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§ 14º Os crimes patrimoniais.
I. A estrutura do direito penal patrimonial.
CASO nº 14: A desloca-se ao Porto e como tem aí que fazer durante umas horas deixa o
carro numa estação de lavagens e recolhas, perto da Baixa. Depois voltará para pagar e levar o
carro, lavadinho e a reluzir como nos primeiros dias em que andou com ele. A meio da tarde,
B, que sempre se entusiasmou com aquela marca de automóveis, dirige-se à estação de
recolhas, onde é atendido pelo empregado C. Fingindo ser o dono do carro, paga e recebe de C
as chaves da viatura, ausentando-se nela, feliz por ter conseguido dar um golpe bem urdido e
melhor executado.
Responsabilidade de B e C.
A protecção de valores patrimoniais conta com diferentes tipos de ilícito no
direito penal vigente (Título II), desde o furto e o roubo, ao abuso de confiança,
burla, extorsão, infidelidade, receptação, furto de uso e dano. Existem outros
tipos de ilícito que não foram incluídos no título apontado mas que reflectem,
mais ou menos acentuadamente, a lesão ou o pôr em perigo de bens jurídicos
patrimoniais. Os que mais claramente fazem parte desse elenco são as
falsificações (artigos 255º e ss.) e alguns dos crimes de perigo comum (artigos
272º e ss.), que se dirigem a uma pluralidade indeterminada de bens jurídicos,
incluindo de índole patrimonial.
Podem apontar-se diferentes modalidades de acção (subtracção, engano ou
indução em erro, coacção, violação da confiança, etc.) e proceder ao
alinhamento conforme o bem jurídico protegido: crimes contra a propriedade,
crimes contra o património em geral e crimes contra direitos patrimoniais.
0A criminalidade económica está representada de modo difuso na parte especial do Código
pelas exigências de acentuada autonomização de que gozam os tipos de ilícito do que se
convencionou chamar o direito penal económico (Wirtschaftsstrafrecht). A este propósito,
acentua-se a ideia da subsidiaridade e fragmentaridade do direito penal no domínio
M. Miguez Garcia. 2000
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económico, pondo-se por vezes em confronto o direito penal económico com as categorias
e os princípios do direito penal patrimonial. Na parte geral do Código estão abertas vias
para a punição da actuação em nome de outrem, em contacto com a criminalidade ligada
às pessoas colectivas (artigos 11º e 12º). O regime legal das infracções antieconómicas
consta especialmente do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. Na doutrina nacional
revela-se do maior interesse, entre outros, a consulta dos seguintes trabalhos: Jorge de
Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade, Sobre os crimes de fraude na obtenção de
subsídio ou subvenção e de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, RPCC 4
(1994), p. 337; Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o crime antieconómico de açambarcamento,
Rev. de Direito e Economia (1976), p. 153; Eduardo Correia, Introdução ao direito penal
económico, Rev. de Direito e Economia, (1977), p. 3; Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da
Costa Andrade, Problemática geral das infracções contra a economia, BMJ-262; Carlos
Codeço, Delitos económicos. Decreto-Lei nº 28/84 (comentado). Legislação complementar,
1986; A. Henriques Gaspar, Relevância criminal de práticas contrárias aos interesses dos
consumidores, BMJ-448-37; Mário Ferreira Monte, Da protecção penal do consumidor,
dissertação de mestrado, 1966. Numa publicação do CEJ, com o título “Direito Penal
Económico”, 1985, reunem-se os textos de algumas conferências sobre o tema, podendo
destacar-se as de José Faria Costa, O direito penal económico e as causas implícitas de
exclusão da ilicitude, e de Manuel da Costa Andrade, A nova lei dos crimes contra a
economia (Dec.-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”. Cf., por
último, Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias,
Direito e Justiça, 2001, tomo 2; e Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de
bens da sociedade, Direito e Justiça, 2001, tomo 2. Ultimamente têm-se multiplicado os
casos de fraude na obtenção de subsídio ou subvenções e de desvio ilícito dos mesmos, de
fraude fiscal, de abuso de confiança fiscal e outros.
II. Crimes contra a propriedade. Crimes contra o património
São crimes contra a propriedade, entre outros, o roubo (210º), o furto (203º), o
abuso de confiança (205º), mas também o dano (212º). O bem jurídico protegido
é a propriedade sobre uma coisa determinada. “O Código adopta uma
concepção nuclear de crimes contra o património que mantém a propriedade
como bem jurídico principal, na interpretação que a doutrina e a jurisprudência
tradicionalmente deram ao conceito de propriedade para fins criminais” (Cunha
Rodrigues, p. 519). Ihering referia-se à propriedade como a periferia alargada
de uma pessoa e essa ideia pode ainda surpreender-se na sistemática do
M. Miguez Garcia. 2000
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Código. O bem jurídico protegido com essas normas incriminadoras é o poder
de fruição, de disposição e de gozo (artigo 1305º do CC), ou seja, o complexo de
direitos que traçam o perfil do direito de propriedade em sentido amplo
(Codeço, p. 333).
Relação de propriedade, relação de gozo. Acontece que a questão nem sempre
se esgota na simples relação de propriedade que é ofendida. Por ex., com o
crime de furto acontece coincidirem na vítima "as qualidade de proprietária e
fruidora do gozo (posse e mera posse) atinente à utilidades da coisa", mas em
muitos casos verifica-se "uma separação ou um corte, juridicamente aceite e até
tutelado, entre aquelas duas qualidades. Daí que em termos de lógica material,
e não na base de uma pura e estéril relação jurídica formal, custe a admitir-se
que, se entre o que tem a coisa e a própria coisa existe tão-só uma relação de
mera posse, se diga que o bem jurídico violado tenha sido a propriedade. Quem
é ofendido na fruição das utilidades que da coisa podem ser retiradas é, na
hipótese anterior, o mero possuidor. Daí que a relação jurídico-penalmente
relevante seja a relação de gozo". Cf. José de Faria Costa, Conimbricense, II, p. 31.
Sendo actualmente o crime de furto simples de natureza semi-pública (artigo
203º, nºs 1 e 3, e 113º e ss.), para efeitos de legitimidade quanto ao exercício do
direito de queixa, na questão da titularidade do interesse o que conta é a
disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de
representação jurídica (vd. desenvolvimentos no comentário citado do Prof.
Faria Costa).
O dano e o abuso de confiança são puros crimes contra a propriedade, mas no
roubo viola-se ainda a liberdade de determinação da vítima. A classificação
segundo a modalidade da acção mostra que no dano a lesão da propriedade se
esgota num acto unilateral de feição negativa, enquanto noutros a subtracção
tem por fim a deslocação patrimonial da coisa alheia de que o agente, ao
contrário do que acontece no dano, se quer apropriar. No abuso de confiança, o
agente, a quem a coisa alheia foi entregue por título não translativo da
propriedade, passa a dispor dela animo domini, de tal forma que o crime é,
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estruturalmente, a forma de apropriação mais simples. Outra distinção passa
pela punição do furto qualificado, onde se desenham dois escalões de diferente
gravidade, reflectida nas correspondentes molduras penais. A mesma
construção típica espelha-se no abuso de confiança, onde a forma mais grave
goza de um tratamento ainda assim menos severo face à norma homóloga do
furto. As situações de privilégio (artigo 207º), referidas tanto ao furto simples
como ao abuso de confiança simples, não têm expressão própria ao nível da
moldura penal, mas o respectivo procedimento criminal depende de acusação
particular. A restituição da coisa ou a reparação do prejuízo (artigo 206º), se
forem integralmente realizadas, conduzem à especial atenuação da pena, que é
apenas facultativa no caso de restituição ou reparação parcial. O Código prevê
ainda, por um lado, o furto de uso, mas unicamente de veículo (artigo 208º). A
diferença entre uso e apropriação da coisa é importante na prática, porque o
furto de uso não é geralmente punido. A apropriação ilegítima em caso de
acessão ou de coisa achada (artigo 209º) é também sancionada, mas de forma
menos severa do que o furto simples. A receptação (artigo 231º, nºs 1 e 2) é um
dos crimes contra direitos patrimoniais. Pode estar em causa uma coisa
determinada, mas o decisivo é a perpetuação de uma situação patrimonial
ilegítima. O artigo 259º (danificação ou subtracção de documento ou notação
técnica), pela sua amplitude, poderia estar incluído no capítulo dos crimes
contra direitos patrimoniais, mas, por uma questão de atracção material (razões
sistemáticas), achou-se preferível incluí-lo nas falsificações (Actas, acta da 14ª
sessão). O preceito tem uma grande amplitude, que porém se pode resumir pela
consideração teleológica da protecção da destinação probatória do documento.
Não está em causa o prejuízo resultante da sua destruição ou inutilização
(Actas, acta da 14ª sessão), isto é, uma perspectiva essencialmente económica,
que faria reverter a actuação para o âmbito dos crimes patrimoniais. É neste
domínio que se fala na função de filtro do conceito de documento. Logo se vê
que pode haver subtracção de documento que integre o crime de furto (ou de
roubo) e não o do artigo 259º. O desenho típico do artigo 259º acompanha em
parte o do artigo 212º (dano). O legislador combinou também aí diversas
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formulações teóricas, do mais grave ao menos grave, para melhor traduzir o
dano/violação (cf. as palavras do Prof. Faria Costa), igualmente implícito no
crime patrimonial de dano (“quem destruir, danificar ou tornar não utilizável
coisa alheia”). Em suma, se a coisa for descaracterizada, isto é, se não prevalecer
a sua função de documento (ou de notação técnica), a conduta do agente recai
na previsão dos artigos 203º (furto) ou 212º (dano).
CASO nº 14-A. Crime de subtracção de documento do artigo 259º, nº 1; crime
de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, alínea a).
A, tendo-se aproveitado do facto de, por engano, ter sido colocado, na sua caixa do correio um
vale postal dos CTT, destinado a outra pessoa, fica na posse do mesmo, e depois de ter forjado
um falso endosso, apondo no verso do título, pelo seu punho, uma assinatura com o nome do
beneficiário, depositou-o numa sua conta bancária, onde lhe foi creditado. Acórdão do STJ de
11 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 192.
Nos crimes contra o património em geral já não se trata da coisa
individualizada, como nos crimes contra a propriedade. O exemplo mais
importante dos crimes contra o património em geral é a burla (artigo 217º). É
certo que na burla o objecto da intenção do agente pode bem ser uma coisa
determinada, mas a final o que marca a diferença é a perda patrimonial sofrida.
Na burla são decisivos critérios de valor, não já a determinação da propriedade.
O objecto da extorsão (artigo 222º) pode ser qualquer disposição patrimonial e
isso a distingue do roubo, onde é uma coisa móvel alheia. Na usura (artigo 224º)
estão ainda em causa, por exemplo, a exploração de uma situação de
necessidade, de anomalia psíquica ou de fraqueza de carácter.
Bem jurídico protegido e estrutura dos crimes contra o património em geral.
Como se viu, nos crimes de “apropriação”, como o furto, o abuso de confiança e
o roubo, o objecto da acção é uma coisa determinada. Acontece o mesmo no
crime de dano em coisas — ainda que não deixe de se acentuar que a norma
que prevê e pune o dano visa proteger quem é ofendido na fruição das
utilidades que das coisas pode ser retirada, ou seja, o mero possuidor (acórdão
M. Miguez Garcia. 2000
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da Relação de Évora de 26 de Fevereiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 280). São
tipos de ilícito onde o bem jurídico protegido é a propriedade. Diferente é o
caso da burla, da extorsão ou da infidelidade, que são autênticos crimes
patrimoniais, onde está em causa, não tanto um determinado objecto, mas o
património em geral. Nestes não se pode dizer que a intenção do agente se
dirige a uma coisa determinada, pois as relações de proprietário desempenham
neles um papel menor. O que sobretudo está em causa é a causação de um
prejuízo patrimonial como elemento do crime, opera-se agora com um critério
de prejuízo referido à situação patrimonial do lesado entendida como um todo.
Por outro lado, a intenção do agente é dirigida a uma vantagem patrimonial: o
agente actua com ânimo de enriquecimento, embora haja excepções, como na
"infidelidade", onde se prescinde deste elemento.
O bem jurídico protegido é o património, o património como um todo, mas na
extorsão (artigo 222º) encontra-se ainda protegida a liberdade de determinação do
sujeito. No auxílio material (artigo 232º) o objecto do auxílio será normalmente
uma vantagem patrimonial, mas na 1ª Comissão revisora reconheceu-se que a
tutela estava igualmente associada a valores de ordem moral ou outros. Na
infidelidade (artigo 224º), há quem descortine a protecção de uma especial
relação de confiança. Na burla (artigo 217º), onde ressalta o elemento engano,
pretende-se que a verdade e a honestidade no tráfico estão também protegidas. É
um modo de ver que entronca na história deste crime, pois a burla já foi vista
como um crime de perfídia, era estelionato, à imagem da salamandra, animal
que exposto aos raios solares toma cores diferentes.
Historicamente, a burla está associada às falsificações (crimen falsi) e ao furto, de que só
começou a distanciar-se nos tempos da Revolução francesa. Na sua conformação actual, a burla
é produto de uma sociedade evoluída, “é filha do século dezanove”. Desprendeu-se a certa
altura de uma específica actuação (por ex., a falsificação de um documento) e fixou-se num
resultado — o prejuízo patrimonial. Reconheceu-se que era essencial agir “con altrui dano” (cf.,
por ex., o artigo 640 do Código Penal italiano de 1930). Quando, a seguir, se chegou à
conclusão de que “il danno deve avere indole economica”, o ilícito passou a situar-se
inequivocamente na órbita dos crimes patrimoniais.
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III. Os crimes contra o património em geral e o património. Noção jurídica.
Noção económica. Noção mista de património.
“A discussão em torno do conceito jurídico-penal de património foi iniciada pela doutrina
germânica e os termos em que se desenvolveu foram-lhe postos pela tipificação da causação de
um prejuízo patrimonial como elemento do crime de burla (§ 263 do StGB) já que a verificação
do prejuízo implica, naturalmente, a definição da coisa prejudicada. Em consequência, a
disputa doutrinal centrou-se no crime de burla” (Pedro Caeiro, p. 63). Ainda assim, o conceito
é válido também para a extorsão e a infidelidade. Ora, “quando o BGH caracterizou o
património como “a soma de todos os bens avaliáveis em dinheiro depois de subtraídas as
dívidas” não fez mais do que comprimir numa fórmula um dos possíveis significados da noção
de património” (Eser, p. 100). É a concepção económica, em certa altura dominante. As outras
são a concepção jurídica e a jurídico-económica.
A noção jurídica de património de um sujeito de direito exprime-se na “soma de todos os seus
direitos e obrigações patrimoniais” (Binding, Merkel), sem se ter em atenção o correspondente
valor económico. Prejuízo patrimonial identifica-se com a perda de direitos, conforme a noção
corrente no direito civil. Existem, todavia, situações em que a coisa, ainda que desprovida de
valor económico objectivo, tem um valor de ordem subjectiva para quem a possui. A perda de
um direito, por exemplo, o direito de propriedade sobre uma coisa que não é suceptível de
apreciação pecuniária, justifica a intervenção do direito penal desde que o objecto seja dotado
de um sério valor afectivo, convocando a incriminação do facto e, por acréscimo, a reparação
do dano moral respectivo. Tal objecto não pode, portanto, considerar-se estranho ao
património do lesado (Manso-Preto, p. 547). Além disso, como tratar certas “posições” ou
certos valores económicos ainda não consubstanciados em direitos, como as relações
comerciais, o “know how”, ou uma ideia revolucionária do ponto de vista técnico que não
passou ainda da cabeça do seu inventor? (cf. Blei, p. 216). Por isso, no outro extremo, há quem
sustente que a ideia de património é em primeira linha uma noção da vida económica:
património é poder económico, é tudo aquilo que tem valor do ponto de vista das relações
económicas de uma pessoa, o complexo dos seus bens empiricamente avaliáveis em dinheiro,
ou o conjunto dos bens que estão no seu poder de disposição. Os direitos serão patrimoniais na
medida do seu valor económico, havendo valores económicos de feição patrimonial
independentemente da sua integração jurídica na forma de propriedade, direitos de autor, etc.,
isto é, à margem da sua tutela por um direito subjectivo “(expectativas, chances, titularidades),
mas carecidas de tutela penal” (Pedro Caeiro, p. 65).
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O conceito estritamente económico mostra-se igualmente pouco satisfatório. Num exemplo
corrente, se alguém se apropria de coisa alheia e no lugar dela deixa o valor correspondente em
dinheiro, não haveria furto, por falta da correspondente diminuição patrimonial. Por outro
lado, qualquer diminuição de utilidades teria como equivalente necessário um dano
patrimonial. A crítica principal a uma concepção assim moldada é a da protecção que concede
a “posições” patrimoniais ilegítimas, que se encontram “proibidas ou qualificadas como ilícitas
por outros ramos de direito” (Figueiredo Dias, Crime de emissão de cheque sem provisão, parecer,
in CJ, ano XVII (1992), p. 71). Ninguém dirá que faz parte do património um plano infalível e
cuidadosamente elaborado para assaltar um banco ou a posse de uma quantidade apreciável
de dinheiro falso, já que não há maneira de o converter por processos que não sejam proibidos.
A opinião geralmente acolhida vale-se da noção mista de património: o património é o
conjunto unitário de posições com valor económico (concepção económica), mas cobre-se com
o manto da protecção da ordem jurídica. O património abrange assim o conjunto das
“situações” e “posições” com valor ou utilidade económica, de que é titular uma pessoa,
“protegidas pela ordem jurídica” (Welzel) ou “pelo menos sem serem por ela desaprovadas”
(Gallas). É a soma dos bens economicamente valiosos que uma pessoa detém com a aprovação
do ordenamento jurídico (“unter Billigung der rechtlichen Güterordnung innehat”: Cramer,
apud Harro Otto, p. 207; ainda, Figueiredo Dias, parecer, cit.). Ou, na lição de Blei, “devem
incluir-se no património todas aquelas “posições” com valor económico que pelo menos
possam ser realizadas por vias que não sejam proibidas pelo direito.” Reconhece-se assim a
inclusão no conceito de património, além dos direitos subjectivos patrimoniais (v. g., a
propriedade ou a posse), a que se restringe a tese jurídica, dos "lucros cessantes e demais
expectativas de obtenção de vantagens económicas” (Figueiredo Dias, parecer, cit.;
Dreher/Tröndle, p. 1298). Como tal, são objecto de protecção no âmbito dos crimes
patrimoniais.
A propósito do crime de burla. No plano prático, a jurisprudência em matéria
de burla constituiu desde sempre uma amostra completa e muitas vezes
pitoresca da sociedade. Qualquer sociólogo tenderia a ver nas decisões mais
recentes um reflexo das grandes particularidades da nossa época.
* A, intermediário na venda de uma fracção de imóvel para habitação, celebrou um contrato-
promessa com o comprador (B); fez constar nesse documento como valor de venda o de 2900
contos e que recebera “a título de sinal e princípio de pagamento”, a quantia de 150 contos.
Todavia, i) o preço para a venda fixado pelo dono (C) fora de 3000 contos e o que A veio a
acordar com o adquirente foi o de 3050 contos; ii) este entregou àquele a quantia de 300 contos
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como sinal e princípio de pagamento; iii) o arguido interveio na qualidade de gestor de
negócios do queixoso, bem sabendo que não dispunha de poderes para esse efeito (acórdão do
STJ de 17 de Junho de 1993, BMJ-428-297).
* Cometem o crime de burla dois indivíduos (A e B) que determinam terceiro (C) a entregar-
lhes dinheiro, mediante persuasão de que um deles tinha o poder suposto de fabricar notas e
lhe ia ensinar a fabricá-las (ac. do STJ de 14 de Outubro de 1959, BMJ-90-413).
* "O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente
se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar. O burlado,
nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros por que
tem um falso conhecimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no
caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser
induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o
erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente, perante o erro já
existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou
omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele. O segundo momento do crime de
burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais. Tem de existir uma relação entre
os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente
defraudar o património de terceiros ou do burlado. Mas se o engano é mantido ou produzido e
se lhe segue o enriquecimento ilegítimo—no sentido civil do termo, aquele que não
corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito—em prejuízo da vítima, não há
lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da
mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em
erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima
não pode constituir uma desculpa para o agente. O ofendido entregou ao arguido a quantia de
4.000.000$00, sabendo que este, na altura, aceitava depósitos em dinheiro, sobre os quais
pagava o mesmo juro da Organização D. Branca — 10 % ao mês — e este aceitou esse depósito
comprometendo-se a pagar os juros mensais de 10% sobre ele. Por sua vez, o réu
comprometeu-se perante o ofendido a pagar-lhe juros mensais de 10% sobre a quantia
depositada. Nesta parte do processo causal reside o engano em que o réu fez cair o ofendido
que lhe entregou a aludida importância tão-só por estar convencido de que o réu detinha tal
quantia e estava em condições de pagar juros mensais de 10 por cento. O engano utilizado pelo
réu, para se apropriar de bens do ofendido, consistiu precisamente no facto de lhe prometer
pagar juros de 10 por cento ao mês, sabendo de antemão que tal lhe era impossível, estando
numa situação económica difícil e tendo vendido muitos dos seus bens de raiz. A inverosímil
ingenuidade do ofendido não pode constituir desculpa para o agente. O certo é que o arguido
pagou ao ofendido tão só 100 contos respeitante a juros, tendo-se ausentado para fora do país,
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sabendo o réu que estava a provocar uma diminuição patrimonial ao ofendido. Tem-se assim
verificado: o engano do ofendido, a prática de actos causadores de prejuízo patrimonial com o
consequente enriquecimento ilegítimo" (ac. do STJ, de 19 de Dezembro de 1991/12/91, BMJ-
412-234.
* No crime de burla é necessário que o elemento “agir astuciosamente” se junte limitativamente
ao dolo específico, de tal forma que, mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o
modo pelo qual se realiza essa intenção se revele engenhoso, enganoso, criando a aparência de
realidades que não existem, ou falseando directamente a realidade. O arguido, que obteve um
empréstimo com a alegação de que o mesmo se destinava à compra de um armazém, que,
depois, daria de hipoteca ao credor, livre de quaisquer ónus ou encargos, fazendo-se a prova
de que o credor não lhe concederia tal empréstimo se soubesse que, afinal, ele já tinha, não
apenas comprado o armazém, como até arrendado, comete um crime de burla. Este crime tem
como requisitos que o agente: - tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um
enriquecimento ilegítimo; - com tal objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o
ofendido sobre factos; - e dessa forma determine o mesmo ofendido à prática de actos que
causem a este, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Quanto ao elemento
“astuciosamente”, estão a doutrina e a jurisprudência de acordo em que se trata de uma
exigência que se vem juntar limitativamente ao dolo específico (v. Actas da Comissão Revisora
do Cód. Penal, 1979, pág. 138, e Cód. Penal Anotado, Maia Gonçalves, 3ª ed., 464), de tal forma
que, “mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa
intenção tem de se revelar engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não
existem (dizendo ou fazendo crer que existe o que não existe) ou falseando directamente a
realidade (manifestando expressamente uma mentira)” (ac. da Relação de Coimbra, de 1 de
Junho de 1983, Col. Jur., Ano VIII, t. 3, pág. 98).
* Pratica o crime de burla prevista no artigo 313º, nº 1, do CP-82, aquele que atribui ao veículo
qualidades que este não tem e que ele bem sabia não ter, ao mesmo tempo que oculta defeitos
graves que conhecia e não revelou, sendo que sem tais falsidades e sem as omissões cometidas
não teria obtido a adesão do comprador (acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1993, BMJ-423-214)
(nota: em sentido contrário, o ac. do STJ de 4.11.87, cit. em Maia Gonçalves, Cód. Penal, anot. ao
artº 313º).
* São elementos constitutivos do crime de burla: o intuito de obter enriquecimento ilegítimo,
através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente determinem outrem à prática de
actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Integra o elemento
enganoso, o facto de os arguidos após prévio acordo se dirigirem ao ofendido, fazendo-lhe crer
que eram pessoas sérias e de boa capacidade económica, prontificando-se a emitir cheques e
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letras, tendo com base nisso obtido a entrega do veículo por parte do ofendido (acórdão do STJ
de 31 de Janeiro de 1996, processo nº 48746 - 3ª Secção, Internet).
* Comete o crime de burla o arguido que induz o ofendido em erro tendo-lhe referido que
mediante a entrega de uma quantia monetária podia falar com o examinando para que este lhe
facilitasse a feitura do exame de condução (ac. do STJ de 14 de Fevereiro de 1996, processo nº
48597 - 3ª Secção, Internet).
* Comete o crime de burla o arguido que faz publicar um anúncio num jornal para venda de
um terreno, dizendo que este era óptimo para construção, disso convencendo o ofendido, que
lho comprou, quando bem sabia que a construção era ali proibida (acórdão do STJ de 5 de
Junho de 1996, CJ, ano IV (1996, t. 2, p. 191).
* Toda a actuação demonstra um complexo estratagema destinado a enganar o sujeito passivo,
iludindo a sua boa fé e levando-o a uma falsa representação da realidade de que resultou (e
aqui está a chamada relação causa-efeito) agir ela contra o seu património. Nessa actuação está
patente o urdimento com exteriorização enganatória, significante da astúcia. As manobras
foram colimadas a criar junto do ministério a "aparência" de uma determinada realidade não
existente e se o ministério pagou no convencimento dessa realidade (e, portanto, devido a esse
convencimento em que foi induzido por tais manobras), é inegável que existe uma relação de
adequação de meio para fim. Se (primeiro momento), com a intenção de enriquecimento
ilegítimo (e é ilegítimo aquele que não corresponde a qualquer direito), o agente convence o
sujeito passivo de uma falsa representação da realidade (e o erro ou engano nisso consistem),
mediante manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as
circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até aos
mais elaborados artifícios) adrede realizadas, e com isso consegue (segundo momento) que
esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízos patrimoniais, está perfeito o
crime de burla, sendo que o enriquecimento ilegítimo é em regra concomitante (como duas
faces da mesma moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir uma
relação de causa-efeito entre o primeiro e o segundo momentos (acórdão do STJ de 29 de
Fevereiro de 1996, BMJ-454-531; também publicado e anotado na RPCC 6 (1996).
* Pratica o crime de burla o causídico que, tendo sido nomeado patrono oficioso do ofendido
para propor uma acção de divórcio e tendo proposto uma acção de divórcio por mútuo
consentimento no âmbito do patrocínio, obteve do ofendido uma procuração em que este lhe
concedia "amplos poderes forenses", sem lhe dar qualquer explicação sobre a finalidade a que a
destinava e, depois, veio a conseguir que ele lhe entregasse a importância de 10 contos
(acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 1991, CJ, XVI (1991), t. 1, p. 91); *
Pratica o crime de burla, e não de abuso de confiança, o advogado que, após receber da
seguradora um cheque destinado ao seu cliente, o falsifica e obtém o seu pagamento junto do
M. Miguez Garcia. 2000
12
Banco (apôs no verso do cheque uma assinatura como se fosse a do ofendido e como se este lhe
tivesse transmitido o título), causando prejuízos ao titular do cheque.
* Comete um crime de burla agravada dos artigos 313º e 314º, c), do CP de 82, o arguido que,
convence a queixosa, sua tia, a transferir todo o seu dinheiro (4.509.050$00) que tinha
depositado, em duas contas a prazo no banco F..., para o balcão do Banco Z..., em Mangualde, e
a colocá-lo em nome dela, dele (arguido) e de sua esposa e dele se apodera depois, através da
execução de um plano, contra a vontade da ofendida (acórdão do STJ de 23-01-1997, processo
n.º 171/90, Internet).
* Praticam um crime de burla os arguidos que, na sequência de contrato-promessa de compra e
venda de fracção de um imóvel realizado com a queixosa, continuamente lhe asseguram a
celebração da escritura do contrato prometido para o mês seguinte, sabendo, no entanto, que a
sociedade não tinha capacidade financeira para distratar a hipoteca e que, por conta de tal
contrato, dela vão recebendo diversas quantias em dinheiro. Acórdão do STJ de 24 de Abril de
1997, BMJ-466-257
* Cometem um crime de burla um sargento e outros militares do exército, os quais, mediante
promessas enganosas, de livrarem mancebos do serviço militar, conseguem que estes lhes
entreguem quantias em dinheiro, que gastam em seu proveito. Oscilando entre os 20.000$00 e
os 180.000$00 as quantias de que os arguidos, astuciosamente, se apropriaram, em prejuízo dos
ofendidos, a esta última quantia (180.000$00) corresponde a "conduta mais grave" a ter em
conta na punição do crime continuado art.º 30, n.º 2 e 79, ambos do CP, revisto em 1995. Não
sendo a importância de 180.000$00, de valor "consideravelmente elevado", estamos perante em
face de um crime de burla simples.
* É teoricamente enquadrável no crime de burla a conduta de quem, sabedor de que se
encontra em estado de pré-falência, e com o propósito de não efectuar o respectivo pagamento,
consegue obter um empréstimo para financiamento das suas actividades, mediante a falsa
alegação de possuir uma situação financeira desafogada. Acórdão da Rel. Lisboa de 30 de
Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 183.
Sendo o erro e o engano elementos do tipo da burla têm que estar em relação,
dum lado, com os meios empregues pelo burlão, do outro, com os actos que vão
directamente defraudar o património do lesado. A conduta astuciosa do burlão
motiva o erro ou engano; em consequência do erro ou engano, a vítima passa ao
acto de que resulta o prejuízo patrimonial.
Outras indicações de leitura.
M. Miguez Garcia. 2000
13
1Acórdão do TC nº 232/2002 de 28 de Maio de 2002, DR II série de 18 de Julho de 2002: valor
consideravelmente elevado. Unidade de conta processual.
2Acórdão da Relação de Évora de 19 de Fevereiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 280: crime de
dano; bem protegido; legitimidade do arrendatário. A norma que prevê e pune o crime de
dano visa proteger quem é ofendido na fruição das utilidades que das coisas pode ser
retirada.
3Acórdão do STJ de 27 de Abril de 2000, BMJ-496-51: burla, valor consideravelmente elevado.
4Acórdão do STJ de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 222: burla informática.
5Lopes de Almeida et al., Crimes contra o património em geral, s/d.
6Panchaud et al., Code Pénal Suisse anoté, 1989.
7Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979.
8Albin Eser, in Schönke/Schröder, Strafgesetzbuch, Kommentar, 25ª ed., 1997.
9Albin Eser, Strafrecht IV, Schwerpunkt, Vermögensdelikte, 4ª ed., 1983.
10Alfredo José de Sousa, Infracções fiscais (não aduaneiras), 3ª ed., Coimbra, 1997.
11Américo Marcelino, Furto por introdução em casa alheia, Rev. do Ministério Público, ano 10
(1989), nº 39.
12António Miguel Caeiro Júnior, Algumas considerações sobre o objecto jurídico no crime de
furto, BMJ-18-5.
13Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos patrimoniales y
económicos, 1993.
14Bajo Fernández, A reforma dos delitos patrimoniais e económicos, RPCC 3 (1993), p. 499.
15Candido Conde-Pumpido Ferreiro, Apropiaciones indebidas, 1997.
16Carlos Alegre, Crimes contra o património, Revista do Ministério Público, 3º caderno.
17Carlos Codeço, O Furto no Código Penal e no Projecto, 1981.
18Cavaleiro de Ferreira, A violência contra as coisas como agravante do crime de furto, in O
Direito, ano 74º.
19Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, 1993.
20Cunha Rodrigues, Os crimes patrimoniais e económicos no Código Penal Português, RPCC,
3 (1993).
21David Borges de Pinho, Dos Crimes contra o Património e contra o Estado no novo Código
Penal.
22Dreher/Tröndle, Strafgesetzbuch und Nebengesetze, 47ª ed., 1995.
23F. Haft, Strafrecht, BT, 5ª ed., 1995.
24F. Puig Peña, Derecho Penal, Parte especial, vol. IV.
25Fernanda Palma e Rui Pereira, O crime de burla no Código Penal de 1982-95, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXXV, 1996, p. 329.
M. Miguez Garcia. 2000
14
26Foregger/Serini, StGB, 11ª ed., 1991.
27Francisco Candil Jiménez, En torno al furtum possessionis, in Libro Homenaje al Prof. J.
Anton Oneca, Ed. Universidad de Salamanca, 1982, p. 617 e ss.
28Frederico Isasca, O projecto do novo Código Penal (Fevereiro de 1991) uma primeira leitura
adjectiva, RPCC 1 (1993), p. 67 e ss.
29Frederico Lacerda Costa Pinto, Direito Penal II (1992/93).
30Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de bens da sociedade, Direito e
Justiça, 2001, tomo 2.
31Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e
Justiça, 2001, tomo 2.
32G. Stratenwerth, Schweizerisches Strafrecht, BT I, 4ª ed., 1993.
33H. Blei, Strafrecht II, BT, 12ª ed., 1983.
34Harro Otto, Grundkurs Strafrecht, BT, 3ª ed., 1991.
35J. C. Moitinho de Almeida, Publicidade enganosa, Arcádia, s/d [1974].
36J. Figueiredo Dias/M. Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito penal
tributário português (Considerações sobre a Faculdade Típica e o Concurso de Infracções),
RPCC 6 (1996), p. 71.
37J. Wessels, Strafrecht, BT-2, 16ª ed., 1993.
38Joaquim Malafaia, A insolvência, a falência e o crime do artigo 228º do Código Pena, RPCC
11 (2001).
39Jorge de Figueiredo Dias, Algumas notas sobre o crime de participação económica de
funcionário em negócio ilícito, previsto pelo artigo 427º, nº 1, do Código Penal, RLJ, ano
121º, nº 3777, p. 379 e ss.
40José António Barreiros, Crimes contra o património, 1996.
41José de Faria Costa, Conimbricense II, comentário ao art. 203º.
42Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, II, 3ª ed., 1993.
43Leal-Henriques - Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, Lisboa, 1987.
44Luis Osório, Notas ao Código Penal Português, vol. 4º, 1925.
45M. Delmas-Marty, Droit Pénal des Affaires, 1973.
46M. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8ª ed., 1995.
47Magalhães Noronha, Crimes contra o património, BMJ-138-41.
48Manso-Preto, Novos aspectos da punição do crime de furto segundo o projecto de revisão do
Código Penal de 1982, RPCC 4 (1991).
49Maria Fernanda Palma, Aspectos penais da insolvência e da falência, Rev. da Fac. Dir. da
Univ. de Lisboa, vol. 36, 1995.
M. Miguez Garcia. 2000
15
50Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 11ª ed. revisada e puesta al día conforme al
Código Penal de 1995, 1995.
51Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 8ª ed., 1990.
52Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais (o património, a falência, a sua
incriminação e a reforma dela), 1996.
53Quintero Olivares/Muñoz Conde, La reforma penal de 1983, 1983.
54Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal applicada ao Código Penal Portuguez, vol. VIII, 1857.
55T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed., 1990.
56V. Manzini, Trattato di Diritto Penale Italiano, vol. 9, 1984.
57Volker Krey, Strafrecht, B. T., Band 2, Vermögensdelikte, 10ª ed., 1995.
M. Miguez Garcia. 2000

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14 os crimes patrimoniais

  • 1. 1 § 14º Os crimes patrimoniais. I. A estrutura do direito penal patrimonial. CASO nº 14: A desloca-se ao Porto e como tem aí que fazer durante umas horas deixa o carro numa estação de lavagens e recolhas, perto da Baixa. Depois voltará para pagar e levar o carro, lavadinho e a reluzir como nos primeiros dias em que andou com ele. A meio da tarde, B, que sempre se entusiasmou com aquela marca de automóveis, dirige-se à estação de recolhas, onde é atendido pelo empregado C. Fingindo ser o dono do carro, paga e recebe de C as chaves da viatura, ausentando-se nela, feliz por ter conseguido dar um golpe bem urdido e melhor executado. Responsabilidade de B e C. A protecção de valores patrimoniais conta com diferentes tipos de ilícito no direito penal vigente (Título II), desde o furto e o roubo, ao abuso de confiança, burla, extorsão, infidelidade, receptação, furto de uso e dano. Existem outros tipos de ilícito que não foram incluídos no título apontado mas que reflectem, mais ou menos acentuadamente, a lesão ou o pôr em perigo de bens jurídicos patrimoniais. Os que mais claramente fazem parte desse elenco são as falsificações (artigos 255º e ss.) e alguns dos crimes de perigo comum (artigos 272º e ss.), que se dirigem a uma pluralidade indeterminada de bens jurídicos, incluindo de índole patrimonial. Podem apontar-se diferentes modalidades de acção (subtracção, engano ou indução em erro, coacção, violação da confiança, etc.) e proceder ao alinhamento conforme o bem jurídico protegido: crimes contra a propriedade, crimes contra o património em geral e crimes contra direitos patrimoniais. 0A criminalidade económica está representada de modo difuso na parte especial do Código pelas exigências de acentuada autonomização de que gozam os tipos de ilícito do que se convencionou chamar o direito penal económico (Wirtschaftsstrafrecht). A este propósito, acentua-se a ideia da subsidiaridade e fragmentaridade do direito penal no domínio M. Miguez Garcia. 2000
  • 2. 2 económico, pondo-se por vezes em confronto o direito penal económico com as categorias e os princípios do direito penal patrimonial. Na parte geral do Código estão abertas vias para a punição da actuação em nome de outrem, em contacto com a criminalidade ligada às pessoas colectivas (artigos 11º e 12º). O regime legal das infracções antieconómicas consta especialmente do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. Na doutrina nacional revela-se do maior interesse, entre outros, a consulta dos seguintes trabalhos: Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade, Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, RPCC 4 (1994), p. 337; Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o crime antieconómico de açambarcamento, Rev. de Direito e Economia (1976), p. 153; Eduardo Correia, Introdução ao direito penal económico, Rev. de Direito e Economia, (1977), p. 3; Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade, Problemática geral das infracções contra a economia, BMJ-262; Carlos Codeço, Delitos económicos. Decreto-Lei nº 28/84 (comentado). Legislação complementar, 1986; A. Henriques Gaspar, Relevância criminal de práticas contrárias aos interesses dos consumidores, BMJ-448-37; Mário Ferreira Monte, Da protecção penal do consumidor, dissertação de mestrado, 1966. Numa publicação do CEJ, com o título “Direito Penal Económico”, 1985, reunem-se os textos de algumas conferências sobre o tema, podendo destacar-se as de José Faria Costa, O direito penal económico e as causas implícitas de exclusão da ilicitude, e de Manuel da Costa Andrade, A nova lei dos crimes contra a economia (Dec.-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”. Cf., por último, Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e Justiça, 2001, tomo 2; e Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de bens da sociedade, Direito e Justiça, 2001, tomo 2. Ultimamente têm-se multiplicado os casos de fraude na obtenção de subsídio ou subvenções e de desvio ilícito dos mesmos, de fraude fiscal, de abuso de confiança fiscal e outros. II. Crimes contra a propriedade. Crimes contra o património São crimes contra a propriedade, entre outros, o roubo (210º), o furto (203º), o abuso de confiança (205º), mas também o dano (212º). O bem jurídico protegido é a propriedade sobre uma coisa determinada. “O Código adopta uma concepção nuclear de crimes contra o património que mantém a propriedade como bem jurídico principal, na interpretação que a doutrina e a jurisprudência tradicionalmente deram ao conceito de propriedade para fins criminais” (Cunha Rodrigues, p. 519). Ihering referia-se à propriedade como a periferia alargada de uma pessoa e essa ideia pode ainda surpreender-se na sistemática do M. Miguez Garcia. 2000
  • 3. 3 Código. O bem jurídico protegido com essas normas incriminadoras é o poder de fruição, de disposição e de gozo (artigo 1305º do CC), ou seja, o complexo de direitos que traçam o perfil do direito de propriedade em sentido amplo (Codeço, p. 333). Relação de propriedade, relação de gozo. Acontece que a questão nem sempre se esgota na simples relação de propriedade que é ofendida. Por ex., com o crime de furto acontece coincidirem na vítima "as qualidade de proprietária e fruidora do gozo (posse e mera posse) atinente à utilidades da coisa", mas em muitos casos verifica-se "uma separação ou um corte, juridicamente aceite e até tutelado, entre aquelas duas qualidades. Daí que em termos de lógica material, e não na base de uma pura e estéril relação jurídica formal, custe a admitir-se que, se entre o que tem a coisa e a própria coisa existe tão-só uma relação de mera posse, se diga que o bem jurídico violado tenha sido a propriedade. Quem é ofendido na fruição das utilidades que da coisa podem ser retiradas é, na hipótese anterior, o mero possuidor. Daí que a relação jurídico-penalmente relevante seja a relação de gozo". Cf. José de Faria Costa, Conimbricense, II, p. 31. Sendo actualmente o crime de furto simples de natureza semi-pública (artigo 203º, nºs 1 e 3, e 113º e ss.), para efeitos de legitimidade quanto ao exercício do direito de queixa, na questão da titularidade do interesse o que conta é a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica (vd. desenvolvimentos no comentário citado do Prof. Faria Costa). O dano e o abuso de confiança são puros crimes contra a propriedade, mas no roubo viola-se ainda a liberdade de determinação da vítima. A classificação segundo a modalidade da acção mostra que no dano a lesão da propriedade se esgota num acto unilateral de feição negativa, enquanto noutros a subtracção tem por fim a deslocação patrimonial da coisa alheia de que o agente, ao contrário do que acontece no dano, se quer apropriar. No abuso de confiança, o agente, a quem a coisa alheia foi entregue por título não translativo da propriedade, passa a dispor dela animo domini, de tal forma que o crime é, M. Miguez Garcia. 2000
  • 4. 4 estruturalmente, a forma de apropriação mais simples. Outra distinção passa pela punição do furto qualificado, onde se desenham dois escalões de diferente gravidade, reflectida nas correspondentes molduras penais. A mesma construção típica espelha-se no abuso de confiança, onde a forma mais grave goza de um tratamento ainda assim menos severo face à norma homóloga do furto. As situações de privilégio (artigo 207º), referidas tanto ao furto simples como ao abuso de confiança simples, não têm expressão própria ao nível da moldura penal, mas o respectivo procedimento criminal depende de acusação particular. A restituição da coisa ou a reparação do prejuízo (artigo 206º), se forem integralmente realizadas, conduzem à especial atenuação da pena, que é apenas facultativa no caso de restituição ou reparação parcial. O Código prevê ainda, por um lado, o furto de uso, mas unicamente de veículo (artigo 208º). A diferença entre uso e apropriação da coisa é importante na prática, porque o furto de uso não é geralmente punido. A apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada (artigo 209º) é também sancionada, mas de forma menos severa do que o furto simples. A receptação (artigo 231º, nºs 1 e 2) é um dos crimes contra direitos patrimoniais. Pode estar em causa uma coisa determinada, mas o decisivo é a perpetuação de uma situação patrimonial ilegítima. O artigo 259º (danificação ou subtracção de documento ou notação técnica), pela sua amplitude, poderia estar incluído no capítulo dos crimes contra direitos patrimoniais, mas, por uma questão de atracção material (razões sistemáticas), achou-se preferível incluí-lo nas falsificações (Actas, acta da 14ª sessão). O preceito tem uma grande amplitude, que porém se pode resumir pela consideração teleológica da protecção da destinação probatória do documento. Não está em causa o prejuízo resultante da sua destruição ou inutilização (Actas, acta da 14ª sessão), isto é, uma perspectiva essencialmente económica, que faria reverter a actuação para o âmbito dos crimes patrimoniais. É neste domínio que se fala na função de filtro do conceito de documento. Logo se vê que pode haver subtracção de documento que integre o crime de furto (ou de roubo) e não o do artigo 259º. O desenho típico do artigo 259º acompanha em parte o do artigo 212º (dano). O legislador combinou também aí diversas M. Miguez Garcia. 2000
  • 5. 5 formulações teóricas, do mais grave ao menos grave, para melhor traduzir o dano/violação (cf. as palavras do Prof. Faria Costa), igualmente implícito no crime patrimonial de dano (“quem destruir, danificar ou tornar não utilizável coisa alheia”). Em suma, se a coisa for descaracterizada, isto é, se não prevalecer a sua função de documento (ou de notação técnica), a conduta do agente recai na previsão dos artigos 203º (furto) ou 212º (dano). CASO nº 14-A. Crime de subtracção de documento do artigo 259º, nº 1; crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, alínea a). A, tendo-se aproveitado do facto de, por engano, ter sido colocado, na sua caixa do correio um vale postal dos CTT, destinado a outra pessoa, fica na posse do mesmo, e depois de ter forjado um falso endosso, apondo no verso do título, pelo seu punho, uma assinatura com o nome do beneficiário, depositou-o numa sua conta bancária, onde lhe foi creditado. Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 192. Nos crimes contra o património em geral já não se trata da coisa individualizada, como nos crimes contra a propriedade. O exemplo mais importante dos crimes contra o património em geral é a burla (artigo 217º). É certo que na burla o objecto da intenção do agente pode bem ser uma coisa determinada, mas a final o que marca a diferença é a perda patrimonial sofrida. Na burla são decisivos critérios de valor, não já a determinação da propriedade. O objecto da extorsão (artigo 222º) pode ser qualquer disposição patrimonial e isso a distingue do roubo, onde é uma coisa móvel alheia. Na usura (artigo 224º) estão ainda em causa, por exemplo, a exploração de uma situação de necessidade, de anomalia psíquica ou de fraqueza de carácter. Bem jurídico protegido e estrutura dos crimes contra o património em geral. Como se viu, nos crimes de “apropriação”, como o furto, o abuso de confiança e o roubo, o objecto da acção é uma coisa determinada. Acontece o mesmo no crime de dano em coisas — ainda que não deixe de se acentuar que a norma que prevê e pune o dano visa proteger quem é ofendido na fruição das utilidades que das coisas pode ser retirada, ou seja, o mero possuidor (acórdão M. Miguez Garcia. 2000
  • 6. 6 da Relação de Évora de 26 de Fevereiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 280). São tipos de ilícito onde o bem jurídico protegido é a propriedade. Diferente é o caso da burla, da extorsão ou da infidelidade, que são autênticos crimes patrimoniais, onde está em causa, não tanto um determinado objecto, mas o património em geral. Nestes não se pode dizer que a intenção do agente se dirige a uma coisa determinada, pois as relações de proprietário desempenham neles um papel menor. O que sobretudo está em causa é a causação de um prejuízo patrimonial como elemento do crime, opera-se agora com um critério de prejuízo referido à situação patrimonial do lesado entendida como um todo. Por outro lado, a intenção do agente é dirigida a uma vantagem patrimonial: o agente actua com ânimo de enriquecimento, embora haja excepções, como na "infidelidade", onde se prescinde deste elemento. O bem jurídico protegido é o património, o património como um todo, mas na extorsão (artigo 222º) encontra-se ainda protegida a liberdade de determinação do sujeito. No auxílio material (artigo 232º) o objecto do auxílio será normalmente uma vantagem patrimonial, mas na 1ª Comissão revisora reconheceu-se que a tutela estava igualmente associada a valores de ordem moral ou outros. Na infidelidade (artigo 224º), há quem descortine a protecção de uma especial relação de confiança. Na burla (artigo 217º), onde ressalta o elemento engano, pretende-se que a verdade e a honestidade no tráfico estão também protegidas. É um modo de ver que entronca na história deste crime, pois a burla já foi vista como um crime de perfídia, era estelionato, à imagem da salamandra, animal que exposto aos raios solares toma cores diferentes. Historicamente, a burla está associada às falsificações (crimen falsi) e ao furto, de que só começou a distanciar-se nos tempos da Revolução francesa. Na sua conformação actual, a burla é produto de uma sociedade evoluída, “é filha do século dezanove”. Desprendeu-se a certa altura de uma específica actuação (por ex., a falsificação de um documento) e fixou-se num resultado — o prejuízo patrimonial. Reconheceu-se que era essencial agir “con altrui dano” (cf., por ex., o artigo 640 do Código Penal italiano de 1930). Quando, a seguir, se chegou à conclusão de que “il danno deve avere indole economica”, o ilícito passou a situar-se inequivocamente na órbita dos crimes patrimoniais. M. Miguez Garcia. 2000
  • 7. 7 III. Os crimes contra o património em geral e o património. Noção jurídica. Noção económica. Noção mista de património. “A discussão em torno do conceito jurídico-penal de património foi iniciada pela doutrina germânica e os termos em que se desenvolveu foram-lhe postos pela tipificação da causação de um prejuízo patrimonial como elemento do crime de burla (§ 263 do StGB) já que a verificação do prejuízo implica, naturalmente, a definição da coisa prejudicada. Em consequência, a disputa doutrinal centrou-se no crime de burla” (Pedro Caeiro, p. 63). Ainda assim, o conceito é válido também para a extorsão e a infidelidade. Ora, “quando o BGH caracterizou o património como “a soma de todos os bens avaliáveis em dinheiro depois de subtraídas as dívidas” não fez mais do que comprimir numa fórmula um dos possíveis significados da noção de património” (Eser, p. 100). É a concepção económica, em certa altura dominante. As outras são a concepção jurídica e a jurídico-económica. A noção jurídica de património de um sujeito de direito exprime-se na “soma de todos os seus direitos e obrigações patrimoniais” (Binding, Merkel), sem se ter em atenção o correspondente valor económico. Prejuízo patrimonial identifica-se com a perda de direitos, conforme a noção corrente no direito civil. Existem, todavia, situações em que a coisa, ainda que desprovida de valor económico objectivo, tem um valor de ordem subjectiva para quem a possui. A perda de um direito, por exemplo, o direito de propriedade sobre uma coisa que não é suceptível de apreciação pecuniária, justifica a intervenção do direito penal desde que o objecto seja dotado de um sério valor afectivo, convocando a incriminação do facto e, por acréscimo, a reparação do dano moral respectivo. Tal objecto não pode, portanto, considerar-se estranho ao património do lesado (Manso-Preto, p. 547). Além disso, como tratar certas “posições” ou certos valores económicos ainda não consubstanciados em direitos, como as relações comerciais, o “know how”, ou uma ideia revolucionária do ponto de vista técnico que não passou ainda da cabeça do seu inventor? (cf. Blei, p. 216). Por isso, no outro extremo, há quem sustente que a ideia de património é em primeira linha uma noção da vida económica: património é poder económico, é tudo aquilo que tem valor do ponto de vista das relações económicas de uma pessoa, o complexo dos seus bens empiricamente avaliáveis em dinheiro, ou o conjunto dos bens que estão no seu poder de disposição. Os direitos serão patrimoniais na medida do seu valor económico, havendo valores económicos de feição patrimonial independentemente da sua integração jurídica na forma de propriedade, direitos de autor, etc., isto é, à margem da sua tutela por um direito subjectivo “(expectativas, chances, titularidades), mas carecidas de tutela penal” (Pedro Caeiro, p. 65). M. Miguez Garcia. 2000
  • 8. 8 O conceito estritamente económico mostra-se igualmente pouco satisfatório. Num exemplo corrente, se alguém se apropria de coisa alheia e no lugar dela deixa o valor correspondente em dinheiro, não haveria furto, por falta da correspondente diminuição patrimonial. Por outro lado, qualquer diminuição de utilidades teria como equivalente necessário um dano patrimonial. A crítica principal a uma concepção assim moldada é a da protecção que concede a “posições” patrimoniais ilegítimas, que se encontram “proibidas ou qualificadas como ilícitas por outros ramos de direito” (Figueiredo Dias, Crime de emissão de cheque sem provisão, parecer, in CJ, ano XVII (1992), p. 71). Ninguém dirá que faz parte do património um plano infalível e cuidadosamente elaborado para assaltar um banco ou a posse de uma quantidade apreciável de dinheiro falso, já que não há maneira de o converter por processos que não sejam proibidos. A opinião geralmente acolhida vale-se da noção mista de património: o património é o conjunto unitário de posições com valor económico (concepção económica), mas cobre-se com o manto da protecção da ordem jurídica. O património abrange assim o conjunto das “situações” e “posições” com valor ou utilidade económica, de que é titular uma pessoa, “protegidas pela ordem jurídica” (Welzel) ou “pelo menos sem serem por ela desaprovadas” (Gallas). É a soma dos bens economicamente valiosos que uma pessoa detém com a aprovação do ordenamento jurídico (“unter Billigung der rechtlichen Güterordnung innehat”: Cramer, apud Harro Otto, p. 207; ainda, Figueiredo Dias, parecer, cit.). Ou, na lição de Blei, “devem incluir-se no património todas aquelas “posições” com valor económico que pelo menos possam ser realizadas por vias que não sejam proibidas pelo direito.” Reconhece-se assim a inclusão no conceito de património, além dos direitos subjectivos patrimoniais (v. g., a propriedade ou a posse), a que se restringe a tese jurídica, dos "lucros cessantes e demais expectativas de obtenção de vantagens económicas” (Figueiredo Dias, parecer, cit.; Dreher/Tröndle, p. 1298). Como tal, são objecto de protecção no âmbito dos crimes patrimoniais. A propósito do crime de burla. No plano prático, a jurisprudência em matéria de burla constituiu desde sempre uma amostra completa e muitas vezes pitoresca da sociedade. Qualquer sociólogo tenderia a ver nas decisões mais recentes um reflexo das grandes particularidades da nossa época. * A, intermediário na venda de uma fracção de imóvel para habitação, celebrou um contrato- promessa com o comprador (B); fez constar nesse documento como valor de venda o de 2900 contos e que recebera “a título de sinal e princípio de pagamento”, a quantia de 150 contos. Todavia, i) o preço para a venda fixado pelo dono (C) fora de 3000 contos e o que A veio a acordar com o adquirente foi o de 3050 contos; ii) este entregou àquele a quantia de 300 contos M. Miguez Garcia. 2000
  • 9. 9 como sinal e princípio de pagamento; iii) o arguido interveio na qualidade de gestor de negócios do queixoso, bem sabendo que não dispunha de poderes para esse efeito (acórdão do STJ de 17 de Junho de 1993, BMJ-428-297). * Cometem o crime de burla dois indivíduos (A e B) que determinam terceiro (C) a entregar- lhes dinheiro, mediante persuasão de que um deles tinha o poder suposto de fabricar notas e lhe ia ensinar a fabricá-las (ac. do STJ de 14 de Outubro de 1959, BMJ-90-413). * "O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar. O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros por que tem um falso conhecimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente, perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele. O segundo momento do crime de burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais. Tem de existir uma relação entre os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património de terceiros ou do burlado. Mas se o engano é mantido ou produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo—no sentido civil do termo, aquele que não corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito—em prejuízo da vítima, não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir uma desculpa para o agente. O ofendido entregou ao arguido a quantia de 4.000.000$00, sabendo que este, na altura, aceitava depósitos em dinheiro, sobre os quais pagava o mesmo juro da Organização D. Branca — 10 % ao mês — e este aceitou esse depósito comprometendo-se a pagar os juros mensais de 10% sobre ele. Por sua vez, o réu comprometeu-se perante o ofendido a pagar-lhe juros mensais de 10% sobre a quantia depositada. Nesta parte do processo causal reside o engano em que o réu fez cair o ofendido que lhe entregou a aludida importância tão-só por estar convencido de que o réu detinha tal quantia e estava em condições de pagar juros mensais de 10 por cento. O engano utilizado pelo réu, para se apropriar de bens do ofendido, consistiu precisamente no facto de lhe prometer pagar juros de 10 por cento ao mês, sabendo de antemão que tal lhe era impossível, estando numa situação económica difícil e tendo vendido muitos dos seus bens de raiz. A inverosímil ingenuidade do ofendido não pode constituir desculpa para o agente. O certo é que o arguido pagou ao ofendido tão só 100 contos respeitante a juros, tendo-se ausentado para fora do país, M. Miguez Garcia. 2000
  • 10. 10 sabendo o réu que estava a provocar uma diminuição patrimonial ao ofendido. Tem-se assim verificado: o engano do ofendido, a prática de actos causadores de prejuízo patrimonial com o consequente enriquecimento ilegítimo" (ac. do STJ, de 19 de Dezembro de 1991/12/91, BMJ- 412-234. * No crime de burla é necessário que o elemento “agir astuciosamente” se junte limitativamente ao dolo específico, de tal forma que, mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção se revele engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem, ou falseando directamente a realidade. O arguido, que obteve um empréstimo com a alegação de que o mesmo se destinava à compra de um armazém, que, depois, daria de hipoteca ao credor, livre de quaisquer ónus ou encargos, fazendo-se a prova de que o credor não lhe concederia tal empréstimo se soubesse que, afinal, ele já tinha, não apenas comprado o armazém, como até arrendado, comete um crime de burla. Este crime tem como requisitos que o agente: - tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo; - com tal objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido sobre factos; - e dessa forma determine o mesmo ofendido à prática de actos que causem a este, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Quanto ao elemento “astuciosamente”, estão a doutrina e a jurisprudência de acordo em que se trata de uma exigência que se vem juntar limitativamente ao dolo específico (v. Actas da Comissão Revisora do Cód. Penal, 1979, pág. 138, e Cód. Penal Anotado, Maia Gonçalves, 3ª ed., 464), de tal forma que, “mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção tem de se revelar engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem (dizendo ou fazendo crer que existe o que não existe) ou falseando directamente a realidade (manifestando expressamente uma mentira)” (ac. da Relação de Coimbra, de 1 de Junho de 1983, Col. Jur., Ano VIII, t. 3, pág. 98). * Pratica o crime de burla prevista no artigo 313º, nº 1, do CP-82, aquele que atribui ao veículo qualidades que este não tem e que ele bem sabia não ter, ao mesmo tempo que oculta defeitos graves que conhecia e não revelou, sendo que sem tais falsidades e sem as omissões cometidas não teria obtido a adesão do comprador (acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1993, BMJ-423-214) (nota: em sentido contrário, o ac. do STJ de 4.11.87, cit. em Maia Gonçalves, Cód. Penal, anot. ao artº 313º). * São elementos constitutivos do crime de burla: o intuito de obter enriquecimento ilegítimo, através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente determinem outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Integra o elemento enganoso, o facto de os arguidos após prévio acordo se dirigirem ao ofendido, fazendo-lhe crer que eram pessoas sérias e de boa capacidade económica, prontificando-se a emitir cheques e M. Miguez Garcia. 2000
  • 11. 11 letras, tendo com base nisso obtido a entrega do veículo por parte do ofendido (acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 1996, processo nº 48746 - 3ª Secção, Internet). * Comete o crime de burla o arguido que induz o ofendido em erro tendo-lhe referido que mediante a entrega de uma quantia monetária podia falar com o examinando para que este lhe facilitasse a feitura do exame de condução (ac. do STJ de 14 de Fevereiro de 1996, processo nº 48597 - 3ª Secção, Internet). * Comete o crime de burla o arguido que faz publicar um anúncio num jornal para venda de um terreno, dizendo que este era óptimo para construção, disso convencendo o ofendido, que lho comprou, quando bem sabia que a construção era ali proibida (acórdão do STJ de 5 de Junho de 1996, CJ, ano IV (1996, t. 2, p. 191). * Toda a actuação demonstra um complexo estratagema destinado a enganar o sujeito passivo, iludindo a sua boa fé e levando-o a uma falsa representação da realidade de que resultou (e aqui está a chamada relação causa-efeito) agir ela contra o seu património. Nessa actuação está patente o urdimento com exteriorização enganatória, significante da astúcia. As manobras foram colimadas a criar junto do ministério a "aparência" de uma determinada realidade não existente e se o ministério pagou no convencimento dessa realidade (e, portanto, devido a esse convencimento em que foi induzido por tais manobras), é inegável que existe uma relação de adequação de meio para fim. Se (primeiro momento), com a intenção de enriquecimento ilegítimo (e é ilegítimo aquele que não corresponde a qualquer direito), o agente convence o sujeito passivo de uma falsa representação da realidade (e o erro ou engano nisso consistem), mediante manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até aos mais elaborados artifícios) adrede realizadas, e com isso consegue (segundo momento) que esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízos patrimoniais, está perfeito o crime de burla, sendo que o enriquecimento ilegítimo é em regra concomitante (como duas faces da mesma moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir uma relação de causa-efeito entre o primeiro e o segundo momentos (acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, BMJ-454-531; também publicado e anotado na RPCC 6 (1996). * Pratica o crime de burla o causídico que, tendo sido nomeado patrono oficioso do ofendido para propor uma acção de divórcio e tendo proposto uma acção de divórcio por mútuo consentimento no âmbito do patrocínio, obteve do ofendido uma procuração em que este lhe concedia "amplos poderes forenses", sem lhe dar qualquer explicação sobre a finalidade a que a destinava e, depois, veio a conseguir que ele lhe entregasse a importância de 10 contos (acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 1991, CJ, XVI (1991), t. 1, p. 91); * Pratica o crime de burla, e não de abuso de confiança, o advogado que, após receber da seguradora um cheque destinado ao seu cliente, o falsifica e obtém o seu pagamento junto do M. Miguez Garcia. 2000
  • 12. 12 Banco (apôs no verso do cheque uma assinatura como se fosse a do ofendido e como se este lhe tivesse transmitido o título), causando prejuízos ao titular do cheque. * Comete um crime de burla agravada dos artigos 313º e 314º, c), do CP de 82, o arguido que, convence a queixosa, sua tia, a transferir todo o seu dinheiro (4.509.050$00) que tinha depositado, em duas contas a prazo no banco F..., para o balcão do Banco Z..., em Mangualde, e a colocá-lo em nome dela, dele (arguido) e de sua esposa e dele se apodera depois, através da execução de um plano, contra a vontade da ofendida (acórdão do STJ de 23-01-1997, processo n.º 171/90, Internet). * Praticam um crime de burla os arguidos que, na sequência de contrato-promessa de compra e venda de fracção de um imóvel realizado com a queixosa, continuamente lhe asseguram a celebração da escritura do contrato prometido para o mês seguinte, sabendo, no entanto, que a sociedade não tinha capacidade financeira para distratar a hipoteca e que, por conta de tal contrato, dela vão recebendo diversas quantias em dinheiro. Acórdão do STJ de 24 de Abril de 1997, BMJ-466-257 * Cometem um crime de burla um sargento e outros militares do exército, os quais, mediante promessas enganosas, de livrarem mancebos do serviço militar, conseguem que estes lhes entreguem quantias em dinheiro, que gastam em seu proveito. Oscilando entre os 20.000$00 e os 180.000$00 as quantias de que os arguidos, astuciosamente, se apropriaram, em prejuízo dos ofendidos, a esta última quantia (180.000$00) corresponde a "conduta mais grave" a ter em conta na punição do crime continuado art.º 30, n.º 2 e 79, ambos do CP, revisto em 1995. Não sendo a importância de 180.000$00, de valor "consideravelmente elevado", estamos perante em face de um crime de burla simples. * É teoricamente enquadrável no crime de burla a conduta de quem, sabedor de que se encontra em estado de pré-falência, e com o propósito de não efectuar o respectivo pagamento, consegue obter um empréstimo para financiamento das suas actividades, mediante a falsa alegação de possuir uma situação financeira desafogada. Acórdão da Rel. Lisboa de 30 de Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 183. Sendo o erro e o engano elementos do tipo da burla têm que estar em relação, dum lado, com os meios empregues pelo burlão, do outro, com os actos que vão directamente defraudar o património do lesado. A conduta astuciosa do burlão motiva o erro ou engano; em consequência do erro ou engano, a vítima passa ao acto de que resulta o prejuízo patrimonial. Outras indicações de leitura. M. Miguez Garcia. 2000
  • 13. 13 1Acórdão do TC nº 232/2002 de 28 de Maio de 2002, DR II série de 18 de Julho de 2002: valor consideravelmente elevado. Unidade de conta processual. 2Acórdão da Relação de Évora de 19 de Fevereiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 280: crime de dano; bem protegido; legitimidade do arrendatário. A norma que prevê e pune o crime de dano visa proteger quem é ofendido na fruição das utilidades que das coisas pode ser retirada. 3Acórdão do STJ de 27 de Abril de 2000, BMJ-496-51: burla, valor consideravelmente elevado. 4Acórdão do STJ de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 222: burla informática. 5Lopes de Almeida et al., Crimes contra o património em geral, s/d. 6Panchaud et al., Code Pénal Suisse anoté, 1989. 7Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979. 8Albin Eser, in Schönke/Schröder, Strafgesetzbuch, Kommentar, 25ª ed., 1997. 9Albin Eser, Strafrecht IV, Schwerpunkt, Vermögensdelikte, 4ª ed., 1983. 10Alfredo José de Sousa, Infracções fiscais (não aduaneiras), 3ª ed., Coimbra, 1997. 11Américo Marcelino, Furto por introdução em casa alheia, Rev. do Ministério Público, ano 10 (1989), nº 39. 12António Miguel Caeiro Júnior, Algumas considerações sobre o objecto jurídico no crime de furto, BMJ-18-5. 13Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos patrimoniales y económicos, 1993. 14Bajo Fernández, A reforma dos delitos patrimoniais e económicos, RPCC 3 (1993), p. 499. 15Candido Conde-Pumpido Ferreiro, Apropiaciones indebidas, 1997. 16Carlos Alegre, Crimes contra o património, Revista do Ministério Público, 3º caderno. 17Carlos Codeço, O Furto no Código Penal e no Projecto, 1981. 18Cavaleiro de Ferreira, A violência contra as coisas como agravante do crime de furto, in O Direito, ano 74º. 19Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, 1993. 20Cunha Rodrigues, Os crimes patrimoniais e económicos no Código Penal Português, RPCC, 3 (1993). 21David Borges de Pinho, Dos Crimes contra o Património e contra o Estado no novo Código Penal. 22Dreher/Tröndle, Strafgesetzbuch und Nebengesetze, 47ª ed., 1995. 23F. Haft, Strafrecht, BT, 5ª ed., 1995. 24F. Puig Peña, Derecho Penal, Parte especial, vol. IV. 25Fernanda Palma e Rui Pereira, O crime de burla no Código Penal de 1982-95, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXXV, 1996, p. 329. M. Miguez Garcia. 2000
  • 14. 14 26Foregger/Serini, StGB, 11ª ed., 1991. 27Francisco Candil Jiménez, En torno al furtum possessionis, in Libro Homenaje al Prof. J. Anton Oneca, Ed. Universidad de Salamanca, 1982, p. 617 e ss. 28Frederico Isasca, O projecto do novo Código Penal (Fevereiro de 1991) uma primeira leitura adjectiva, RPCC 1 (1993), p. 67 e ss. 29Frederico Lacerda Costa Pinto, Direito Penal II (1992/93). 30Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de bens da sociedade, Direito e Justiça, 2001, tomo 2. 31Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e Justiça, 2001, tomo 2. 32G. Stratenwerth, Schweizerisches Strafrecht, BT I, 4ª ed., 1993. 33H. Blei, Strafrecht II, BT, 12ª ed., 1983. 34Harro Otto, Grundkurs Strafrecht, BT, 3ª ed., 1991. 35J. C. Moitinho de Almeida, Publicidade enganosa, Arcádia, s/d [1974]. 36J. Figueiredo Dias/M. Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português (Considerações sobre a Faculdade Típica e o Concurso de Infracções), RPCC 6 (1996), p. 71. 37J. Wessels, Strafrecht, BT-2, 16ª ed., 1993. 38Joaquim Malafaia, A insolvência, a falência e o crime do artigo 228º do Código Pena, RPCC 11 (2001). 39Jorge de Figueiredo Dias, Algumas notas sobre o crime de participação económica de funcionário em negócio ilícito, previsto pelo artigo 427º, nº 1, do Código Penal, RLJ, ano 121º, nº 3777, p. 379 e ss. 40José António Barreiros, Crimes contra o património, 1996. 41José de Faria Costa, Conimbricense II, comentário ao art. 203º. 42Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, II, 3ª ed., 1993. 43Leal-Henriques - Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, Lisboa, 1987. 44Luis Osório, Notas ao Código Penal Português, vol. 4º, 1925. 45M. Delmas-Marty, Droit Pénal des Affaires, 1973. 46M. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8ª ed., 1995. 47Magalhães Noronha, Crimes contra o património, BMJ-138-41. 48Manso-Preto, Novos aspectos da punição do crime de furto segundo o projecto de revisão do Código Penal de 1982, RPCC 4 (1991). 49Maria Fernanda Palma, Aspectos penais da insolvência e da falência, Rev. da Fac. Dir. da Univ. de Lisboa, vol. 36, 1995. M. Miguez Garcia. 2000
  • 15. 15 50Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 11ª ed. revisada e puesta al día conforme al Código Penal de 1995, 1995. 51Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 8ª ed., 1990. 52Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais (o património, a falência, a sua incriminação e a reforma dela), 1996. 53Quintero Olivares/Muñoz Conde, La reforma penal de 1983, 1983. 54Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal applicada ao Código Penal Portuguez, vol. VIII, 1857. 55T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed., 1990. 56V. Manzini, Trattato di Diritto Penale Italiano, vol. 9, 1984. 57Volker Krey, Strafrecht, B. T., Band 2, Vermögensdelikte, 10ª ed., 1995. M. Miguez Garcia. 2000