SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 7
Leonardo Boff, sobre Marina: 
“Pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora” 
publicado em 3 de setembro de 2014 às 18:48 
por Conceição Lemes 
Leonardo Boff é um dos mais brilhantes e respeitados intelectuais do 
Brasil. Teólogo, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação. 
Ficou conhecido pela sua história de defesa intransigente das causas sociais. 
Atualmente dedica-se sobretudo às questões ambientais. 
Ele conhece Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República, desde os 
tempos em que ela atuava no Acre e estava muito ligada à Teologia da Libertação. 
Acompanhou toda a sua trajetória. 
Em 2010, chegou a sonhar com uma representante dos povos da floresta, dos 
caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à 
escravidão, chegar a presidente do Brasil. Hoje, não. 
“Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser 
presidente, custe o que custar”, observa Boff em entrevista exclusiva ao Viomundo.
Para Boff, Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal. 
“Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente 
significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos 
professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação 
com a eventual alta de juros”, alerta. “Como consequência, arrocho salarial, 
desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia 
acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de ‘austeridade fiscal’ que está 
afundando as economias da zona do Euro”. 
Sobre a autonomia do Banco Central prevista no programa de Marina, Boff detona: 
“Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país 
e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista 
nacional e transnacional. A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle 
os Bancos Centrais dos países”. 
Veja a íntegra da nossa entrevista. Nela, Leonardo Boff aborda o recuo de Marina em 
relação à criminalização da homofobia, a sua trajetória religiosa, a influência 
de Silas Malafaia, Neca Setúbal (Banco Itaú), Guilherme Leal (Natura) e 
do economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Também a autonomia formal 
do Banco Central e o risco de ela sofrer impeachment. 
Viomundo — Na última sexta-feira, Marina lançou o seu programa de governo, 
que previa o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da 
homofobia. Bastou o pastor Malafaia tuitar quatro frases para ela voltar atrás. O 
que achou dessa postura? É cristão não criminalizar a homofobia, que 
frequentemente provoca assassinatos? 
Leonardo Boff — Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto 
pessoal de ser presidente, custe o que custar. Numa ocasião, ela chegou a declarar 
que um dos objetivos desta eleição é tirar o PT do poder, o que faz supor mágoas não 
digeridas contra o PT que ajudou a fundar. 
O Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus à qual Marina pertence, é o seu Papa. 
O Papa falou, ela, fundamentalisticamente obedece, pois vê nisso a vontade de Deus. 
E, aí, muda de opinião. Creio que não o faz por oportunismo político, mas por 
obediência à autoridade religiosa, o que acho, no regime democrático, injustificável. 
Um presidente deve obediência à Constituição e ao povo que a elegeu e não a uma 
autoridade exterior à sociedade. 
Viomundo — Qual o risco para a democracia brasileira de alguém na presidência 
estar submissa a visões tão retrógradas em pleno século XXI, ignorando os 
avanços, as modernidades? 
Leonardo Boff — Um fundamentalista é um dos atores políticos menos indicado para 
exercer o cargo da responsabilidade de um presidente. Este deve tomar decisões 
dentro dos parâmetros constitucionais, da democracia e de um estado laico e 
pluralista. Este tolera todas as expressões religiosas, não opta por nenhuma, embora 
reconheça o valor delas para a qualidade ética e espiritual da vida em sociedade. 
Se um presidente obedece mais aos preceitos de sua religião do que aos da 
Constituição, fere a democracia e entra em conflito permanente com outros até de sua
base de sustentação, pois os preceitos de uma religião particular não podem 
prevalecer sobre a totalidade da sociedade. 
A seguir estritamente nesta linha, pode acontecer um impeachment à Marina, por 
inabilidade de coordenar as tensões políticas e gerenciar conflitos sempre presentes 
em sociedades abertas. 
Viomundo — Lá atrás Marina Silva esteve ligada à Teologia da Libertação. 
Atualmente, é da Assembleia de Deus. O que o senhor diria dessa trajetória 
religiosa? O que representa essa guinada para o conservadorismo exacerbado? 
Leonardo Boff – Respeito a opção religiosa de Marina bem como de qualquer 
pessoa. Eu a conheço do Acre e ela participava dos cursos que meu irmão teólogo 
Frei Clodovis (trabalhava 6 meses na PUC do Rio e 6 meses na igreja do Acre) e eu 
dávamos sobre Fé e Política e sobre Teologia da Libertação. 
Aqui se falava da opção pelos pobres contra a pobreza, a urgência de se pensar e 
criar um outro tipo de sociedade e de país, cujos principais protagonistas seriam as 
grandes maiorias pobres junto com seus aliados, vindos de outras classes sociais. 
Marina era uma liderança reconhecida e amada por toda a Igreja. 
Depois, ao deixar o Acre, por razões pessoais, converteu-se à Igreja Assembleia de 
Deus. Esta se caracteriza por um cristianismo fundamentalista, pietista e afastado das 
causas da pobreza e da opressão do povo. Sua pregação é a Bíblia, preferentemente 
o Antigo Testamento, com uma leitura totalmente descontextualizada daquele tempo e 
do nosso tempo. Como fundamentalista é uma leitura literalista, no estilo dos 
muçulmanos. 
Politicamente tem consequências graves: Marina pôs o foco no pietismo e no 
fundamentalismo, na vida espiritual descolada da história presente e quase não fala 
mais da opção pelos pobres e da libertação. Pelo menos não é este o foco de seu 
discurso. 
A libertação para ela é espiritual, do pecado e das perversões do mundo. Com esse 
pensamento é fácil ser capturada pelo sistema vigente de mercado, da 
macroeconomia neoliberal e especulativa. 
Isso é inegável, pois seus assessores são desse campo: a herdeira do Banco Itaú 
Maria Alice (Neca), Guilherme Leal da Natura e o economista neoliberal Eduardo 
Gianetti da Fonseca. Os pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma 
legitimadora. 
E eu que em 2010 sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos 
caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à 
escravidão, dos operários explorados das grandes fábricas, dos invisíveis, alguém que 
viria dos fundos da maior floresta úmida do mundo, a Amazônia, chegar a ser 
presidente de um dos maiores países do mundo, o Brasil?! Esse sonho foi uma ilusão 
que faz doer até os dias de hoje. Pelo menos vale como um sonho que nunca morre! 
Viomundo — O programa de Marina prevê autonomia ao Banco Central. O que 
acha dessa medida? 
Leonardo Boff — Eu me pergunto, autonomia de quem e para quem?
Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país 
e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista 
nacional e transnacional. Um presidente/a é eleito para governar seu povo e um dos 
instrumentos principais é o controle monetário que assim lhe é subtraído. Isso é 
absolutamente antidemocrático e comporta submissão à tirania das finanças que são 
cada vez mais vorazes, pondo países inteiros à falência como é o caso da Grécia, da 
Espanha, da Itália, de Portugal e outros. 
Viomundo — Essa medida expressa a influência de Neca Setúbal, herdeira do 
Itaú, no seu futuro governo? 
Leonardo Boff — Quem controla a economia controla o país, ainda mais que vivemos 
numa sociedade de “Grande Transformação” denunciada pelo economista húngaro-americano 
Karl Polaniy ainda em 1944 quando, como diz, passamos de uma 
sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Então tudo vira 
mercadoria, inclusive as coisas mais sagradas como água, alimentos, órgãos 
humanos. 
A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos 
países. A partir desse controle, estabelecem os níveis dos juros, a meta da inflação, a 
flutuação do dólar e a porcentagem do superávit primário (aquela quantia tirada dos 
impostos e reservada para pagar os rentistas, aqueles que emprestaram dinheiro ao 
governo). 
Os bancos jogam um papel decisivo, pois é através deles que se fazem os repasses 
dos empréstimos ao governo e se cobram juros pelos serviços. Quanto maior for o 
superávit primário a alíquota Selic mais lucram. Pode ser que a citada Neca Setúbal 
tenha tido influência para que a candidata Marina acreditasse neste receituário, velho, 
antipopular, danoso para as grandes maiorias, mas altamente benéfico para o sistema 
macroeconômico vigente. 
Viomundo — As avaliações feitas até agora mostram que o programa econômico 
de Marina é o mesmo de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência. São 
neoliberais. O que representaria para o Brasil o retorno a esse modelo? O 
senhor acha que, se eleita, o governo Marina teria conotações neoliberais? 
Leonardo Boff — Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal. Ela o diz com 
certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado 
livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos 
agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de 
juros. 
Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes 
evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de 
“austeridade fiscal” ,que está afundando as economias da zona do Euro e não deram 
certo em lugar nenhum do mundo, se olharmos a política econômica a partir da 
maioria da população. Dão certo para os ricos que ficam cada vez mas ricos, como é o 
caso dos EUA onde 1% da população ganha o equivalente ao que ganham 99% das 
pessoas. Hoje os EUA são um dos países mais desiguais do mundo. 
Viomundo – Foi amplamente divulgado que Marina consulta a Bíblia antes de 
tomar decisões complexas. Esta visão criacionista do mundo é compatível com 
um mundo laico?
Leonardo Boff — O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de 
muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. 
É uma maneira de entender a doutrina: a minha é a única verdadeira e as demais 
estão erradas e como tais não têm direito nenhum. 
Graças a Deus que isso fica apenas no plano das ideias. Mas facilmente pode passar 
para o plano da prática. E, aí, se vê evangélicos fundamentalistas invadirem centros 
de umbanda ou do candomblé e destruírem tudo ou fazerem exorcismos e espalharem 
sal para todo canto. E no Oriente Médio fazem-se guerras entre fundamentalistas de 
tendências diferentes com grande eliminação de vidas humanas como o faz 
atualmente o recém-criado Estado Islâmico. Este pratica limpeza étnica e mata todo 
mundo de outras etnias ou crenças diferentes das dele. 
Marina não chega a tanto. Mas possui essa mentalidade teologicamente errônea e 
maléfica. No fundo, possui um conceito fúnebre de Deus. Não é um Deus vivo que fala 
pela história e pelos seres humanos, mas falou outrora, no passado, deixou um livro, 
como se ele nos dispensasse de pensar, de buscar caminhos bons para todos. 
O primeiro livro que Deus escreveu são a criação e a natureza. Elas estão cheias de 
lições. Criou a inteligência humana para captarmos as mensagens da natureza e 
inventarmos soluções para nossos problemas. 
A Bíblia não é um receituário de soluções ou um feixe de verdades fixadas, mas uma 
fonte de inspiração para decidirmos pelos melhores caminhos. Ela não foi feita para 
encobrir a realidade, mas para iluminá-la. Se um fundamentalista seguisse ao pé da 
letra o que está escrito no livro Levítico 20,13 cometeria um crime e iria para a cadeia, 
pois aí se diz textualmente: “Se um homem dormir com outro, como se fosse com 
mulher, ambos cometem grave perversidade e serão punidos com a morte: são réus 
de morte”. 
Viomundo — Marina fala em governar com os melhores. É possível promover 
inclusão social, manter políticas que favorecem os mais pobres com uma 
política econômica neoliberal? 
Leonardo Boff — Marina parece que não conhece a realidade social na qual há 
conflitos de interesses, diversidade de opções políticas e ideológicas, algumas que se 
opõem completamente às outras. 
Lendo o programa de governo do PSB de Marina parece que fazemos um passeio ao 
jardim do Éden. Tudo é harmonioso, sem conflitos, tudo se ordena para o bem do 
povo. Se entre os melhores estiver um político, para aceitar seu convite, deverá 
abandonar seu partido e com isso, segundo a atual legislação, perderia o mandato. 
Ela necessariamente, se quiser governar, deverá fazer alianças, pois temos um 
presidencialismo de coalizão. Se fizer aliança com o PMDB deverá engolir o Sarney, o 
Renan Calheiros e outros exorcizados por Marina. Collor tentou governar com base 
parlamentar exígua e sofreu um impeachment. 
Viomundo — Marina é preparada para presidir um país tão complexo como o 
Brasil? 
Leonardo Boff — Eu pessoalmente estimo sua inteireza pessoal, sua visão 
espiritualista (abstraindo o fundamentalismo), sua busca de ética em tudo o que faz. 
Estimo a pessoa, mas questiono o ator político. Acho que não tem a inteligência
política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, 
capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e 
chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em 
Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de 
síntese, mas antes de divisão. 
Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o 
capitalismo selvagem dos neoliberais? 
Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e 
fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer 
consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. 
Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e 
grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras 
florestas úmidas. 
Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a 
sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade 
ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as 
energias de todo o universo). 
Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as 
medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que 
produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites 
de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos 
demasiadamente retirado dela. 
Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre 
a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua 
conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que 
atende nossas necessidades e das futuras gerações. 
Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que 
sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E 
com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados 
e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.
política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, 
capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e 
chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em 
Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de 
síntese, mas antes de divisão. 
Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o 
capitalismo selvagem dos neoliberais? 
Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e 
fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer 
consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. 
Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e 
grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras 
florestas úmidas. 
Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a 
sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade 
ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as 
energias de todo o universo). 
Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as 
medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que 
produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites 
de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos 
demasiadamente retirado dela. 
Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre 
a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua 
conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que 
atende nossas necessidades e das futuras gerações. 
Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que 
sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E 
com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados 
e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.

Mais conteúdo relacionado

Destaque (6)

Sentença
SentençaSentença
Sentença
 
Produção capitalista do espaço david harvey
Produção capitalista do espaço   david harveyProdução capitalista do espaço   david harvey
Produção capitalista do espaço david harvey
 
Brasil Sustentável Copa do Mundo 2014
Brasil Sustentável Copa do Mundo 2014Brasil Sustentável Copa do Mundo 2014
Brasil Sustentável Copa do Mundo 2014
 
Livro condicao pos-moderna-david-harvey
Livro condicao pos-moderna-david-harveyLivro condicao pos-moderna-david-harvey
Livro condicao pos-moderna-david-harvey
 
Marcuse - A ideologia da sociedade industrial - O homem unidimensional
Marcuse - A ideologia da sociedade industrial - O homem unidimensionalMarcuse - A ideologia da sociedade industrial - O homem unidimensional
Marcuse - A ideologia da sociedade industrial - O homem unidimensional
 
Íntegra do depoimento de Marcelo Odebrecht, na Lava Jato
Íntegra do depoimento de Marcelo Odebrecht, na Lava JatoÍntegra do depoimento de Marcelo Odebrecht, na Lava Jato
Íntegra do depoimento de Marcelo Odebrecht, na Lava Jato
 

Semelhante a “Pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora”

Mais Um Artigo Para Ler E Refletir
Mais Um Artigo Para Ler E RefletirMais Um Artigo Para Ler E Refletir
Mais Um Artigo Para Ler E Refletir
Priscila Angel
 
Bss entrevista istoé
Bss entrevista istoéBss entrevista istoé
Bss entrevista istoé
jlexeni
 
O pt e a desmoralização da esquerda no brasil
O pt e a desmoralização da esquerda no brasilO pt e a desmoralização da esquerda no brasil
O pt e a desmoralização da esquerda no brasil
Fernando Alcoforado
 
Oficina tl 20.04.2013
Oficina tl   20.04.2013Oficina tl   20.04.2013
Oficina tl 20.04.2013
Sydnei Melo
 
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XXFolhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
Valter Gomes
 

Semelhante a “Pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora” (20)

Mais Um Artigo Para Ler E Refletir
Mais Um Artigo Para Ler E RefletirMais Um Artigo Para Ler E Refletir
Mais Um Artigo Para Ler E Refletir
 
Revista conservadora - Porque o Brasil não tem um partido conservador
Revista conservadora - Porque o Brasil não tem um partido conservadorRevista conservadora - Porque o Brasil não tem um partido conservador
Revista conservadora - Porque o Brasil não tem um partido conservador
 
O quê que é isso ex companheiro lula
O quê que é isso ex companheiro lulaO quê que é isso ex companheiro lula
O quê que é isso ex companheiro lula
 
O fundamentalismo lulopetista e o risco de retrocesso político no brasil
O fundamentalismo lulopetista e o risco de retrocesso político no brasilO fundamentalismo lulopetista e o risco de retrocesso político no brasil
O fundamentalismo lulopetista e o risco de retrocesso político no brasil
 
20160419 O fator Roberto Jefferson
20160419 O fator Roberto Jefferson20160419 O fator Roberto Jefferson
20160419 O fator Roberto Jefferson
 
Bss entrevista istoé
Bss entrevista istoéBss entrevista istoé
Bss entrevista istoé
 
O eclipse da razão no brasil
O eclipse da razão no brasilO eclipse da razão no brasil
O eclipse da razão no brasil
 
Análise de conjuntura sintese
Análise de conjuntura sinteseAnálise de conjuntura sintese
Análise de conjuntura sintese
 
A missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e olivaA missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
 
O pt e a desmoralização da esquerda no brasil
O pt e a desmoralização da esquerda no brasilO pt e a desmoralização da esquerda no brasil
O pt e a desmoralização da esquerda no brasil
 
O lulismo
O lulismoO lulismo
O lulismo
 
O Sociocapitalismo
O SociocapitalismoO Sociocapitalismo
O Sociocapitalismo
 
Tempo Presente 20-01-2014
Tempo Presente 20-01-2014Tempo Presente 20-01-2014
Tempo Presente 20-01-2014
 
O que é isso ex companheiro lula
O que é isso ex companheiro lulaO que é isso ex companheiro lula
O que é isso ex companheiro lula
 
Artigo // Afinal, quem são os evangélicos?
Artigo // Afinal, quem são os evangélicos?Artigo // Afinal, quem são os evangélicos?
Artigo // Afinal, quem são os evangélicos?
 
Boa Vontade Mulher, edição 2015
Boa Vontade Mulher, edição 2015Boa Vontade Mulher, edição 2015
Boa Vontade Mulher, edição 2015
 
Oficina tl 20.04.2013
Oficina tl   20.04.2013Oficina tl   20.04.2013
Oficina tl 20.04.2013
 
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XXFolhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm. XX
 
Diz Jornal Edição 199
Diz Jornal Edição 199Diz Jornal Edição 199
Diz Jornal Edição 199
 
Cartilha Pró-VFL
Cartilha Pró-VFLCartilha Pró-VFL
Cartilha Pró-VFL
 

Mais de Serginho Sucesso

Mais de Serginho Sucesso (20)

10 maneiras de encantar seu cliente
10 maneiras de encantar seu cliente10 maneiras de encantar seu cliente
10 maneiras de encantar seu cliente
 
O significado da bruxaria
O significado da bruxariaO significado da bruxaria
O significado da bruxaria
 
PARTE DE NÓS
PARTE DE NÓSPARTE DE NÓS
PARTE DE NÓS
 
Curso de baralho cigano
Curso de baralho ciganoCurso de baralho cigano
Curso de baralho cigano
 
A beleza-transforma
A beleza-transformaA beleza-transforma
A beleza-transforma
 
Conhecimento e sabedoria
Conhecimento e sabedoriaConhecimento e sabedoria
Conhecimento e sabedoria
 
Curso de manutenção e reparos de bicicletas
Curso de manutenção e reparos de bicicletasCurso de manutenção e reparos de bicicletas
Curso de manutenção e reparos de bicicletas
 
A igreja, os negros e a escravidão
A igreja, os negros e a escravidãoA igreja, os negros e a escravidão
A igreja, os negros e a escravidão
 
4 questoes sobre 4 quadrados
4 questoes sobre 4 quadrados4 questoes sobre 4 quadrados
4 questoes sobre 4 quadrados
 
Frases engraçadas
Frases engraçadasFrases engraçadas
Frases engraçadas
 
Pinhao indigena - PARANÁ
Pinhao indigena -  PARANÁPinhao indigena -  PARANÁ
Pinhao indigena - PARANÁ
 
As novas maravilhas do mundo - fotos
As novas maravilhas do mundo - fotosAs novas maravilhas do mundo - fotos
As novas maravilhas do mundo - fotos
 
Segue adiante
Segue adianteSegue adiante
Segue adiante
 
Tente outra vez
Tente outra vezTente outra vez
Tente outra vez
 
Aprendiz da vida
Aprendiz da vidaAprendiz da vida
Aprendiz da vida
 
Meu aniversario
Meu aniversarioMeu aniversario
Meu aniversario
 
Teresa de Ávila e a dimensão humanizadora da espiritualidade cristã
Teresa de Ávila e a dimensão humanizadora da espiritualidade cristãTeresa de Ávila e a dimensão humanizadora da espiritualidade cristã
Teresa de Ávila e a dimensão humanizadora da espiritualidade cristã
 
Cartilha rimada agroecologia - empresa baiana de desenvolvimento agrícola s...
Cartilha rimada   agroecologia - empresa baiana de desenvolvimento agrícola s...Cartilha rimada   agroecologia - empresa baiana de desenvolvimento agrícola s...
Cartilha rimada agroecologia - empresa baiana de desenvolvimento agrícola s...
 
xote da marcha do povo
xote da marcha do povoxote da marcha do povo
xote da marcha do povo
 
Sentença que condenou a Telexfree
Sentença que condenou a TelexfreeSentença que condenou a Telexfree
Sentença que condenou a Telexfree
 

“Pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora”

  • 1. Leonardo Boff, sobre Marina: “Pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora” publicado em 3 de setembro de 2014 às 18:48 por Conceição Lemes Leonardo Boff é um dos mais brilhantes e respeitados intelectuais do Brasil. Teólogo, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação. Ficou conhecido pela sua história de defesa intransigente das causas sociais. Atualmente dedica-se sobretudo às questões ambientais. Ele conhece Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República, desde os tempos em que ela atuava no Acre e estava muito ligada à Teologia da Libertação. Acompanhou toda a sua trajetória. Em 2010, chegou a sonhar com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, chegar a presidente do Brasil. Hoje, não. “Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar”, observa Boff em entrevista exclusiva ao Viomundo.
  • 2. Para Boff, Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal. “Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros”, alerta. “Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de ‘austeridade fiscal’ que está afundando as economias da zona do Euro”. Sobre a autonomia do Banco Central prevista no programa de Marina, Boff detona: “Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países”. Veja a íntegra da nossa entrevista. Nela, Leonardo Boff aborda o recuo de Marina em relação à criminalização da homofobia, a sua trajetória religiosa, a influência de Silas Malafaia, Neca Setúbal (Banco Itaú), Guilherme Leal (Natura) e do economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Também a autonomia formal do Banco Central e o risco de ela sofrer impeachment. Viomundo — Na última sexta-feira, Marina lançou o seu programa de governo, que previa o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da homofobia. Bastou o pastor Malafaia tuitar quatro frases para ela voltar atrás. O que achou dessa postura? É cristão não criminalizar a homofobia, que frequentemente provoca assassinatos? Leonardo Boff — Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar. Numa ocasião, ela chegou a declarar que um dos objetivos desta eleição é tirar o PT do poder, o que faz supor mágoas não digeridas contra o PT que ajudou a fundar. O Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus à qual Marina pertence, é o seu Papa. O Papa falou, ela, fundamentalisticamente obedece, pois vê nisso a vontade de Deus. E, aí, muda de opinião. Creio que não o faz por oportunismo político, mas por obediência à autoridade religiosa, o que acho, no regime democrático, injustificável. Um presidente deve obediência à Constituição e ao povo que a elegeu e não a uma autoridade exterior à sociedade. Viomundo — Qual o risco para a democracia brasileira de alguém na presidência estar submissa a visões tão retrógradas em pleno século XXI, ignorando os avanços, as modernidades? Leonardo Boff — Um fundamentalista é um dos atores políticos menos indicado para exercer o cargo da responsabilidade de um presidente. Este deve tomar decisões dentro dos parâmetros constitucionais, da democracia e de um estado laico e pluralista. Este tolera todas as expressões religiosas, não opta por nenhuma, embora reconheça o valor delas para a qualidade ética e espiritual da vida em sociedade. Se um presidente obedece mais aos preceitos de sua religião do que aos da Constituição, fere a democracia e entra em conflito permanente com outros até de sua
  • 3. base de sustentação, pois os preceitos de uma religião particular não podem prevalecer sobre a totalidade da sociedade. A seguir estritamente nesta linha, pode acontecer um impeachment à Marina, por inabilidade de coordenar as tensões políticas e gerenciar conflitos sempre presentes em sociedades abertas. Viomundo — Lá atrás Marina Silva esteve ligada à Teologia da Libertação. Atualmente, é da Assembleia de Deus. O que o senhor diria dessa trajetória religiosa? O que representa essa guinada para o conservadorismo exacerbado? Leonardo Boff – Respeito a opção religiosa de Marina bem como de qualquer pessoa. Eu a conheço do Acre e ela participava dos cursos que meu irmão teólogo Frei Clodovis (trabalhava 6 meses na PUC do Rio e 6 meses na igreja do Acre) e eu dávamos sobre Fé e Política e sobre Teologia da Libertação. Aqui se falava da opção pelos pobres contra a pobreza, a urgência de se pensar e criar um outro tipo de sociedade e de país, cujos principais protagonistas seriam as grandes maiorias pobres junto com seus aliados, vindos de outras classes sociais. Marina era uma liderança reconhecida e amada por toda a Igreja. Depois, ao deixar o Acre, por razões pessoais, converteu-se à Igreja Assembleia de Deus. Esta se caracteriza por um cristianismo fundamentalista, pietista e afastado das causas da pobreza e da opressão do povo. Sua pregação é a Bíblia, preferentemente o Antigo Testamento, com uma leitura totalmente descontextualizada daquele tempo e do nosso tempo. Como fundamentalista é uma leitura literalista, no estilo dos muçulmanos. Politicamente tem consequências graves: Marina pôs o foco no pietismo e no fundamentalismo, na vida espiritual descolada da história presente e quase não fala mais da opção pelos pobres e da libertação. Pelo menos não é este o foco de seu discurso. A libertação para ela é espiritual, do pecado e das perversões do mundo. Com esse pensamento é fácil ser capturada pelo sistema vigente de mercado, da macroeconomia neoliberal e especulativa. Isso é inegável, pois seus assessores são desse campo: a herdeira do Banco Itaú Maria Alice (Neca), Guilherme Leal da Natura e o economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Os pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora. E eu que em 2010 sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, dos operários explorados das grandes fábricas, dos invisíveis, alguém que viria dos fundos da maior floresta úmida do mundo, a Amazônia, chegar a ser presidente de um dos maiores países do mundo, o Brasil?! Esse sonho foi uma ilusão que faz doer até os dias de hoje. Pelo menos vale como um sonho que nunca morre! Viomundo — O programa de Marina prevê autonomia ao Banco Central. O que acha dessa medida? Leonardo Boff — Eu me pergunto, autonomia de quem e para quem?
  • 4. Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. Um presidente/a é eleito para governar seu povo e um dos instrumentos principais é o controle monetário que assim lhe é subtraído. Isso é absolutamente antidemocrático e comporta submissão à tirania das finanças que são cada vez mais vorazes, pondo países inteiros à falência como é o caso da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal e outros. Viomundo — Essa medida expressa a influência de Neca Setúbal, herdeira do Itaú, no seu futuro governo? Leonardo Boff — Quem controla a economia controla o país, ainda mais que vivemos numa sociedade de “Grande Transformação” denunciada pelo economista húngaro-americano Karl Polaniy ainda em 1944 quando, como diz, passamos de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Então tudo vira mercadoria, inclusive as coisas mais sagradas como água, alimentos, órgãos humanos. A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países. A partir desse controle, estabelecem os níveis dos juros, a meta da inflação, a flutuação do dólar e a porcentagem do superávit primário (aquela quantia tirada dos impostos e reservada para pagar os rentistas, aqueles que emprestaram dinheiro ao governo). Os bancos jogam um papel decisivo, pois é através deles que se fazem os repasses dos empréstimos ao governo e se cobram juros pelos serviços. Quanto maior for o superávit primário a alíquota Selic mais lucram. Pode ser que a citada Neca Setúbal tenha tido influência para que a candidata Marina acreditasse neste receituário, velho, antipopular, danoso para as grandes maiorias, mas altamente benéfico para o sistema macroeconômico vigente. Viomundo — As avaliações feitas até agora mostram que o programa econômico de Marina é o mesmo de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência. São neoliberais. O que representaria para o Brasil o retorno a esse modelo? O senhor acha que, se eleita, o governo Marina teria conotações neoliberais? Leonardo Boff — Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal. Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros. Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de “austeridade fiscal” ,que está afundando as economias da zona do Euro e não deram certo em lugar nenhum do mundo, se olharmos a política econômica a partir da maioria da população. Dão certo para os ricos que ficam cada vez mas ricos, como é o caso dos EUA onde 1% da população ganha o equivalente ao que ganham 99% das pessoas. Hoje os EUA são um dos países mais desiguais do mundo. Viomundo – Foi amplamente divulgado que Marina consulta a Bíblia antes de tomar decisões complexas. Esta visão criacionista do mundo é compatível com um mundo laico?
  • 5. Leonardo Boff — O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. É uma maneira de entender a doutrina: a minha é a única verdadeira e as demais estão erradas e como tais não têm direito nenhum. Graças a Deus que isso fica apenas no plano das ideias. Mas facilmente pode passar para o plano da prática. E, aí, se vê evangélicos fundamentalistas invadirem centros de umbanda ou do candomblé e destruírem tudo ou fazerem exorcismos e espalharem sal para todo canto. E no Oriente Médio fazem-se guerras entre fundamentalistas de tendências diferentes com grande eliminação de vidas humanas como o faz atualmente o recém-criado Estado Islâmico. Este pratica limpeza étnica e mata todo mundo de outras etnias ou crenças diferentes das dele. Marina não chega a tanto. Mas possui essa mentalidade teologicamente errônea e maléfica. No fundo, possui um conceito fúnebre de Deus. Não é um Deus vivo que fala pela história e pelos seres humanos, mas falou outrora, no passado, deixou um livro, como se ele nos dispensasse de pensar, de buscar caminhos bons para todos. O primeiro livro que Deus escreveu são a criação e a natureza. Elas estão cheias de lições. Criou a inteligência humana para captarmos as mensagens da natureza e inventarmos soluções para nossos problemas. A Bíblia não é um receituário de soluções ou um feixe de verdades fixadas, mas uma fonte de inspiração para decidirmos pelos melhores caminhos. Ela não foi feita para encobrir a realidade, mas para iluminá-la. Se um fundamentalista seguisse ao pé da letra o que está escrito no livro Levítico 20,13 cometeria um crime e iria para a cadeia, pois aí se diz textualmente: “Se um homem dormir com outro, como se fosse com mulher, ambos cometem grave perversidade e serão punidos com a morte: são réus de morte”. Viomundo — Marina fala em governar com os melhores. É possível promover inclusão social, manter políticas que favorecem os mais pobres com uma política econômica neoliberal? Leonardo Boff — Marina parece que não conhece a realidade social na qual há conflitos de interesses, diversidade de opções políticas e ideológicas, algumas que se opõem completamente às outras. Lendo o programa de governo do PSB de Marina parece que fazemos um passeio ao jardim do Éden. Tudo é harmonioso, sem conflitos, tudo se ordena para o bem do povo. Se entre os melhores estiver um político, para aceitar seu convite, deverá abandonar seu partido e com isso, segundo a atual legislação, perderia o mandato. Ela necessariamente, se quiser governar, deverá fazer alianças, pois temos um presidencialismo de coalizão. Se fizer aliança com o PMDB deverá engolir o Sarney, o Renan Calheiros e outros exorcizados por Marina. Collor tentou governar com base parlamentar exígua e sofreu um impeachment. Viomundo — Marina é preparada para presidir um país tão complexo como o Brasil? Leonardo Boff — Eu pessoalmente estimo sua inteireza pessoal, sua visão espiritualista (abstraindo o fundamentalismo), sua busca de ética em tudo o que faz. Estimo a pessoa, mas questiono o ator político. Acho que não tem a inteligência
  • 6. política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de síntese, mas antes de divisão. Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o capitalismo selvagem dos neoliberais? Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras florestas úmidas. Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as energias de todo o universo). Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos demasiadamente retirado dela. Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que atende nossas necessidades e das futuras gerações. Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.
  • 7. política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de síntese, mas antes de divisão. Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o capitalismo selvagem dos neoliberais? Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras florestas úmidas. Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as energias de todo o universo). Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos demasiadamente retirado dela. Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que atende nossas necessidades e das futuras gerações. Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.