1. A QUESTÃO DOS DIREITOS E DEVERES TRABALHISTAS A PROPÓSITO DO CASO IRMÃOS NAVES
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A QUESTÃO DOS DIREITOS E DEVERES TRABALHISTAS A
PROPÓSITO DO CASO IRMÃOS NAVES1
Sônia de Lourdes Silva Quites Machado*
Alisson Moreira Rodovalho**
Weuler Fernandes Cavalcante***
RESUMO
O artigo discute as relações de trabalho e emprego que envolveram as pessoas que vivenciaram o
“Caso dos Irmãos Naves”, tendo como foco a questão trabalhista à época dos acontecimentos, a
legislação existente, a influência do momento político no desfecho do caso que representa o maior erro
judiciário ocorrido na história do Direito brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Emprego. Trabalho.
INTRODUÇÃO
O que motivou nossa pesquisa ao observar o filme “O caso dos irmãos Naves” ou
mesmo ao ler o livro e a peça do mesmo nome foi a questão trabalhista existente à época
daqueles acontecimentos ali narrados. Através do estudo das Constituições de 1934, 1937,
1988, pretende-se identificar o sistema de governo adotado e analisar a influência da Carta
Magna nas demais legislações e atitudes políticas do governo e seus órgãos. Com o estudo da
CLT, busca-se identificar os direitos trabalhistas e sua abrangência. A análise do Decreto Lei
1713/39, da Lei 1711/52 e da Lei 8112/90 possibilitará identificar a legislação especifica para
o funcionário público daquela época e a existência de normas que pudessem coibir a conduta
dos policiais, juizes e outros envolvidos na história que obtiveram sob tortura a confissão dos
irmãos Naves e testemunhas, culminando no maior erro judicial da história do Direito
brasileiro.
1
Trabalho Interdisciplinar apresentado ao conjunto de disciplinas do 5º período do Curso de Direito da
Faculdade Católica de Uberlândia – 1º semestre de 2009.
*
Aluna do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Católica de Uberlândia e pós-graduada em Planejamento
Estratégico e Sistema de Informação pela PUC MG. E-mail: soniaquites@yahoo.com.br.
**
Aluno do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail:
alissonrodovalho@hotmail.com
***
Aluno do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail:
weulercavalcante@hotmail.com
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1 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1937
Para a necessária compreensão dos problemas que enfrentaram as diversas
categorias de trabalhadores da época partimos da releitura da evolução histórica do país, a
partir do final da década de 1934, até o final do Estado Novo, 1945, comparando-o com o que
a legislação estabelece para os trabalhadores de hoje, sejam estes trabalhadores públicos ou
privados.
As reivindicações operárias por melhores condições de trabalho, salários e,
portanto, por melhores condições de vida, remontam à década de 1930, quando eram tratadas,
simplesmente, como “um caso de policia”. O tratamento da questão social começou a mudar a
partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas à presidência. A montagem de todo um
aparato estatal para regular as relações entre o capital e o trabalho teve como preocupação
primeira acalmar os conflitos de ordem social que se alastravam, especialmente nos grandes
centros urbanos do país, a fim de dar prosseguimento a objetivos mais amplos, como o de
promover o desenvolvimento da indústria no Brasil.
Ao longo da década de 1930, gradativamente, foi sendo regulamentado todo um
conjunto de leis trabalhistas que, mais tarde, em 1943, no final do Estado Novo, foram
sistematicamente organizadas num único documento, a Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT). As leis trabalhistas trouxeram garantias reais aos trabalhadores, mas, em contrapartida,
foram implementadas várias medidas, entendidas pelo governo como necessárias para que o
processo de industrialização se materializasse, mas que tolheram a liberdade de expressão dos
trabalhadores.
A Constituição brasileira de 1937, outorgada pelo presidente Getulio Vargas em
10 de novembro de 1937, cuja data coincide com o dia em que foi implantada a ditadura do
Estado Novo, é a quarta Constituição do Brasil, de conteúdo pretensamente democrático, e a
terceira da República. Foi, no entanto, uma carta política eminentemente outorgada,
mantenedora das condições de poder do presidente Getulio Vargas. É também conhecida
como Polaca, pois foi baseada na Constituição autoritária da Polônia. Foi redigida pelo jurista
Francisco Campos, com a ajuda de líderes integralistas e, logo em seguida à outorga da
Constituição, este foi nomeado Ministro da Justiça, cargo em que deve ter tido muito pouco
trabalho, pois sua própria Carta subordinava a Justiça aos desmandos do executivo.
A carta autoritária de 37 foi a primeira republicana autoritária que o Brasil teve:
atendeu a interesses de grupos políticos desejosos de um governo forte, que beneficiasse os
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dominantes burgueses e mais alguns, além de consolidar o domínio daqueles que se punham
ao lado.
A principal característica dessa Constituição era a enorme concentração de
poderes nas mãos do chefe do Executivo. Ficava a cargo do presidente da República a
nomeação das autoridades estaduais, os interventores. A esses, por sua vez, cabia nomear as
autoridades municipais. Foi através dessa centralização, que Getulio implantou um regime
autoritário de inspiração fascista que durou até o fim da II Grande Guerra e, ainda, consolidou
o seu governo, que começara provisoriamente em 1930.
A Constituição de 1937 deu origem a vários acontecimentos na história política do
Brasil que tem conseqüências até hoje; como exemplo, formou o grupo de oposição a Getulio
que culminou com o golpe militar de 1964. E este grupo, por sua vez, deu origem à
Constituição de 1967, a última Constituição republicana autoritária, até agora.
Mas, se analisarmos bem, perceberemos que, de lá pra cá, pouca coisa mudou. A
nomenclatura adotada hoje é de que a Constituição de 1988 é a Constituição cidadã.
Entretanto, na prática ela continua com a centralização das decisões nas mãos do presidente
da Republica de plantão ou, ainda, na barganha de cargos entre os três poderes, conforme o
desejo dos partidos políticos, que por sua vez, são manipulados pelos detentores do poder
econômico através da manutenção financeira das campanhas políticas.
2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO ANTES DA CLT
A história relata que antes, da CLT, os trabalhadores não tinham direitos legais;
não existia o descanso remunerado, o salário mínimo, férias remuneradas e outros benefícios
existentes na legislação contemporânea. É importante frisar que, anteriormente, vigorava a lei
da escravidão e que, sucessivamente ao longo da história, surgiram legislações especificas de
libertação dos escravos tais como: lei do ventre livre, dos sexagenários, até chegar-se a
abolição da escravatura. Sabe-se também que, com o fim da escravidão, os escravos não
sabiam o que fazer de suas vidas e, muito menos, como sustentá-las, optando por
permanecerem na casa dos senhorios ou, ainda, se amontoarem-se em grupos, originando as
primeiras favelas brasileiras.
A luta do trabalhador brasileiro por qualquer direito era concebida então como
“caso de policia”, e assim era tratada caso reivindicasse qualquer beneficio.
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Cabe relembrar que, no Brasil, enquanto os empresários tiveram participação ativa
na elaboração do Direito do Trabalho, os trabalhadores autônomos e independentes do Estado
ficaram alijados do processo de criação das leis que lhes diziam respeito.
Em tese, a política adotada no período de 1930 a 1964, que se dispunha a garantir
o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à subsistência, à propriedade e outros, inclusive, e
principalmente, os direitos trabalhistas, foi adotada por Vargas como uma estratégia de
dominação política que teve como principal objetivo conquistar o apoio do povo,
essencialmente para a manutenção do poder. Qualquer semelhança, nos dias de hoje, com o
programa “bolsa família” e outras políticas populistas ou a perpetuação da pobreza,
principalmente intelectual, é mera coincidência.
O Direito do Trabalho pode até ter tido um papel civilizatório nos países do
primeiro mundo, mas, indubitavelmente, não foi esse o caso no Brasil. Com o discurso de
implantação de direitos trabalhistas no Brasil, o governo Getúlio impôs elementos
antagônicos, que se conflitaram na pratica, pois, quanto mais direitos tivessem os
trabalhadores, pior para os empregadores burgueses.
Alguns direitos implantados no Brasil permanecem até os dias de hoje não porque
os governos ou o próprio Getulio foram sensíveis aos problemas dos trabalhadores nem
porque estes lutaram e reivindicaram seus desejos, mas como manipulação política dos
direitos trabalhistas.
A criação de norma trabalhista em nosso país aconteceu devido às
transformações que aconteceram na Europa em decorrência da primeira guerra mundial e do
aparecimento da OIT em 1919.
Muitos emigrantes no Brasil deram origem a movimentos operários que
reivindicaram melhores condições de trabalhos e remunerações; foi quando começou a surgir
uma política trabalhista idealizada por Getulio Vargas em 1930.
Em 1891, havia leis ordinárias que tratavam de trabalho de menores; em 1903, da
organização de sindicatos rurais e urbanos; em 1907, de férias. Em 1930, foi criado o
Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, que passou a expedir decretos, a partir de então,
sobre diversas profissões: o trabalho das mulheres, em 1932; salário mínimo, em 1936; e
justiça do trabalho, em 1939.
A primeira constituição brasileira, que tratou especificamente do direito do
trabalho, foi a de 1934, devido à influência do constitucionalismo social que versava sobre
garantia da liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de
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trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal e férias anuais
remuneradas.
Já na Carta Constitucional de 1937, uma Constituição corporativista, inspirada na
Constituição polaca de 1927, é a que aqui mais nos interessa, em razão da proposta assumida
para este trabalho, por que ela marca uma fase em que o Estado interferia nas relações de
trabalho. A Constituição brasileira de 1937 era clara, em seu art. 140, no sentido de que a
economia era organizada em corporações, consideradas órgãos do Estado, que exerciam
funções delegadas de poder público.
Segundo o sociólogo e jurista Oliveira Viana, a legislação trabalhista da época
tinha intervenção estatal devido o fato de o liberalismo econômico ser incapaz de preservar a
ordem social; daí a necessidade da intervenção do Estado para regular tais situações.
Nessa mesma Constituição foi instituído o sindicato único, imposto por lei, que
era vinculado ao Estado e exercia funções delegadas de poder público, podendo haver
intervenção estatal direta em suas atribuições. Como uma forma de submissão da entidade de
classe ao Estado, foi criado o imposto sindical. Foi estabelecida a competência normativa dos
tribunais do trabalho, que tinham por objetivo maior intervir nas relações entre trabalhadores
e empregadores.
Houve a necessidade de sistematização de várias regras esparsas que prescreviam
condutas relativas a várias áreas trabalhistas. O Decreto-Lei nº 5452, aprovando a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reuniu as leis esparsas existentes na época.
3 DECRETO-LEI Nº 1713, DE 28 DE OUTUBRO DE 1939.
Através deste Decreto buscou-se organizar a atividade do servidor público no
Brasil.
Ao estudá-lo percebe-se, curiosamente, que não há grandes diferenças entre o seu
conteúdo e o que está contido na lei atual, a 8112/90.
No Decreto-Lei 1.713, estão estabelecidos os direitos, deveres e responsabilidades
a serem cumpridos pelo servidor público. À época, o artigo 270, inciso I previa a
responsabilização do servidor que agisse por dolo, frouxidão, indolência, negligência ou
omissão. E, no inciso IV, estabelecia-se a responsabilidade do funcionário por quaisquer
abusos ou omissão que incorresse no exercício do cargo.
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No artigo 228, estava prevista a indenização à Fazenda Nacional de prejuízo
causado por funcionário, obrigando-o a repor a importância, de uma só vez, através de
desconto no salário.
Já, no artigo 230, estabelecia-se que a responsabilidade administrativa não eximia
o funcionário da responsabilidade civil ou criminal nos casos previstos em lei e que eram
cumulativos o pagamento de indenização e a pena disciplinar, inclusive com cassação de
aposentadoria.
4 LEI Nº 1711/52
Nessa Lei, em seu capitulo II, intitulado “dos deveres”, artigo 192, inciso V e
seguintes, previa a lealdade às instituições constitucionais e administrativas, a observância das
normas legais e regulamentares, a obediência às ordens superiores, exceto quando
manifestamente ilegais e levar ao conhecimento da autoridade superior irregularidade de que
tiver ciência em razão do cargo.
Esses dispositivos dão entendimento de que o funcionário poderia delatar o
excesso ou a irregularidade cometida por um superior. Entretanto, a prática desse dispositivo
foi e, ainda, o é hoje difícil, quando não impossível, de se praticar. Deduz-se que a ditadura e
a centralização de poder foram forças inibidoras para que tal processo se efetivasse. O artigo
195, por exemplo, diz: “Ao funcionário é proibido: referir-se de modo depreciativo em
informação, parecer ou despacho, às autoridades e atos da administração pública, podendo,
porém, em atos assinados, criticá-los sob o ponto de vista doutrinário ou da organização do
serviço.”
Essa lei foi mais clara que sua antecessora de 1939 ao estabelecer, no capitulo IV,
as responsabilidades do funcionalismo. O artigo 198 e seguintes estabelecia a
responsabilidade civil, penal e administrativa pelo exercício irregular de suas atribuições,
decorrentes de procedimento doloso ou culposo, que imputasse prejuízo à Fazenda Nacional
ou a terceiros. O parágrafo primeiro do artigo 197 estabeleceu a forma de indenização, de
forma semelhante ao Estatuto do Servidor de 1939, acrescido da utilização de outros bens que
respondessem pela indenização. O parágrafo 2º desse mesmo artigo chamou-nos a atenção por
tratar-se de dano causado a terceiros, que é o objeto do nosso estudo. Esse artigo foi assim
redigido: -“Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o funcionário perante a
Fazenda Nacional, em ação regressiva, proposta depois de transitar em julgado a decisão de
última instância que houver condenado a Fazenda a indenizar o terceiro prejudicado.”
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Os artigos seguintes trataram de estabelecer a responsabilidade civil, penal,
administrativa e as diversas penalidades disciplinares, inclusive demissão, conforme a
gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público.
5 RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO
O art. 442 da CLT estabelece que contrato de trabalho é o acordo tácito ou
expresso correspondente a relação de emprego. O artigo citado dispõe que o consentimento
pode ser expresso ou tácito. Ou seja, o empregador pode combinar com o empregado
expressamente chamando-o para trabalhar ou o empregado começa a trabalhar sem que o
empregador o chame até o serviço, colocando-o para trabalhar; aí o trabalhador realiza uma
atividade e o empregador não fala nada, assim ele consente e, desta forma, acontece o acordo
tácito a que se refere o art. 442 da CLT.
Contrato de trabalho é negocio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado)
se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não
eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica
juridicamente subordinado. Os elementos caracterizadores da relação de emprego são, por
conseguinte, a pessoa física do empregado, que presta trabalho de forma contínua, mediante
subordinação e recebendo uma contraprestação. Somente contendo estes requisitos poderá a
relação ser protegida pela CLT, pois somente a relação de emprego é protegida pela CLT e
poderá ser objeto de ação ajuizada perante a Justiça do Trabalho.
Relação de trabalho é o gênero que compreende o trabalho autônomo, eventual,
avulso etc. Relação de emprego trata do trabalho subordinado do empregado em relação ao
empregador.
Na relação de trabalho, não se encontram presentes os requisitos da relação de
emprego. Na primeira, não existe subordinação entre empregado e empregador; emprega-se a
expressão empregado autônomo ou empregado eventual.
O contrato de trabalho é gênero que compreende o contrato de emprego. Contrato
de trabalho poderia compreender qualquer trabalho, como o do autônomo, do eventual, do
avulso, do empresário etc. Contrato de emprego diz respeito à relação entre empregado e
empregador e, não, a outro tipo de trabalhador.
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6 A RELAÇÃO DE TRABALHO E EMPREGO NO CASO DOS IRMÃOS NAVES.
Levando-se a diferenciação entre relação de emprego e relação de trabalho até “O
Caso dos Irmãos Naves”, tentaremos definir a atividade prestada pelos irmãos Joaquim Rosa
Naves e Sebastião José Naves e, também, do primo dos citados, o comerciante de cereais
Benedito Pereira Caetano, do qual eram sócios os irmãos Naves.
Os mesmos eram comerciantes que compravam e vendiam cereais e outros bens
de consumo, como arroz, milho etc.
O problema começa por essa atividade, pois Benedito comprara com a ajuda de
seu pai uma enorme quantidade de arroz para vender durante uma possível alta nos preços.
Mas Benedito viu-se obrigado a vender sua safra com um grande prejuízo, pois os preços
estavam em uma constante queda, desta forma o mesmo contraiu ainda mais dívidas e
resolveu fugir sem avisar ninguém. Assim os Irmãos Naves foram acusados de latrocínio pelo
Delegado de Polícia Francisco Vieira dos Santos, que cometeu várias atrocidades.
De volta à matéria trabalhista e levando-se em consideração a atividade prestada
pelos comerciantes, podemos dizer que entre eles existia uma relação de emprego ou de
trabalho?
Não havia entre eles os elementos que caracterizam a relação de emprego:
empregado, prestação de serviço de forma contínua pelo trabalhador, mediante subordinação e
recebendo uma contraprestação. Assim, não podemos falar que entre eles existia uma relação
de emprego, mas, sim, de trabalho, pois entre eles não existia um empregador, eles eram
autônomos, trabalhavam por conta própria e não existia entre eles um superior aos quais os
restantes eram subordinados; eles trabalhavam de forma autônoma, mas juntos.
CONCLUSÃO
Conforme afirmamos, o caso dos Irmãos Naves é considerado o maior erro
judiciário da historia do Direito brasileiro. Joaquim e Sebastião Naves foram injustamente
acusados de assassinarem o primo Benedito. Eles foram condenados e cumpriram oito anos de
prisão, vindo um irmão a falecer e o outro a ficar mentalmente perturbado. Posteriormente,
descobriu-se que o primo supostamente assassinado estava vivo e não soubera de nada que se
passara com os primos erroneamente condenados. Por sete anos Sebastião e seu advogado
João Alamy Filho lutaram na justiça até 1960, quando conseguiram processar o Estado e
assim garantir a indenização devida à sua família e aos descendentes legais de seu irmão.
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Incontestável é a responsabilidade do Estado em relação a este erro judiciário de
gravíssimas conseqüências.
Entretanto, não vislumbramos em nenhum momento relatos de que o Estado tenha
tomado qualquer procedimento em relação aos funcionários que atuaram erroneamente no
caso. Tanto a legislação trabalhista quanto a do funcionário público previa que o Estado fosse
indenizado caso sofresse prejuízo por quaisquer abuso ou omissões que o funcionário
incorresse no exercício do cargo (art. 270 do D.Lei 1713/39).
Também os artigos 228 e 230 previram a indenização à Fazenda Nacional e,
ainda, além da responsabilidade administrativa, o funcionário deveria responder em processo
civil e criminal, caso instaurado.
Queremos frisar que, conforme relatado, o Estado era autoritário, centralizador e a
ação dos agentes públicos refletiam tal desmando. Com certeza, à época era comum a
violência policial, a tortura. O próprio juiz do caso, num dado momento se diz “escravo da
lei”. Isto deixa entender que o momento político vivenciado por eles era ainda de servidão ao
governo e, não, de serviço aos cidadãos.
Foi, com certeza, por este motivo que somente o Estado respondeu, segundo
antiga e iterativa jurisprudência, pelos motivos multitudinários, ou pelo fato das coisas do
serviço público, independentemente da culpa de seus agentes. Como o tenente também veio a
falecer antes da conclusão do processo de indenização e sendo ele o autor e mandante das
atrocidades cometidas, perdeu-se na história o responsável maior pelos erros do judiciário.
Não resta duvidas de que o tenente foi o indutor maior deste erro e dos malefícios causados às
vitimas e consequentemente ao ônus do Estado.
Com certeza, à época, não existiam os “direitos humanos” para proteger os
cidadãos e punir os excessos do Estado quando seus agentes e autoridades públicas são
arbitrários e abusam do poder, ultrapassando os limites da lei e da Constituição.
Mas, muito importante para a sociedade é que, ainda hoje, na legislação, consta
que as instituições públicas e seus servidores respondem por erro, má fé, incompetência
funcional, negligência, displicência, imprudência, por atos de corrupção de seus agentes, por
desvio de função e abuso de autoridade, quando seus legítimos representantes causam danos
morais e prejuízos materiais aos cidadãos..
A ditadura marcou cruelmente nossa história, ceifou vidas, mas nos dias atuais o
sistema democrático de governo viabiliza ao cidadão buscar meios que minimizem atos
contrários à liberdade e direitos do cidadão.
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REFERÊNCIAS
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BERNARDET, Jean-Claude. O caso dos irmãos Naves: chifre em cabeça de cavalo. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2004.
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______. Constituição (1934). Constituição da República Federativa de Brasil. Brasília,DF: Senado,
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______. Lei 27.049, de 12 de agosto de 1949. Dispõe sobre o repouso semanal. In: Obra coletiva de
autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio de Luiz de Toledo Pinto et all. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 1134.
______. Lei n. 605, de 5 de janeiro de 1949. Dispõe sobre o repouso semanal. In: Obra coletiva de
autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio de Luiz de Toledo Pinto et all. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 1133.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008.