O documento descreve as compras de Natal realizadas por consumidores em duas ruas de Porto Alegre - a Rua Voluntários da Pátria e a Rua Padre Chagas. As ruas estão cheias de lojas oferecendo descontos e ofertas para as compras de fim de ano. Duas consumidoras, Nilza e Andrea, são retratadas enquanto procuram presentes para suas famílias nos comércios das ruas.
COMPRAS DE NATAL NAS RUAS VOLUNTÁRIOS E PADRE CHAGAS
1. COMPRAS DE NATAL
Unidas p
FOTOS MAURO VIEIRA
Consumidores
aglomeram-se em volta consumoelo Na charmosa Padre
Chagas, no bairro
dos balaios e araras Moinhos de Vento, as
com descontos na Rua compras são feitas à
Voluntários da Pátria, no sombra das árvores que
centro de Porto Alegre cobrem a rua
M
esmo sob o sol do meio-dia, vido em cada esquina por R$ 1. Nilza
a sombra árvores e um vento não entra nessa fila. Serpenteia pelos estandes
ainda primaveril garantem de um dos shoppings de fábricas que reúnem, além
um clima ameno na Rua de centenas de lojas de confecções, quiosques de
Padre Chagas. O leve vestido celulares, bugigangas eletrônicas, tatuagens, artigos
verde que escancara as tatu- esotéricos e até um de “cabelos e perucas”.
agens nas costas da cabeleireira Andrea Santana ba- A aposentada concentra-se nas araras. Busca
lança com a brisa. Decidida, a consumidora entra na uma blusa para a filha Patrícia, 35 anos, “mas tem
loja de sapatos esportivos, onde é recebida com um de ser com manga, porque ela é mórmon”, e a reli-
abraço pela vendedora. São velhas conhecidas. gião não permite cavada. Depois de ver modelos por
– O meu ex-marido era amigo de infância do ma- R$ 24,90, encontra semelhantes por R$ 19,90. Leva
rido dela – explica. dois do mais barato. Fora do shopping, a rua ferve. A
– Ex! – corrige a vendedora Aracheine Molarinho. multidão produz uma algaravia, entrecortada pelo
Em uma loja da Rua Voluntários da Pátria a ven- grito de pregadores.“Compro ouroooô”.“DVD, DVD,
dedora oferece ajuda à aposentada Nilza Peixe. A DVDVDVD...”.“Vale, vale, vale!”. A gritaria é comple-
cliente nem repara. Não gosta muito de vendedora tada pela moça de cabelos descoloridos, pele torrada
que gruda. Prefere remexer sozinha nas araras, andar e lábios fartos, que, escorada em uma manequim
de comércio em comércio, até achar uma pechincha. cortada pela cintura, grita, displiscentemente:
Empolga-se ao mostrar que um vestido estilo india- – Leguieannnnnnn!
Sorvete tipo de
dois sabore italiano com
no “que estava R$ 55 na loja ao lado está por R$ 25 Oferece calças estilo legging por R$ 20,99. Numa sorvete
s aqui”. Mas não leva. Precisa achar presentes para as loja da Padre Chagas, esse modelo, mais sofisticado, bolas de te na Padre
Duas iogur
Voluntários servido na
custa R$ 1 duas filhas, o filho e o neto,Victor, de oito anos. sai por R$ 98. Não é o que Ariadne, a filha de 11 anos menta e custam R$ 6,25
– Ele quer uns carrinhos Hot Wheels, um (video- de Andrea, vai ganhar. Nos planos da mãe para a ca- Chagas
game) Playstation 3, que o 2 ele já tem, ou um... Co- çula está um tênis All Star. Na loja que vende sapatos
mo chama mesmo? Laptop! Ele acha que da marca, toca rock´n´roll anos 50. De
é só a vó passar o cartão de crédito, mas novo, a cabeleireira é recebida com um
não dá – conta Nilza. abraço pela atendente, Lívia Sorio. An-
Laptop é o que as crianças da Voluntá- tes de fechar negócio, um telefonema:
rios da Pátria mais querem, conta Sérgio – Filha, a mãe está vendo um All Star
Carvalho, que em dezembro é o Papai pra ti. É prateado, tem meio que um
Noel de uma galeria da rua – no resto do matelassê. Teu pé é 35, né?
ano é representante comercial, vende“um – De All Star, 34 – responde a filha..
produto milenar japonês, uma espécie de Depois de entregar o cartão de cré-
palmilha boa para varizes, problema de dito, Andrea pára um segundo e mira
coluna, obesidade, pessoa gorda...” Com a o nada. É cheiro de comida. Risoto!,
experiência de quem já foi bom velhinho aposta. Ao passar pelo restaurante com
em supermercado de zona rica, ele conta mesas na calçada, gaba-se de ter acer-
que não tem muita diferença entre os pe- tado o menu. Mas segue até a loja de
didos das crianças de um ou outro lugar. vinhos e especiarias, onde, na vitrina,
Andrea busca um tênis para o filho jaz um pernil de presunto “pata negra”
Anmer. Aracheine já sabe o perfil do estudante de 20 espanhol de quase sete quilos, por R$ 1,5 mil. Há
anos que curte heavy metal: tem de ser algo básico. também opções como um salame por R$ 32, o quilo.
Mostra para a amiga-cliente um modelo preto com Ainda assim, mais caro que as lingüiças vendidas
branco e outro preto com amarelo, de R$ 149, mais na fiambreria da Voluntários. Nilza, no entanto, pre-
um preto com cinza e vermelho, de R$ 249. fere a rua para roupas e sapatos. Em busca de uma
– Esta é uma linha customizada. São 36 pares sandália para a filha Patrícia, de 35 anos, a aposenta-
feitos de cada na Itália, trabalho quase artesanal – a da percorre os caminhos tortuosos do shopping de
vendedora justifica o preço mais alto. fábricas até encontrar o quiosque mais barato. Com
– Vou levar este mesmo (o mais caro). Melhor pra a certeza de economia, leva por R$ 35 uma sandália
mim e para ti – responde Andrea. para a caçula gastar nas noites de pagode.
– Vamos fazer assim: leva os três para casa e ele No outro dia, a aposentada ainda voltaria à Volun-
decide o que preferir, Déia – propõe Aracheine. tários da Pátria, para mais compras. Assim como
Melhor para Andrea. Na rua, caminha para o lado Andrea voltaria à Padre Chagas, não só para traba-
oposto ao da sorveteria onde duas bolas do sabor lhar, mas também para desfazer uma compra: o filho
tiramissu saem por R$ 6,25. Sorvete tipo italiano não quis ganhar tênis e pediu um acessório de infor-
também é estrela na Voluntários da Pátria. Mas o de mática. Na mais popular ou na mais da badalada rua
máquina, listras creme e chocolate ou morango, ser- de Porto Alegre, o comércio de rua ainda pulsa.
ZERO HORA > DOMINGO | 21 | DEZEMBRO | 2008 DINHEIRO 3