Este documento discute a avaliação da educação pública brasileira e o conceito de qualidade da educação no contexto da reforma educacional influenciada pelo neoliberalismo. A avaliação da escola pública passou a considerar indicadores de desempenho dos alunos e professores influenciados por conceitos econômicos de eficiência e eficácia. Questiona-se que tipo de qualidade educacional interessa aos organismos internacionais e se atende às necessidades dos alunos e professores das escolas públicas.
A avaliação da escola pública e a qualidade da educação
1. Universidade Católica do Salvador
Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania
Gestão e Avaliação de Políticas e Projetos Sociais
Professoras: Denise Cristina V. R. Mendes e Katia S. de Freitas
Semestre: 01/2010
A AVALIAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA: entre qualidade do
mercado e a qualidade social da Educação
Virgílio Alberto S. Pinto1
RESUMO:
A avaliação da escola pública foi colocada no centro do debate da reforma
educacional brasileira a partir dos questionamentos sobre os índices de
desempenhos dos alunos das escolas públicas e a própria qualidade da
educação, que coloca em cheque a reestruturação do Estado no âmbito da
economia globalizada e da reestruturação produtiva toyotista. Isso reforça a
idéia de que a proposição de avaliação da educação migrou do “mundo” da
economia. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivos discutir a o
conceito de qualidade da educação e a avaliação da educação básica
relacionando com o ideário neoliberal da política educacional que pouco a
pouco tem sido introduzida no sistema público de ensino, impondo conceitos da
literatura do mercado na práxis educativa, na própria concepção de sistema
educacional e na profissão dos educadores e educadoras.
PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Educação. Qualidade da Educação.
Neoliberalismo. Política Educacional.
1
Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador.
2. Introdução
A pesquisa sobre qualidade da educação ganhou importância nas
últimas décadas, principalmente no contexto recente da educação brasileira,
com a universalização do acesso à educação básica e com a reforma do
sistema educacional e do próprio Estado, com referenciais baseados na
racionalidade a partir de princípios como custo-benefício e custo-efetividade,
dentre outros da literatura econômica e neoliberal.
O apelo à educação de qualidade tem sido também uma retórica da
mídia que atinge a opinião pública e a agenda de governos, movimentos
sociais, pais, estudantes e pesquisadores do campo da educação. N caso
brasileiro, vale ressaltar que a elevação das escolas a um patamar de
qualidade se apresenta como um complexo e grande desafio – basta verificar
os novos índices do IDEB com elevações tímidas em relação às metas
estabelecidas pelo Ministério da Educação e do INEP. Se, nas últimas
décadas, observamos avanços em termos de acesso e cobertura,
principalmente no ensino fundamental. Tal processo carece, contudo, de
melhoria no tocante a uma aprendizagem mais efetiva. E isso está na essência
da questão da qualidade.
Na ponta dessa polêmica estão os agentes executores da política
educacional que são os educadores e educadoras. Ai entra em cena outro fator
importante da nova política educacional brasileira que é a avaliação de
desempenho baseada na aferição da qualidade do trabalho docente a partir de
indicadores de desempenho dos educandos e provas periódicas de
conhecimentos específicos e pedagógicos fundada em referenciais reguladores
da carreira do magistério enquanto forma de fomento da qualidade da
educação.
Instaurar um debate sobre tais questões remete a um conjunto de
determinantes que interferem nesse processo, no âmbito das relações sociais
mais amplas, envolvendo questões macroestruturais da reforma do Estado,
qualidade da educação, educação como direito, entre outras. Também nos
levar, igualmente, a questões concernentes à análise de qual qualidade da
2
3. educação interessa ao coletivo, a fundamentação das propostas em curso bem
como à responsabilidade do Estado sobre a qualidade da educação pública o
que implica verificar a proposta de avaliação do magistério público enquanto
possibilidade de garantia dessa suposta qualidade requerida pelo ente
federativo estadual.
O arcabouço propositivo acima nos remete a outras tantas questões
como condições de trabalho, processos de gestão da escola, dinâmica
curricular, formação e profissionalização docente, condições socioeconômicas
dos sujeitos do processo educativo e suas relações com a qualidade que se
pretende para a educação pública. Em outras palavras, a educação escolar se
articula a uma pluralidade de dimensões e espaços da vida social sendo, ela
própria, elemento constitutivo e constituinte das relações sociais mais amplas.
O processo educativo, portanto, é eixo vertebrador, perpassado pelos limites e
possibilidades da dinâmica da pedagogia, da economia, da sociologia, da
antropologia, da cultural e política de qualquer sociedade.
Objetivando contribuir para a construção de referências analíticas para a
qualidade da educação e para a avaliação do sistema educacional de forma
articulada e não apenas de segmentos desse sistema como de professores, o
presente texto visa problematizar as múltiplas significações e conceitos
relativos à qualidade da educação.
3
4. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE EM EDUCAÇÃO: quem a pensa? A quem
serve?
Neste trabalho dois conceitos se impõem enquanto categorias epistemológicas
- avaliação docente e qualidade da educação.
“A idéia de que tudo pode e deve ser avaliado no sentido de
melhorar a qualidade da “coisa” que se produz ou do “serviço” que se
presta tem vindo a ganhar terreno no nosso quotidiano e a alargar- se
mesmo a horizontes que têm estado fora da obsessão avaliativa” .
(BELMIRO, 2009, p.179).
A idéia de medir os resultados da educação pública tem origem na idéia
de eficiência e eficácia que, na ciência econômica se utiliza para medir, aferir a
qualidade dos investimentos nos diversos ramos da economia privada. Tal
proposição foi introduzida no campo educacional a partir do ideário neoliberal
de reestruturação do Estado que tem na educação um viés de produtividade e
no cidadão um consumidor dos serviços públicos enquanto produtos.
Para Belmiro Gil Cabrito, a origem “a avaliação no sentido de melhorar a
qualidade desenvolveu-se nos meandros da economia e da finança, e a ela
não será estranho a necessidade de medir em termos econômicos a
rentabilidade do investimento aplicado”.(idem, p. 179).
Entretanto, a avaliação no âmbito da educação pública sempre pautou a
dimensão aluno. Avaliava-se, apenas o rendimento acadêmico dos alunos. A
partir da reestruturação do sistema educacional com a Constituição de 1988 e
a LDB 9394/96 uma nova perspectiva avaliativa se impôs pelo princípio da
“qualidade”.
Então a avaliação vai ser pautada pelos resultados negativos da
educação pública que não atendem à nova ordem econômica mundial
globalizada onde a competitividade do sistema produtivo entre nações é fator
determinante de estabilidade e crescimento econômico.
A reforma educacional na década de 1990, ganha força com o ideário
neoliberal, imperativo no governo de FHC, baseado na concepção de
“qualidade total”. Para Maria Malta Campos, os organismos multilaterais
(Banco Munidial, Fundo Monetário Internacional), influenciam nas reformas
4
5. educacionais na América Latina pautando a implantação de sistemas
educacionais fundados nos princípios da “qualidade total”.
“(...) elas também são parte integrante das reformas
educacionais desenvolvidas nos países latinos americanos,
influenciadas pelos acordos e convênios firmados com agências
multilaterais, os quais trazem em suas cláusulas a previsão de projetos
de monitoramento e avaliação das políticas implantadas nas redes
escolares públicas, com a preocupação de estimar as relações de
custo-benefício dessas intervenções e subsidiar a continuidade das
reformas”. (CAMPOS, 2000, p. 07).
Se for verdade que o sistema educacional está fundado na ideologia
dominante, o ideário de qualidade da educação desenvolvida no interior desse
sistema estará também articulado nos seus fundamentos. Sobre tal relação
entre avaliação e interesses ideológicos reformistas, Marília Fonseca apresenta
a indicação da política de avaliação pensada pelo Banco Mundial para
educação publica brasileira:
No final daquela década, o MEC negociava com o Banco Mundial outro
acordo para o desenvolvimento da educação fundamental nos estados do
Nordeste (Projeto Nordeste), cuja execução dar-se-ia na década de 1990. No
plano das ações, este acordo dava continuidade ao Projeto EDURURAL,
encerrado em 1987. Uma das propostas do Banco era dar seguimento ao
processo de avaliação externa desenvolvido nos projetos anteriores, desta
feita, alcançando o desempenho do aluno, dos professores e da rede escolar.
A proposta acordada entre o MEC e o Banco era estender a avaliação à
totalidade do sistema educacional. De fato, as experiências avaliativas
efetuadas nos âmbito dos acordos internacionais deram suporte aos projetos
nacionais de avaliação que se consolidariam na década de 1990 e que se
constituiriam a principal referência para a qualidade educacional. (FONSECA,
2009., p. 165).
Observamos que a autora aponta três dimensões a serem avaliadas,
segundo o Banco Mundial: a dimensão aluno, a dimensão professor e a
dimensão rede escolar. Todas elas contempladas no arcabouço da reforma e
em curso na conjuntura atual.
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6. Quando destacamos tais elementos não nos posicionamos contrários à
avaliação, queremos desvelar a sua lógica. A que se pretende avaliar tais
dimensões? Em detrimento da qualidade do ensino e das escolas? Sob que
ótica?
Novamente nos deparamos com a questão da qualidade. É aí que
abrimos um debate propositivo acerca do tipo de qualidade que esta pensada
para a escola pública brasileira. Se o conceito de qualidade está alicerçado nos
fundamentos da reforma como pontuamos aqui, então nos cabe buscar
entender o pensa o Banco Mundial. Inquirirmos se o que os executivos dos
organismos internacionais ligados ao capitalismo financeiro pensam sobre
educação é o que necessitam os alunos, professores e pais de alunos das
nossas escolas públicas. Sobre essa questão, analisando o Comunicado da
Comissão das Comunidades Européias ao Conselho e ao Parlamento Europeu
sobre a eficiência e equidade da educação e formação de professores,
observamos que tais preocupações estão intimamente ligadas às exigências do
mercado mundial que é competitivo.
O conselho Europeu da Primavera de 2006 definiu os dois desafios que
se colocam aos sistemas de educação e formação, ao concluir que são
factores determinantes para o desenvolvimento do potencial de
competitividade da EU alongo prazo e para a coesão social. Afirmou
ainda que é necessário acelerar os processos de reforma para garantir
a existência de sistemas de educação e formação de grande qualidade
e simultaneamente eficientes e equitativos. Estes aspectos são
fundamentais para o crescimento e o emprego e no método aberto de
coordenação aplicado à inclusão social e à proteção social. (COSELHO
EUROPEU, 2006., p. 02).
O mundo do capital financeiro impõe uma reforma ao Estado-
Providência que abarcou todos os setores da esfera pública, principalmente a
de serviços como educação. Nesse cenário, o mundo europeu também vem
rearticulando seu sistema educacional com orientações neoliberais baseadas
na eficiência e equidade, marcadamente por uma preocupação mais
orçamentária que social mais econômica que humana – ou para um grupo
específico e pequeno de humanos.
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7. O que está por traz da qualidade educacional pensada pelo ONU,
Organizações das Nações Unidas, é a reestruturação produtiva imposta pela
dinâmica histórica do processo de globalização que lançou os Estados-Nação,
numa competição mercadológica e financeira nunca experienciada na história
da humanidade. Se o capitalismo, no seu nascedouro a partir do século XVI,
teve que superar a servidão e, no apogeu da Revolução Industrial, o
escravismo e o colonialismo nos séculos XVIII, XIX e XX; na atualidade, tendo
superado o modelo de produção taylorista e fordista, centrado na especialidade
e repetição no processo produtivo; busca na desregulamentação dos mercados
em todo o mundo e na formação de um novo referencial humano capaz de
produzir saídas para a crise estrutural do capitalismo mundial; impor um novo
paradigma de sociedade.
O modelo de educação que resiste às mudanças históricas da sociedade
hegemônica baseia-se num referencial positivista de homem, mundo e
conhecimento que não atendem ao novo reclame “pós-moderno” do mundo dos
negócios e da produção industrial. Se aquele homem positivista bastava ao
modelo de produção taylorista/fordista porque fechado, repetitivo, especialista;
o novo homem reclamado pelo padrão toyotista japonês, importado para o
ocidente, tem que ser flexível, adaptável, multifuncional e polivalente. Ai é
imperativo reformar esse sistema educacional para forma o novo homem.
Sobre essa argumentação em torno da metamorfose do sistema
capitalista, se faz necessário o diálogo com E. Dias que afirma:
A experiência taylorista foi a forma da subsunção real do
trabalho ao capital, de forma ainda mais completa praticada no início
do século XX. O fordismo, como conjunto de medidas de
contratendência, incorporou uma nova modalidade de gestão fabril. O
taylorismo foi o instrumento da criação de uma disciplina operária
através da perda da sua subjetividade classista; os trabalhadores
deveriam abrir mão do controle que possuíam sobre a produção e
passar a executar o trabalho a partir da objetividade do capital,
centrada na reconstrução das lógicas operativas. (DIAS, 1998. p. 47).
Nesse diálogo fica claro que se impõe outro paradigma de educação.
Não cabe reproduzir conteúdos como se treinássemos pessoas para uma única
7
8. ação. O contraponto da ação flexível, polivalente, gerencial exige uma
subjetividade, exige-se tomada de decisão no interior do processo produtivo.
Então se reclama outro modelo de qualidade. Contudo há que se preparar essa
nova subjetividade com cuidado para que o novo trabalhador sirva ao velho
sistema produtivo que se multifaceta. A qualidade da educação é outra. Não é
só ler e escrever e contar. Esse mundo globalizado necessita de outras
habilidades e competências. Então deve se reformar o sistema educativo
buscando modelar a construção da visão de homem, educação, mundo e
sociedade ao seu interesse. Os ajustes organizacionais dos sistemas
educacionais seguem a lógica da do sistema produtivo pois tal sistema
depende da educação básica para “qualificar” a sua mão de obra. Há de se
perguntar: Que tipo de educação?
Sobre essa questão, Frigotto afirma:
Trata-se de uma educação e formação que desenvolva
habilidades básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos
valores, produzindo competências para a gestão da qualidade, para a
produtividade e competitividade e, consequentemente, para a
“empregabilidade”. Todos estes parâmetros devem ser definidos no
mundo produtivo, e, portanto os intelectuais coletivos confiáveis deste
novo conformismo são os organismos internacionais (Banco Mundial,
OIT) e os organismos vinculados ao mundo produtivo de cada país.
(FRIGOTTO, 1998. p.45).
Se a qualidade da educação na reforma estatal em curso move-se na
lógica da produção e do consumo, então cabe questionar: Onde entra a lógica
da avaliação do professor? Observamos que ambas estão enquadradas na
mesma lógica, a do capital.
Essa lógica foi a bússola das reformas européias:
Com um de nós já tive oportunidade de mostrar (Neto-Mendes, 1999),
a orientação das políticas educativas para o mercado foi desenvolvida
nos anos 80, em Inglaterra, sob a governação de Margaret Thatcher.
Dando corpo a uma matéria complexa e que tem suscitado os mais
vivos debates. (NETO-MENDES, 2003).
8
9. Esse autor traz alguns constructos que segundo ele caracterizam esse
paradigma mercadológico na educação:
(...) o mercado da educação caracteriza-se por apresentar
quatro pilares fundamentais que ajudam também à sua compreensão:
i) liberdade de escolha da escola por parte dos pais (“parental choice")
incrementadora, como se disse antes, da concorrência entre escolas; ii)
promoção da diversidade da oferta escolar, baseada na ideia de que
“quem escolhe deve possuir uma pluralidade suficientemente ampla de
opções no acto da escolha" (Neto-Mendes, 1999: 43); iii) autonomia
das escolas, assistindo-se a uma retórica de defesa do governo local
das escolas por oposição a uma outra forma de descentralização, em
Inglaterra, que dava às autoridades locais de educação (as LEA, “local
education authorities") margens significativas de decisão, isto é, trata-
se de uma autonomia de escola associada a uma recentralização das
políticas educativas; iv) cortes nas despesas com a educação, por
outras palavras, é a crise económica dos anos 70 e 80 um dos
“pretextos invocados para questionar o peso preponderante do Estado
na orientação do sistema educativo, pedra de toque para o avanço
alternativo do mercado" (Neto-Mendes, 1999: 48). (Neto-Mendes,
Costa y Ventura, 2003, p. 3).
Para ese autores, essa reforma educacional a partir da exposição de
ranking de escolas, implementada na Inglaterra, não foi observada em
Portugal, pois os objetivos em cada um dos países eran diferentes. Para esses,
a preocupação era em prestar contas à sociedade.
A problemática dos rankings de escolas está popularizada em
vários países e nem sempre pelas melhores razões, pelo menos sob o
ponto de vista da análise objectiva e pautada por critérios científicos.
Este tema possui na realidade portuguesa contornos de alguma
especificidade: contrariamente ao que se registou nos países anglo-
saxónicos, com especial relevo para a Inglaterra dos anos 80, sob a
governação de Margaret Thatcher, o debate suscitado em Portugal não
ocorreu tendo como pano de fundo a opção inequívoca por uma
orientação das políticas educativas para o mercado, sabendo-se que
tal implica a liberdade de escolha da escola por parte dos pais
(liberdade da procura), a concorrência entre escolas (livre
concorrência) e a diversidade da oferta formativa das escolas
9
10. (liberdade de oferta). Aparentemente, a emergência do tema “rankings
de escolas" surge como uma reivindicação em nome da necessidade
de prestação de contas e da transparência, podendo mesmo assumir-
se perante a opinião pública como o resultado, de per si, de uma
avaliação das escolas, ainda para mais legitimada pelo carácter
externo que lhe dá o facto de se apoiar nos resultados dos exames
nacionais (…). (Neto-Mendes, Costa y Ventura, 2003, p. 1).
Observa-se que os principios são os mesmos nos dois casos e que tem
com pano de fundo a avaliação por resultados que é uma proposta mais
afinada com o mercado, contrariamente à avaliação do proceso. Sobre essa
mudança de paradigma na educação inglesa, Almerindo Janela Afonso
expondo o pensamento de autores como Mary Henkel e E. House, faz uma
analise crítica a essa opção da avaliação por resultado em detrimento dos
procesos:
(…) Como mostra Mary Henkel em Government, evaluation and
change – estudo que cobre um período decisivo de transformações nas
políticas públicas inglesas, entre 1983 e 1989 –, “o governo identificou
a avaliação como uma componente significativa na sua estratégia de
conseguir alguns objetivos decisivos: controlar as despesas públicas,
mudar a cultura do setor público e alterar as fronteiras e a definição das
esferas de atividade pública e privada” (cf. Henkel 1991a, p. 9). Desse
modo, a avaliação reaparece claramente relacionada com funções
gestionárias tendendo a ser, como refere E. House (1993, p. x), uma
“avaliação centrada na eficiência e na produtividade sob o controle
direto do Estado”. Considerando esses vetores, torna-se agora mais
evidente a razão pela qual, no período em análise, uma das mudanças
importantes, tanto fora como dentro do contexto educacional, foi
precisamente a ênfase genérica na avaliação dos resultados (e
produtos), e a conseqüente desvalorização da avaliação dos
processos, independentemente da natureza e dos fins específicos das
organizações ou instituições públicas consideradas.
Essa lógica do resultado só serve ao mercado pois instaura a
cultura da concorrência em detrimento da troca, do compartilhamento de
experiências, de saberes. Isso implica o modelo de financiamento educacional
10
11. que passa à lógica dos organismos internacionais, implicando a busca pelo
resultado, “porque quando as instituições são financiadas de acordo com os
resultados elas tornam-se obsessivas em relação ao seu
desempenho”.(AFONSO, 1999, P. 147).
Contrapondo à lógica mercadológica, Maria Abadia Silva traz ao debate
a tese de “qualidade social da educação pública”, que, segundo ela, seu texto
“busca compreender a educação como uma prática social e um ato político”.
(SILVA,2009, p. 216).
Aqui se instaura outro olhar que implica a negação da subversão do
espaço público pelo privado. E é sobre tal postura que Maria Abadia analisa o
paradigma de qualidade da educação mostrando as facetas do mercado ao
reformular tal conceito:
(...) no campo econômico, o conceito de qualidade dispõe de
parâmetros de utilidade, praticidade e comparabilidade, utilizando
medidas e níveis mensuráveis, padrões, rankings, testes comparativos,
hierarquização e estandardização próprias do âmbito mercantil. De
acordo com essa perspectiva, a qualidade de um produto, objeto,
artefato ou coisa pode ser aferida com o uso de tabelas, gráficos,
opiniões, medidas e regras previamente estabelecidas. Portanto,
apreender a qualidade significa aferir padrões ou modelos exigidos,
conforto individual e coletivo, praticidade e utilidade que apontem
melhoria de vida do consumidor. (SILVA, 2009., p. 219).
Essa autora historicisa a implantação desse referencial de qualidade na
educação brasileira, afirmando que “A avaliação quantitativa constituiu um dos
instrumentos para adaptar o sistema educacional brasileiro à nova ordem
global instituída nos anos de 1990”. (idem). Para ela, tal proposição tem origem
no Banco Mundial:
A concepção de qualidade educacional que emana do Banco
fundamenta-se na adoção de “insumos”, que deverão conduzir a
resultados a serem avaliados por meio de índices de desempenho e de
rendimento escolar dos alunos e das escolas. Seus técnicos
preconizam um raciocínio linear, segundo o qual a mera adoção de
equipamentos gera resultados satisfatórios. A concepção de qualidade
assentada na racionalidade técnica e nos critérios econômicos serviu e
11
12. serve de referência para a formulação de políticas para a educação
pública no país. (SILVA, 2009., p. 222).
Contudo, pensar educação é pensar relações sociais, políticas e,
sobretudo, relações culturais plurais, heterogêneas – e por que não dizer
dicotômicas, contraditórias. Tal heterogeneidade implica em riqueza social que
não pode se curvar aos interesses comerciais pois implicaria em
homogeneização de valores, de práticas laborais da vida que é diversa. Num
país de dimensões continentais como o Brasil, isso implica também a
diversidade sociocultural enorme que permeia o tecido social, enriquecendo o
espaço social, enquanto parte desse tecido plural de valores.
Nesse contexto, contrapondo aquela lógica dos insumos, da clssificação
hierarquização do vivido e produzido no ambiente escolar, se impõe a
qualidade social. Aqui observamos o que sugere DA SILVA:
Dentre os determinantes externos que contribuem para a referência da qualidade da
educação escolar, citamos:
a) Fatores socioeconômicos, como condições de moradia; situação de trabalho ou de
desemprego dos responsáveis pelo estudante; renda familiar; trabalho de crianças e
de adolescentes; distância dos locais de moradia e de estudo.
b) Fatores socioculturais, como escolaridade da família; tempo dedicado pela família à
formação cultural dos filhos; hábitos de leitura em casa; viagens, recursos
tecnológicos em casa; espaços sociais frequentados pela família; formas de lazer e
de proveitamento do tempo livre; expectativas dos familiares em relação aos
estudos e ao futuro das crianças e dos jovens.
c) Financiamento público adequado, com recursos previstos e executados; decisões
coletivas referentes aos recursos da escola; conduta ética no uso dos recursos e
transparência financeira e administrativa.
d) Compromisso dos gestores centrais com a boa formação dos docentes e funcionários da
educação, propiciando o seu ingresso por concurso público, a sua formação continuada e a
valorização da carreira; ambiente e condições propícias ao bom trabalho pedagógico;
conhecimento e domínio de processos de avaliação que reorientem as ações. (SILVA, 2009., p.
224).
Esse arcabouço complexo de fatores e relações humanas não pode ser
submetido a uma lógica formal linear, cartesiana. Não há como manter o
interesse dos grupos sociais numa lógica do mercado, pois ela anula o
12
13. contraditório que produz as sínteses. Então para a qualidade mercadológica da
educação, como que os neoliberais, não importa o processo:
No interior da escola, outros elementos sinalizam a qualidade social da
educação, entre eles, a organização do trabalho pedagógico e gestão da escola;
os projetos escolares; as formas de interlocução da escola com as famílias; o
ambiente saudável; a política de inclusão efetiva; o respeito às diferenças e o
diálogo como premissa básica; o trabalho colaborativo e as práticas efetivas de
funcionamento dos colegiados e/ou dos conselhos escolares. (SILVA, 2009., p. 224).
Estandardizar a partir da classificação e publicação o fazer humano de
um espaço social permeado por conceitos, valores, símbolos, hábitos,
atitudes, mediado pelo bem comum é negar o caráter humano da educação.
Isso implica que a única qualidade possível para a escola pública é a qualidade
social
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