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 ECONOMISTAS

 Fome e esperança no Corno de África
 23 Agosto 2011 | 11:27
 Jeffrey D.Sachs - © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org


 Mais uma vez, a fome volta a atingir o Corno de África. Mais de dez milhões de pessoas
 lutam para sobreviver, principalmente nas comunidades rurais nas regiões áridas da
 Somália, Etiópia e norte do Quénia.
 Mais uma vez, a fome volta a atingir o Corno de África. Mais de dez milhões de pessoas lutam para
 sobreviver, principalmente nas comunidades rurais nas regiões áridas da Somália, Etiópia e norte do
 Quénia. Todos os dias surgem notícias de mais mortes e de mais pessoas a chegar aos campos de
 refugiados no Quénia, junto à fronteira com a Somália.

 A causa imediata deste desastre é clara: há dois anos que não chove o suficiente nas regiões secas da
 África Oriental. Nestes locais a água é tão escassa que a produção agrícola é cada vez menor. Milhões de
 lares, com dezenas de milhares de pessoas nómadas e semi-nómadas, criam camelos, ovelhas, cabras e
 outros animais, que transportam durante longas distâncias para chegar aos campos de pasto. Quando a
 chuva falha, os pastos secam, o gado morre e as comunidades enfrentam a fome.

 Há muito tempo que a pastorícia é um modo de vida difícil no Corno de África. A localização dos campos de
 pasto é determinada por chuvas instáveis e imprevisíveis, mais do que pelas fronteiras políticas. Isto numa
 era em que as fronteiras políticas, e não as vidas dos pastores nómadas, são sagradas. Estes limites, em
 conjunto com o crescimento das populações de agricultores sedentários, confinaram as comunidades de
 pastores.

 As fronteiras políticas são um legado colonial e não um resultado das realidades culturais e das
 necessidades económicas. Na Somália, por exemplo, vive apenas uma parte da população de pastores que
 fala somali, muitos dos quais vivem ao longo da fronteira com o Quénia e com a Etiópia. Assim, a fronteira
 entre a Etiópia e a Somália tem sido, durante décadas, devastada por guerras.

 A enorme seca deste ano não era totalmente previsível, mas o risco de fome era fácil de antecipar. De
 facto, há dois anos, num encontro com o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, descrevi a
 fragilidade das zonas áridas de África. Quando a chuva falha naquela zona, a guerra começa. Mostrei a
 Obama um mapa do meu livro "Common Wealth", que descreve a sobreposição das terras secas e das
 zonas de conflito. Defendi que a região precisa, urgentemente, de uma estratégia de desenvolvimento e
 não de uma abordagem militar.

 Obama respondeu que o Congresso norte-americano não apoiaria uma iniciativa de desenvolvimento nas
 terras secas. "Arranje-me outros 100 votos no Congresso", disse-me.

 Não sei se a liderança Obama encontrou esses votos, mas sei que os Estados Unidos não responderam de
 forma eficaz às necessidades do Corno de África. Os Estados Unidos estão demasiado focados em
 abordagens militares caras e falhadas nas terras secas - seja no Afeganistão, Paquistão, Iémen ou Somália
 - para dar atenção a estratégias de desenvolvimento económico de longo prazo que resolvam os problemas
 que estão na origem da actual crise nestes países.

 A seca deste ano ocorreu numa época de turbulência política e económica nos Estados Unidos e na Europa.
 O distorcido sistema político norte-americano dá aos ricos tudo o que estes querem na forma de cortes
 fiscais, enquanto corta os programas sociais para os mais pobres. Em Washington, DC, não há interesse
 em resolver as necessidades dos pobres norte-americanos e muito menos dos pobres do mundo.

 Na Europa, a crise financeira global de 2008 deixou um legado de profunda crise política e económica nas
 economias mais fracas do Sul da Europa. Esta crise absorveu quase todas as atenções políticas, apesar do
 aumento da fome em África.

 O desastre do Corno de África não vai resolver-se sozinho e quatro factores podem tornar a situação
 potencialmente explosiva. Em primeiro lugar, as alterações climáticas de longo prazo induzidas pelo




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 homem vão provocar mais secas e instabilidade climática. A Europa e os Estados Unidos não só não estão a
 responder à seca africana, como provavelmente contribuíram para ela através das suas emissões de gases
 com efeitos de estufa.

 Em segundo, as taxas de fertilidade e de crescimento da população no Corno de África continuam a ser
 extremamente elevadas, apesar da elevada taxa de mortalidade infantil provocada pela fome. A não ser
 que se criem serviços modernos de planeamento familiar e de contracepção, as populações crescentes no
 Corno de África vão entrar em rota de colisão com um clima cada vez mais duro. Em terceiro lugar, a
 região já está a viver uma situação de extrema pobreza. Assim, qualquer choque adverso é mais um
 empurrão no sentido da calamidade. E, por último, a situação política é altamente instável, deixando a
 região extremamente vulnerável aos conflitos.

 Mas ainda há esperanças realistas. O projecto Aldeias do Milénio, no qual tenho a honra de participar, já
 mostrou que é possível dar poder às comunidades de pastores através de investimentos específicos na
 gestão de gado, cuidados veterinários, desenvolvimento empresarial, clínicas de saúde móvel, escolas e
 infra-estruturas locais como pontos de água potável, electricidade e telecomunicações móveis. Tecnologias
 de vanguarda, em conjunto com uma forte liderança comunitária, podem gerar um desenvolvimento
 sustentável de longo prazo.

 Através desta abordagem, os países do Corno de África estão a conseguir dar um passo em frente. Seis
 países da região, com grandes zonas de terras secas - Etiópia, Somália, Quénia, Uganda, Djibuti e Sudão
 do Sul - uniram-se na Iniciativa das Terras Áridas para usar as melhores práticas e as tecnologias de
 vanguarda para apoiar os esforços das comunidades de pastores a escapar aos flagelos da pobreza
 extrema e da fome. Muitas empresas, como a Ericsson, a Airtel, a Novartis e a Sumitomo Chemical, estão a
 participar neste esforço colocando as suas tecnologias à disposição das comunidades mais pobres.

 Está a começar a surgir uma nova parceria regional, a partir das comunidades afectadas e dos seus
 governos nacionais. Vários países da Península Árabe, junto ao Mar Vermelho, mostraram-se disponíveis a
 usar parte dos seus rendimentos com o petróleo para ajudas de emergência e desenvolvimento de longo
 prazo. O Banco de Desenvolvimento Islâmico, que representa os 57 membros da Organização de
 Cooperação Islâmica, também se mostrou disponível para ajudar. Através desta nova parceria de
 comunidades, governos, empresas e universidades, a actual crise pode marcar o início da recuperação e
 desenvolvimento regional.




 Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e director do Instituto da Terra da Universidade de Columbia.
 Sachs é também conselheiro especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para os Objectivos de
 Desenvolvimento do Milénio.




 © Project Syndicate, 2011.
 www.project-syndicate.org
 Tradução: Ana Luísa Marques




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