1. Uma mulher chamada Eliana Zagui vive há 33 anos no Hospital das Clínicas em São Paulo, após contrair poliomielite quando criança.
2. Ela pintou quadros com a boca, técnica que aprendeu nos últimos 11 anos. Seu trabalho já foi exposto na Suíça.
3. Eliana mantém uma rotina ativa no hospital, incluindo pintura, escrita de um livro autobiográfico e navegação na internet.
3. Sumário
Bichos no metrô Ensaio:
5 8 Pará 12 Poliomielite
Gastronomia: dicas
16 de sobrevivência...
Sexo Segurança:
18 virtual
20 DEIC
23 Política:
Denúncia Cinelândia
26
30 Em que posso
ajudar...?
32 Capa
Cupim Edição nº 1
Cuba livre Banheiros
39 41 públicos
A magia da Virada cultural
46 ilustração 49
Homenagem: A balada que abala
53 Itagyba Kuhlmann 55
Humor Charge
57 58
4. carta ao leitor
C
Nós...
upim, segundo nosso amigo
dicionário, é a denominação
comum dada aos insetos
sociais da ordem dos
Isópteros. Não! Não somos
insetos sociais, nem ao menos
temos como primórdio corroer
de dentro para fora o mercado editorial. Mas como não
temos interesse, no que a maioria das revistas publica,
pode nos chamar de “do contra”.
Queremos falar sobre sexo e não pornografia,
personalidades polêmicas e não celebridades
instantâneas, falar de política e não politicagem,
consumo e não consumismos, falar sobre interesse
público, não interesse do público. Falar com intensidade
e não, superficialidade.
Traremos aos leitores, matérias com linguagem
objetiva e irreverente, apimentada e irônica.
Trabalhando, ora com intertextualidade e referências
históricas, ora com figuras de linguagem e metáforas
imagéticas.
Faremos junções entre textos, fotos e ilustrações
com o intuito de criar um universo imagético repleto de
informações, objetivas ou não, que uma ilustração é
capaz de proporcionar, permitindo ao leitor infinitas
possibilidades de composição.
... o cupins
os cupins
5. APERTADINHO
bichos no metrô
Everson Bertucci
O
celular despertou muito cedo. pen-drive-carteira-canetas-mar-
mita-água-escova-de-dente-colí-
rio-óculos-máquina-fotográfica-
revistas-biscoito e fui trabalhar.
-- bosta de vida! No trabalho, a rotina
Acordei. Liguei o piloto automático, desliguei mortificante de sempre. Fim do
o despertador, levantei, me troquei, escovei os den- dia. Felicidade, enfim. Durmo
tes, comi qualquer coisa, peguei minha mochila- no trajeto até a faculdade. Fim
da aula. Sigo até o metrô. O pi-
loto automático sempre ligado.
Pessoas, prédios, carros. Ouve-
se muito barulho. No fim, é tan-
ta coisa que tenho a impres-
são, à noite, que não vi nada
durante o dia.
Desço as escadas da es-
tação Ana Rosa, passo pela ca-
traca e me direciono à
plataforma. Estou cansado. O
metrô se aproxima, pára, abre
as portas e num átimo de se-
gundo sou arremessado para
dentro. Foi tão rápido que só
me dou conta que estou no va-
gão quando sinto meu rosto
grudado no vidro de uma das
portas.
Após um certo esforço,
consigo virar meu rosto para
trás para ver o que acontecia e
para minha surpresa e espanto
não havia pessoas no vagão.
Apenas bichos. Pareciam selva-
gens. Vacas, cavalos, éguas, ga-
linhas, veados, muitos burros,
um elefante e uma girafa.
Eram grunhidos, relinches, mu-
gidos e outros tantos sons mis-
turados que mal podia distin-
6. guir seus emissores. fim e se intrometeram na briga.
Não sabia o que fazer, nem co- -- vaca!
mo reagir. Preferi ficar imóvel, esperan- -- galinha!
do pacientemente pela morte. Percebo -- veado!
que há um certo código entre eles, que -- cavalo!
foram se dividindo em núcleos. As gali- -- égua!
nhas cacarejavam entre si, os burros -- girafa!
se reuniram num canto, a girafa e o ele- -- elefante!
fante se juntaram nas poltronas cin-
zas, as vacas mugiam demonstrando Para a minha sorte, ao chegar
uma certa felicidade e os veados fica- na estação da Sé as portas do lado on-
ram sentados e quietos numa posição de eu me encontrava foram as que se
muito reservada. abriram. Saí apressado, tentando fu-
Estava começando a ficar gir daquela selvageria. Ao olhar para
tranqüilo quando uma égua deu uma trás, noto que todos aqueles bichos
virada e sua crina veio de encontro di- saíam acelerados do vagão. O elefante
reto com o meu rosto. Aquilo queimou enfiou o pé entre o vagão e a platafor-
minha face. Senti uma vontade de xin- ma e esparramado no chão foi pisotea-
gar ou mesmo de esmurrar, mas fiquei do. Por um momento senti vontade de
intimidado pela possibilidade de levar ajudá-lo, mas fui impedido pelo arras-
um coice fulminante do cavalo que a tão de bichos vindo em minha dire-
acompanhava. ção. Corri até a saída e finalmente
Ao parar na estação São Joa- passei pela catraca. Estava a salvo,
quim a situação piorou. Mais bichos fo- pensei, eles não conseguirão atraves-
ram empurrados para dentro do vagão sar. Fui para um canto e, tremendo, fi-
e aquilo virou uma lata de sardinha. Fi- quei olhando.
quei prensado entre um burro, um ca- Para meu desespero, todos eles
valo e uma égua. Os pêlos do cavalo, também começaram a atravessar a ca-
que eram de uma espessura grosseira traca. Fechei os olhos e aproveitei pa-
e de um cheiro insuportável, começa- ra pedir, resumidamente, perdão a
ram a me incomodar - embora não des- Deus por todos os meus pecados.
se para saber se o mal cheiro era do “Ave Maria, cheia de graça, o senhor é
burro ou do cavalo. Da égua não digo, convosco, bendita sois vós entre as
pois parecia bem limpa e muito bem mulheres”... Começou a demorar e na-
cuidada. da de um ataque. Nenhuma agressão,
Tudo estava indo bem até que nenhum coice, nada. Resolvi abrir os
umas galinhas, distraídas, pisaram no olhos e ver o que estava acontecendo.
joanete da girafa, que ficou irritadíssi- Surpresa: ao atravessar a catraca, to-
ma. Começaram uma discussão ofensi- dos mudavam de comportamento. O
va. Identificava-se apenas os gritos. As jeito, os gestos. Nenhum sinal de
outras galinhas entraram na discus- agressividade. Passavam direto por
são. O elefante tentou apaziguar, mas mim e seguiam em frente. Pareciam
foi totalmente ofendido por uma das ga- não ser mais os mesmos. Cada um se-
linhas, surgindo então uma nova dis- guindo distintos caminhos. Uns apres-
cussão. Travaram uma briga ferrenha sados, outros, nem tanto. Não pude
até que uma galinha foi arremessada evitar as interrogações.
na porta. Viu-se apenas seu deslizar Saí correndo da estação à pro-
até o chão, desmaiada. Os cavalos cura de um espelho. ф
9. "Lágrima que brota dos andes
Cordilheira cristalina de esperança
Eldorado do povo amazônico
Labirinto nativo de águas barrentas
Gigante de encantos e lendas
Santuário de peixes e mananciais
Fertilizador de igarapés, lagos, furos e
paranás
Amazonas, das Amazonas
Do repiquete, da piracema,
Do pasto novo na vazante
E vida nova na enchente
Amazonas, das Amazonas
Da pororoca
E bem nutridos afluentes
Negro magnífico, grandioso Juruá
Bravo Madeira, misterioso Xingú
Rico Trombetas, lendário Nhamundá
Imponente Purus,
Maravilhoso Tapajós
Deslumbrante Jiapurá"
"Rei dos Rios"
Marcos Lima e Inaldo Medeiros
10.
11.
12. quarto A123
A história da mulher que vive há 33 anos no
Hospital das Clínicas em São Paulo
Alexandre Oliveira da Silva
P
ara quem sempre se
utiliza do Metrô Clíni-
cas que fica a poucos
metros do Instituto de
Ortopedia (HC), não imagina
que há 33 anos Eliana Zagui,
35, reside nesse que tornou-se
seu lar após ter contraído o ví-
rus da poliomielite quando ti-
nha um ano e nove meses de
idade. Ela é natural de Guari-
ba (SP) onde vive seus pais
Carlos Zagui e Tereza Jorge Vil-
kas Zagui. Eliana é uma exí-
mia pintora de quadros com a
boca, técnica que vem adqui-
rindo há 11 anos com a volun-
tária Ursula J. Carvalhaes e já
obteve reconhecimento na Suí-
ça por meio de exposições.
Com extrema destreza manipula o
pincel em sua boca como se o fizesse No quarto A123 reside com mais
com as mãos. A duras penas obteve essa um colega Paulo Oliveira desde sua infân-
autonomia. Ursula demonstra extrema cia, também portador de Poliomielite. Al-
admiração por sua tutelada e enche-se moça as 11h30 e janta as 17h30. Cedo,
de orgulho ao descrever seus primeiros por motivos de regulamento interno. Ela
passos para adquirir tamanho nível técni- gosta de comer pizza. Eliana tem uma roti-
co. Enquanto conversávamos, Zagui, em na bastante cheia para um portador de
meio a risadas tomava seu suco com um Pólio. Entre ida e vinda de enfermeiros,
canudinho, desempenhando sua “perfor- assim como a pintura, ela também escre-
mance” extremamente eficiente não der- ve um livro autobiográfico iniciado em
rubando uma gota sequer e ajeitando o 2002, por idéia de uma enfermeira e pre-
copo apenas com uma palheta. Eliana tende lançá-lo em 2010, pela editora Bela
respira por meio de aparelhos sem os Letra. Gosta de navegar pela internet (se
quais só agüentaria 6 horas. Apesar das utiliza de uma palheta para digitar eficien-
circunstâncias ela se demonstra muito temente bem) e também está cursando o
otimista e esperançosa. ensino médio que após conclui-lo, preten-
13. se graduar em psicologia. Passam um pano molhando no meu rosto,
Apesar de sua condição, lavam meu óculos, me aspiram, colocam o compu-
Eliana tenta manter-se o mais tador do meu lado e senta uma delas para me dar
próximo de uma vida normal. a janta, mas nem sempre eu janto todos os dias”.
“Aceitar é extremamente difícil, Seu café da manha é: pacote com duas torradas,
me acostumei a conviver nessa si- mamão, ameixa e chá.
tuação e como qualquer ser hu- Eliana recebe visitas quase que diariamen-
mano, dito "normal", tenho meus te e dispõe, diz ela, de vários amigos que esporadi-
momentos de depressão, angús- camente acompanham-na em passeios fora do
tia, raiva, revolta, mas é superá- Hospital. “são esporádicos porque demanda muita
vel, pois não perco a fé. mobilização para minha saída e esse processo é
Quando se é criança, a de- muito burocrático” - reclama. “Para eu ficar 12 ho-
pressão, angústia, raiva, revolta, ras fora daqui, preciso de um mês de antecedên-
é lidada de uma maneira e hoje é cia. A pessoa que quiser me levar para passar um
de outra maneira, outro olhar, dia em sua casa, seja onde for, tem que assinar
pensar, enfim”. “Acordam-me en- um termo de responsabilidade, tem que haver um
tre 08h30, 09h00, tiram todos os médico, um auxiliar de enfermagem e um técnico
calços do meu corpo (travessei- de gasoterapia, sendo que essas três pessoas não
ros, rolo feito de cobertor forrado podem estar trabalhando em lugar nenhum e sim
com lençol) me colocam para fa- estarem de folga. O médico tem que vir assinar
zer xixi e escovam meus dentes. um termo de responsabilidade, o hospital inteiro
De segunda, quarta e sexta, são assina a papelada, alugo ambulância. Mesmo re-
os dias de lavar a cabeça. solvendo dentro de um mês, se chegar no dia do
Depois do banho tomado, passeio e acontecer de alguém não puder acompa-
corpo arrumado na lateral esquer- nhar, vai tudo por água abaixo”. Conta que em
da (lado que se inclina para pin- 2002 foi para o casamento do irmão de helicópte-
tar), tomo café, vem a voluntária ro particular, cedido pelo então governador Mario
(Ursula) para me ajudar na pintu- Covas.
ra (às sextas-feiras). Chega a ho- Apesar de estar “sempre” rodeada de ami-
ra do almoço, que sempre antes gos, diz se sentir muito só. Em conversas pelo
elas (as enfermeiras) vêm para MSN, pois o acessa quase todas as noites perma-
dar os cuidados. Faço xixi, às ve- necendo muitas vezes até a madrugada em conta-
zes cocô, aspiram minha to com amigos, confessou sonhar em conhecer
traquéia, me viram para o lado di- alguém e poder sair do Hospital. Porém não gosta
reito e aí senta uma delas ao meu de comentar tal situação, quanto mais fala sobre
lado para me servir o almoço. sua “solidão” mais ela aumenta. Contudo relata já
Às duas horas da tarde, ter vivenciado um romance com alguém que ape-
vêm de novo para me virar, por nas denomina de Ro/SP (assegurando-lhe anoni-
para fazer (as necessidades) se eu mato) em 1997. Foi o seu primeiro beijo. Falando
tiver com vontade. Às vezes tenho um pouco sobre sua família, coloca que não há
aula, ou pinto os artesanatos muito contato entre eles: “Infelizmente, a família
quando recebo uma amiga que num modo geral é estranho, porque não existiu o
me ajuda, às vezes leio a tarde to- convívio diário. Garanto que você sabe um pouco
da, ou tenho visita. mais sobre mim do que meus pais e irmão”. Há
Chega a janta. É a hora da certo sentimento de culpa entre todos, relata.
higiene íntima, faço xixi, lavam “Meu pai em si, se culpa por ter feito pouco ou na-
com sabonete e trocam a da e o meu irmão não comenta muito, mas emoci-
calcinha. onalmente ele sofreu muito.
14. Minha mãe não aguenta falar do assunto, pois co- rápido para ganhar di-
meça a chorar. Zagui tem noção que seu quadro é irrever- nheiro.
sível, contudo diz esperar por um milagre. O que eu queria
Sobre seus gostos pessoais, revela que gosta de fil- que fosse diferente hoje
mes como Jogos Mortais e Pássaros Feridos (The Thorn- em dia, é que as pessoas
birds). Na internet adora conversar, conhecer novas parassem de matar
amizades e ficar respondendo emails de amigos, mas só os umas às outras e a si
que classifica como sinceros. Além da pintura, lê livros e mesmas no sentido inter-
faz artesanato. ”Pinto porta-retratos, caixas, coisas de no. Todos se tornam
MDF no geral”. “Gosto muito de uma escritora chamada egoístas, frios, ganancio-
Danielle Steell, ela escreve muitos romances, dramas e sos, ficam competindo
têm alguns que são muitos bons, o último que li dela foi para quem vai ficar com
“Porto Seguro”. Agora estou lendo um que se chama: “A o prêmio do mais malva-
Sombra do Vento”. É um suspense meio misterioso, meio do ou preguiçoso a troco
terror, é mais misterioso do que terror, muito bom!”. de nada, sendo que to-
Perguntamos se gostaria que sua vida fosse diferen- dos irão morrer virar bos-
te e se teria raiva da situação a qual se encontra, respon- ta para os vermes
de: “A questão de tentar entender o porquê tive comerem.
poliomielite, hoje em dia já estou muito mais tranqüila, Queria poder al-
pois não culpo meus pais e nem a Deus. Tudo aconteceu gum dia na minha vida,
porque tinha que acontecer e ainda bem que estou viva. Se ter a experiência de per-
Já fiquei revoltada? Conflitante? Tive fases terríveis! Se já manecer uns dias fora
deixaram de existir hoje em dia? Não, porém, minha revol- daqui, mas com a garan-
ta hoje em dia, está muito ligada a decepções com o ser tia de que não perderei
humano, no modo geral. O modo que as pessoas vêem e meu lugar e nem, muito
cuidam da vida dos outros, a pressa de querer fazer tudo menos, ter a ameaça de
ser retirada, só por ficar
uns dias fora. Acredito
que se isso acontecesse,
será uma vez só, sem o
direito de repetir a dose e
claro, não repetiria sem-
pre, só em casos extre-
mamente excepcionais.
Mas sonho é so-
nho. Meus conflitos hoje
em dia, estão ligados no
fator emocional, a minha
extrema teimosia, ao fa-
tor de viver verdadeira-
mente uma relação
amorosa independente
de sexo, mas sem ser
muito interrogada, vigia-
da, atrapalhada, negada,
sem falatórios maléficos
para atrapalhar a rela-
ção, enfim”. ф
15.
16. MEXEU... FEDEU!
manual prático de sobrevivência
num boteco de quinta durante um
ataque de fome no meio do nada
Fabi Catarse*
1
° o teste do balcão - a fome é grande, a
localidade não oferece opções, o jeito é
entrar no único 'estabelecimento' que
oferece 'coisas' de comer. Assim que en-
trar, de modo algum sente-se a mesa (se hou-
ver), antes, vá ao balcão para um rápido teste:
encoste seu antebraço balcão e conte até 3. Se
sua pele não aderir à gordura acumulada do bal-
cão, fique parcialmente feliz, sinal de que ele foi
limpo há pelo menos 6 meses. Caso sua pele fi-
que grudada, mas se solte depois um leve pu-
xãozinho, é um sinal de que ele foi limpo há 1
ou 2 anos, hora de decidir se sua fome é maior
do que o nojo dessa informação. No entanto, se
seu antebraço ficar completamente grudado no
balcão e não se soltar nem com a ajuda do bal-
conista, peça um pouco de água morna, jogue
entre a pele e o balcão, assim que a gordura
amolecer, recolha seu bracinho querido e saia o abra um pacote novo, nem que
mais rápido possível do local, sem olhar para para isso você tenha que pagar
trás; por todo o pacote... afinal, existe
a possibilidade do digníssimo bal-
2° copo descartável - na hipótese de ter perma- conista ser do tipo que 'reutiliza'
necido no local, peça algo para beber, talvez sua copos descartáveis!
fome seja apenas sede! Comece pedindo uma
água. Peça uma cujo copo ou garrafa venha la- 3° talheres descartáveis - você é
crado, vedado, isolado da atmosfera do boteco. a pessoa mais corajosa e faminta
Caso o balconista diga que ele não 'trabalha' do mundo, o copinho d'água só
com esse tipo de mercadoria, pergunte qual se- abriu ainda mais seu apetite, o
ria a procedência da água vendida. Se ele disser único jeito de resolver o proble-
que a procedência é uma bica que fica logo ali, ma é comer! Prefira coisas que
no mínimo peça que ele use um copo descartá- podem ser comidas com as
vel! Mas pense na possibilidade de pedir que ele mãos, como lanche, esfirra, pas-
17. tel. No caso desse último, o lado bom é que o óleo quente
pode ter matado todas as bactérias, mas o lado ruim é que
o óleo super-hiper-mega-ultra-saturado completando 5
anos no tacho pode matar você. Se o balconista disser que
não frita, não assa e não prepara nada na hora, repense.
Pergunte pelo PF, com muita, muita, muita sorte o 'maitrê'
irá dizer que fica pronto em 15 minutos... isso será um óti-
mo sinal de que está sendo preparado no mesmo dia! Caso
sua fome já esteja grande a ponto salivar só de pensar no
'cheirinho' do 'bife' sendo frito, aceite um conselho: peça ta-
lheres de plástico. Do contrário, seu bife pode ganhar sabor
de dobradinha... que estava no cardápio de ontem!
4° ovo cozido - o bom e velho ovo, herói no combate a tan-
tos momentos de fome, ele pode salvar você mais uma vez!
Pense bem: ele tem embalagem própria e lacrada, pode ser
comido sem talheres, é rica fonte de proteínas e vitaminas,
não precisando de muito para matar (ainda que temporaria-
mente) sua fome, não é frito nem assado, é cozido! Mas é
preciso que seu poder de persuasão seja forte, afinal, você
terá de convencer o balconista de que faz questão de que
seu ovinho seja cozido na hora e por pelo menos uma hora
(pra garantir a eliminação de qualquer tipo de bactérias).
Diga que é uma receita da sua mãe! Caso consiga, vá fundo!
5° o recurso final - o balconista se nega a cozer um ovinho,
não serve pf, o único pastel que tem é de ontem, só tem co-
pos de vidro, sua pressão caiu, sua fome já está embaçan-
do sua visão. O que fazer?! De repente, não mais do que de
repente, você avista um pacote vermelho, escondido atrás
de algumas garrafas de 51, Velho Barreiro e Pitu... sim,
sim! É um pacote de Fandangos de presunto!!! Peça-o! Che-
que se está na validade, sacuda o pó da embalagem, pague,
nem que custe 5 vezes mais que o normal, e saia correndo!
Com certeza um pacote de Fandangos ( que rende mais do
que qualquer outro salgadinho!) vai conseguir aplacar sua
fome, de quebra, vai resolver seu problema de súbita queda
de pressão arterial já que possui níveis ressuscitadores de
sódio!
Originalmente publicado em: http://www.claraemne-
ve.blogspot.com/
Contato: fabicatarse@yahoo.com.br
*Fabi Catarse é cronista de pequenas bobagens da vida,
lingüista e pensa que é chef, mas só da cozinha dela. Escre-
ve semanalmente no blog Clara em Neve sempre pensando
em comida. ф
18. ... MAS... É GOSTOSO!
dígitos do desejo
Quando o teclado e o monitor
substituem o contato sexual
O
sexo foi e, mui- Everson Bertucci
to provável,
sempre será mo-
tivo de curiosi-
dade, excitação, êxtase, afetadas, direta ou indire-
euforia e outros tantos ad- tamente.
jetivos. Claro que o grau Muitos se questio-
de cada um deles varia de nam se isso é bom ou
acordo com a idade, sexo, ruim. Independente da
meio etc. resposta, o fato é que não soas em busca de uma re-
Em todos os perío- somos mais os mesmos, lação virtual.
dos históricos o sexo teve ou talvez, sejamos sim os Alguns usam este
suas influências e particu- mesmos, só que transfor- meio como uma espécie
laridades, seja na idade mados. Uns mais, outros, de liberação dos desejos
da pedra, com uma certa nem tanto. mais secretos e que não
violência e submissão, E o que dizer sobre conseguiriam fazer no
nas orgias dos grandes pa- o sexo depois da entrada mundo real. Outros estão
lácios medievais, ou até da internet? Mudou? É à procura apenas de uma
mesmo a partir das fotono- inegável uma grande mu- conversa um pouco mais
velas, na era dos folhetins dança comportamental picante, que no fundo não
e revistas românticas. dentro desse universo tão têm coragem de fazer dis-
Com toda essa evo- complexo. Com a chegada tante da tela. Medo, pu-
lução e diversificação se- da internet e das salas de dor, repressão religiosa.
xual, os meios sempre bate-papo, o sexo ganhou São vários os motivos.
tiveram seu papel dentro outro aliado. Cada vez Há também aque-
dessas mudanças. Não há mais aumenta o número les que sentem um imen-
como negar uma grande de pessoas a procura de so prazer em fazer sexo
modificação depois da che- relacionamentos através virtual. Como isso é possí-
gada da internet. Impossí- dos meios virtuais. As sa- vel? Simples, tem a manei-
vel não participar dessa las de bate-papo vivem lo- ra textual, em que duas
revolução, mesmo aqueles tadas. Basta entrar num pessoas estão conectadas
mais resistentes e conser- desses provedores com e, numa conversa, come-
vadores. De alguma for- chats sobre sexo para con- çam a digitar frases exci-
ma, suas vidas foram ferir. São inúmeras as pes- tantes, a se liberarem
19. sexualmente através de mente. Como? Mostrando "eu" que não lhe é habitual
fantasias, fetiches, pala- seus órgãos genitais, se – pelo menos socialmente.
vras picantes, obscenida- masturbando, se tocando, Diante de uma tela
des. utilizando acessórios co- de computador, parece que
Neste caso o imagi- mo vibradores, roupas o indivíduo se liberta de
nário é o grande aliado ao sensuais, óleos... Elemen- conceitos religiosos e fami-
que é escrito. O indivíduo tos estes que ajudam nes- liares relacionados ao se-
começa a imaginar como é ta festa sexual, onde xo. Na frente dela, se
o outro, como ele se com- algumas máscaras caem despe de pudores, moralis-
porta, como o tocaria, o para dar lugar a outras. mos e deixa aflorar seus
beijaria, enfim, como seria Obviamente, uma desejos mais íntimos e se-
uma relação sexual com das muitas vantagens de cretos.
quem está do outro lado. se relacionar virtualmente O fato de estar se re-
Nem sempre este ti- é que não há absoluta- lacionando pela internet o
po de relação termina em mente nenhum risco de faz ter a impressão de que
orgasmo. Muitas vezes a contrair uma doença sexu- aquelas pessoas também
pessoa está apenas a fim almente transmissível, estão despidas de hipocrisi-
de se excitar, se sentir de- por não haver nenhuma as sociais, igualando-os, e
sejada, bem quista, ou de transferência de fluidos também pelo fato de que
despertar o prazer em al- corporais. não terão nenhum laço so-
guém. Há também os que cial ou afetivo – embora
só querem se divertir. O sex o e o eu n a w eb ca m possa haver exceção - num
Como eles não es- jogo de criação de "eus"
tão se vendo, nunca pode- A webcam possibili-
rão garantir que o seu Com a chegada da ta ao indivíduo criar um
parceiro virtual chegou ao internet e a possibilidade "cano de escape" para a so-
ápice, pois este pode mui- de conexão com outros in- lidão. É como se a webcam
to bem estar mentindo. divíduos, estando eles em se transformasse numa
Mas tal fator não tem qualquer parte do mundo, companheira fiel do sujei-
grande relevância neste ti- o sexo ganhou um novo to, trazendo companhias
po de contexto. O impor- meio tanto para encontros diversas e descartáveis
tante é se sentir bem e ocasionais somente para num frenético e constante
realizado. satisfazer o corpo - sem reality-show. Muitas vezes
Aliada com a possi- compromisso, e pela prati- o indivíduo se torna escra-
bilidade de conversar tex- cidade provável das par- vo deste universo vicioso e,
tualmente com pessoas de tes nunca mais se verem - porque não dizer, nocivo.
qualquer lugar do mundo, ou simplesmente pela prá- É a necessidade de
desconhecidas ou não, a tica “solitária-virtual”. ver e de ser visto. A câme-
webcam se torna elemen- Nestas práticas ci- ra ligada somente não bas-
to fundamental na relação bernéticas, o indivíduo se ta, ele tem a necessidade
virtual. Ela proporciona a sente liberto de seus pudo- de saber que está sendo
visualização do outro. Nes- res e mais a vontade para visto por alguém e, de pre-
te jogo, a beleza e os gos- falar e fazer coisas que ferência, que o número de
tos pessoais contam mais não teria coragem de fazer espectadores seja sempre
do que simplesmente tro- em outros ambientes. Tal- o maior possível, para que
car mensagens de texto. vez, possa-se dizer que ele se sinta real, existente.
Os envolvidos ago- expõe o seu verdadeiro É a necessidade de
ra podem se excitar visual- "eu", ou simplesmente o existir. ф
20. virtual e obscuro
Cupim trata um dos tipos de crimes mais comuns do momento
e mostra como a demora na obtenção de informações e a falta
de leis específicas prejudicam todo o processo
C
om o avanço da Tatianna Felix
Internet, o au-
mento do núme-
ro de crimes
virtuais vem crescendo a As ocorrências
cada dia. Segundo estatís- mais comuns são contra
ticas da Central Nacional a honra. Existem outras
de Crimes Cibernéticos, como ameaça, estelionato,
só em abril deste ano fo- fraudes bancárias, falsifi- gado da 4ª DIG, José Ma-
ram 7.640 denúncias. Em cações e roubos de se- riano Araújo Filho, expli-
2008 foram 91.038, das nhas bancárias. Os ca que ao acessar o menu
quais 57.574 (63%) eram crimes realizados por mei- arquivo, em seguida pro-
relativas à pornografia in- os eletrônicos sempre dei- priedades e posteriormen-
fantil. Desde 1997 até ho- xam vestígios, o que faz te detalhes, no corpo do
je no Brasil, foram mais com que não exista crime texto aparecerá o IP de
de 17 mil decisões judici- perfeito, entretanto, é ne- quem remeteu a mensa-
ais relacionadas ao cha- cessário apenas um com- gem. A partir daí é pedido
mado "direito eletrônico". putador com acesso a uma busca e apreensão
Em São Paulo exis- internet para que uma sé- para que se possa ir ao lo-
te o Departamento de In- rie de delitos sejam come- cal e obter a informação
vestigações sobre o Crime tidos. no próprio computador.
Organizado (DEIC). Den- O Internet Protocol A principal dificul-
tro dele há uma delegacia - Protocolo de Internet -, dade para a resolução dos
especializada em crimes mais conhecido como IP, casos é conseguir informa-
eletrônicos, a 4ª Delegacia é uma das principais for- ções, pois existe uma len-
de Investigações Gerais mas para se chegar aos tidão na obtenção das
(DIG), que atende várias culpados. Ele é a identida- requisições junto às repre-
ocorrências por meios vir- de que todo computador sentações judiciais, o que
tuais com autorias desco- tem e que indica o endere- prejudica, na maioria das
nhecidas. ço do proprietário. O dele- vezes, a agilidade nas
21. apreensões e investigações de mate-
riais que facilitam o rastreamento
das informações que contribuem pa-
Cupim
ra a solução das denúncias registra- Cupim- número 1 - Junho 2009
das. É fundamental que as partes
envolvidas facilitem o acesso da polí- Editor Chefe
cia às informações para que as auto- Flávio Rocha
rizações judiciais sejam mais
flavio.srochas@gmail.com
rápidas, com isso, o número de ca-
sos solucionados poderá ser maior.
Em 2005, um caso de estelio- Editores de Arte
nato envolvendo uma empresa de im- Everson Bertucci
portação e exportação, que recebeu everson.cronopio@hotmail.com
via e-mail uma proposta para trans- Lais Mendonça
portar uma carga, foi solucionado. lais.me@gmail.com
Eles receberiam um milhão de reais
para realizar o transporte. O gerente Editor de Publicidade
da empresa acionou a polícia que no
Fernando Nowikow
momento do fechamento do suposto
fe.fig2006@yahoo.com.br
acordo deteve três pessoas.
No Brasil não existe uma le-
gislação própria para os crimes virtu- Editora de Fotografia
ais, o que facilitaria o trabalho da Tatianna Felix
polícia e faria com que muitos não tatiannafelix@hotmail.com
saíssem impunes por falta de uma
lei específica para enquadrar os cri- Repórter
minosos. Alexandre Oliveira da Silva
Para não cair em golpes é im-
ale.normando@gmail.com
portante seguir algumas recomenda-
ções, como não abrir nenhum e-mail
de pessoas desconhecidas, não envi- Ilustrador
ar senhas ou dados pessoais pela In- Flávio Leal
ternet, manter um antivírus e o lealhc@hotmail.com
computador sempre atualizados. As
pessoas que se sentirem prejudica- PARTICIPARAM DESTA EDIÇÃO
das devem procurar o auxílio de Caroline Regine
uma delegacia especializada ou do Fabi Catarse
distrito policial mais próximo para Fabiana Machado
que todos os casos possam ser inves-
Gutierres Siqueira
tigados e os responsáveis punidos.
DIG-DEIC – 4ª Delegacia de Delitos
Cometidos por Meios Eletrônicos de Capa
São Paulo (SP) Flávio Leal
Endereço: Av. Zack Narchi, 152, Ca-
randiru – São Paulo (SP) Fone: (11) Blog Cupim
2221-7011 ou 2221-7030 ф www.revistacupim.blogspot.com
22.
23. ENFIANDO O DEDO
mais um caso de milhões
Vereador omite mansão de R$ 2 mi
à Justiça Eleitoral
Fernando Nowikow
R
eeleito com 29.915 votos, o vereador Ushitaro Kamia (DEM),
de 62 anos, ‘esqueceu’ de declarar à Justiça Eleitoral, man-
são de R$ 2 milhões. Conhecido como “palacete imperial”
por causa da arquitetura japonesa, o imóvel fica na região
da Serra da Cantareira, zona norte de São Paulo.
Com três andares e cerca de 500 metros quadrados, a mansão
possui três suítes, salão de festa e jogos, duas salas de estar, salas de
jantar e meditação, piscina com cascata de pedra, avaliada em
R$ 200 mil, e deverá contar
também com dois elevadores
panorâmicos. Cercado de ver-
de, o “palacete imperial” do ve-
reador Kamia, fica no luxuoso
condomínio Residencial Jardim
Bibi II, no bairro de Vila Alberti-
na.
O caso chamou a aten-
ção da Justiça Eleitoral, pois
perante a Lei, o vereador decla-
rou possuir um apartamento
de R$ 118,69 mil, na Avenida
Nova Cantareira, e três carros,
que somam R$ 80 mil. Ou seja,
um patrimônio de R$ 194.694.
Em entrevista aos jornais, Ka-
mia confirmou ser o dono do
imóvel, mas se enrolou ao res-
ponder por que não consta na
sua declaração de bens. Primei-
ro, ele disse que a mansão esta-
va em seu nome. Depois,
alegou que comprou no nome
do cunhado e aguarda transfe-
24. rência para seu nome. Municipal, representada 1998. É filho de imigran-
Os jornais também pelo vereador Wadih Mu- tes japoneses que se esta-
flagraram o carro oficial tran (PP), existe uma enor- beleceram na zona norte,
do vereador - um Astra me pressão por parte de onde mantém seu reduto
Advantage 2.0 sedan, que seus colegas vereadores eleitoral.
custa mensalmente cerca pela absolvição ‘a seco’ do O caso do vereador
de R$ 1.6 mil aos cofres vereador Kamia. “A publi- mostra, mais uma vez, o
públicos municipais, sen- cação da denúncia pela mar-de-lama que se insta-
do usado para transpor- imprensa não é motivo pa- lou na política brasileira.
tar material de ra alarde. Temos que exa- Semelhante, porém em
construção para a obra. minar isso com carinho”, menor escala ao caso do
O caso está sendo declarou o corregedor. deputado federal Edmar
investigado pelo Ministé- O vereador Kamia Moreira, que colocou à
rio Público Federal, que (DEM) está em seu 4º venda um castelo avalia-
vê indício de que o valor mandato na Câmara Mu- do em R$ 25 milhões, no
da obra é incompatível nicipal, cargo pelo qual re- interior de Minas Gerais,
com a renda declarada pe- cebe salário de R$ 9,2 o “palacete imperial” do
lo parlamentar, que pode, mil. Membro da base de vereador Kamia reafirma
em tese, pegar até 5 anos apoio do prefeito Gilberto a falta de transparência e
de reclusão e perder o Kassab (DEM), Kamia é de credibilidade dos nos-
mandato por improbidade formado em Direito. Já foi sos políticos, que parecem
administrativa. Já para a deputado federal duas ve- pensar apenas em gran-
Corregedoria da Câmara zes pelo PPB, em 1994 e des castelos. ф
25.
26. sessão nostalgia
O retorno da cinelândia paulistana
Flávio Rocha e Lais Mendonça
“Tinha cinema para todo lado, todo preço e vestimenta. Com terno e
gravata, era possível entrar no cine República, ou no Ritz, ou mesmo
no Normandie, na Rua Dom José de Barros. Com roupa ‘comum’,
era possível entrar no Broadway, ou no Oásis, ambos na Avenida
São João, onde ficava também o Metro – mas, para freqüentar este
último, só de fato completo, como diziam os velhos portugueses da
cidade”. (Heródoto Barbeiro no livro Meu velho centro, publicado
pela Edições Sesc São Paulo).
N
este trecho Heródoto expressa o
sentimento de quem viveu numa
época onde o cinema era a diver- mã mais velha. Fomos ao Santa He-
são da família paulistana. É atra- lena, só que na saída da sessão,
vés do olhar de três protagonistas que saí sozinha e minha irmã com o
contaremos essa história que vai além das Nelson”. E completa: “perdi o namo-
poltronas de couro, do Sensurround*, dos rado para ela”.
trajes de gala ou dos grandes projetores das Mas nem só de romances vi-
antigas salas de cinema: Myrthes Costa, Gil viam os cinemas. André Mazzaropi,
e André Mazzaropi. filho do eterno caipira paulista Maz-
A Cinelândia ficou caracterizada pelo zaropi, afirma: “O cinema foi sua vi-
surgimento de cinemas no eixo da Avenida da e é a sua história, seu reduto
São João, no centro de São Paulo. O circuito profissional o Largo do Paissandu”.
agitou os dias paulistanos entre as décadas
de 1940 a 1970. “Hoje em dia, tudo é muito diferen-
Muitos romances começaram nas pol- te”
tronas do centro, como conta Myrthes, que Como diziam os também cai-
não revela a idade: “Vim da fazenda para piras e compositores Chico Rey e
São Paulo em 1942, morava na região do Ipi- Paraná. Os adjetivos das avenidas
ranga. Conheci o Nelson, que foi quem me Ipiranga e Rio Branco, além das ru-
convidou para ir ao cinema, mas a mamãe as Direita, 7 de Abril, Aurora, e das
não deixava eu ir sozinha porque não era de praças República e Júlio de Mes-
bom tom ir só com um rapaz ao cinema, en- quita mudaram tanto nas últimas
tão a condição era ter que levar a minha ir- décadas, que poucas lembranças
27. as sessões pelo preço de uma.
“O Brás inteiro vai pra lá”, contou Gil,
advogado que jura ter mais de mil anos, so-
bre os comentários tecidos pela elite morado-
ra dos arredores da avenida Paulista e do
ainda glamuroso bairro de Higienópolis, so-
nos restam de seus tempos áureos. bre os cinemas mais baratos do centro.
Onde antes encontrávamos “Esses cines populares que cercavam
casas de chá, cinemas, teatros, pes- as salas nobres da Cinelândia, eram mais
soas desfilando com roupas da últi- simples, não precisava se arrumar tanto pa-
ma moda de Paris, celebridades, ra freqüentá-los, e era mais barato, porém ti-
entre outras centenas de peculiari- nha muitas pulgas. Bem, era o que diziam,
dades; hoje vemos o abandono e o porque eu não freqüentava, acho que é por
descaso. Mendigos, camelôs e sujei- isso que ficaram conhecidos como pulguei-
ra. ros”, comenta a sorridente Myrthes.
Vestidos longuetes, luvas e A Cinelândia não só oferecia preços
chapéus eram os trajes das damas, para vários bolsos, como também filmes pa-
enquanto os moços trajavam seus ra todos os gostos. O cinema Jussara, por
ternos bem alinhados com sapatos exemplo, só passava filmes da Nouvelle Va-
engraxados e com toda a pompa e gue. O Broadway tinha como característica
elegância iam até os cinemas do os filmes mexicanos. E, como se não bastas-
centro. sem os elementos já citados, muitos cine-
Durante trinta anos o cine- mas contavam com ambientação,
ma reinou absoluto, atraindo crian- decorações especiais e ante-salas para convi-
ças, jovens, homens e mulheres vência, como o cine Marrocos.
indistintamente. Nas suntuosas sa-
las a diversão era certa. “São Paulo não pode parar”
Após uma sessão no Marabá A década de 1950 foi única para São
ou no Cine Ipiranga, podia-se cami- Paulo. Segundo censo demográfico da época,
nhar calmamente entre as ruas, en- ela havia atingido dois milhões de habitan-
contrar amigos, paquerar ou esticar tes comparando-se com o Rio de Janeiro,
a noite em uma das casas de chá. que até então era a capital federal do Brasil.
Eram várias as atrações que perme- Nas avenidas começava o crescimento
avam as ruas de mosaico portu- da circulação dos automóveis, a cidade cres-
guês e luzes amareladas. cia vertiginosamente. O slogan era “São Pau-
Mesmo quem não possuía lo não pode parar”.
condições financeiras para ir ao Me- A cidade experimentava os fluidos po-
tro ou ao Ritz, que eram considera- sitivos da idealização do bem-estar que cer-
dos os “elitizados” da época, não cavam as metrópoles e que vinham das
deixava de se divertir, pois a preços principais cidades européias e norte-ameri-
bem mais convidativos podiam ir ao canas. Neste contexto, o conjunto de salas
Santa Helena, Oásis ou Alhambra, de cinema tem um papel muito importante,
com a possibilidade de assistir du- pois personificava a mais gratificante forma
28. de lazer do habitante da cidade. Era a rua”, lamenta Gil. A televisão passou
sua janela para o mundo. a centralizar a atenção da família,
As pessoas se deslocavam até a Ci- enquanto o ato de ir ao cinema foi
nelândia para se envolver na magia da saindo cada vez mais de foco.
modernidade em meio aos prédios gigan- Alguns fatores extra-cinemato-
tescos, se misturando às multidões que gráficos contribuíram para o agrava-
circulavam pelas calçadas antes (ou de- mento da questão, a transformação
pois) do escurinho do cinema. “Ah! Na- urbana foi um dos principais. A cida-
quela época, o cinema fazia propaganda de deixava de ter uma concepção idí-
da 2ª Guerra e a literatura francesa dita- lica de metrópole e passava a ter
va nossos costumes”, conta Gil sobre o destaque as dificuldades que já nos
sentimento que levava todos às ruas. são costumeiras. Trânsito, congestio-
Com o tempo, a relação entre o namento, violência, alto custo de vi-
paulistano e a metrópole se alterou subs- da, transporte coletivo deficiente,
tancialmente. O slogan agora mudou, são itens que passaram a prender o
São Paulo: “Maior parque industrial da paulistano dentro de suas casas.
América Latina”. Isso refletiu até mesmo O perfil do circuito e do públi-
no lazer, substituindo as formas tradicio- co cinematográfico se altera muito
nais de sociabilidade por novos rituais. neste período, os palácios cinemato-
“Chatô, que você deve conhecer gráficos, por exemplo, tornaram-se
bem, trouxe da Europa a máquina da TV. obsoletos, desestimulando mudan-
Estava decretada a morte do cinema de ças. Delírios arquitetônicos que con-
tribuíram para a notoriedade do
Cine Marrocos tornaram-se coisa do
passado.
Os Shoppings Centers chega-
ram à capital, trazendo as compras,
o cinema, a comida e toda comodida-
de que proporcionam estes espaços.
A Cinelândia entrou em deca-
dência e as enormes edificações pare-
ciam ainda mais gigantescas com o
esvaziamento das platéias, a solução
então foi dividi-la apressadamente
em nome da sobrevivência.
Assim, construiu-se um novo
cenário. “Sai de cartaz o casal IV
Centenário (terno & gravata & colar
de pérolas) e surgem os personagens
das ‘tribos’ urbanas que circulam
com desenvoltura e alguma arrogân-
cia”. Como relata Inimá Simões em
seu livro “Salas de Cinema de São
Paulo”.
Hoje em dia, o público dos ci-
29. Iniciativas começam a surgir
nemas que ainda estão em funciona-
mento são compostos em sua maioria Diferente de tantas salas his-
por office boys, desempregados, estu- tóricas da cidade de São Paulo, que
dantes, comerciantes e homossexuais. se transformaram em outros tipos
Não existe mais o antigo glamour que de estabelecimento, o Cine Marabá,
era visto, e o inconsciente coletivo das localizado na Avenida Ipiranga -
pessoas já não mais enxerga os cine- 757, foi reaberto ao público em gran-
mas do centro como foi outrora. de estilo.
“Na decadência destes cinemas, Em Julho de 2008, deu-se iní-
ninguém ‘direita’ mais entrava neles. cio ao processo de revitalização do ci-
Você vai vendo as coisas acabarem e fi- nema, que transformou uma das
cando mais tristes, muitos ficaram co- maiores salas do Brasil em um mo-
nhecidos como cinemas pornôs, como derno complexo, mantendo o seu
o caso do Paissandu e o Olido, que já charme histórico. São cinco salas
pelas nove horas da manhã se via ho- nos formatos stadium e convencio-
mens entrando”, comenta Myrthes. nais, projetores e poltronas importa-
A existência destes espaços é das, som Dolby Digital e capacidade
muito inferior em relação ao que já foi de 1150 lugares.
um dia, alguns se transformaram em O projeto de renovação do Ci-
igrejas (Metro), outros ainda exibem fil- ne Marabá que foi realizado pelo
mes pornográficos (Cine Saci), simples- Grupo PlayArte e assinado por Ruy
mente foram demolidos e deram lugar Ohtake, tramitou na Prefeitura de
a estacionamento (Apolo) ou comércio, São Paulo por três anos e depois de
mas podemos ainda encontrar cine- atendidas todas as especificações
mas que estão simplesmente fechados técnicas pôde ser colocado em práti-
ou adornados com a placa de “aluga- ca.
se” (Cine Ipiranga, Metrópole, Éden). Além da reforma, o prédio
Alguns projetos vão na contra- também passou simultaneamente
mão da atual situação dos cinemas do por um processo de restauro. Por ser
centro de São Paulo. Já é possível ver um edifício tombado pelo patrimônio
tentativas de revitalizar salas e colocar histórico, a Prefeitura exigiu que o
a Cinelândia Paulistana de volta no co- projeto mantivesse elementos intac-
tidiano dos habitantes. O projeto “Bro- tos. Segundo a PlayArte, todos os
adway Paulistana”, iniciativa do cuidados necessários foram tomados
governo de São Paulo, prevê uma para manter as características que
abrangente reabilitação local com a re- se tornaram tradicionais no centro
cuperação de dez cinemas antigos, que paulistano.
seriam reativados ou transformados “Essa é nossa contribuição pa-
em casas de espetáculo. ra a manutenção de um dos marcos
Talvez as casas de chá, chapéus da cultura paulistana e também pa-
e bondes não voltem mais a ser uma ra a revitalização do centro de São
realidade no centro da capital, mas res- Paulo, que não pode ser esquecido
ta-nos acreditar que o centro volte a nunca”, comenta Otelo Bettin Coltro,
ser um lugar de bem-estar e lazer e vice-presidente executivo do Grupo
não somente de passagem. ф PlayArte.
30. APERTADINHO
em que posso ajudar...?
Alexandre Oliveira da Silva
E
m um minuto é
impossível se fa-
zer muitas coi-
sas, há quem
diga o contrário (nós, os
tele-operadores). Mas pa-
ra um profissional que tra-
balha em Call Center a
palavra “não” é pecado e a
religião adotada nas em-
presas desse ramo ortodo-
xas puritanas é viril.
O atual modelo bra-
sileiro instituído por lei
adota que, o atendimento
por meio do telefone tem
que ser o mais rápido pos-
sível e de qualidade (não
esqueçamos), exigindo as-
sim que empresas que
ofertam esse serviço se
adequem para tal faça-
nha. Sobrou para o opera-
dor. Stress, depressão e
baixa estima rola solto
nas centrais de atendi-
mento.
Dias atrás soltei
31. um “caralho” em voz alta di-
ante da tela do computador,
socando a mesa em seguida.
Nunca havia me exaltado a
tal ponto. Meu algoz, deno-
minada supervisora, me fuzi-
lou com seu olhar austero.
Sempre fui um cara calmo,
calado em meu canto. De
pouco relacionamento.
Nunca gostei de fofo-
cas e conversar era o mesmo
que saltar de pára-quedas
(Pula... Pula!). Tinha que gos-
tar muito de mim para enca-
rar. Sim, após ter entrado
nesse ramo
ф
32. retrato em
branco e preto
As possibilidades de cores de quem vive na
pele a marca do vitiligo
C
om cinco anos mudam, o complexo e o
de idade, Laura isolamento surgem e
era uma menina com o passar do tempo,
como outra qual- alguns fantasmas come-
quer. Filha de um casal çam a freqüentar seu o
simples, sua casa sempre cotidiano. A fuga da es-
foi repleta de crianças. cola se torna a melhor
Eram filhos de parentes, opção.
vizinhos e amigos. A mãe, Adolescente, Lau-
Dona Analú, fazia muitos ra tem sede por conheci-
doces e petiscos para agra- mento e a psicologia
dar a criançada. Sempre passa a fazer parte de
pronta para acolher quem seu sonho e faz desper-
quer que fosse, procurava tar seu interesse de estu-
oferecer o que tinha de me- do nesta área, pois
lhor em sua casa. Não só deseja desvendar os mis-
ela, como seu esposo, Seu térios da mente, ajudar
Jonas, mais conhecido co- as crianças e àqueles
mo Jaú – apelido do fute- que necessitam de auxí-
bol. Este, dono de uma eles - inclusive os mais lio emocional e encon-
simpatia e generosidade simples, como aquela ma- tram dificuldades, assim
que servia de exemplo pa- ria-mole vendida em um co- como ela.
ra muitas pessoas. pinho e que vinha com um Hoje, já mulher,
Como uma boa par- pequeno brinde que Laura Laura nos conta um pou-
te das meninas da sua ida- chama de “figuinha”. co sobre a doença, os
de, Laura cresceu dentro Apenas um detalhe medos, o tratamento, a
do universo de Monteiro começou a diferenciá-la das aceitação, o preconceito,
Lobato, suas histórias, outras crianças, umas man- os dissabores do amor,
seus personagens cativan- chinhas brancas começa- além da perda do sobri-
tes, seu universo fantásti- ram a aparecer em seu nho Nicolau de 14 anos,
co. Uma menina que nariz por volta dos seis a importância da rela-
sempre vivia num mundo anos de idade. Era o surgi- ção familiar, seu encon-
cor-de-rosa, tinha muito mento do vitiligo. tro com Chico Xavier, o
medo da morte e sonhava Os anos foram pas- desejo de ser mãe e ou-
em ser bailarina. Era leva- sando e no início de sua vi- tros aspectos relativos à
da, adorava doces - todos da escolar seus medos sua vida.
33. CUPIM - Quando tudo co- adoro dançar. Foi passan- e comecei a me olhar desde
meçou? do o tempo e eu nunca fui os pés e fui subindo. Pensa-
LAURA – Quando era pe- atrás, agora até estou va “nossa, mais eu não sou
quena, tinha muito medo com vontade de entrar nu- aleijada, eu tenho perna,
da morte, ficava sabendo ma aula de dança (risos) eu tenho pés...”. E eles (os
que alguém tinha partido, sabe essa dança de salão? pais) até aceitaram que eu
mesmo não conhecendo a Então, estou com vontade ficasse em casa porque eu
pessoa, naquela noite eu de fazer. cheguei a ir procurar em-
não dormia. Tinha um do- CUPIM - Como foi sua vi- prego, mas eu via no jornal
ce que era uma maria-mo- da escolar? que precisava ter boa apa-
le dentro de um copinho e LAURA – Foi um período rência e sempre tinha aqui-
vinha uma "figuinha" den- que tive dificuldade, en- lo na minha cabeça
tro. Um dia eu comi o doce trei na escola com sete “duvido que vão me acei-
e fiquei com a figuinha na anos, e que comecei a sen- tar, não vai adiantar eu ir,
boca, engoli e fiquei com tir determinadas coisas eles vão me ver, lógico que
ela atravessada, e com me- (complexo). Eu tive sem- vão querer a outra ou o ou-
do de morrer, apavorei, gri- pre bons amigos à minha tro”, e assim sucessivamen-
tei pela minha mãe... volta, tanto no primário te. Eu voltava para casa
Enfiava o dedo na gargan- quanto no ginásio. A esco- chorando. Então meus
ta com medo de morrer. la e os amigos não faziam pais, cansados de ver esta
Eu cheguei a engolir o ob- diferença, o complexo es- cena toda vez que ia procu-
jeto, mesmo assim eu enfi- tava em mim, não neles, rar emprego, resolveram
ava a mão na garganta e tanto que os amigos fala- me manter em casa. Me de-
cheguei a machucá-la. Mi- vam que para eles não ti- ram salário, me pagavam o
nha mãe me levou ao médi- nha nenhum problema. correto. Parece que isso
co várias vezes, porque eu Fui crescendo e me isolan- doía neles. Então, quando
comecei a ficar com dor de do, dei uma parada nos escutei aquela conversa...
estômago... Tinha de 5 pa- estudos, minha mãe tinha Eu falei comigo mesma que
ra 6 anos, na época. O mé- problema (de saúde) e eu eu tinha que reverter. Pare-
dico disse que eu estava não querendo me mostrar ce que levei um choque,
com dor de estômago por- para a sociedade, então pois muita gente que esta-
que eu tinha passado ner- tudo se encaixou. va em cadeira de rodas es-
voso. Ele medicou um CUPIM - Você associava tava trabalhando. Quando
tranqüilizante. Eu melho- seus problemas ao vitiligo? eu estava sofrendo o com-
rei, mas depois de certo LAURA – Sim, eu associa- plexo na íntegra eu não per-
tempo, começou a sair va. Um dia durante uma cebia essas coisas, foi
uma mancha no nariz, que conversa entre meu pai e então que decidi trabalhar
foi constatado que era viti- minha mãe, sem que eles fora.
ligo. me vissem, ouvi minha CUPIM - Como foi esse tra-
CUPIM - Nesse período, mãe falar: “Velho, nós te- balho?
qual era seu sonho? mos que ver o futuro da LAURA - O primeiro traba-
LAURA – Eu sempre gostei Laura. As outras (filhas) lho fora de casa foi com
de filmes clássicos, aque- estão trabalhando, vão ter uma amiga, onde fui mani-
las bailarinas, aquelas a aposentadoria delas, e cure em domicílio. Logo
danças. Sempre me fasci- nós não vamos viver a vi- passei para um salão, onde
naram. Meu sonho era ser da inteira. O que vai ser fiquei quatro anos. Foi
bailarina. Tanto que eu dela?” Eu tinha 22 anos, tranqüila, a minha relação
34. com as pessoas, desde que não me
deixasse me envolver pelo complexo. O que é o vitiligo?
Depois desses quatro anos eu fui tra-
balhar numa escola, no Walt Disney Doença caracterizada por
(Escola Infantil). descoloração da pele em certas
CUPIM - Houve algum fato que te sur- áreas, de causa desconhecida e,
preendeu lá? embora não provoque danos à
LAURA – Quando houve uma mudan- saúde, é um problema com pou-
ça de direção na escola, a nova direto- cas alternativas de tratamento.
ra disse que naquele ano os próprios Sendo assim, o Vitiligo é
alunos escolheriam quem homenage- uma patologia de despigmentação
ar. Então a professora de português da pele em que manchas brancas
pediu para eu subir até a sala do ter- podem surgir em várias partes do
ceiro colegial. Logo pensei “Ai meu corpo. Normalmente são bilate-
Deus, aí vem problema”. Fui até a rais (simétrico), mas pode ser as-
classe e o líder da classe me disse, simétrico, segmentar,
“Laura, por unanimidade você foi es- circunscrito, universal, congêni-
colhida para ser a homenageada do to, generalizado e ocular. Várias
ano”. hipóteses foram atribuídas acerca
CUPIM - Você sofreu algum preconcei- das causas da doença.
to neste período? Estatísticas mostram que
LAURA – Pelo contrário, eles até me cerca de 4% da população mundi-
defendiam e falavam: “Olha, não mexe al é portadora de vitiligo. Surge
com a Laurinha, não, hein! A Lauri- como se fosse uma resposta do or-
nha é sangue bom!” (risos). ganismo às tensões emocionais,
CUPIM - Os adolescentes e crianças, como grandes perdas materiais,
na escola, te perguntavam o que eram brigas de família, morte de um en-
as manchas no seu rosto? te querido, ou viagem dos pais pa-
LAURA – As crianças, sim. Uma vez ra o exterior.
percebi que duas meninas me olha- Segundo especialistas, Viti-
vam, eu as chamei e elas pergunta- ligo, não pega, não mata e não
ram: “O que é isso que você tem?”. Eu dói . A maioria dos pacientes com
expliquei que eram manchinhas que vitiligo já foi vítima de algum tipo
saíram, e se contentavam com isso. de preconceito. Especialistas no
Como eu sempre estava com elas dan- setor afirmam que isso colabora
do carinho e atenção... para atrasar a reação positiva do
CUPIM - Como era a sua relação fami- organismo dos portadores aos me-
liar? dicamentos. Discriminar um por-
LAURA – Com as minhas irmãs foi as- tador de Vitiligo é uma atitude
sim: como a “Laura” sofria devido ao que não se justifica, porque Vitili-
vitiligo, o amparo era maior, elas fo- go não é doença, é apenas um
ram trabalhar cedo, e eu fiquei como problema de pele e como tal deve
a “bebezinha” da casa. Todo mundo ser encarado pela família e ami-
amparava para eu não sofrer. Isso de gos. Dermatologistas atestam que
certa forma influenciou na relação não há o menor risco de contágio
com minhas irmãs. Tanto que hoje direto ou indireto.
sinto a distância delas em relação a
35.
36. mim. Meus pais sempre aí que veio uma amiga, sinaram a ter força, humil-
me trataram com mais me levou na delegacia do dade e a querer o bem do
cuidado, mais preocupa- ensino, para escolher a próximo.
ção, e elas (irmãs) se senti- escola onde tinha lugar CUPIM - Fale sobre sua en-
ram como que deixadas para eu trabalhar. Ela fa- trada no Fórum de Mauá.
de lado. Elas queriam que zia a unha comigo e dizia LAURA – Eu estava acostu-
as tratassem igual. Meus “Laura, eu não sei por mada a trabalhar com cri-
pais foram assim, aonde que você não trabalha fo- ança e adolescente, onde
falavam que tinham médi- ra, você se comunica havia uma troca. Você da-
co para tratar o vitiligo, bem, é uma pessoa inteli- va e recebia. No Fórum (on-
eles me levavam. Iam, fala- gente”. de trabalha atualmente)
vam com o médico e de- CUPIM - Fale um pouco era o inverso. Quando eu
pois me levavam. dos seus pais. entrei lá, as pessoas eram
CUPIM - E a relação atual LAURA – Meu pai era co- duras, como se fossem
com suas irmãs, como é? nhecido como Jaú, apeli- robôs. Aquilo me chocou.
LAURA – Eu gosto de coi- do do futebol. Um Na época eu fazia terapia
sas clássicas, elas de pa- encanto de pessoa. Uma com um psicólogo, o Sr.
gode; elas vivem de bondade que só faltava ti- Rubens. Disse a ele que
novelas e eu não suporto; rar a roupa do corpo para não queria ficar no Fórum.
adoro ler, elas já não gos- doar pro outro. E até hoje Ele me explicou que cada
tam. Eu sou diferente. Até é uma pessoa homenagea- lugar que a gente vai temos
hoje se você conversar da. Até hoje ouço das pes- uma missão, e se recusar-
com elas vai ouvir “meus soas que conheceu ele “o mos essa missão, nós volta-
pais só faltavam colocar a seu pai é um exemplo de mos atrás para cumprí-la.
Laura dentro de uma redo- vida pra gente!”. Isso quer Tudo é uma conquista. Fi-
ma de vidro para ninguém dizer tudo. Nas horas zemos um trabalho emocio-
machucar, para ninguém enérgicas, no momento nal, que eu poderia ser a
tocar”. Eu quero que elas certo, foi enérgico sim, Laura em qualquer lugar
vejam a Laura de agora. porque era necessário, que eu fosse. Vai fazer 12
Pois quando eu saí para pra dar uma educação, anos que estou no Fórum e
trabalhar, eu dei uma mu- mas sempre com bondade nunca deixei de cumpri-
dança de trezentos e ses- e nisso construiu a Lau- mentar, de sorrir, de lidar
senta graus. ra. Minha mãe era uma com um, com outro. O que
CUPIM - E como foi esse mulher lutadora, forte. você leva, surte um efeito
processo? Uma pessoa que casou nas pessoas, independente
LAURA – Eu me senti co- com o homem certo. Ao do que você é.
mo se tivesse uma força mesmo tempo ela ficou CUPIM - Você sentiu algum
interior falando assim em casa cumprindo o pa- tipo de preconceito lá?
“Agora você vai ou vai”. pel dela, ajudando aquele LAURA – Eu mudei a mi-
Porque a forma que a gen- homem a enfrentar cada nha maneira de pensar.
te pensa, ou a gente abre obstáculo que aparecia. Quando eu estava vendo
ou fecha os caminhos. E Hoje eu estou aqui em no- eles como robô... Eu afir-
como falei para mim, que me dessa força dos dois. mava “não gosto daqui, as
eu era uma pessoa nor- Deixaram uma riqueza pessoas são duras, são in-
mal, que precisava traba- imensa não só pra mim, sensíveis”. Enquanto eu es-
lhar, os caminhos como pra todos que esta- tava tendo essa visão, a
começaram a se abrir. Foi vam em sua volta. Me en- coisa não iria mudar.
37. CUPIM - E você acha que Tratando da pele, não só CUPIM - E hoje, o que di-
as pessoas te viam dife- do vitiligo. Não é tudo que zem os médicos?
rente em relação ao as- eu posso usar. No lugar do LAURA – Sempre me de-
pecto visual? claro (da pele) é muito sen- ram esperança. E uma
LAURA – Como certeza, sível. Mas em em mim, coisa que sempre me for-
mas não tive nenhuma não. Eu caminho, eu faço taleceu também, como eu
forma de não aceitação ioga, eu não paro. já falei, é a parte espiritu-
ou receio como relação CUPIM - O sol não chega a al. A parte espiritual aju-
ao vitiligo. te afetar? da muito, muito, muito
CUPIM - Você já sofreu al- LAURA – Não. A única coi- mesmo. Quando eu fui
guma discriminação vela- sa é que fica um pouco ver- pra Uberaba foi já procu-
da? melhinho. Mas arder, rando algo tanto pro vitili-
LAURA – Que tenha che- machucar, coisa assim, go como pra essa coisa,
gado até a mim, não. não. Eu passo o protetor de medo da morte, coisa
Nunca senti que isso solar normalmente. Só. que eu já tinha superado
aconteceu. CUPIM - O que dizem os um pouco por estar a al-
CUPIM - Você vai fazer especialistas em relação gum tempo no kardecis-
ou está fazendo algum ao tratamento? O que você mo, (muito serena) é ali
tratamento? já ouviu? que eu tive a confirmação
LAURA – Eu estou fazen- LAURA – Em termos de que a morte não existe...
do. Tanto a parte psicoló- medicina, já ouvi de tudo, Que a vida continua.
gica quanto a parte aliás, na minha adolescên- Através duma palestra do
médica. cia o que levou eu ter com- Chico Xavier.
CUPIM - Como é o proces- plexo foi o que ouvi de um CUPIM - Como foi este
so de tratamento? médico, que falou, assim, contato? Você conversou
LAURA – É lento, mas de- na lata: “Isso não tem cu- com ele diretamente?
pende de como a pessoa ra, tem que saber lidar LAURA – Olha, lá eu vi
lida com o problema. A com isso”. Aquilo acabou tantos casos mais difí-
ênfase da coisa está no comigo. Foi aí que veio o ceis, complicados, que di-
emocional. complexo mais difícil na ante de todos os
CUPIM - E já sente os re- minha vida. Um profissio- problemas das outras
sultados? nal tem que saber falar, sa- pessoas, eu percebi que
LAURA – Com certeza. O ber orientar. O dia em que eu não tinha nada, enten-
remédio em si é uma coi- ele falou isso eu chorei du- deu? E quando eu passei
sa que você tem que acre- as semanas sem parar. perto dele, ele me entre-
ditar naquilo que está Meus pais até se arrepen- gou uma rosa, eu peguei
fazendo. Quando eu pro- deram de ter me levado ne- ia saindo. Foi quando ele
curava uma dermatologis- le, coitados! Eu tinha me segurou pela mão, o
ta, o que acontecia? A quinze anos. Foi duro. Chico Xavier, e falou “fica
Laura ia especificamente CUPIM – Nessa idade, qual tranqüila, você vai sarar,
só pelo vitiligo, esquecia era seu sonho? viu?”. Falou desse jeito.
da Laura mulher, da bele- LAURA – (Fica pensativa CUPIM - E sobre as ques-
za, que poderia estar fa- por alguns segundos) Aos tões do amor...
zendo um tratamento. Eu quinze... A psicologia sem- LAURA – O coração não
estou em busca de elimi- pre me fascinou. Essa fase escolhe quem gostar. Vo-
nar o vitiligo, mas tam- eu já estava pensando em cê quer escolher, po-
bém cuidar de mim. psicologia. Era meu sonho. rém...
38. Certa vez eu ouvi da pes- goste de mim porque eu não tinha (mostra as
soa que eu gostava que eu posso amar a pessoa, mãos). Eu acho que a gen-
era maravilhosa, mas fica- mas se ela não correspon- te tem que extravasar, co-
va sempre na amizade, e der, isso não serve pra locar pra fora tudo o que a
eu tinha que entender is- mim. Não serve. gente está sentindo, mas
so, mas também não esta- CUPIM – Tem algum ou- eu me segurei muito por
va preparada para tro sonho? causa da minha irmã
relacionamentos. Não ha- LAURA – Fazer uma facul- (mãe de Nicolau) e isso é
via preparado isso em dade de psicologia. um erro. Acredito agora,
mim. Obviamente qual- CUPIM - Há pouco tempo que Deus tem um propósi-
quer tipo de relacionamen- você viveu um momento to maior por tê-lo levado.
to não iria dar certo. Eu muito delicado que foi o CUPIM - Qual foi a causa
achava que eu não conse- falecimento do seu sobri- do falecimento dele?
guia uma relação mais for- nho de 14 anos. Como LAURA – Começou com
te por causa do vitiligo, e era sua relação com ele? problema na garganta e fe-
isso fazia com que eu não LAURA – Nós tivemos bre, mas acho que a infec-
conseguisse ver que mi- uma ligação muito forte. ção foi tão grande que
nhas amigas que não ti- Muito mais eu com ele do começou a complicar os
nham vitiligo também não que ele comigo. Quando órgãos e, principalmente,
conseguiam se relacionar ele era pequeno, eu fica- o rim. Chegou a fazer he-
com ninguém (risos). E is- va todo o tempo cuidan- modiálise.
so é uma coisa que eu ain- do dele. Nós não nos CUPIM - Como você lida
da vou superar... Como parecíamos tia e sobri- com isso, hoje?
eu superei no trabalho. nho, éramos como irmão- LAURA – O tempo ajuda
Eu tenho certeza disso. zinhos, tanto que, muito.
CUPIM - Você tem vonta- quando eu falava do Ni CUPIM – O que pode ser
de de ter filhos? (Nicolau) todo mundo mais importante na vida
LAURA – Claro. Eu tenho achava que fosse meu ir- de uma pessoa?
vontade de ter trigêmeos mão e não meu sobrinho. LAURA – O mais importan-
(risos) até vejo os três, as- A morte de Ni foi surpre- te é se gostar. É a coisa
sim, deitadinhos, o cari- sa. Muito, muito dolori- principal. Se você não se
nho, aquela coisa toda. da, mas muito mesmo. ama, você não vai conse-
Eu tenho essa vontade... Tanto que eu voltei a fa- guir amar o outro.
De ter um casamento e zer terapia. Eu não espe- CUPIM - Se vendo de fora,
disso resultar em filhos. rava isso. Não esperava quem é Laura?
Eu sempre tive muito for- mesmo. Eu tenho tanta LAURA – (pensa um pou-
te esse lado com universo fé que achava que ele ia co, sorri) A Laura... Olha,
infantil, aliás, minha famí- sair dessa. Hoje eu consi- a Laura é o Coração de
lia é assim. As crianças go falar sem chorar, mas Deus. Porque o que eu
gostavam muito de ir à mi- tinha vez que qualquer quero pra mim, eu quero
nha casa. Meu sonho era coisa que eu lembrava de- pra você, quero pra to-
casar e ter filhos... le, eu chorava. Embora dos... (muito emocionada)
CUPIM - Era? eu tenha voltado a fazer principalmente para as cri-
LAURA – Não, é (risos) é terapia por causa disso. anças. ф
meu sonho, formar uma Eu não tinha vitiligo nes-
família junto com a pes- sa parte (lado direito do Everson Bertucci
soa que eu goste e que ela rosto), nas mãos também Flávio Rocha
39. CUTUCANDO
cuba livre
Uma reflexão sobre comunismo,
neoliberalismo e social-democracia
Gutierres Siqueira
o sanguinário Fidel. Liberalismo é a
defesa intransigente da liberdade in-
Q
uando eu era um pré-adolescente, dividual.
meu pai recebeu de presente o CD do Em nome da liberdade defen-
seu primo, um cantor não profissiona- demos mercados competitivos (e
lizado. O título do CD era “Cuba Li- não essa palhaçada do monopólio
vre”. Lembro que então com 11 anos, o “Cuba no Brasil), livre concorrência (princí-
Livre” me chamava mais atenção do que as mú- pio pouco observado em nosso
sicas MPB daquele disco. Infelizmente ainda país), facilitação de ingresso comer-
não contemplamos o “Cuba Livre”, mas o dita- cial e evitar ao máximo a interven-
dor Fidel continua a jogar todo o seu ódio con- ção econômica do Estado, pois a
tra o “maldoso” e “feroz” liberalismo mão dele sempre é pesada, burocrá-
econômico. Realmente, ditadores não gostam tica e ineficiente.
dos liberais.
Nessa última semana, o cubano falou Neoliberalismo é o pai da crise
mais uma vez sobre a crise em suas reflexões econômica mundial?
[1]. Sempre que vejo uma pessoa como ele opi- Acusar o neoliberalismo de
nando sobre economia, olho isso como uma pai da crise econômica mundial é
grande piada. O que é a economia de Cuba? uma grande falácia, como mostra o
Nada, absolutamente nada! Bem, na verdade ex-ministro da fazenda, Maílson da
Fidel não opina nesse texto, simplesmente re- Nóbrega:
produz as palavras de um “companheiro comu- A crise teria sido efeito da
na economista”. crença cega no mercado. Ocorre
A única coisa que Fidel fala, logo no fi- que não existe livre mercado no sis-
nal do texto, é uma crítica à grande imprensa. tema financeiro. Na verdade, o deto-
Aliás, os comunistas sempre acusam a grande nador da crise nasceu de
imprensa de alguma coisa. Não é a toa que os intervenção do estado, qual seja a
regimes “neo-socialistas” latinos, como de Hu- norma pela qual se financiou a casa
go Chávez persigam jornalistas por meio de mi- própria para milhões de americanos
lícias que estão a serviço do governo. sem condições de pagar. Analistas
Por que Fidel é tão contra o liberalismo de esquerda adoram apontar a des-
econômico? Ora, pois liberalismo combina com regulação. A culpa seria da revoga-
democracia, liberalismo político, pouca interfe- ção do Glass-Steagall Act, no
rência do Estado em nossa vida particular. Tu- governo de Bill Clinton. Essa lei,
do isso Fidel, como ditador, tem pavor em dos anos 30, separava as atividades
ouvir. Fidel sabe que se a ilha cubana implan- de banco comercial das de investi-
tasse o regime econômico neoliberal, os habi- mento, mas ficou gagá com a sofisti-
tantes dessa ilha logo clamariam por uma cação e a globalização dos
abertura democrática. Isso é inadmissível para mercados. Penalizava os bancos
40. americanos. [2]
Portanto, ainda na era mais “re-
gulamentada” do governo democrata,
os Estados Unidos tomaram algumas
medidas. O neoliberalismo simplesmen-
te é o saco de pancadas de todos os ma-
les desse mundo, incluindo a crise
econômica.
Social-Democracia como solução?
A social-democracia ou “liberalis-
mo-socialismo” falhou, na década de
70, com seu programa de “bem-estar
social” (Welfare Stat), mas nos últimos
anos voltou com força da Europa e es-
pecialmente na Inglaterra de Tony
Blair. O modelo desregulamentado dos
Estados Unidos caiu na crise, isso é
um fato, mas não tão profundamente
como na mais “regulamentada” Europa
social-democrata. Vários analistas
econômicos apontam que os Estados
Unidos saíram primeiro da crise do que
a Europa. Promover o “bem-estar soci-
al” pesa o Estado e chama a ineficiên-
cia econômica- financeira. Logo, essa
política deu certo em países que já ti-
nham feito o dever liberal, portanto já
eram ricos e pequenos em sua popula-
ção, mas promoveram o desejo de aca-
bar com as desigualdades e
implantaram essa política meio socialis-
ta, meio liberal.
Conclusão
Portanto, bom seria para aquela
pequena ilha do Caribe implantar o li-
beralismo, tanto na economia e na polí-
tica. Cuba assim seria livre, assim
como o título daquele CD.
Notas:
[1] Veja a “reflexão” de Fidel nesse site:
http://www.vermelho.org.br/ba-
se.asp?texto=52131
[2] NÓBREGA, Maílson da. Crise: como
chegamos a este ponto? Revista Veja.
Ed. 2103, ano 42, n. 10. p 106 ф
41. PINTOU SUJEIRA Fernando Nowikow
banheiros públicos:
quem irá nos salvar?
Saiba como mais de 10 milhões de pessoas dividem
apenas três banheiros públicos
T
udo começou quando soubemos nheiros – públicos ou não - espalhados
do lançamento de um tal guia pela cidade, avaliando suas condições de
de banheiros que um grupo de higiene, de acessibilidade, se possuem
médicos do Hospital das Clíni- ou não sinalização adequada e se dis-
cas (HC) havia escrito. Lembro na época põem de materiais de higiene pessoal (sa-
- início de fevereiro - que o tal guia não bonete, papel higiênico e papel para
saía das páginas dos principais jornais secar as mãos e o rosto). E, sem muitas
durante semanas. Lembro que eles (jor- surpresas, a avaliação do guia mostrou a
nais) pautaram de tudo, desde os ba- clara e enorme defasagem destes equipa-
nheiros aconselhados pelo guia até os mentos na cidade.
desaconselhados. Entrevistaram quem Para termos idéia do tamanho des-
tomava conta destes equipamentos e sa disparidade, imagine uma metrópole
quem os depredava, além de informar as como São Paulo, onde cerca de 10 mi-
dificuldades em administrá-los. Outro lhões de habitantes circulam regular-
ponto importante tratado pelo manual mente pelas ruas, seja para trabalhar,
foi o risco gerado pela contenção urina- estudar, passear, etc. Imagine agora,
ria que pode provocar uma série de pro- que para atender todo este público, a ci-
blemas às pessoas, estes, um dos dade disponibilize apenas três banheiros
principais focos do guia, que a propósito públicos. Ou seja, são três banheiros pú-
chama-se: ‘Banheiros em São Paulo. On- blicos para aproximadamente 10 mi-
de ir,como fazer?’ lhões de pessoas. Incrível, não é mesmo?
A intenção dos médicos, além de Pois esse é o tema da nossa reportagem.
informar todos os problemas causados Comecemos pelo centro da cidade,
pela contenção urinária, como o fato de região histórica de arquitetura imponen-
termos necessidade de urinar a cada 4 te e comércio pujante, onde milhares de
horas, em média, ou que cerca de 15% pessoas circulam todos os dias. Região
da população adulta sofre com proble- que abriga a Praça da Sé, marco zero da
mas de bexiga hiperativa - pessoas que capital, ou então a centenária Praça da
não conseguem reter o líquido por muito República, que recentemente foi reforma-
tempo, era também de formular um guia da pela Prefeitura de São Paulo, mas que
que pudesse orientar a população dos lo- agora está completamente desfigurada
cais onde haja banheiros para uso públi- pelas obras do Metrô. Só que isso não
co. vem ao caso, nosso assunto são os ba-
E foi dessa maneira que a equipe nheiros públicos, ou melhor, a falta de-
de médicos percorreu cerca de 150 ba- les.
42. Na Estação Sé do Metrô, por exem- los impostos mais caros do planeta e de-
plo, onde centenas de pessoas se esbar- veriam, por isso, contar com os melho-
ram diariamente seguindo para os res serviços públicos. Só que isso
quatro cantos da cidade, um único ba- novamente é uma outra história. O ba-
nheiro é encarregado de atender todo es- nheiro administrado pela Prefeitura, fica
se mundaréu de gente, e o que é pior, ele próximo à Avenida Ipiranga. De longe, a
fica na parte de fora da estação. Ou seja, casinha rústica mais parece um cenário
caso esteja em apuros fisiológicos e não de desenho animado, só que de perto...
consiga esperar nem mais um instante, Bem, de perto, além da falta de sinaliza-
terá de ultrapassar a catraca – sair do ção e do risco iminente de ser assaltado
Metrô - para utilizar o bendito banheiro, com a ‘boca na botija’, o banheiro é pe-
que, aliás, de bendito não tem nada. queno e só tem um mictório e uma pia,
Além de pequeno, com um mictório cole- as outras duas portas estavam tranca-
tivo e apenas quatro cabines com vasos das, pois as privadas estavam entupidas
sanitários, o banheiro não tem papel hi- há duas semanas, segundo alguns usuá-
giênico e trinco nas portas das cabines, rios. Não há sabonete e nem papel. O
isso sem falar no forte odor que é senti- chão, todo empoçado com água suja e
do de longe. No mais, o banheiro da Sé, mal cheirosa inibe a permanência de
possui pias com sabonete e papel para qualquer um no local. Portanto, se esti-
secar as mãos. Tem sinalização cor- ver passando por lá e precisar usar o ba-
reta e acessibilidade para deficientes físi- nheiro público da Praça da República
cos, com rampas e corrimão, além de não se engane.
um banheiro exclusivo. No entanto, sen- Além do banheiro da República,
do público e estando em uma área onde os outros dois banheiros realmente pú-
ficam muitos moradores de rua, é co- blicos da cidade são: o da rua Brigadeiro
mum esbarrar com o “pessoal” tomando Galvão Bueno, no bairro da Liberdade,
banho nas torneiras. que segundo o guia do HC, apresenta bo-
Já na Praça da República fica um as condições de uso, e o banheiro do Va-
dos três banheiros realmente públicos le do Anhangabaú, este que
que a cidade disponibiliza para seus mo- disponibilizaremos os próximos parágra-
radores, que afinal de contas pagam pe- fos para descrever sua enorme varieda-
43.
44. de de ‘coisas’. do alguma moeda, “para com-
Vale do Anhangabaú: local histórico e prar um lanche”, dizem eles. Ou-
privilegiado com uma vista fantástica de São tras formas de vida que habitam
Paulo. Ali, por debaixo de sua monumental ar- o local são os ‘animais urbaniza-
quitetura corre o rio Anhangabaú, canalizado dos’ (ratos, baratas e pombos).
no final da década de 1940. No vale também es- Além deste seleto grupo, outra
tão prédios como o da Prefeitura de São Paulo, espécie encontrada por ali são
o da Central dos Correios, e outros tantos arra- repórteres à procura de mais
nha-céus de fazer inveja a qualquer grande me- uma manchete. O caso, no en-
trópole do planeta. E, é lá também que está o tanto, já não se trata mais de
nosso terceiro banheiro realmente público da uma manchete e sim de uma
cidade. profunda análise sociológica pa-
Reformado três vezes nos últimos dois ra fins científicos.
anos com custo estimado de R$ 120 mil por re-
forma, totalizando cerca de R$ 360 mil. Admi- A mais paulista de todas as
nistrado nos últimos anos pela Subprefeitura avenidas também sofre com a
Sé, depois pela Secretaria Municipal de Assis- falta de banheiros públicos
tência e Desenvolvimento Social e agora devol- Cartão postal da cidade e
vido novamente para a tutela da Subprefeitura um dos centros comerciais de
Sé. Senhoras e Senhores apresentamos: o ba- maior envergadura do país, a
nheiro público do Vale do Anhangabaú. Avenida Paulista tem apenas
Imagine um lugar sujo, muito sujo mes- um banheiro de uso público.
mo. Agora multiplique essa sujeira por cem, ou Imagine, são 2,67 quilômetros
melhor, por mil. Imaginou? Muito bem, assim é de extensão, por onde circulam
o banheiro público do Vale do Anhangabaú, diariamente aproximadamente
um verdadeiro lixão a céu aberto. É lixo espa- cerca de dois milhões de pesso-
lhado por todos os lados. Tem lixo misturado as tendo que dividir apenas um
com fezes, entulho misturado com urina, gra- banheiro público. O jeito é ape-
des arrombadas, vidros e luminárias quebra- lar para os banheiros privados,
das, paredes pichadas, enfim... uma verdadeira que segundo o guia do HC, nem
catástrofe ambiental urbana no local onde de- sempre estão disponíveis para o
veria funcionar um banheiro público para a po- público. Ou seja, na hora do
pulação. aperto é bom contar com a sorte
É tanto lixo e tanto cocô que as paredes e com o bom humor dos lojistas
recém cobertas por azulejos novinhos já estão da região.
todas ‘grafitadas de merda’. Localizado bem A pesquisa feita pelos mé-
abaixo do prédio central dos Correios, o local dicos do HC mostra também que
lembra o fim dos tempos, o Apocalipse. Tudo apesar da dificuldade em encon-
está quebrado ou foi furtado: grades, pias, vi- trar alguma privada, muitos lo-
dros e luminárias. As privadas sumiram possi- jistas da avenida, no entanto,
velmente levadas por alguém que precisou disponibilizaram seus sanitários
muito delas. para o uso público. Aliás, muito
Abandonado pelo poder público e pela bem avaliados pelo guia, com si-
população, hoje, o banheiro do Vale do Anhan- nalização adequada e kit de lim-
gabaú atrai somente mendigos (os mais corajo- peza completo. E foi logo em
sos), usuários de drogas, e alguns cidadãos de uma farmácia, que teoricamente
aparência ameaçadora que ficam por ali pedin- deveria preocupar-se com a saú-
45. Conclusão
Antes de sair de casa tente lembrar de usar o ba-
nheiro.
Mais do que atender às necessidades físicas das
pessoas, os banheiros públicos deveriam servir de orgu-
lho para a cidade. Uma cidade que respeita seus mora-
dores deve obrigatoriamente atender suas principais
necessidades e não suprimi-las transferindo responsa-
bilidades.
Por outro lado, todo povo tem aquilo que mere-
ce, e como aqui, o que é público nunca é de ninguém,
continuaremos colhendo nossos próprios frutos, mes-
mo que muitas vezes, amargos.
Dicas Cupim
- Câmara Municipal de São Paulo (aproveite para to-
mar um café e saber como anda o seu vereador);
- Prefeitura de São Paulo (segundo o guia do HC, é um
de, que o pedido para usar
dos melhores banheiros públicos da cidade);
o banheiro foi negado, ale-
- Subprefeituras (são 31 subprefeituras espalhadas pe-
gando ser de uso exclusivo
los quatro cantos da cidade. Basta pedir licença);
para os funcionários da lo-
- Praça Fernando Costa (a R$ 0,65 é uma boa opção pa-
ja. Portanto, uma dica: em
ra quem está na região da rua 25 de Março);
casos de emergência, não
- Estação Ana Rosa do Metrô (é limpo e fica aberto até
recorra às farmácias.
às 22h, o problema são os garotos de programa ofere-
A opção pública fica
cendo serviços);
por conta dos banheiros do
- Bourbon Shopping (um dos toaletes mais luxuosos da
Parque Trianon, que apesar
cidade. Aproveite também para fazer massagem rela-
da falta de sinalização exter-
xante enquanto engraxam seus sapatos). ф
na (na entrada do Parque),
apresenta ótimas condições
de uso. O banheiro que é
mantido pela Prefeitura,
tem pias, privadas e mictó-
rio em perfeitas condições
de uso. Funciona das 7h às
18h, e sempre tem um fun-
cionário do parque cuidan-
do da limpeza do local. O
diferencial neste caso, além
da agradável trilha que leva
até os banheiros, é a sua ar-
quitetura nostálgica manti-
da em perfeitas condições.
Este sim, dá para relaxar e
gozar.