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| 20 | Economia >                                                                       ZERO HORA > DOMINGO| 12 | AGOSTO | 2007




                                                   “Outro dia eu pago”
           A


                                                                                                                                                                                                                         FOTOS GENARO JONER
                                              luz no painel indica
                                             que a gasolina está
                                             na reserva. Adriano
                                             Paesi dá uma para-
                                             da em um posto e
                                             abastece sua Fiorino
                                              com R$ 20. A tarde
                                               é de compras, e
                                                o dono do res-
                                                 taurante Velho
                                                 Coração terá de
                       rodar até o anoitecer antes de voltar para
                       casa.
                          Na economia popular, compras não
                       querem dizer necessariamente emissão
                       de cheques, utilização do cartão de cré-
                       dito ou troca de dinheiro no ato. Os Pae-
                       si estão no meio de uma prática comum
                       não apenas entre clientes como também
                       entre os fornecedores: o fiado.
                          A maior parte dos restaurantes popu-
                       lares da Capital não aceita cartão de cré-              As relações
                       dito porque o valor baixo das refeições                 de confiança                                                             Dono de um Opala Comodoro 1988,
                       não compensa o alto custo da operação,                  estão na base                                                            Adriano se vangloria de tirá-lo da
                       explica Daniel Antoniolli, presidente do                de negócios
                       Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de                                                                                          garagem apenas nos fins de semana,
                                                                               entre clientes e
                       Porto Alegre. Mas consegue algo que as                  fornecedores,                                                            quando passeia pelo Vale dos Vinhedos
                       grandes redes não têm como oferecer, co-                como Adriano e                                                           com Sabrina, sua noiva há cinco anos.
                       mo segurar o cheque por alguns dias ou                  Gerson
                       anotar o débito num caderninho, acres-                                                                                           Para levá-la ao altar, diz, falta "engrenar
                       centa Haroldo Torres, diretor do instituto                                                                                       na profissão". "Sabe como é: acaba o
                       de pesquisas Data Popular.                                                                                                       dinheiro, acaba o amor", explica.
                          É o diferencial que essa economia pe-
                       quena, geralmente familiar, com baixo
                       capital, pode apresentar em relação às                  ções de proximidade – reforça a sociólóga       pago depois. A gente se entende.             não falta, desabafa.
                       grandes redes que também estão desco-                   Rosinha Machado Carrion, professora da             Há 20 anos na Ceasa, Maria Helena ho-        Findo o papo, Adriano volta à Fiorino,
                       brindo, na base da pirâmide, clientes em                Universidade Federal do Rio Grande do           je tem uma banca especializada em tem-       onde espera as suas entregas, que cus-
                       potencial. Nesse ponto, vender fiado po-                Sul.                                            peros – cebolete, tomilho, coentro, malva    taram ao todo R$ 80. É hora comprar
                       de fazer diferença, diz Francisco Barone,                 É o que acontece com as compras de            cheirosa, alecrim. A produção é plantada     carne. O carro vai se embrenhando na
                       coordenador do Programa de Estudos                      Adriano. A primeira parada é na Centrais        em duas chácaras, uma em Alvorada e          periferia. As carroças, os loteamentos e as
                       Avançados em Pequenos Negócios, Em-                     de Abastecimento do Estado SA (Ceasa)           outra em Gravataí, tocadas por duas fi-      propagandas em carro de som começam
                       preendedorismo e Microfinanças da Fun-                  – templo dos restauranteiros, onde, no          lhas, um genro e pelo ex-marido dela. Por    a compor a paisagem.
                       dação Getulio Vargas.                                   primeiro semestre, foram negociados R$          semana, lucra R$ 400 com o comércio             A parada é no supermercado Paesi, em
                          – A base dessa economia são as rela-                 211,3 milhões, quase tudo em alimen-            dos produtos na Ceasa. Ali, Adriano gasta    Alvorada. A loja, de médio porte, é de um
                                                                               tos. Desviando dos carregadores, que            R$ 18 em temperos, passa por outro box       primo de Adriano, que lhe vende a preços
   Prestes a se                                                                assobiam e gritam sem parar para que            e termina na banca de Gerson Puhl.           mais baixos. Ele vai até o açougue e pega
                                                                               as pessoas liberem a passagem, chega ao            O restauranteiro descendente de ita-      30 quilos de costela. A conta, para pagar
 aposentar, Susana                                                             galpão dos produtores e vai direto à ban-       lianos e o agricultor, de origem alemã,      depois, é de R$ 180. Depois de gastar R$
 diz que o Velho                                                               ca de Maria Helena Menegassi. Ela recebe        se dão bem. Contrariando as tradições,       260, Adriano não entrega nenhum tostão
 Coração é seu                                                                 o cliente com um grunhido cordial que           quem mais fala é Gerson. E como. Apro-       aos fornecedores.
                                                                               quer dizer algo como “olha quem apare-          veita e começa a se queixar: “o box é mui-      – Outro dia eu pago – diz.
 “lazer”. É no                                                                 ceu...”. O pai de Adriano era cliente antigo.   to caro, custa R$ 380 por mês, os horários      Volta para casa e sabe que dois ou três
 restaurante do                                                                Agora, o filho mantém a tradição:               de funcionamento não são cumpridos           dias depois retornará aos mesmos lugares
 bairro Navegantes                                                               – Compro sempre nos mesmos forne-             pelos donos de galpões, a diretoria não      para comprar com os mesmos comer-
                                                                               cedores. É uma questão de confiança. As-        faz nada...” Para encerrar, puxa um bolo     ciantes e, talvez, já ter o dinheiro para qui-
 que almoça e passa                                                            sim, se eu estou sem dinheiro, pego fiado,      de cheques sem fundo. Caloteiro é o que      tar as contas.
 as tardes batendo
 papo com os Paesi. Da comida da “tia”,
 como chama Jovilde, prefere o pastel de
 carne, a rosca e a panqueca.
                                                                                    Tempo de revitalizar
                                                                                      Quem anda pelas ruas cinzentas do           chácaras migraram para o local. A pro-     do bairro há 11 anos, sentada junto ao
                                                                                    bairro Navegantes num fim de semana           ximidade com o Guaíba e a posição          freezer dos refrigerantes, em sua mesa
                                                                                    vai pensar que está passando por um           privilegiada na entrada da cidade atra-    cativa no Velho Coração, onde almoça
                                                                                    pedaço de chão abandonado, onde só            íam depósitos, indústrias e comércio.      quase todos os dias, diz que a Festa de
                                                        SÃO JOÃO                    transitam cães sem dono. Nem sempre           O primeiro choque, diz, aconteceu com      Navegantes é o que restou de orgulho
   Navegantes                                                                       foi assim. O bairro do restaurante Velho      o aterro que prolongou o cais do porto,    por ali.
                                        NAVEGANTES        Humaitá

                                                                          N
   População: 4.227 habitantes                                                      Coração, que hoje clama por revitali-         deixando a Voluntários
   Área: 2,2 quilômetros quadrados                                                  zação, sofreu vários golpes na pujança        desgarrada do estuário.
                                        Guaíba                                      industrial e comercial que já viveu. O        A criação do Porto Se-
   Densidade demográfica: 1.921,36
   habitantes por quilômetro quadrado
                                                                    SÃO JOÃO        historiador Sérgio da Costa Franco, au-       co finalizou o processo,
                                                       SÃO GERALDO                  tor do Porto Alegre – Guia Histórico, que     levando, ao longo das
   Taxa de analfabetismo: 1,6%            CENTRO
                                             Praia
                                                                                    reúne a história da cidade, resume:           décadas de 80 e 90, as
                                            de Belas



   Rendimento médio dos                                PORTO                          – É um bairro que ficou decadente.          transportadoras dali.
   responsáveis por domicílio:                                                        No início, lá por 1830, quando era            Susana Stanieck
   7,4 salários mínimos                                ALEGRE                       aberto o Caminho Novo, hoje a Rua             Pütton, 56 anos, é tes-
                                                                                    Voluntários da Pátria, conta Franco,          temunha. Moradora

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Economia popular: o sistema de fiado entre clientes e fornecedores

  • 1. | 20 | Economia > ZERO HORA > DOMINGO| 12 | AGOSTO | 2007 “Outro dia eu pago” A FOTOS GENARO JONER luz no painel indica que a gasolina está na reserva. Adriano Paesi dá uma para- da em um posto e abastece sua Fiorino com R$ 20. A tarde é de compras, e o dono do res- taurante Velho Coração terá de rodar até o anoitecer antes de voltar para casa. Na economia popular, compras não querem dizer necessariamente emissão de cheques, utilização do cartão de cré- dito ou troca de dinheiro no ato. Os Pae- si estão no meio de uma prática comum não apenas entre clientes como também entre os fornecedores: o fiado. A maior parte dos restaurantes popu- lares da Capital não aceita cartão de cré- As relações dito porque o valor baixo das refeições de confiança Dono de um Opala Comodoro 1988, não compensa o alto custo da operação, estão na base Adriano se vangloria de tirá-lo da explica Daniel Antoniolli, presidente do de negócios Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de garagem apenas nos fins de semana, entre clientes e Porto Alegre. Mas consegue algo que as fornecedores, quando passeia pelo Vale dos Vinhedos grandes redes não têm como oferecer, co- como Adriano e com Sabrina, sua noiva há cinco anos. mo segurar o cheque por alguns dias ou Gerson anotar o débito num caderninho, acres- Para levá-la ao altar, diz, falta "engrenar centa Haroldo Torres, diretor do instituto na profissão". "Sabe como é: acaba o de pesquisas Data Popular. dinheiro, acaba o amor", explica. É o diferencial que essa economia pe- quena, geralmente familiar, com baixo capital, pode apresentar em relação às ções de proximidade – reforça a sociólóga pago depois. A gente se entende. não falta, desabafa. grandes redes que também estão desco- Rosinha Machado Carrion, professora da Há 20 anos na Ceasa, Maria Helena ho- Findo o papo, Adriano volta à Fiorino, brindo, na base da pirâmide, clientes em Universidade Federal do Rio Grande do je tem uma banca especializada em tem- onde espera as suas entregas, que cus- potencial. Nesse ponto, vender fiado po- Sul. peros – cebolete, tomilho, coentro, malva taram ao todo R$ 80. É hora comprar de fazer diferença, diz Francisco Barone, É o que acontece com as compras de cheirosa, alecrim. A produção é plantada carne. O carro vai se embrenhando na coordenador do Programa de Estudos Adriano. A primeira parada é na Centrais em duas chácaras, uma em Alvorada e periferia. As carroças, os loteamentos e as Avançados em Pequenos Negócios, Em- de Abastecimento do Estado SA (Ceasa) outra em Gravataí, tocadas por duas fi- propagandas em carro de som começam preendedorismo e Microfinanças da Fun- – templo dos restauranteiros, onde, no lhas, um genro e pelo ex-marido dela. Por a compor a paisagem. dação Getulio Vargas. primeiro semestre, foram negociados R$ semana, lucra R$ 400 com o comércio A parada é no supermercado Paesi, em – A base dessa economia são as rela- 211,3 milhões, quase tudo em alimen- dos produtos na Ceasa. Ali, Adriano gasta Alvorada. A loja, de médio porte, é de um tos. Desviando dos carregadores, que R$ 18 em temperos, passa por outro box primo de Adriano, que lhe vende a preços Prestes a se assobiam e gritam sem parar para que e termina na banca de Gerson Puhl. mais baixos. Ele vai até o açougue e pega as pessoas liberem a passagem, chega ao O restauranteiro descendente de ita- 30 quilos de costela. A conta, para pagar aposentar, Susana galpão dos produtores e vai direto à ban- lianos e o agricultor, de origem alemã, depois, é de R$ 180. Depois de gastar R$ diz que o Velho ca de Maria Helena Menegassi. Ela recebe se dão bem. Contrariando as tradições, 260, Adriano não entrega nenhum tostão Coração é seu o cliente com um grunhido cordial que quem mais fala é Gerson. E como. Apro- aos fornecedores. quer dizer algo como “olha quem apare- veita e começa a se queixar: “o box é mui- – Outro dia eu pago – diz. “lazer”. É no ceu...”. O pai de Adriano era cliente antigo. to caro, custa R$ 380 por mês, os horários Volta para casa e sabe que dois ou três restaurante do Agora, o filho mantém a tradição: de funcionamento não são cumpridos dias depois retornará aos mesmos lugares bairro Navegantes – Compro sempre nos mesmos forne- pelos donos de galpões, a diretoria não para comprar com os mesmos comer- cedores. É uma questão de confiança. As- faz nada...” Para encerrar, puxa um bolo ciantes e, talvez, já ter o dinheiro para qui- que almoça e passa sim, se eu estou sem dinheiro, pego fiado, de cheques sem fundo. Caloteiro é o que tar as contas. as tardes batendo papo com os Paesi. Da comida da “tia”, como chama Jovilde, prefere o pastel de carne, a rosca e a panqueca. Tempo de revitalizar Quem anda pelas ruas cinzentas do chácaras migraram para o local. A pro- do bairro há 11 anos, sentada junto ao bairro Navegantes num fim de semana ximidade com o Guaíba e a posição freezer dos refrigerantes, em sua mesa vai pensar que está passando por um privilegiada na entrada da cidade atra- cativa no Velho Coração, onde almoça pedaço de chão abandonado, onde só íam depósitos, indústrias e comércio. quase todos os dias, diz que a Festa de SÃO JOÃO transitam cães sem dono. Nem sempre O primeiro choque, diz, aconteceu com Navegantes é o que restou de orgulho Navegantes foi assim. O bairro do restaurante Velho o aterro que prolongou o cais do porto, por ali. NAVEGANTES Humaitá N População: 4.227 habitantes Coração, que hoje clama por revitali- deixando a Voluntários Área: 2,2 quilômetros quadrados zação, sofreu vários golpes na pujança desgarrada do estuário. Guaíba industrial e comercial que já viveu. O A criação do Porto Se- Densidade demográfica: 1.921,36 habitantes por quilômetro quadrado SÃO JOÃO historiador Sérgio da Costa Franco, au- co finalizou o processo, SÃO GERALDO tor do Porto Alegre – Guia Histórico, que levando, ao longo das Taxa de analfabetismo: 1,6% CENTRO Praia reúne a história da cidade, resume: décadas de 80 e 90, as de Belas Rendimento médio dos PORTO – É um bairro que ficou decadente. transportadoras dali. responsáveis por domicílio: No início, lá por 1830, quando era Susana Stanieck 7,4 salários mínimos ALEGRE aberto o Caminho Novo, hoje a Rua Pütton, 56 anos, é tes- Voluntários da Pátria, conta Franco, temunha. Moradora