A safra de soja gaúcha de 2007 foi recorde, com uma produção estimada em 9,85 milhões de toneladas. A fazenda de Ângelo Pegoraro em Vacaria foi uma das últimas a colher, terminando a colheita em 14h55 de quarta-feira após 24 horas de trabalho contínuo. Apesar de pequenos problemas como uma máquina que atolou, a lavoura de Pegoraro teve rendimento acima da média com 2,7 mil quilos por hectare.
1. | 4 | Reportagem Especial > ZERO HORA > SEXTA | 8 | JUNHO | 2007
JÚLIO CORDEIRO
QUARTA-FEIRA
Supersafra
Serviço na lavoura de Pegoraro, na Serra, se estendia até a noite com os faróis das máquinas agrícolas iluminando o campo
A colheita do último grão dourado
Quando a colheitadeira arrancou do solo o derradeiro pé de soja de afundadas no barro e uma discussão in-
terminável sobre como resgatar o gigante
uma área entre Bom Jesus e Vacaria às 14h55min de ontem, – cava ao redor do pneu, puxa com um
encerrava-se, simbolicamente, a maior safra gaúcha do grão na trator, com dois, pela frente, por trás –,
história. Zero Hora acompanhou as últimas 24 horas de trabalho. até que uma das tentativas é bem-suce-
dida. O equipamento ainda participa dos
Vacaria perde qualidade). Neste ano, portanto, a busca de cada metro quadrado plantado. últimos momentos da colheita.
SEBASTIÃO RIBEIRO safra atrasou ainda mais nos Campos de Quando estão exauridas, os reservató- Apesar dos pequenos contratempos,
Cima da Serra, onde a colheita sempre é rios quase transbordando de tanto grão, as lavouras de Pegoraro apresentaram
lavoura de Ângelo Pe- rendimento de 2.700 quilos por hectare
A
tardia – a altitude e a temperatura baixa as máquinas acusam acendendo auto-
goraro foi uma das úl- fazem com que as variedades tenham ci- maticamente um giroflex. É o sinal para – um pouco acima da média estadual de
timas, se não a últi- clos mais longos, explica Carlos Pucci, que o caminhoneiro aproxime seu veícu- 2.530. O clima ajudou, foi quase perfeito.
ma, a ser colhida na agrônomo Cooperativa Tritícola Mista lo, na caçamba do qual a colheitadeira A safra é cheia, compensará o câmbio
região onde a safra Vacariense (Cooperval). vomita todo o grão colhido. O baile das desfavorável que afeta as cotações em
tradicionalmente ter- Os trabalhos nos 140 hectares de Pego- máquinas, e o ciclo colhe-despeja se- reais da soja (hoje em torno de R$ 27 a
mina mais tarde, en- raro que restavam plantados começaram guem quase incessantemente (só há saca). O problema são as dívidas prorro-
cerrando assim, um na terça-feira pela manhã. Os nove peões pausa para o almoço) até as 19h, já noite gadas de anos anteriores, que nos bancos
ciclo aberto pelo agri- encarregados de operar as quatro máqui- escura, a festa iluminada pelos faróis. somam R$ 100 bilhões no país, sendo
cultor Pedro Plínio nas e auxiliar no carregamento dos cami- R$ 14 bilhões a vencer em 2007.
Marques de São Luiz Gonzaga (veja texto nhões acordam cedo, às 7h. Fazem desje- Pequenos contratempos A situação de Pegoraro é ilustrativa do
ao lado). Se as estatísticas fossem preci- jum reforçado – café, leite, pão caseiro, na etapa final dos trabalhos problema. O custeio das lavouras de ve-
sas, poderia se dizer que Pegoraro com- margarina e geléia de figo – e se tocam rão – além de soja, milho e feijão – nos
pletou as 9.850.300 toneladas estimadas para o campo. Revisam, engraxam, abas- Assim como, segundo o ditado, “o bancos (sem contar financiamentos da
pela Companhia Nacional de Abasteci- tecem, apertam e desapertam parafusos olho do dono engorda o boi”, o olho do cooperativa) foi de R$ 594 mil, a pagar
mento como a produção de oleaginosa das máquinas – elas têm de estar regula- dono também enche o grão. Pegoraro é em 2007. No entanto, tem R$ 732 mil de
gaúcha. Uma safra para estufar o peito de das para retirar do solo o grão que, em presidente da Cooperval, para onde tam- débitos de custeio de anos anteriores,
qualquer produtor. todo Estado, injetará mais de R$ 4,4 bi- bém envia sua soja. Tem seus afazeres de prorrogados no passado por causa da se-
– Me convidaram para uma festa para lhões no bolso dos agricultores gaúchos executivo, mas todo dia vai à lavoura. ca (2004 e 2005) e dos baixos preços
comemorar o resultado da colheita. Fazia (embora boa parte desse dinheiro vá sair Chega preocupado com os detalhes que (2006), que vencem entre este ano e
muitos anos que eu não via isso! – conta direto da guaiaca para quitar dívidas). o caminho o faz lembrar – o milho qua- 2011. O governo já abriu o diálogo sobre
o agrônomo da Emater Alencar Ruggeri. A dança das colheitadeiras começa às se passando do ponto de colher, os grãos a renegociação, mas os agricultores tam-
A colheita nos 2 mil hectares de soja 10h. Juntos, os operadores lançam-nas de soja que transbordaram de um cami- bém sonham com outra coisa:
plantados por Pegoraro começou no iní- num balé frenético pela lavoura. A 6 nhão, a máquina atolada. – Precisamos de mais duas ou três sa-
cio de abril. Era para terminar na segun- km/h, o que parece muito rápido dado o A tal da colheitadeira que atolou atra- fras como esta para colocar as coisas em
da quinzena de maio, mas a chuva casti- tamanho de cada máquina, cruzam-se sou por umas horas o fim da colheita de ordem – resume Pegoraro.
gou a região no mês passado – e com coxilha acima, coxilha abaixo, deixando Pegoraro. Quarta-feira, a máquina parou
chuva não se colhe (o grão fica úmido e um rastro denso de poeira para trás, em em um banhado. Mais de 10 toneladas ± sebastiao.ribeiro@zerohora.com.br