • 4. 4 que tem favorecido sua demarcação como um campo de interesse teórico e político para os assistentes sociais, ainda que não lhe seja exclusivo, por outro, ela tem se revelado uma contraditória fonte dos conteúdos técnicos e ideológicos, assim como das condutas e instrumentais do trabalho profissional. A arquitetura institucional das políticas sociais é determinada pela correlação de forças postas na sociedade no confronto estabelecido pelos sujeitos sociais a partir de seus projetos societários, expressando graus diferenciados de adesão e condicionamento às racionalidades que tipificam a especialização e a divisão do trabalho coletivo, assim como aos valores e modos de interpretação da realidade hegemônicos na sociedade. O trabalho dos assistentes sociais é determinado, portanto, pela contraditória dinâmica institucional e complexa rede de operacionalização dos serviços no âmbito das políticas sociais, considerando-se as correlações forças postas em cada conjuntura. O estatuto legal de nossa atividade, ao passo que resguarda algumas prerrogativas aos assistentes sociais como sujeito profissional, não chega a lhe conferir uma autonomia plena na condução de seu trabalho (IAMAMOTO, 2003). Deve ser salientado, portanto, que as condições de exercício da atividade profissional não resultam exclusivamente dos graus de consciência que os sujeitos profissionais têm delas assim como de sua competência teórico-metodológica, ética ou política, mas, sobretudo, de processos históricos, reais, ou seja, das formas objetivas de organização da produção e da reprodução social nas quais interage. A autonomia profissional não significa, portanto, uma idealização; ela expressa a capacidade teórico-metodológica, ética e política em pensar e propor as ações profissionais como parte de um movimento de resistência e de tentativa de superação dessas racionalidades e valores dominantes que condicionam a organização da prestação dos serviços sociais no âmbito das políticas sociais. Embora materialize o vetor político da ação profissional também está relacionada aos processos sociais que caracterizam a luta ideológica em cada momento histórico. O acúmulo intelectual produzido no interior da profissão tem permitido situar as políticas sociais como um espaço contraditório: ao mesmo tempo em que se
  • 5. 5 constitui como uma expressão concreta de um esforço de equacionamento das tensões sociais e econômicas através de recortes que fracionam os problemas e as lutas sociais, também se apresenta como um importante espaço de luta e de conquistas, como alternativa real e efetiva de acesso de largos segmentos sociais às condições mínimas de sobrevivência e de ampliação de sua atuação política. Considerando os horizontes teóricos e políticos postos pela inserção do Serviço Social nas políticas sociais, são identificados posicionamentos bastante diferenciados na história da profissão em relação aos seus limites e possibilidades4. Compreender a extensão da fronteira entre as condições concretas de mudanças institucionais e seus impactos econômicos e políticos a partir das políticas sociais e os reais limites impostos pela vinculação orgânica e embrionária das políticas sociais à lógica da produção e das condições de reprodução capitalista tem sido um dos principais desafios teóricos e políticos colocados à profissão. As políticas sociais desenham um campo de forças no qual a profissão ganha visibilidade social, materialidade institucional e potencialidade histórica. Contudo, a mediação entre a ação cotidiana que caracteriza o exercício profissional e os significados econômicos e ideológicos do conjunto de programas, projetos e ações executadas como dimensões constitutivas das políticas sociais é parte de um processo protagonizado por diferentes sujeitos coletivos, dentre os quais se situa o próprio assistente social. Sob este prisma, a definição das rotinas e procedimentos, a delimitação dos instrumentais e mesmo a demarcação do objeto de intervenção não representam um movimento autônomo e circunscrito a uma legalidade profissional, ao contrário, só podem ser compreendidas como resultantes de uma relação entre a dinâmica profissional e a dinâmica sócio- institucional em suas diferenciadas expressões e tensões. A trajetória da aproximação e da inserção do Serviço Social nas diferentes áreas de política social tem revelado um dinamismo que não pode ser reduzido às abordagens idealistas que a deduz de um lugar sócio-institucional consagrado em toda e qualquer política social setorial. As análises mais consistentes têm revelado 4 Conforme revela a reflexão de MENEZES (1993).
  • 6. 6 um processo bem mais complexo que decorre da combinação concreta de diferentes aspectos: o grau de negociação alcançado no interior do Estado pelas forças atuantes da sociedade civil quanto à incorporação de novas demandas sociais, a maior ou menor participação estatal na regulação dos processos de reprodução da força de trabalho e do mercado de trabalho, as formas de organização da rede de serviços envolvendo níveis de especialização cada vez maiores do trabalho institucional e a capacidade de leitura, organização e intervenção dos segmentos profissionais na composição das estruturas institucionais implementadoras dos serviços sociais. A combinação desses fatores constitui um momento decisivo para a compreensão dos processos de inserção dos assistentes sociais nas políticas sociais. A compreensão dos processos sociais e institucionais que determinaram os espaços de atuação sócio-ocupacionais dos assistentes sociais ao longo de sua história tem apontado, centralmente, para um campo de disputa social em torno da ampliação e consolidação dos direitos sociais que foi traduzida na incorporação, nem sempre homogênea, de diferentes modalidades e formas de oferta dos serviços sociais. Formas que encerraram, muitas vezes, estratégias de desmobilização ou de atendimento temporário às pressões sociais, não configurando um quadro de efetivo reconhecimento ou conquista social. Atestam estas tendências, por exemplo, a erupção de programas e ações governamentais descontínuos, ocasionais ou focalistas. Deste modo, a consolidação dos espaços de atuação profissional não tem se dado como resultado exclusivo de um movimento progressivo de ampliação dos direitos sociais, ao contrário, tem sido determinado pela dinâmica contraditória das lutas sociais e da correlação de forças postas em diversas conjunturas, combinando processos de institucionalização bastante diversificados. Nesta ampla esteira que conforma o espaço de atuação profissional tem-se desde as áreas já plenamente consolidadas, como as da saúde, até áreas emergentes, como as de esporte e lazer, passando por aquelas que ainda sofrem com os percalços e as incertezas dos processos políticos e institucionais, sobretudo nas esferas do poder municipal, como a da assistência social. Soma-se a este espectro, fornecendo um
  • 7. 7 leque ainda mais diversificado de possibilidades, as transformações experimentadas pelo mercado de trabalho com as suas diferentes modalidades de contratação e condições de trabalho. Estas considerações preliminares quanto à inserção do Serviço Social nas políticas sociais têm o significado de balizar algumas das preocupações que serão apontadas ao longo deste documento, sobretudo, no que se refere aos seguintes aspectos: A problematização da educação como campo de atuação do Estado a partir da política social. O significado estratégico da política educacional no âmbito das relações de produção e reprodução social. A leitura da inserção do Serviço Social na política educacional sob o prisma da relação entre o mercado de trabalho, a organização do trabalho coletivo e as particularidades do espaço sócio-ocupacional na área educacional.
  • 8. 8 Sobre a educação, a política educacional e o Serviço Social A educação pode ser tomada como um dos mais complexos processos constitutivos da vida social. A compreensão da educação como totalidade histórica ultrapassa em muito a abordagem da sua institucionalização nos marcos das ações reguladoras do Estado. A história da educação articula de modo não linear a relação entre as esferas privada e pública, grupal e comunitária, econômica e ideológica da vida em sociedade5. Não se propõe aqui a um exame detalhado destas relações, mas a uma explicitação necessária quanto ao modo de abordar o campo da política educacional. Considerando, portanto, a educação como uma dimensão complexa e histórica da vida social, compreende-se a política educacional como uma dada expressão da lutas sociais, em particular, aquelas travadas em torno da disputa pela hegemonia no campo da cultura que não pode ser pensada de forma desconexa da sua dinâmica particular com o mundo da produção. A inscrição de um conjunto de práticas educacionais ao campo da política social é a expressão histórica de uma disputa pela direção da elaboração e difusão da cultura dos diferentes grupos sociais que ocupam lugares distintos na organização da produção em nossa sociedade. A educação realizada no âmbito da família, das instituições religiosas, da comunidade rural e nos mais diferentes estabelecimentos edificados ao longo da história da humanidade sempre constituiu um dos elementos representativos da diversidade e complexidade do processo educacional como fenômeno social. A ampliação dos espaços, das experiências sociais e do conjunto de sujeitos envolvidos com o processo educacional nunca distanciou esta dimensão da vida social dos processos de disputa cultural, tornando-a um campo altamente tenso6. Da mesma forma, independente do momento histórico da vida em sociedade, a educação nunca deixou de ser determinada, em última instância, pela dinâmica do modo de organização social da produção dos bens materiais necessários à sobrevivência dos sujeitos sociais, visto que as condições materiais de produção são 5 Um minucioso resgate destas relações pode ser visto em MANACORDA (1989). 6 Ver a este respeito a indispensável contribuição de GRAMSCI (1989) sobre a relação entre a educação e a esfera da cultura.
  • 9. 9 determinantes do modo de organização da vida social (MARX e ENGELS, 1984). A transmissão de valores, a educação das diferentes gerações dentro de uma família ou comunidade, o conhecimento dos fenômenos naturais e das técnicas de produção se relacionam, historicamente, com o mundo da cultura, expressando processos sociais necessários à reprodução das condições de vida dos diferentes grupos sociais. Ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista esta dinâmica particular da esfera da reprodução social adquiriu feições diferenciadas, determinadas pelos distintos interesses sociais em confronto, ou seja, pelas diferentes formas dos sujeitos sociais pensarem a realidade e o seu lugar nela. As principais classes sociais e suas frações expressam modos distintos de compreender sua própria realidade e atuar a partir dela. A elaboração da visão de mundo própria das classes sociais no modo de produção capitalista é um dos aspectos centrais para a compreensão das principais tensões e disputas que caracterizam a educação como uma das principais dimensões da vida social. A institucionalização dos processos educacionais, ao longo da dinâmica e expansão do modo de produção capitalista, e sua vinculação ao âmbito das ações reguladoras do Estado não retiraram dos grupos sociais, já referidos neste texto, as suas funções e prerrogativas educacionais, mas redesenhou a dinâmica interna desses processos assim como sua vinculação orgânica com a esfera da produção. A educação, portanto, não deixou de ser um processo social vivenciado no âmbito da sociedade civil e protagonizado por diferentes sujeitos sociais, mas passou a ser também uma das principais e estratégicas áreas de atuação do Estado. As lutas sociais pelo acesso à educação passaram a constituir importantes fenômenos da política, tornando-se parte do processo de legitimação do próprio Estado e do processo de conquistas sociais que levaram ao reconhecimento da educação como direito social e não apenas como uma expressão de processos circunscritos à dinâmica da vida privada. A luta pela educação constituiu-se em uma das expressões da questão social exatamente por encerrar um processo de politização em torno do reconhecimento e do
  • 10. 10 atendimento de certas necessidades que deixaram de pertencer exclusivamente à esfera da reprodução privada e ingressaram nas agendas da esfera pública. A política educacional pode ser concebida também como expressão da própria questão social na medida em que representa o resultado das lutas sociais travadas pelo reconhecimento da educação pública como direito social. E aqui deve ser ressaltada uma das principais características da realidade brasileira: o fato de a educação não ter se constituído até o momento em um direito social efetivo e universalmente garantido, um patrimônio da sociedade civil, conforme ocorreu em vários países como etapa fundamental do processo de consolidação do próprio modo de produção capitalista, ou seja, como um valor social universal e como condição necessária ao desenvolvimento das forças produtivas. No caso brasileiro a educação pública, embora defendida desde o início do século XX pelos educadores liberais, sempre foi tomada como contendo um potencial de ameaça das massas ao projeto de dominação política das elites (LEAL, PIMENTEL & PINTO, 2000 e MONARCHA, 1989). Desta forma, sua vinculação às necessidades do mundo trabalho acabou sendo determinante para os esforços de ampliação do acesso das massas à educação escolarizada. Ao invés de compor os consensos sociais em torno de um ideário de “cidadania” mais abrangente esteve muito mais condicionada aos contornos e dinâmica do mercado de trabalho. O tipo de desenvolvimento e consolidação do capitalismo no país não se caracterizou como um processo capaz de incluir progressiva e largamente as massas oriundas do trabalho rural assalariado ou escravo e nem tão pouco os processos políticos de governabilidade promoveram esta incorporação, sedimentando uma cultura política de alternância do poder pactuada pelo alto7, a educação das massas, enquanto momento da luta pela hegemonia cultural e como parte do desenvolvimento das forças produtivas, adquiriu uma feição excludente na realidade brasileira. Os ciclos de crescimento econômico, de um lado, e a capacidade organizativa dos trabalhadores nos movimentos sindicais e sociais, de outro, passaram a ter um peso ainda mais decisivo na luta pela educação pública ao longo de todo o século passado. 7 Ver a este respeito Coutinho (1990).
  • 11. 11 A organização de um sistema educacional nacional foi uma das etapas centrais deste processo de luta. O esforço empreendido pelo Estado para a sua estruturação ao longo das primeiras três décadas do século XX não foi capaz de criar as condições mínimas de consenso em torno de sua expansão e efetiva capacidade de enfrentamento das desigualdades educacionais, ao contrário, acirrou uma intensa disputa entre os interesses privados e públicos, protagonizada, em grande parte, por uma das instituições que procurou não ceder terreno na disputa pela hegemonia no campo ideológico: a Igreja. O ingresso na segunda parte do século XX não equacionou esta disputa, na verdade, novos elementos compuseram este cenário, dada as características do processo de expansão capitalista no Brasil e sua vinculação à dinâmica mundial. Parte do processo educativo, aquele mais diretamente vinculado à formação técnica do trabalhador, passou a ser realizado por instituições não tipicamente educacionais: O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (ALMEIDA, 2000a), inaugurando uma tendência, que veio a ser ratificada no final do século XX, em retirar da própria política educacional as orientações e financiamentos para a formação técnica do trabalhador. As tensões no campo educacional, decorrentes dos interesses das distintas forças sociais em relação à dimensão estratégica da educação no campo cultural e produtivo, determinaram longos processos de negociação e embates, fazendo com que as duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, elaboradas no século passado, tramitassem durante longos anos no Congresso Nacional até serem aprovadas, não sem articulações e golpes que conservassem a cultura política dos acordos no interior da própria elite dirigente: a primeira durante o período compreendido entre 1948 e 1961, a segunda de 1988 até 1996, ou seja, treze e oito anos respectivamente. Tomando a política educacional na contemporaneidade como uma das referências para a construção deste documento é preciso destacar que a aprovação da LDB – Lei nº 9.394 de dezembro de 1996 representa um marco no campo educacional na relação entre Estado e Sociedade Civil e entre o mundo
  • 12. 12 trabalho e o mundo da cultura. O seu processo de aprovação expressa o esforço de adesão empreendido pelo governo federal às exigências externas colocadas à inserção do país na globalização, reforçando o projeto neoliberal tanto na sua dimensão ideológica quanto na organização gerencial da política educacional. A LDB, embora encerre algumas conquistas e avanços no campo educacional, teve seu processo de aprovação marcado por uma total intransigência por parte do governo em dialogar com a sociedade civil organizada, onde as propostas dos movimentos sociais vinculados a área de educação foram paulatinamente vetadas desde as negociações em torno da sua aprovação até a elaboração do Plano Nacional de Educação (VALENTE, 2001). A LDB contém, assim, um arcabouço geral de organização e orientação da política educacional referenciado pelas principais balizas do Estado neoliberal (ALMEIDA, 2000b). A reforma administrativa e gerencial do Estado. A LDB possui um texto legal genérico, deixando para as legislações complementares toda a regulamentação da política educacional. Analisando estas legislações complementares é possível verificar a demarcação da função essencialmente gerencial que o Estado passa a adotar, investindo na estruturação de um conjunto de parâmetros curriculares para os diversos níveis de educação, na formulação de processos de avaliação que serviriam para orientar a destinação dos investimentos e dividindo responsabilidades na execução com a sociedade civil. A flexibilização das legislações exigida pela flexibilização da produção no mundo do trabalho. A LDB expressa uma adequação da política educacional às novas exigências de formação do trabalhador. Este processo de flexibilização contido no texto original se estende às legislações complementares. Esta tendência pode ser observada tanto na diversificação das instituições de ensino superior e das próprias modalidades de formação nesta área assim como na reforma empreendida no ensino médio.
  • 13. 13 A substituição da lógica do pleno emprego pela da empregabilidade. A flexibilização dos processos formativos passa a ser justificada pela necessidade do aumento da capacidade competitiva das unidades produtivas e a elevação dos indicadores educacionais, sobretudo, o tempo de escolaridade da mão de obra, que passa a ser uma meta imprescindível nos tempos atuais. As alterações nos sistemas de progressão entre séries e ciclos, assim como as políticas de manutenção dos alunos por mais tempo na educação escolarizada cumprem uma função estratégica nesta direção. Muito embora a regulamentação destes processos não se dê no âmbito da LDB, especificamente, é a partir de seu espectro ideológico que essas ações vêm sendo promovidas. A valorização ideológica da supremacia do mercado e da individualidade. A função da educação no conjunto dos processos culturais de produção e reprodução dos valores e idéias dominantes de uma época é bastante potencializada a partir da LDB, em particular no estabelecimento de um novo patamar da relação entre o Estado e a Sociedade Civil, reforçando o diálogo com os segmentos não organizados e distorcendo a idéia de uma formação cidadã para a de formação de um cidadão consumidor. A flexibilização dos conteúdos curriculares e da integração entre as instituições educacionais e as instituições da sociedade civil menos politizadas têm levado à incorporação de conteúdos que ideologicamente enfatizam o papel do mercado em nossa sociedade e reforçam a perspectiva de desresponsabilização do Estado com as políticas sociais através do fortalecimento das práticas voluntárias e da educação privada. A política educacional, embora tenha seu arcabouço legal e ideológico ancorado na LDB, não se restringe a mesma, seja em função do próprio significado que essa legislação possui, seja em decorrência das condições de sua aprovação, assim como em razão daqueles fatores que acabam por caracterizar
  • 14. 14 uma política social e que extrapolam sua dimensão legal: a expressão e disputa de interesses diferenciados e por vezes conflituosos; a arquitetura institucional que ganha certa autonomia nas dinâmicas e particularidades dos diferentes estabelecimentos da burocracia estatal e na relação entre as distintas instâncias governamentais; e o grau de organização e a capacidade de pressão e interferência das corporações e movimentos sociais. Compreende-se a política educacional, desta forma, não só como um aparato institucional legal e administrativo que se inscreve no âmbito do Estado, mas enquanto um espaço que também enseja contradições e disputas, e que se altera histórica e politicamente mediante a ação dos sujeitos sociais. Um espaço privilegiado para a afirmação da concepção gramsciana de Estado ampliado, que envolve o relacionamento da sociedade política com a sociedade civil. Os limites deste relacionamento, ao longo dos últimos anos, têm determinado um desigual alargamento das conquistas sociais, sobretudo, no sentido do fortalecimento da participação dos segmentos organizados da sociedade civil. Os próprios Conselhos de Educação nos âmbitos federal, estaduais e municipais, que poderiam servir de espaço para a expressão de contra-tendências à hegemonia do modelo neoliberal na educação, acabam não criando essa condição dada a sua estruturação e composição em um formato muito distinto dos demais conselhos de políticas sociais setoriais, como os das áreas de saúde, criança e adolescente e assistência social, por exemplo, onde a sociedade civil organizada tem assento. Pensar as particularidades da política educacional na atualidade requer também situar sua dinâmica e sua extensa e complexa capilaridade institucional em relação às transformações em curso tanto no mundo do trabalho quanto no da cultura. A relação entre a organização da educação escolarizada e o mundo do trabalho não se dá de forma imediata e mecânica, assim, apreender as mediações que as determina é fundamental para situar os projetos e práticas sociais que atravessam e compõem o universo educacional. Vale, a título de ilustração da importância desta relação, a observação de que, ao longo dos anos 90, ao mesmo tempo em que se detectou uma expressiva diminuição dos postos de trabalho e o reconhecimento do desemprego como um fenômeno não sazonal, mas estrutural
  • 15. 15 no capitalismo, também se verificou uma enorme expansão do ensino superior privado no país, seja em termos de abertura de vagas ou de instituições, seja na comparação do total de alunos inscritos nas instituições privadas e nas instituições públicas. Como explicar esta aparente contradição sem referir às mudanças no âmbito do Estado em relação aos seus papéis como executor e gestor no campo das políticas sociais? Sem considerar o paradigma da empregabilidade (GENTILI, 1998) e o grau de adesão ideológica de certos estratos sociais ao mesmo como orientador das estratégias de ingresso no “seleto e restrito” mercado de trabalho? Ou, ainda, sem lançar luzes sobre o amplo e polêmico debate em torno da crise fiscal do Estado e da política de renúncia fiscal como estratégia de incremento aos setores produtivos? E, por último, como prescindir da análise da expansão da burguesia do setor de serviços (NEVES, 2000) e, particularmente, a do setor educacional e da progressiva transformação dos serviços culturais e educacionais em mercadoria? Destarte, algumas mediações passam a ser centrais para a compreensão da relação entre a educação, como dimensão da vida social, e a dinâmica do mundo da cultura e do trabalho. Situar a política educacional neste esforço é imprescindível, o que impõe a necessidade de não produzir nenhum hiato interpretativo no tratamento de sua complexidade, ou seja, não se pode desconsiderar a relação entre suas expressões legais, na qual se inscreve a LDB, e institucionais, nas quais se materializa a extensa e diferenciada rede de instâncias e unidades educacionais, com os processos culturais, econômicos e políticos presentes na realidade brasileira e mundial. Vale sublinhar que a progressiva ampliação da política educacional em suas bases de sustentação legal, programática e institucional é a expressão histórica do lugar que ocupa nos processos de disputa pela hegemonia cultural em relação ao dinamismo particular da produção e da reprodução social em diferentes períodos. Essa expansão, refletida, por exemplo, na LDB e na diversificada rede de serviços e entidades educacionais, públicas ou privadas, demonstra também a ampliação e o grau de complexidade alcançado na dinâmica entre o Estado e a sociedade civil em seus relacionamentos com esta dimensão da vida social que é a educação.
  • 16. 16 Nesta perspectiva, ao tratar da política educacional é preciso referenciar o conjunto de áreas que são reguladas em termos das práticas e conhecimentos legais e educacionais socialmente reconhecidos hoje enquanto arcabouço institucional desta política. Ergue-se a partir desta forma de abordagem uma questão de ordem teórica e política que é o próprio processo histórico de institucionalização destas práticas reguladas e que ressalta a preocupação, exatamente no curso dos processos sociais de disputa pela hegemonia, não só no campo cultural, com as práticas educacionais contra-hegemônicas. Saber em que medida essas práticas devem ou não ser conduzidas ao largo dessa institucionalidade, demarcada pela política de educação, tem sido uma das interrogações mais usuais na história da educação. Muito embora se perceba uma tendência entre os principais educadores contemporâneos, comprometidos com uma educação emancipatória, em não trilhar um percurso paralelo, mas caminhar no sentido de que a institucionalização de práticas educacionais contra- hegemônicas seja parte de um processo de conquistas e ampliação dos direitos sociais e de fortalecimento de uma dada concepção política de educação. Neste sentido, sobretudo para os assistentes sociais, a quem este documento se dirige, é vital que duas questões sejam assinaladas. A primeira delas é a de que pensar a atuação dos assistentes sociais na política educacional envolve a compreensão da dinâmica e complexidade deste campo de atuação do Estado e da sociedade civil (ALMEIDA, 2003). Não se trata, portanto, de ponderar ou especular sobre essa atuação apenas no interior dos estabelecimentos educacionais mais tradicionais como a escola. Pensar essa inserção dos assistentes sociais exige identificar que a política educacional engloba diferentes níveis e modalidades de educação e ensino: a educação básica que é composta pela educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos; a educação profissional; a educação superior e a educação especial. A organização e a execução desses diferentes níveis de educação e ensino cabem ao Estado em seus três níveis de atuação: a união, os estados e os municípios, sendo que cada um deles tem responsabilidades e incumbências diferenciadas. Destarte, é fundamental que não se perca a dimensão de totalidade na
  • 17. 17 compreensão do significado que a política educacional tem a partir desse desenho institucional na relação entre o mundo da cultura e o do trabalho, ou seja, no âmbito da dinâmica que particulariza as esferas da produção e da reprodução social. A segunda questão a ser assinalada diz respeito ao reconhecimento de que se a política educacional é uma das expressões das disputas protagonizadas pelos sujeitos sociais no campo da cultura ela também não encerra todas as particularidades da educação enquanto dimensão da vida social. Os assistentes sociais devem, ao mesmo tempo, tomar a política educacional como um modo historicamente determinado de oferta e regulação dos serviços educacionais, que organiza diferentes formas de trabalho coletivo e modalidades de cooperação entre os profissionais que atuam nesta área, como considerar a educação como um fenômeno social, cujas práticas e seus sujeitos envolvem processos que embora se relacionem com a política educacional a ela não necessariamente se circunscrevem. Pensar a educação para além da política educacional é, deste modo, uma outra exigência posta aos assistentes sociais e que requer um olhar sobre a própria dimensão educativa de sua intervenção como constitutiva desses processos mais amplos e não necessariamente vinculada a essa área de atuação do Estado via política social. Em síntese, a dimensão educativa que caracteriza um infindável universo de práticas sociais e experiências profissionais não necessariamente configura um elemento justificador do pertencimento ou proximidade dessas atuações à política de educação. Existem, contudo, situações reais que têm revelado a necessidade de atuação dos assistentes sociais no ensino fundamental8, ou seja, numa área específica da política educacional. Estas situações, resgatando a perspectiva de abordagem que norteia este documento, podem ser compreendidas a partir das expressões atuais da questão social na (e em relação à) educação, em seu 8 Vale destacar que estas situações, ainda que expressem manifestações atuais da questão social, não caracterizam a inserção dos assistentes sociais nas escolas como uma realidade nova, muito ao contrário. Contudo são poucos os registros dessas inserções, o que vale destacar a sistematização de uma dessas experiências feita por SANTOS (2001) sobre a experiência alagoana.
  • 18. 18 sentido mais amplo já referido, assim como em sua dimensão mais particular, a política educacional. A escola pública e, mesmo, a particular, na esfera do ensino fundamental, se vê atravessada por uma série de fenômenos que, mesmo não sendo novos ou estranhos ao universo da educação escolarizada, hoje se manifestam de forma muito mais intensa e complexa: a juventude e seus processos de afirmação e reconhecimento enquanto categoria social, exacerbadamente, mediado pelo consumo; a ampliação das modalidades e a precoce utilização das drogas pelos alunos; a invasão da cultura e da força do narcotráfico; a pulverização das estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de atrativo social da escola como possibilidade de ascensão social e econômica; a desprofissionalização da assistência no campo educacional com a expansão do voluntariado; a gravidez na adolescência tomando o formato de problema de saúde pública e a precarização das condições de trabalho docentes são algumas das muitas expressões da questão social. O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com outras políticas setoriais9. Caso contrário, estará implícito, nas defesas desta inserção, a presunção de que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um determinado profissional, quando na verdade seu efetivo enfrentamento requer, na atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, mas de um conjunto mais amplo de profissionais especializados. O que parece ser central aqui e que já vem sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não 9 Esta abordagem filia-se a um campo de estudo presente na Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre a inserção dos assistentes sociais em processos de trabalho na área de educação, o que determina um olhar sobre a escola para além das suas dinâmicas institucionais mais visíveis, mas como espaço de organização de um trabalho coletivo. Sobre este tipo de olhar no campo educacional, ainda não muito difundido, vale destacar a reflexão de SILVA JÚNIOR (1995).
  • 19. 19 vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de nenhum profissional. Para além das suas funções com o processo de formação do cidadão - perspectiva que vem sendo construída como parte da luta e da organização social da categoria dos educadores e que, portanto, não se inaugura com a possibilidade de entrada de um ou outro profissional na política educacional, mas traduz uma luta histórica no âmbito das forças sociais - o professor não consegue acumular outras funções que a escola vem assumindo como decorrência de seu lugar estratégico no campo das políticas sociais. Há de se destacar, neste sentido, a tendência marcante na última década de articulação das políticas de enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima10 com a política educacional, aumentando o fluxo de informações e responsabilidades institucionais da escola. Essa função estratégica da escola como porta de acesso de largos segmentos sociais às políticas sociais e seus programas não tem resultado em um processo tranqüilo no âmbito do ensino fundamental. A sobrecarga de funções dos professores, em decorrência da incorporação dos procedimentos administrativos desses programas, a visão até certo ponto ideológica de que a assistência social se converte incondicionalmente em assistencialismo e que determina um “conformismo” das estratégias de sobrevivência das famílias aos programas sociais, acaba gerando uma certa preocupação com o que possa significar a presença dos assistentes sociais nas escolas. Corrobora com essa visão, talvez não hegemônica, mas presente e real, o fato de que as questões relativas à sexualidade, às drogas, à família e à violência, embora façam parte da atuação dos assistentes sociais em diversos outros campos de atuação, também, em certa medida também compõem ou deveriam compor o universo da formação ampla e cidadã com a qual muitos educadores e entidades educacionais investem como parte do processo de construção de uma nova sociedade (LINHARES, 2001). A 10 Ver a respeito desta tendência SPOSATI (1997).
  • 20. 20 questão se torna ainda mais delicada se tratada pelo lado da função educativa das práticas profissionais e sociais. Diante do exposto não se procura aqui interditar este processo de aproximação do Serviço Social à escola pública ou particular, ao contrário, busca- se as bases reais e o significado político de construção dessa trajetória. A afirmação da dimensão educativa do trabalho do assistente social deve ser considerada não apenas em termos da valorização da sua inserção nas unidades educacionais, mas do seu envolvimento com os processos sociais, em curso, voltados para a construção de uma nova hegemonia no campo da educação e da cultura, dos quais os educadores trazem significativos acúmulos e tradição, seja no campo do pensamento intelectual, seja nas ações profissionais e políticas. Para uma categoria como a dos assistentes sociais esta adesão não representa algo novo, visto que sua aproximação às mais diferentes áreas de atuação do Estado, através das políticas sociais, tem contado com um certo grau de participação e mobilização política nos processos coletivos e na esfera pública. A adesão às lutas e movimentos sociais em torno da erradicação do analfabetismo, de uma educação pública universal, gratuita e de qualidade, do acesso progressivo dos diversos segmentos sociais aos diferentes níveis de educação constitui expressão importante deste processo de valorização da dimensão educativa do trabalho do assistente social como inclusa nos processos de luta e organização social. Por outro lado, a própria trajetória dos assistentes sociais no que se refere ao acúmulo teórico e profissional no campo das políticas sociais e, em particular, da assistência, tem sido um dos principais fatores de reconhecimento de sua presença em diferentes áreas de atuação, mas cuja efetiva inserção, assim como os alcances da sua atuação ultrapassam o campo da vontade e da competência, visto que expressam movimentos e processos concretos de organização dos serviços sociais no âmbito de estruturas institucionais historicamente construídas. Desta forma, esta possibilidade recai, novamente, no campo da organização e da intervenção política, pois expressará o resultado de um processo de ampliação das formas de enfrentamento das expressões da questão social no ensino
  • 21. 21 fundamental. O reconhecimento do significado social e institucional desta inserção junto aos sujeitos que atuam na área de educação representa, assim, elemento decisivo para sua efetivação, direcionando o debate para a esfera dos processos sociais dirigidos para a ampliação e conquista dos direitos sociais e educacionais.
  • 22. 22 Comentários sobre os projetos de lei Os projetos de lei federais, estaduais e municipais, levantados pelo Conselho Federal de Serviço Social e sobre os quais se constrói este parecer, expressam um universo bastante diversificado de argumentos e leituras sobre o significado e a necessidade da presença dos assistentes sociais nessa área. Alguns elementos podem ser inicialmente apontados para justificar esta diversidade: Os períodos históricos em que foram produzidos. Existem projetos do início dos anos 70, de meados dos anos 80 e projetos mais recentes. Para se compreender as implicações deste largo espaço de tempo para a análise dos argumentos apresentados basta pensar sobre as mudanças sofridas na sociedade brasileira, na política educacional e no Serviço Social ao longo dos últimos trinta anos. A apresentação de argumentos que devem ter sido elaborados por parlamentares sem um conhecimento mais preciso sobre a profissão e as competências e habilidades profissionais. E, por último, o atravessamento de concepções generalistas sobre a própria educação assim como em relação ao Serviço Social. Talvez, essas representações construídas em torno da educação e das práticas dos assistentes sociais, e que demarca certas idéias e valores com base, sobretudo, no senso comum, estejam, ainda, muito enraizadas na própria sociedade, visto que elas, de certo modo, ainda foram encontradas no conjunto de leis e documentos analisados, independentemente do período histórico em que foram produzidos. A partir destas observações preliminares serão apresentados alguns comentários sobre o conjunto dos projetos e documentos analisados, procurando- se resgatar os elementos que tornam as atribuições previstas para os assistentes sociais, nas escolas ou na área educacional, próximas ou distantes às abordagens produzidas na primeira parte do presente documento e ao próprio acúmulo elaborado pela categoria e expresso no projeto ético, político e profissional do Serviço Social.
  • 23. 23 Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.006, de 1974 Este projeto de lei foi elaborado com o seguinte propósito: “Modifica a redação do artigo 10 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º Graus, instituindo a obrigatoriedade de Serviço Social Escolar”. Interessante observar que o projeto de lei foi elaborado com intuito de modificar um artigo da LDB aprovada cerca de três anos antes e após treze anos de tramitação no Congresso Nacional, o que demonstra a já assinalada dificuldade de aprovação de uma legislação geral que contemple as expectativas dos diferentes grupos sociais. A presença dos assistentes sociais nas escolas de 1º e 2º graus foi justificada pela formação específica deste profissional, identificada como necessária, e sem que possa ser desenvolvida pelo professor, na condução das atividades de “assistência social escolar”. Este projeto é um dos muitos apresentados a se referir a um “Serviço Social Escolar”, expressão que grassa entre os assistentes sociais na atualidade e que não está isenta de uma série de implicações sócio-ocupacionais. Considerando o debate profissional realizado ao longo dos anos 80, e que orienta as principais produções na contemporaneidade sobre a inscrição do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho, esta forma de abordar a atuação do assistente social na área de educação tem dois significados importantes. O primeiro é o de considerar os limites e os alcances de uma especialização do exercício profissional nos marcos das políticas sociais setoriais e das instituições sociais, ou seja, se afirma a possibilidade de um Serviço Social específico para cada área: o Serviço Social Escolar, o Serviço Social da Saúde e o Serviço Social Jurídico entre outros. O segundo significado é o de reduzir a possibilidade de inserção dos assistentes sociais na política educacional aos estabelecimentos educacionais do ensino fundamental, já sinalizado anteriormente. Os problemas presentes no universo escolar e que justificam a atuação dos assistentes sociais de certa forma gravitam em torno daquelas expressões da questão social que já foram referidas no item anterior deste documento, contudo, o
  • 24. 24 modo de abordar algumas dessas expressões e a eleição de um conjunto de “problemas” com os quais os assistentes vão ter que lidar denota uma concepção de como a escola se inscreve em um amplo processo cultural de mascaramento das determinações sociais desses fenômenos: A Assistente Social constatará, com facilidades que lhe proporciona sua formação profissional, problemas como: má freqüência às aulas, rendimento deficiente, conduta inadequada (indisciplina, comportamento sexual irregular, furtos, etc.), higiene ou saúde precárias, deficiências físicas ou mentais, carências emocionais, irregularidades do lar, dificuldade de ambientação social, etc. E prossegue na mesma perspectiva de leitura dos problemas educacionais: A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971), em inúmeros dispositivos, sugere a necessidade de tratamento especial aos alunos que apresentem aproveitamento deficiente, em razão de problemas emocionais decorrentes, que de educação familiar errônea ou deficiente, quer da dificuldade em colocar-se no meio social, ou ainda, de defeitos físicos ou mentais. Realmente, a ocorrência dessas anomalias é bastante acentuada na área do ensino de 1º e 2º graus época da formação básica da individualidade, da colocação social e do alicerce intelectual do aluno. Atribuindo ao professor a tarefa de constatar e solucionar aquelas anomalias, a lei acaba por sobrecarrega-lo, em detrimento de suas obrigações precípuas. Para além do estranhamento que hoje possa causar esta forma de considerar a relação entre a família e a escola e as dificuldades que se interpõem ao trabalho do professor, já bastante criticadas e superadas no cenário intelectual
  • 25. 25 educacional contemporâneo e, relativizando o próprio texto, se considerada a sua produção no âmbito da vida parlamentar em um dos períodos mais críticos da ditadura militar no Brasil, o que deve causar inquietação e desconforto é o fato de que com cores menos carregadas e apoiadas em novos aportes ideológicos, em particular o neoliberalismo, em certa medida essa concepção de que a escola possui uma dinâmica que vem sendo “atrapalhada” pelas atuais composições e arranjos familiares e suas estratégias de sobrevivência estão fortemente presentes no universo educacional e ainda sustenta os argumentos mais apresentados para se justificar a presença dos assistentes sociais na área de educação na atualidade. Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.995, de 1976 Este projeto de lei é na verdade uma reapresentação do anterior em uma nova legislatura. A sua menção só se faz necessária conquanto dá continuidade à mesma linha de abordagem do anterior, imprimindo uma marca ideológica dos tempos da ditadura à intervenção que se desejava produzir com a inserção dos assistentes sociais nas escolas. Observe: Rendendo as nossas melhores homenagens ao ex- Deputado Maurício de Toledo, autor de idêntica propositura na legislatura passada, arquivada ex vi do artigo 117 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, procuramos estabelecer com este projeto de lei a obrigatoriedade de assistência social escolar, executada por profissional especialmente formada para esse fim – A Assistente Social – porque entendemos que não basta sabermos da existência de um mal com conseqüências ruinosas para a formação das novas gerações, mas localizarmos as suas origens, para tentar eliminá-las.
  • 26. 26 O “mal” referido, com certeza, não estaria na vida escolar, mas no comportamento inadequado dos alunos e de suas famílias. Vale destacar que a ideologia da segurança nacional impregnou um largo espectro da vida social, imputando não só modos de compreensão, mas, sobretudo, práticas alicerçadas em um gritante autoritarismo. São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 59, de 1978 O presente projeto de lei visava instituir na Secretaria dos Negócios da Educação do Estado de São Paulo o setor de Serviço Social Escolar. Não cabe retomar a questão já tratada anteriormente sobre o Serviço Social Escolar, apenas sinalizar a sua persistência nos textos legais. O que é interessante observar neste projeto é uma mudança qualitativa na abordagem, mas que se resume à ultrapassagem da linguagem dura dos documentos anteriores, sem, contudo, provocar profundas alterações na perspectiva de análise seja do campo educacional, seja das atribuições dos assistentes sociais. Artigo 3º - Serão atribuições do Setor de Serviço Social Escolar o tratamento psico-social aos membros do corpo discente, a promoção da interação de grupos, a orientação social, a integração escola-comunidade, a assessoria às associações ligadas às unidades de ensino, o desenvolvimento de campanhas, seminários e ciclos de estudos, o incremento das atividades de lazer e a formação de grupos voltados para a prática cultural e desportiva, dentre outras. Observa-se que, ao mesmo tempo, o texto afirma as modalidades tradicionais de intervenção do Serviço Social: caso, grupo e comunidade, enfatizando uma perspectiva psico-social, e vislumbra uma ampliação das fronteiras desse trabalho no interior da própria escola e que vieram a se constituir em áreas de atuação dos assistentes sociais, como as de esporte, cultura e lazer. A justificativa apresentada para a criação do Setor de Serviço Social Escolar enaltece tanto os problemas de ordem psicológica que constituiria um
  • 27. 27 argumento mais adequado para a criação de um Setor de Psicologia da Educação. Identifica-se, desta forma, uma predominância ainda de abordagens com um nítido sentido de garantia da funcionalidade da vida escolar e cujos maiores entraves repousam sobre as disfunções e desajustes individuais dos alunos assim como os apresentados por suas famílias. Em nenhum momento do texto a escola é questionada como expressão de uma dada forma de organização do sistema educacional, assim como as determinações sociais se colocam como objeto para a atuação dos assistentes sociais. As autoridades escolares, evidentemente não ignoram a existência de problemas de ordem social que hoje envolvem os jovens estudantes, em seus lares, no meio social em que vivem e nas próprias unidades de ensino, hoje desprovida de recursos humanos capazes de ensejar ampla orientação social aos seus alunos, complementando o processo educacional formal, através de atividades extra-curriculares. A eficiência de qualquer sistema de ensino depende em grande parte, das condições psicológicas apresentadas pelos aprendizes. Este fato não é menos conhecido que o anterior, mas nenhuma medida foi até aqui tomada objetivando o tratamento dos evidentes problemas psicológicos, impostos aos jovens pela dinâmica da vida moderna. O sistema oficial de ensino não inclui como prioritário o tratamento ou prevenção das distorções de comportamento de milhares de discentes, dos problemas de adaptação de outros tantos milhares, dos desajustes familiares e inúmeros outros problemas psico-sociais que incidem diretamente no processo educacional formal, prejudicando-o.
  • 28. 28 São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 374, de 1981 Este projeto de lei é bastante sucinto, não permitindo uma análise mais detalhada. Contudo, vale o registro de que o pouco conteúdo presente em seu texto reitera a abordagem do projeto de lei anterior, enfatizando a atuação dos assistentes sociais nos programas de lazer e cultura e junto aos centros cívicos e Associações de Pais e Mestres. A ênfase da atuação profissional está centrada na relação Escola-Família-Comunidade. São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 336, de 1983 O presente projeto de lei apresenta alguns elementos novos no trato da questão e mantém outros já assinalados nos projetos anteriores. A ênfase da intervenção ainda está assentada na relação Escola-Família-Comunidade. Contudo, o texto do projeto em tela não faz mais alusão ao Serviço Social Escolar, dirigindo-se a criação de um Serviço Social na Escola. Esta mudança não deve ser tomada como uma mera questão semântica. A análise do teor do projeto revela que esta pequena alteração já expressa uma mudança em curso na própria profissão. Isto pode ser comprovado com a indicação, no texto do projeto, de que o mesmo é o resultado de um grupo de trabalho constituído por assistentes sociais do então Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) de São Paulo. Outra mudança bastante visível, e que comprova a aproximação do processo de elaboração e tramitação do referido projeto à dinâmica interna do Serviço Social, pode ser identificada na apresentação dos objetivos do Serviço Social na Escola. Há aqui um claro redirecionamento da abordagem do significado da profissão, saindo da perspectiva psico-social para uma análise mais política da atuação dos assistentes sociais. Esta mudança, bastante relevante, ao passo que representa um esforço de superação no âmbito da própria categoria profissional em superar a herança ideológica e teórica de matriz conservadora, acaba também expressando as interrogações e o deslocamento do foco profissional para a esfera das práticas sociais, sem conseguir caracterizar, com precisão, com o que o Serviço Social atuaria no campo educacional, considerando-se que o projeto de lei
  • 29. 29 tem que justificar a inserção nas escolas de um novo profissional com uma formação diferente da do professor. Artigo 4º - É objetivo geral do Serviço Social na Escola concorrer para a plena realização desta instituição educadora, socializadora, integradora, transformadora e conscientizadora, com vistas ao Desenvolvimento Social. Parágrafo 1º - São objetivos específicos do Serviço Social na Escola: Identificar nos processos sociais as causas que impedem a plena participação dos elementos envolvidos no âmbito da educação para o alcance da qualidade de vida compatível com os direitos e exigências humanas; Propor alternativas e possibilitar a participação e integração da escola no conjunto da sociedade como um todo, com o objetivo de que essas causas sejam eliminadas e o processo de desenvolvimento social, ao nível educacional, se transforme de acordo com os direitos e exigências humanas; Participar na formulação e implementação das políticas sociais e seus respectivos planos que forem formados ao nível da educação sistemática e assistemática; Parágrafo 2º - Para a consecução do disposto neste artigo, utilizar-se-á da metodologia específica do Serviço Social, e dos meios institucionais: planejamento escolar, programas de lazer, cultura, integração escola-comunidade, das entidades e associações auxiliares já existentes: Centros Cívicos e Associações de Pais e Mestres. Pode se depreender do texto acima que a superação de uma abordagem funcional da escola não resolveu de todo o problema da demarcação do foco da atuação dos assistentes sociais na área de educação, ao contrário, criou-se um outro problema: o de situar os objetivos profissionais num plano irrealizável
  • 30. 30 enquanto tal, visto que encerram um alcance social e político que não se inscreve no âmbito de uma única profissão, mas da luta social empreendida por outros sujeitos sociais. As formas de atuação sedimentam uma tendência já apontada nos projetos anteriores que articula áreas afins à educação como a cultura e o lazer e envolve outros agentes do campo educacional. A justificativa apresentada quanto à presença dos assistentes sociais nas escolas de 1º e 2º graus ainda conserva a noção de que os alunos e os problemas decorrentes de sua condição, a juventude, é que constituem o alvo de suas ações, ainda que as razões desses problemas já não sejam reputadas apenas à família. O texto do projeto, na parte da justificativa, mescla elementos novos e argumentos presentes nos projetos anteriores, assim, ao mesmo tempo em que se apresentam indícios de que a escola não é uma instituição que se encontra acima e distante da dinâmica da sociedade, se refere novamente à organização de um Serviço Social Escolar, único momento que esta expressão é utilizada nesse projeto de lei. A institucionalização do Serviço Social Escolar representa proposta não só imperativo da lei, mas, sobretudo, resposta eficiente a uma realidade social que a cada dia produz, no meio estudantil, maior volume de reflexos negativos, capazes de desestabilizar o rendimento escolar de milhares de alunos espalhados pelos estabelecimentos oficiais de ensino. A inaptidão para determinadas matérias, a ausência às aulas, as fugas, a rebeldia, a improdutividade, a agressividade, a inadaptação a grupos, o desajustamento, e até a marginalização, são efeitos nem sempre emergidos do sistema de ensino, mas de causas muito mais complexas e profundas, muitas vezes até externas ao ambiente escolar, que exigem a intervenção de profissionais especialmente preparados para o seu trato.
  • 31. 31 Até o momento, os projetos de lei examinados não conseguem romper com a leitura de que os problemas com os quais o assistente social deve lidar nas unidades de ensino estão circunscritos aos processos comportamentais, decorrentes de dificuldades de ajuste, seja de ordem familiar, social ou econômica. Reside neste tipo de enfoque a dificuldade em situar não só as particularidades da atuação profissional, mas, sobretudo, em pensar o próprio processo educacional, na medida em que as questões relacionadas até então, em sua grande maioria, não encerram outra coisa que não as dificuldades próprias à vivência dos jovens enquanto categoria social, ou seja, questões que devem se constituir em objeto de estudo e trabalho também dos próprios educadores que se propõem a não retirar dos alunos a condição de sujeito do processo educativo. São Paulo. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 09, de 1984 Este projeto de lei municipal representa um significativo avanço em relação aos anteriores e por uma razão particular: ele é elaborado pela então vereadora da Cidade de São Paulo e assistente social Luiza Erundina de Sousa. O projeto apresenta um texto sintonizado ao debate político e intelectual sobre o Serviço Social da época. Ainda enfatizando a dimensão política do trabalho dos assistentes sociais, como no projeto anteriormente analisado, este já aponta uma relação entre os objetivos do Serviço Social e as lutas sociais travadas pela educação pública. Desta forma, a abordagem dos objetivos do Serviço Social na rede de ensino de São Paulo resgata algumas das atribuições previstas na lei que regulamenta a profissão11 e se articulam ao processo social em defesa de uma escola pública voltada para a formação do cidadão, sem se deter sobre os focos de intervenção nas unidades de ensino. Ou seja, é um texto que não é tão genérico no trato da dimensão política da profissão e que avança na direção da delimitação das particularidades da inserção dos assistentes sociais nas unidades de ensino. 11 Aqui nos referimos a Lei nº 8.662, de junho de 1993 pelo reconhecimento de que alguns de seus conteúdos já estavam presentes no referido projeto de lei, muito embora naquele período, 1984, a lei em vigência fosse a Lei nº 3.852/57.
  • 32. 32 Artigo 2º - O Serviço Social na Escola tem como seu campo de trabalho as relações entre os Agentes do processo educativo: estudantes, pais, trabalhadores da escola e representantes da comunidade. Artigo 3º - O Serviço Social na Escola tem por objetivo geral, contribuir para que o processo educacional corresponda aos direitos, necessidades e melhores condições de vida e trabalho da população abrangida pela ação da escola e, assim, cumprir plenamente suas finalidades de formação e transformação social. Parágrafo único: São seus objetivos específicos: a) Identificar e caracterizar as situações sociais que impedem a participação dos indivíduos e grupos envolvidos no processo educacional, nos bens e serviços necessários para uma condição de vida satisfatória e condizente com os reais direitos e exigências humanas. b) Estimular a população a refletir sobre os problemas sociais que interferem direta ou indiretamente nas suas condições de vida e trabalho, buscando em conjunto alternativas que visem à superação desses problemas. c) Identificar e resgatar as diversas experiências e manifestações de cultura popular, contribuindo para a incorporação desses conteúdos na criação e reformulação de propostas educacionais. d) Criar condições para que se efetive a participação dos diferentes agentes do processo educativo na formulação de políticas educacionais e de propostas alternativas de trabalho.
  • 33. 33 e) Contribuir para que a escola se constitua, também, num espaço de reflexão e vivência social que complemente o processo formal de educação. f) Estimular a criação de programas destinados aos escolares, em horários diferentes do período de aula, propiciando um espaço alternativo de informação, lazer e orientação sócio-educativa. Os objetivos acima descritos indicam a presença de elementos inéditos, não referidos nos projetos anteriores. O primeiro deles diz respeito à atuação dos assistentes sociais não só junto ao segmento estudantil e suas famílias, mas também junto a outros agentes envolvidos com processo educativo: os trabalhadores da escola. A segunda novidade se relaciona ao enfoque do trabalho profissional na perspectiva da condução de atividades que envolvam as condições de vida e trabalho da população. Esta concepção traz à tona a compreensão do significado social da profissão no âmbito da produção e reprodução social. O terceiro elemento, e, talvez, o mais inovador, envolve a preocupação com a dimensão cultural, o que inscreve o processo educacional, de modo explícito, conforme pode ser verifica na letra “C” do artigo terceiro do projeto, com as disputas pela hegemonia na esfera da cultura. O quarto aspecto está relacionado às funções de mobilização e fortalecimento dos processos de participação política da população no âmbito das políticas sociais como um todo e da política educacional em particular. Todos esses elementos expressam um giro considerável em relação aos enfoques anteriores na relação do Serviço Social com a política educacional e com a área de educação, conforme abordado na parte anterior deste documento. São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 517, de 1987 O projeto de lei de 1987 é, na verdade, uma reedição do Projeto de Lei nº 336 de 1983, não contendo nenhum elemento novo substantivo para a presente análise.
  • 34. 34 São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 442, de 1995 O presente projeto também reedita o Projeto de Lei nº 336 de 1983 mantendo a mesma base de justificação quanto à inserção dos assistentes sociais nas escolas. A principal modificação está contida na exposição das competências do Serviço Social nas escolas de 1º e 2º graus do Estado de São Paulo, voltando- se novamente à utilização da concepção do Serviço Social Escolar. Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar: I- efetuar pesquisa de natureza sócio-econômica e familiar para caracterização da população escolar; II- efetuar e executar programas de orientação sócio-familiar, visando a prevenir a evasão escolar; III- articular-se com as instituições públicas, privadas e organizações comunitárias locais, com vistas ao encaminhamento de pais e alunos para atendimento de suas necessidades; IV- promover, juntamente com a associação de Pais e Mestres, eventos com finalidade assistencial; V- coordenar os programas assistenciais já existentes na escola, como o de merenda escolar e outros; VI- realizar visitas domiciliares com o objetivo de ampliar o conhecimento acercada realidade sócio-familiar do aluno, possibilitando assisti-lo adequadamente; VII- participar, em equipe multidisciplinar, da elaboração de programas que visem a prevenir a violência, o uso de drogas e o alcoolismo, bem como ao esclarecimento sobre as doenças insfectocontagiosas e demais questões de saúde pública; VIII- elaborar e desenvolver programas específicos nas escolas onde existam classes especiais; IX- empreender outras atividades pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste artigo.
  • 35. 35 É possível observar, a partir da leitura atenta do texto do projeto que ele combina partes dos projetos anteriores com novos enfoques sobre o trabalho do assistente social nas escolas. Contudo, não se trata de um texto totalmente novo. A novidade se situa principalmente na explicitação, no artigo segundo, das expressões da questão social para as quais os assistentes sociais devem dirigir seu trabalho. As ações preventivas em relação às doenças infectocontagiosas, o desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas e a questão da violência são propostas e temas que não apareceram nos projetos anteriores. Há também neste projeto uma forma particular de tratar os objetivos profissionais sem se dar a mesma ênfase política e sem se estabelecer a vinculação aos processos de luta do campo educacional, como ocorreu no projeto de lei de 1984, mas introduzindo uma combinação entre problemas formas de intervenção. Uma leitura cuidadosa do modo de atuar previsto no texto leva invariavelmente à compreensão de que se tentou um ajuste da Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993 que regulamenta a profissão de assistente social à definição das funções dos assistentes sociais nas escolas, não casualmente, anexada ao referido projeto. Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 1.455, de 1996 O projeto de lei em questão não incorpora nenhum novo argumento em relação aos já expostos nos projetos anteriores. O que vale ser destacado nesse texto é a clara definição das competências do Serviço Social nas escolas municipais, assim como a retomada da referência ao Serviço Social Escolar. Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar: I- conhecer o universo da população escolar nos aspectos sócio-econômico e familiar; II- elaborar e executar programa de orientação sócio-familiar, incentivando a formação de equipes multidisciplinares com o objetivo de prevenir a evasão escolar, melhorar o desempenho do aluno e sua formação para a cidadania;
  • 36. 36 III- atuar junto aos grupos familiares no conhecimento e satisfação de necessidades básicas, explicitando o papel da escola como transmissora de conhecimento e reflexão crítica; IV- incentivar e promover a inserção da instituição educacional na comunidade articulando-a com as demais instituições públicas, privadas e organizações comunitárias locais, buscando consolidá-la como instrumento democrático de formação e de informação; V- incentivar a participação, em equipes multidisciplinares, de todos os segmentos que integram a vida escolar buscando melhorias e soluções para as questões pertinentes à saúde, à alimentação, ao lazer, à segurança e ao próprio desenvolvimento educacional; VI- motivar, organizar, estabelecer e promover, juntamente com a Associação de Pais e Mestres, Políticas de Desenvolvimento que beneficiem a vida escolar; VII- desencadear processos avaliativos, envolvendo todos os segmentos que integram a vida escolar, buscando qualidade na produção do conhecimento e na formação de valores que permeiam os objetivos propostos; VIII- elaborar e desenvolver programas específicos nas escolas onde existem classes especiais; IX- empreender e executar as demais atividades pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste artigo. É interessante observar, no trecho acima transcrito, a manutenção, conforme foi identificada em outros projetos, de uma lógica de apresentação das competências profissionais dos assistentes sociais mesclando as atribuições contidas na lei que regulamenta a profissão com as preocupações em torno da
  • 37. 37 afirmação de um dado projeto de educação pública, articulado-as à luta pela ampliação e conquista dos direitos sociais e fortalecimento de uma educação cidadã. Mas deve ser sinalizado, também que algumas competências, como as definidas nos incisos III e VII, de forma alguma podem ser tomadas como sendo exclusivas dos assistentes sociais. Ainda que esta não tenha sido a intenção de quem elaborou o projeto, sua formulação sugere duas questões importantes: uma é a de que cabe ao assistente social explicitar o papel da escola, como se a população tivesse uma leitura incompleta ou equivocada; a segunda é a de que os processos avaliativos dependem de uma ação que o assistente social, certamente tem condições de desenvolver, que é a de provocar novos procedimentos institucionais. A outra, é que esta proposição se encontra sintonizada em relação ao perfil do profissional que tem se procurado formar ao longo das últimas duas décadas no Brasil, e cuja preocupação tem sido muito mais recorrente nos projetos de atuação deste profissional do que em um texto legal. Aqui ainda cabe a sinalização de que embora o assistente social possa cumprir este papel este esforço não deva ser considerado como competência de um único segmento profissional. Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Lei nº 7.630, de 05 de março de 1997 Esta lei contém o mesmo teor do projeto anteriormente analisado. Trata-se do texto legal que resultou na aprovação do referido projeto. Por essa razão não será tecido nenhum comentário a respeito do seu conteúdo, apenas a sinalização de que, dentre o material analisado, representou um dos projetos que de fato foram aprovados, regulamentando o Serviço Social na educação escolarizada. Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.689, de 2000 O texto do projeto de lei federal nº 3.689 de 2000 é bastante conciso, não apresentando qualquer referência às competências dos assistentes sociais nas escolas públicas, o que impede a análise deste quesito. A justificativa do projeto fica circunscrita ao enfrentamento dos processos de evasão e repetência escolar.
  • 38. 38 As taxas de evasão e repetência escolar, principalmente no Ensino Fundamental, infelizmente têm-se mantido constantes nos últimos anos. Sabemos que um dos fatores fundamentais que causam o fracasso escolar está diretamente relacionado às precárias condições socioeconômicas e culturais da família das crianças com dificuldades de aprendizagem. O constante acompanhamento do(a) assistente social, como profissional especializado, visa ajudar à família e ao estudante a buscarem a redução das conseqüências negativas advindas das dificuldades existentes. Tal atuação terá reflexos na diminuição da evasão escolar e servirá de apoio à ação do(a) professor(a), trazendo como resultado sensíveis melhoras nos níveis de aprendizagem dos estudantes. Além disso, será também de grande importância a atuação deste profissional na prevenção ao uso de drogas. Reiteradamente os textos dos projetos de lei dirigem para a família o principal foco da atuação dos assistentes sociais, seja sob uma perspectiva de responsabilização em relação aos problemas de “desajustes comportamentais” dos estudantes, seja na perspectiva de apoiá-la na superação das dificuldades enfrentadas. A família, em qualquer uma das abordagens, possui uma dimensão de instituição a ser trabalhada, não estando presente, até o momento, qualquer referência aos processos sociais que redesenharam as funções e composições familiares no campo de produção e da reprodução social, assim como a responsabilidade que o Estado deve ter na condução de seus programas sociais voltados para este público. A partir da hegemonia do pensamento neoliberal no âmbito do Estado, os programas sociais dirigidos à família tendem a transferir para elas uma série de responsabilidades das quais o Estado tem se isentado, ou seja, se retira da esfera pública e do campo do reconhecimento dos direitos sociais uma série de cuidados e os desloca para a esfera privada, para o campo
  • 39. 39 da dinâmica familiar. Assim, todo o processo de mudanças sofrido pela família ao longo das últimas duas décadas, tem sido acompanhado de ações públicas que combinam de forma desigual uma variedade de estratégias de amenização de algumas de suas necessidades com o aumento das suas responsabilidades do ponto de vista legal e das expectativas sociais quanto ao seu papel. O texto reforça a tese de que as ações de mobilização a serem promovidas pelos assistentes sociais, em especial junto às famílias e aos próprios alunos, têm como finalidade garantir um padrão de desempenho no processo de aprendizagem. Há aqui uma nítida redução tanto das possibilidades de atuação dos assistentes sociais nas escolas públicas quanto do próprio significado do processo educativo. Vitória. Câmara Municipal. Projeto de Lei sn/2003 O texto deste projeto não apresenta conteúdo suficiente para uma análise das justificativas da inserção do Serviço Social nas escolas da rede pública municipal de ensino de Vitória. O objetivo do Serviço Social é assim tratado: Artigo 2º - O Serviço Social na área que trata o artigo 1º, tem por objetivo: I- Propor, executar e avaliar projetos que atendam as demandas sócio-econômicas e culturais da comunidade escolar, possibilitando atender a educação escolarizada suas necessidades sociais, técnicas e políticas; II- Promover junto à comunidade escolar, discussões sobre a realidade social, abordando questões inerentes à real situação de vida da criança e do adolescente; III- Implementar estratégias para diagnóstico social do grupo familiar; IV- Priorizar ações junto às famílias, dirigida à melhoria da qualidade de vida.
  • 40. 40 Parágrafo Único - As ações do Serviço Social na educação serão executadas de forma interdisciplinar e integrada as demais políticas setoriais, visando compreender e mediar os aspectos econômicos, sócio-políticos e culturais da realidade social que interferem nas relações da comunidade escolar. A abordagem acima não entra em detalhamento das competências profissionais dos assistentes sociais em relação aos problemas que se manifestam nas escolas e para os quais a presença deste profissional se faz necessária. Os objetivos propostos gravitam em torno das atribuições previstas na lei que regulamenta a profissão, não trazendo elementos novos em relação aos demais projetos analisados. Um destaque deve ser feito em relação à indicação de um trabalho interdisciplinar e de articulação às demais políticas setoriais destacando uma forma de condução do trabalho profissional em relação aos demais profissionais e aos demais serviços sociais. Prefeitura Municipal de Campos dos Goitacazes. Lei nº 7.438, de 03 de julho de 2003 Esta lei tem um caráter diferenciado dos demais projetos, ela não institui o Serviço Social nas escolas mediante sua vinculação funcional às secretarias de educação, aspecto presente em todos os demais projetos. A lei aprovada dota as Escolas da rede municipal de ensino, Creches, Centros de Qualidade de Vida, Postos de Saúde e Mini-Hospitais de assistentes sociais, cuja lotação caberá a Secretaria de Saúde. Vale ponderar a partir desta lei a possibilidade de se inserir assistentes sociais nas escolas públicas sem caracterizar seu vínculo funcional com a política educacional. Ao mesmo tempo em que esta modalidade de ingresso abre possibilidades bastante interessantes, e que de certa forma tem sido um dos caminhos mais usados pelas prefeituras para desenvolver programas que envolvam a participação dos assistentes sociais, por outro, induz a um certo distanciamento desses profissionais das questões que são vividas pelos
  • 41. 41 profissionais da educação enquanto trabalhadores de uma dada política setorial, gerando, inclusive, certo grau de instabilidade em razão de sua lotação funcional original não se dar efetivamente na área de educação. Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 837, de 2003 O último projeto de lei a ser apreciado, e também o mais recente a nível federal, contém elementos novos se comparado aos demais. A primeira observação a ser feita é a de que ele não dispõe sobre a inserção de assistentes sociais apenas, mas de psicólogos também. A segunda questão a ser destacada é a de que o referido projeto não trata do campo do ensino fundamental, antigos 1º e 2º graus, como a maioria dos projetos analisados. Este se refere às unidades que compõem a educação básica, ou seja, envolve a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Refere-se, portanto, a um universo bem mais amplo e diversificado de unidades de ensino. Pode-se afirmar que este é o projeto que, dentre os demais apresentados, concebe a inserção do Serviço Social na política de educação de forma mais ampla, não reduzindo àquela perspectiva, a qual tem se criticado neste documento, do “Serviço Social Escolar” sendo pensado apenas em relação ao ensino fundamental. Sua novidade consiste também em pensar uma equipe composta por diferentes profissionais, ainda que limitada, visto que não considera a presença de outros profissionais que também têm uma contribuição particular a dar para a conquista de uma educação pública de qualidade. Outro aspecto inovador na proposta diz respeito à delimitação de uma proporcionalidade entre o número de profissionais e o total de alunos por unidade. Artigo 2º - A equipe de atendimento e orientação profissional será constituída de acordo com as seguintes distribuições: I- até 200 alunos, um profissional de cada uma das áreas referidas; II- acima de 200 e até 600 alunos, um psicólogo e dois assistentes sociais;
  • 42. 42 III- acima de 600 alunos, manter a proporção estabelecida no inciso II. A justificativa apresentada não difere da maioria já analisada. Os elementos justificadores centrais para a presença e atuação desta equipe são os problemas vivenciados pelas famílias e o objetivo a ser alcançado é o de contribuir para um melhor desempenho dos alunos no processo de aprendizagem. A partir da análise dos projetos de lei reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social, alguns apontamentos devem ser feitos em termos de conclusão desta parte do documento de modo que favoreça o estabelecimento de algumas estratégias por parte da entidade e dos próprios assistentes sociais. É importante sinalizar que todo projeto de lei, desta natureza, contém uma análise e uma proposição de enfrentamento de alguma situação posta na realidade. A identificação daquilo que se propõe equacionar com o ingresso do profissional de Serviço Social, assim como a concepção de profissão que orienta esta proposição é determinada por interesses diversos, em razão da própria dinâmica parlamentar, podendo, assim, expressar visões sobre a realidade e sobre a profissão sem sintonia com o projeto ético-político profissional. Ainda que esta articulação exista e se expresse no texto legal, sua dimensão histórica não se vê superada e tende a ser interrogada com o tempo, ou seja, se o texto for construído seguindo a estrutura dos aqui examinados, justificando a inserção do Serviço Social na educação, seja ela em que nível se dê, em relação a alguns elementos postos na realidade, invariavelmente, ele será ultrapassado pelos novos desafios que surgirão com o tempo. Outrossim, se o texto abandonar esta estrutura tenderá a ser conciso demais, não esclarecendo o significado dessa inserção. A leitura dos textos que justificam a institucionalização do Serviço Social na área de educação nos projetos analisados proporciona um entendimento de que apenas os assistentes sociais e, sobretudo, aqueles mais próximos ao debate contemporâneo presente na categoria, seriam capazes de identificar diferenças de matizes teóricas, ideológicas e
  • 43. 43 políticas naquelas formulações. Isto indica que as competências e as justificativas assinaladas no corpo dos textos não devem ter se constituído em fatores decisivos para os vetos dos projetos. A leitura de um parecer elaborado por um relator que vetou um dos projetos e o que se observa em situações outras, ocorridas com projetos semelhantes não apresentados no conjunto dos documentos analisados, permite a observação de que os principais argumentos sustentadores dos vetos que os projetos de lei receberam e dos que possam vir a ser elaborados, não se relacionam ao aspecto técnico e sim político e administrativo. Não deverá ser o não reconhecimento dos problemas sociais e da condição de seu enfrentamento por parte dos assistentes sociais que justificará o possível veto a novos projetos de lei que versem sobre o mesmo tema. A relação entre o poder executivo e o legislativo em cada instância: federal, estadual e municipal, a alegação de sua constitucionalidade ou não e as implicações decorrentes da indicação ou não da fonte de custeio para a cobertura do aumento de despesa que será provocado com a aprovação da proposta, sobretudo, a argüição quanto ao enquadramento da proposta na lei de responsabilidade fiscal, parece ser o conjunto de obstáculos mais efetivos à aprovação de projetos desta natureza. Como o presente documento foi produzido tendo como fonte apenas os projetos de lei, não é possível tecer qualquer comentário em relação ao seu grau de aceitação ou resistência junto aos profissionais da área de educação, assim como compreender em que medida eles se envolveram com os textos legais. Esta é uma preocupação que deve ser considerada no acompanhamento de novos projetos. Outro fator importante, relacionado ao processo de elaboração dos projetos de lei, é que, ainda que não se tenha a exata dimensão de como a categoria dos assistentes sociais dele participou, é perceptível que há significativas diferenças em relação às justificativas apresentadas e à definição das competências profissionais nos textos em que há referências a algum tipo de envolvimento dos assistentes sociais.
  • 44. 44 Vale destacar também que há uma ênfase na demarcação da atuação dos assistentes sociais nas escolas em torno do eixo Escola-Família- Comunidade, ainda que elas encerrem perspectivas de intervenção diferenciadas. Outro elemento que foi se tornando comum nos projetos, ao longo dos anos, é a forte tendência em estabelecer os objetivos e as competências profissionais dos assistentes sociais a partir das atribuições previstas na lei que regulamenta a profissão. Esta tendência, no entanto, não se dá de forma homogênea, visto que ora ela incide sobre um tratamento generalista do fazer profissional, que independe de ser na área de educação, ora ela é apenas uma referência básica que se articula às questões do campo educacional. A referência da atuação dos assistentes sociais na área de educação como a de um profissional que procurará articular ações e projetos com as demais políticas setoriais não esteve muito presente no conjunto dos projetos de lei analisados. Menos presente ainda esteve nos textos, a clara definição das atividades a serem desenvolvidas junto às demais políticas setoriais. Esta observação merece destaque na medida em que não se encontra em consonância com o acúmulo teórico e político conquistado pela categoria, seja ao reconhecer as políticas sociais como locus da sua atuação profissional, seja ao delimitar uma das suas principais competências exatamente na articulação das redes e serviços de diferentes políticas setoriais. A predominância das abordagens que centram na família o principal foco da intervenção a ser promovida pelos assistentes sociais é outro aspecto a ser destacado nesta análise. Contudo, esta predominância se dá, quase que exclusivamente, no sentido de reconhecer seu papel complementar no processo educativo e não o seu papel político e a necessidade de se promover e criar condições para a sua participação na construção de uma