Guria campeira com um pé na cidade e outro no campo
1. CAMPO & LAVOURA PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 8 DE SETEMBRO DE 2006 / 3
Guria campeira,
com um pé na cidade
Lições do primeiro
mundo
A educação foi de primeira. Até
mesmo babás dos Estados Unidos,
África do Sul e Austrália eram trazi-
das para o Brasil, onde passavam
uma temporada na estância para
ensinar inglês à meninada.
– Era uma espécie de intercâm-
bio. Eles vinham para cá aprender
sobre a vida campeira, mas só po-
diam falara inglês com as crianças
– lembra o pai, Reynaldo Salvador.
Depois do período na fazenda,
Mariana se mudou para Alegrete,
onde viveu e freqüentou a escola até
os 11 anos. Somente então, a moça
veio morar em Porto Alegre, onde
mora até hoje – embora faça de tu-
do para voltar ao campo. Não que
ela não goste do agito da cidade
grande, do shopping center, onde
muitas vezes desfila de bombacha,
mas a saudade da estância é sempre
maior. Às vezes, insuportável.
Na semana da Expointer, passou
longe das classes escolares. Com car-
teira de motorista recém tirada, pe-
diu o carro do avô emprestado. Sete
da manhã estava indo para Esteio.
Muito trabalho e
badalação em Esteio
Era sempre a primeira a chegar e
a última a sair. Sim, sobrou tempo
para badalar em frente à Associação
Brasileira de Criadores de Cavalos
Crioulos, mas na agenda de Esteio
também tinha muito trabalho – ali-
mentar, lavar, cuidar do animais.
Quando está na estância, é igual-
zinho. Mariana levanta às 6h e sai a
camperear. Reúne-se com a peona-
da e faz de tudo: recolhe o gado, dá
bóia para os animais, carrega sacos
de 25 quilos de ração no ombro. Es-
tá certo que às vezes se queixa –
mãe, tô com dor nas costas –, mas
nunca afrouxa: no outro dia já está
na lida novamente.
Vez ou outra, são publicadas pes-
quisas mostrando que as novas ge-
rações não estão dispostas a perma-
necer no campo. Nessas horas, é
melhor olhar para meninas, ou me-
lhor, mulheres como Mariana e ter a
certeza de que a tradicional pecuá-
ria gaúcha tem, sim, um futuro.
± sebastiao.ribeiro@zerohora.com.br
SEBASTIÃO RIBEIRO
A
moça que de três a
quatro vezes por se-
mana tem aulas de
ballet na Capital é a
mesma que se es-
praia sem pudores
sobre o feno e deita a cabeça no
ventre dos terneiros angus. A meni-
na que debutou no Porto Alegre
Country Club e no Leopoldina Juve-
nil é a mesma que desfila na Ex-
pointer com suas botas sujas de lide
e a faca – um presente do avô –
sempre atravessada na cintura.
Talvez não combine, mas Mariana
Macedo Salvador, 18 anos, é assim
mesmo: tem um pé no campo e ou-
tro na cidade (embora a cabeça, es-
ta sim, pareça estar sempre na es-
tância dos pais, a Cia. Azul, em Uru-
guaiana). E, com seu jeito cheio de
contradições, roubou a cena em Es-
teio. Com a palavra, a mãe coruja:
– Ela tem brilho próprio. Irradia
uma luz, uma alegria, uma simplici-
dade que cativa todo mundo – rela-
ta Susana Macedo Salvador.
Sintonia com
os animais
Na pista, ao apresentar a terneira
vencedora da Copa Incentivo, Ma-
riana dividiu a atenção com os ani-
mais. Senão pelo entrosamento com
o animal, por sua própria beleza,
sustentada por um corpo esguio de
modelo que já desfilou pela Ford
Models. Mais tarde, ao puxar pelo
cabresto a mesma vaca no leilão
Golden Angus, diante de tantas lu-
zes e da televisão, falou mais alto o
lado menina: por algum motivo es-
pecial ou apenas por adolescente,
Mariana ficou nervosa, as boche-
chas vermelhas feito tomate.
– Fiquei (nervosa) porque era
muita agitação. A terneira estra-
nhou o ambiente, ficou mais agitada
e me passou isso – explicou.
No verão, faz vestibular. Adivinha
para quê? Veterinária, claro. A pai-
xão pelo campo tem futuro – e tem,
principalmente, passado. Até os oito
anos, Mariana viveu na estância, a
Cabanha Azul, de seu avô, João
Vieira de Macedo. As primeiras le-
tras, aprendeu com uma professora
particular.
Mariana Macedo Salvador, 18 anos, que se desmancha de saudades da estância, vai fazer vestibular para veterinária
EMERSONSOUZA
MAUROVIEIRA