1. 1
SAÚDE COMO DIREITO E PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL:
ASSESSORIA COMO ESTRATÉGIA
Produção: Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisa em Serviço Social da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro/ NEEPSS - UERJ.
Coordenadora: Ana Maria de Vasconcelos (Docente Universidade do Estado do Rio
de Janeiro-UERJ) Contatos: pesquisa.neepssuerj@gmail.com
RESUMO: Consideramos a assessoria como uma das
estratégias na formação permanente dos profissionais, no
enfrentamento da fratura entre pensamento/ação, na academia
e no meio profissional. Um processo constitutivo de práticas
mediadas pelos princípios do SUS e do Projeto Ético Político
do Serviço Social brasileiro. Na pesquisa realizada nos HU/RJ,
observamos que a assessoria não se faz presente nos espaços
privilegiados de formação e produção de conhecimento, o que
vem repercutindo na disponibilidade de quadros qualificados
frente as demandas das próprias categorias de profissionais de
saúde por assessoria nos diferentes espaços sócio-
ocupacionais, aqui, especialmente, a dos assistentes sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; Profissionais de saúde;
Assessoria; prática profissional.
ABSTRACT :
We consider the advisement as one of the strategies for the
permanent training of professionals in the confrontation of the
fracture between thought/action. A constitutive process
mediated by the practices and principles of SUS and of the
Political Ethical Project of Brazilian Social Service. In the
research conducted in the HU/RJ, we noted that the
advisement is not present in the privileged spaces of formation
and production of knowledge which affects the availability of
qualified frames before the demands of the categories of health
professionals itself for advisement in the various occupational
and social spaces, here, especially, the social workers.
KEYWORDS: Social Service; Health-care professionals.
Advice; professional practice.
Introdução
1
Esta produção foi publicada no ANAIS do XIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social,
Edição 2012, realizado em Juiz de Fora, MG.
1
2. O NEEPSS (Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisa em Serviço Social), de onde
resulta este estudo, objetiva contribuir para a identificação e fortalecimento de uma prática
profissional sintonizada com o Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro. Dentre os
objetivos das pesquisas em desenvolvimento, destacam-se, entre outros, numa perspectiva
de totalidade, a análise teórico-crítica da prática profissional, com indivíduos e grupos, a
partir de experiências concretas em resposta às diferentes expressões da questão social –
nas suas relações e conexões necessárias – considerando as transformações das
condições e relações nas quais ela se inscreve, o espaço institucional, as relações de poder,
os objetivos, as estratégias de ação, os instrumentos, o processo de sistematização e as
consequências das ações.
O NEEPSS é composto por duas pesquisas: "A Prática do Serviço Social. Cotidiano
e Práticas Democráticas" e "A Prática dos Profissionais de Saúde do Município do Rio de
Janeiro: Hospitais Universitários (HU's)". A primeira objetiva captar o movimento, a lógica e
as tendências da atividade profissional e inter-profissional e contribuir para a crítica e a
superação de práticas conservadoras e para o fortalecimento das ações necessárias
mediadas pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro. A segunda pesquisa,
através de uma investigação sistemática da prática na saúde, objetiva dar visibilidade às
reais tendências contidas na realidade profissional no âmbito da saúde pública. Para isto,
buscou-se nos Hospitais Universitários - locais privilegiados de produção do conhecimento,
de críticas às práticas e políticas vigentes e de construção de alternativas e de formação e
multiplicadores - evidenciar o rebatimento da prática dos profissionais na realização e
desenvolvimento da política de saúde, principalmente na busca de implementação do
Sistema Único de Saúde. Os dados de realidade que sustentam nossas afirmações resultam
dessa última pesquisa, em fase de conclusão.
A Assessoria
Diante do projeto de profissão acima exposto e dos apontamentos em defesa da
política de saúde, conforme preconizado pelo Movimento de Reforma Sanitária, destacamos
a assessoria como um processo de formação permanente, pois a compreendemos como
uma das alternativas que pode contribuir com os assistentes sociais que têm como norte
uma prática que fortaleça e amplie não só o SUS, mas as demais políticas públicas e os
direitos sociais.
A assessoria se constitui quando um especialista toma como objeto de atenção o
processo de inserção institucional de um profissional ou de uma equipe, contribuindo para
uma prática planejada – a partir de estudo do espaço institucional e seus determinantes; da
eleição de estratégias, prioridades e ações necessárias; da sistematização e análise teórico-
crítica da prática, tendo em vista suas consequências (VASCONCELOS, 1998: 127).
2
3. A assessoria é uma atividade que, a partir de um especialista com formação teórica
consolidada e experiência (analítica e substantiva) da prática profissional, assiste teórica e
tecnicamente um profissional ou uma equipe. Um processo que exige um profissional
qualificado e experiente (“expert”) que venha assistir o profissional/equipe a partir das
questões colocadas pela realidade profissional.
A assessoria se constitui num elo de aproximação entre a academia e meio
profissional, o que pode proporcionar ganhos para ambos. Essa aproximação trás ganhos
para o profissional na medida em que possibilita aprofundamento teórico e acesso à
produção de conhecimento histórica e em desenvolvimento, tendo em vista a apreensão do
movimento da realidade, necessária a um exercício profissional consciente, crítico e criativo,
em consonância com os interesses e necessidades dos usuários. Propicia, ainda, que os
assistentes sociais indiquem para a academia questões relevantes relacionadas a uma
prática mediada pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social.
Por outro lado, possibilita que a academia estabeleça a relação necessária com a
realidade, objeto da ação profissional, possibilitando que ela esteja submetida,
permanentemente, à análise teórico-crítica.
Vasconcelos (1998: 123) afirma ser a assessoria um processo de aperfeiçoamento
profissional legítimo e necessário como estratégia para enfrentar a fratura entre
pensamento/ação, na academia e no meio profissional.
É diante disso que buscamos identificar a existência e a relevância da assessoria no
âmbito dos Hospitais Universitários (HU’s), na efetivação dos princípios do SUS. As
reflexões aqui apresentadas são frutos do projeto de pesquisa: “A Prática dos Profissionais
2
de Saúde no município do RJ: HU’s” que tem como hipótese diretriz a fratura existente
entre a prática realizada pelos profissionais de saúde e as possibilidades de prática contidas
na realidade, objeto da ação profissional.
Tendo em vista a problematização do objeto, apresentamos as respostas dos
profissionais de saúde, destacando as manifestações dos assistentes sociais.
Os profissionais de saúde e a prática na saúde
O Hospital Universitário é um espaço privilegiado onde se articulam as atividades de
assistência, de ensino e de pesquisa. Segundo o portal do Ministério da Educação e Cultura
(MEC): os hospitais universitários são centro de formação de recursos humanos e de
desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde. A efetiva prestação de serviços à
população possibilita o aprimoramento constante do atendimento e a elaboração de
2
Na reconstrução empírica do objeto, foram realizadas observação de campo, estudo bibliográfico e entrevistas
em profundidade – através de formulário elaborado a partir da técnica de saturação de questões, com 333
variáveis – com 349 profissionais de saúde: assistentes sociais, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais, das unidades de saúde da UFRJ
e UERJ. Esta pesquisa encontra-se em fase de conclusão.
3
4. protocolos técnicos para as diversas patologias. Isso pode garantir melhores padrões de
eficiência, à disposição da rede do Sistema de Saúde (SUS).3
Perguntamos aos profissionais quais recursos/espaços da universidade eles utilizam
para assessoria: 56% dos demais profissionais e 45% dos assistentes sociais utilizam
espaços acadêmicos e científicos; 24% dos demais profissionais e 28% dos assistentes
sociais não utilizam os recursos/espaços da universidade para assessoria e outros 28% dos
assistentes sociais e 19% dos demais profissionais não responderam.
No que diz respeito à articulação com a Universidade, a pesquisa mostra que os
recursos mais utilizados pelos profissionais de saúde para o aperfeiçoamento de sua prática
são os “espaços científicos” e a estrutura física, dados que correspondem a 45% dos
assistentes sociais e 56% dos demais profissionais. Aqui, os profissionais apontam os
centros de estudos, seminários e especializações e, em relação à infra-estrutura física,
computadores, internet, bibliotecas, departamentos acadêmicos etc. Quanto aos que não
utilizam qualquer espaço/recurso da Universidade são 28% dos assistentes sociais e 24%
dos demais profissionais. Entre estes profissionais, aparece uma crítica à falta de recursos
oferecidos pela academia e ao aperfeiçoamento realizado à custa do próprio profissional, de
forma individual e informal.
É de supor que os profissionais que trabalham nos Hospitais Universitários são
qualificados e experientes, já que se responsabilizam pela formação e qualificação de outros
profissionais que vão ocupar a rede de serviços de saúde, na garantia da saúde como
direito. É a partir da realização de práticas na saúde que visem a consolidação e a
ampliação deste direito em sua forma plena – os HU são parte integrante do Sistema Único
de Saúde brasileiro – que destacamos que a maioria dos profissionais de saúde – 48% dos
assistentes sociais e 64% dos demais profissionais – não presta assessoria a nenhum
profissional ou equipe; 17% dos assistentes sociais e 19% dos demais profissionais realizam
este tipo de atividade.
Quando perguntamos se já receberam assessoria para o desenvolvimento da
prática, 31% dos assistentes sociais, assim como dos demais profissionais, respondem que
sim. Ressalta-se que a maioria afirma que não teve assessoria – 52% dos assistentes
sociais e 50% dos demais profissionais. Ou seja, mais da metade dos profissionais de saúde
que são chamados a desenvolver atividades de assessoria/formação não passou por este
processo.
Diante disso, observamos que um número relevante de profissionais de saúde que
atua nos hospitais pesquisados não utiliza desta estratégia como possibilidade de formação
3
Conferir: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12267&Itemid=513
Acessado em 13 de outubro de 2011, às 14:15h.
4
5. permanente para qualificação profissional, nem como assessorado nem como assessor.
Este dado torna-se relevante tendo em vista que a pesquisa foi realizada em Hospitais
Universitários, lócus privilegiado para a produção de conhecimento, formação e critica das
práticas vigentes.
Neste sentido, não podemos deixar de destacar os ataques que o setor saúde, e nele
incluem-se os Hospitais Universitários, vem sofrendo a partir da implementação das políticas
neoliberais que, mercantilizando a política de saúde, torna-a favorável à acumulação de
capital/lucro.
Na década de 1990, com o governo Fernando Collor no Brasil, se iniciou a política
neoliberal a fim de buscar uma possível saída para a crise econômica que se instalava no
Brasil e no mundo, desde finais da década de 1970 com a crise do petróleo.
Em 1995 a contrarreforma nas políticas sociais começou a ser implementada a partir
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso. O intuito deste plano é “consolidar a estabilização e assegurar o
crescimento sustentado da economia” (BRASIL, 1995: 2), sob o pretexto de que a crise
brasileira foi também uma crise de Estado. Coloca que a Constituição de 1988 representou
um “retrocesso burocrático” e que houve um encarecimento significativo da coisa pública,
dificultando e aprofundando a crise econômica brasileira, onde a solução era uma reforma
na administração pública.
Com esse plano diretor, o governo de Fernando Henrique instituiu mudanças que
flexibilizam os direitos sociais, tais como a Lei 9.637/98, que instituiu as Organizações
Sociais, Contratos de Gestão e o Programa nacional de Publicação e a Lei Federal n.º
9.790, de 23 de março de 1999, que instituiu as Organizações Sociais da Sociedade Cívil de
Interesse Público – OSCIP.
Já no governo Lula da Silva, as reformas que se colocaram para as políticas sociais
a partir do Plano Diretor foram o Projeto de Lei Complementar 92/2007, que institui as
Fundações Estatais de Direito Privado, o REHUF, que se espelha nos mesmos moldes do
REUNI e propõe uma reforma para os hospitais universitários federais e, finalmente, em
2011, a criação da EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares -, que tem como
finalidade retirar das universidades, principalmente as públicas - a gestão dos Hospitais
Universitários, por meio de um modelo de gestão de direito privado.
As Organizações Sociais (OS’s) foram instituídas pelo governo para que se pudesse
garantir a eficiência e a qualidade dos serviços prestados em parcerias com a sociedade
civil, nos moldes colocados pelo plano diretor, onde se qualifica como OS’s: pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades estejam dirigidas à pesquisa
científica, ao ensino, à proteção e preservação do meio ambiente, ao desenvolvimento
tecnológico, à saúde e à cultura.
5
6. Portanto, as OS’s vêm fortalecer a desresponsabilização do Estado para com o
social, na medida que propõe um órgão que terceirize e privatize os serviços públicos, os
quais deveriam ser prestados pelo Estado.
Em relação às Fundações Estatais de Direito Privado, segundo Teixeira 4, este
projeto de lei está fundamentado nas propostas elaboradas pelo Banco Mundial com o
intuito de ‘modernizar’ o SUS, recomendando uma “racionalização do gasto público”.
O projeto das Fundações, como se pode refletir a partir das discussões que a autora
promove, é um projeto que visa a não gerência do Estado nas políticas sociais e direciona o
fundo público aos órgãos privados, onde não haverá participação popular nas escolhas e
decisões sobre os recursos disponíveis para os direitos sociais.
Tendo em vista que o projeto das Fundações é direcionado para as áreas da saúde,
assistência social, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, entre outros, os Hospitais
Universitários também estão incluídos nesta lógica (sendo que no projeto está descrito que
somente pode aderir ao projeto de FEDP precedido de manifestação do Conselho
Universitário). O decreto do REHUF5 (publicado em 27 de janeiro de 2010) vem estabelecer
mudanças para as áreas de infra-estrutura, modernização tecnológica, captação de recursos
humanos, além da mudança nos processos de gestão dos HU’s e legitimar os aspectos já
apontados na PL 92 das FEDP, onde estes têm lugar de destaque.
É nessa direção que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH),
como as Fundações e OSs, favorece a acumulação de capital, através da abertura do fundo
público ao Complexo Médico Industrial – Indústrias de equipamentos, medicamentos e
insumos – e legaliza a privatização da saúde, mesmo em confronto com o que está
garantido na Constituição brasileira: saúde como direito do cidadão, dever do Estado e com
controle social. Controle social que é banido de todas as formas de gestão propostas em
questão.
É um processo que resulta na precarização das relações de trabalho no âmbito da
saúde, inclusive nos Hospitais Universitários. Essa precarização se reflete na falta de
reajuste salarial e principalmente nas diversas formas de contratos (através das fundações
ou cooperativas) temporários e sem garantias trabalhistas, o que inviabiliza a construção e
continuidade de um projeto de atuação e a participação em formação permanente, como a
assessoria que demanda tempo e recursos institucionais. Essas condições também
dificultam aos profissionais realizar assessoria devido ao acúmulo de matrículas em
4
Tese de doutorado defendida em 2011 na Faculdade de Serviço Social da UERJ, intitulada “A Política Nacional
de Saúde na contemporaneidade: as Fundações Estatais de Direito Privado como estratégia de direcionamento
do fundo público”. A autora elabora um estudo aprofundado acerca da proposta de lei das Fundações Estatais de
Direito Privado, ressaltando o seu aspecto privatizante para a saúde e para a desconstrução do SUS.
5
Reforma dos Hospitais Universitários Federais.
6
7. diferentes unidades de saúde na busca de salários compatíveis com o investimento
acadêmico dedicado ao longo de sua vida.
No âmbito do Serviço Social, o debate sobre assessoria ganha maior relevância com
a maturidade do Projeto Ético-Politico da profissão. É um instrumento que pode ser utilizado
para o aperfeiçoamento da prática profissional na direção do que preconiza este projeto.
Os assistentes sociais, a partir da Lei de Regulamentação da profissão – Lei nº
8.662/93 –, que define as competências e atribuições profissionais, se percebem e são
reconhecidos como detentores de conhecimentos na área social. Sendo assim, são cada
vez mais requisitados a prestar assessoria em matéria de Serviço Social, visando a
qualidade dos serviços sócio-assistenciais, principalmente no âmbito da formulação e
gestão de políticas públicas e privadas e movimentos sociais.
No âmbito interno da categoria, a assessoria torna-se essencial aos assistentes
sociais, a partir das exigências teórico-metodológicas e ético-políticas colocadas pelo
Projeto Ético-Político do Serviço Social, no sentido de garantir a direção social do projeto em
todas as inserções do profissional. Sendo a realidade movimento, a formação graduada não
possibilita ao assistente social todos os conhecimentos e informações necessárias a uma
prática pensada e avaliada nas suas consequências, por isso torna-se necessário uma
formação permanente
Em relação à forma pela qual o processo de assessoria aconteceu, 24% dos
assistentes sociais verbalizam que realizaram assessoria através de reuniões, discussões
sistemáticas e grupos de discussões. Contudo, podemos observar que somente 6% dos
demais profissionais apontam que tiveram ou realizaram a assessoria de forma sistemática,
conforme explicitamos ao longo do trabalho.
Levando em consideração que a assessoria visa a preparação de um
profissional/equipe tendo em vista a elaboração/execução de um projeto, de forma a garantir
a qualidade do serviço prestado, podemos afirmar que se constitui em um processo que
requer tempo e espaços adequados. Portanto, o dado apresentado demonstra que poucos
profissionais se utilizam de todos os recursos que a assessoria realmente pode oferecer.
Cabe destacar que os profissionais apontam atividades isoladas de capacitação
como se fosse assessoria. Assim, 7% dos assistentes sociais e 13% dos demais
profissionais apontam para orientações pontuais – no fazer profissional - como um processo
de assessoria. Quanto a isso, citam a troca de sugestões e encontros informais entre os
profissionais onde conseguem tirar suas dúvidas e a avaliação de projetos. Dentre os
demais profissionais de saúde, 8% equalizam a supervisão profissional à assessoria –
orientações nas salas de aula, orientações de mestrado, doutorado ou na especialização,
considerando, ainda, a participação em seminários, encontros, debates e cursos.
7
8. Apesar da necessária interlocução com a academia, a assessoria não é constituída
por aulas ou cursos e sim por um processo de troca entre o assessor e o assessorado com
vistas à organização, articulação e qualificação da equipe/profissional para construção de
um projeto do Serviço Social no espaço institucional.
Segundo Vasconcelos (1998: 128), há pequenas diferenças entre assessoria e
consultoria, apesar de requerer a mesma preparação teórica, técnica e encaminhamentos
de assessores e consultores. Matos (2006: 32) trabalha com os mesmos conceitos de
assessoria e consultoria de Vasconcelos. Segundo o autor, o trabalho de consultoria é mais
pontual. Já a assessoria é um processo que necessita de maior tempo devido à
complexidade de ações e assuntos desenvolvidos. Diante disto, podemos dizer que um
percentual considerável dos profissionais de saúde dos HU desconsidera ou desconhece a
relevância da assessoria no processo de formação permanente.
A assessoria abre possibilidades de construção conjunta entre o assessor e os
profissionais e/ou equipe de instrumentos e estratégias para a viabilização de projetos que
têm em vista a qualidade dos serviços prestados aos usuários. Ela pode não somente
fortalecer, como mudar a direção de um projeto. Desta forma, quando questionamos em
relação aos resultados da assessoria, 38% dos assistentes sociais e 27% dos demais
profissionais apontam que a assessoria contribuiu para a reflexão de sua prática, havendo,
em alguns casos, a troca de experiências. Já 7% dos assistentes sociais e 5% dos demais
profissionais respondem que contribuiu para o aprimoramento profissional, remetendo-se a
melhora da assistência prestada, da formação e da pesquisa. Alguns poucos profissionais -
3% dos demais profissionais – fazem referência à contribuição para “resolver dúvidas e
problemas”, ou seja, abordam a solução de questões pontuais como processo de
assessoria. Aqui temos, na verdade, talvez, uma atividade de consultoria. Apenas 2% dos
demais profissionais e 3% dos assistentes sociais não identificam qualquer contribuição dos
processos de assessoria, apesar de reconhecerem a importância da assessoria recebida.
Como já apontamos anteriormente, a assessoria pode se constituir como estratégia
de aproximação dos espaços sócio-ocupacionais com a academia. Uma crescente e
constante articulação entre estes dois espaços pode favorecer a apreensão crítica do
movimento da realidade que resulte em respostas articuladas aos objetivos propostos.
Diante disso, 1% dos demais profissionais e 7% dos assistentes sociais optam por uma
assessoria particular, ou seja, a procura de um profissional específico tendo em vista
submeter a prática a um processo crítico sistemático. Por outro lado, 62% dos assistentes
sociais e 30% dos demais profissionais optam pela assessoria institucional. Somente 3%
dos assistentes sociais e 4% dos demais profissionais buscam pelas duas formas de
assessoria.
8
9. A partir da reflexão proporcionada pela entrevista, ao entrevistado, cabe ressaltar,
que a maioria dos profissionais, quando perguntados se possuem interesse por assessoria
responderam positivamente: 79% dos assistentes sociais e 47% dos demais profissionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro está assentado em uma leitura
crítica da realidade social, a qual tem em sua dinâmica a estrutura da sociedade burguesa,
uma sociedade de classes, de interesses antagônicos e contraditórios entre capital e
trabalho. Cada vez mais, estes conceitos são reafirmados, tendo em vista que a
centralidade do trabalho vem se tornando mais visível nesta sociedade. Mas do que nunca,
é o método da teoria social de Marx que possibilita a apreensão do movimento da sociedade
burguesa que, na contradição entre trabalho-capital, tem sua base na propriedade privada
dos meios essenciais de produção, na exploração do trabalho e na concentração da riqueza
socialmente, o que nos remete à luta de classes.
O projeto de Reforma Sanitária e o Projeto Ético-Político do Serviço Social se
articulam na defesa da vida e da expansão dos indivíduos sociais.
Apesar dos avanços conquistados legalmente, o SUS, ao longo da sua
implementação, vem sofrendo os impactos dos interesses de acumulação representados
pelo “modelo privatista” que, com contra-reforma do Estado (Bering, 2003), vem sucateando
a saúde ao dar continuidade ao modelo médico assistencial que prioriza ações de alto custo
que favorecem a acumulação de capital e a gestão privada dos serviços (através de
Fundações, Organizações Sociais etc.), com consequente diminuição da oferta de serviços
de promoção e prevenção6.
No modelo privatista, a tarefa do Estado se reduz em garantir o mínimo para os que
não podem pagar por bens de consumo coletivo e abrir espaço para o setor privado àqueles
que “podem pagar por serviços” de saúde; o que não quer dizer garantia de atendimento
visto que, na falência dos planos de saúde, resta a todos e sempre o sistema público como
alternativa.
Assim, o modelo privatista, ao responsabilizar a sociedade pelas crises do sistema,
traz, como alternativa, o incentivo à refilantropização, ou seja, a desprofissionalização com a
utilização de voluntários, agentes comunitários e cuidadores sociais para realizar atividades
profissionais (Bravo e Matos, 2006: 176). O refluxo do movimento de organização dos
trabalhadores contribuiu para desmobilização/fragmentação das lutas sociais, o que inclui as
lutas pela saúde pública.
Neste contexto, é de uma atuação profissional crítica e propositiva que se trata, pois
é assim que o assistente social pode contribuir para a instrumentalização política dos
6
Vide Teixeira(2010) e Cislaghi (2010).
9
10. usuários dos serviços sócio-assistenciais, na medida em que é a emancipação e não a
distribuição de recursos que se coloca como limite do projeto profissional. Nesse sentido,
mais do que viabilizar recursos sócio-assistenciais, a prioridade é a democratização de
informações necessárias para que os usuários possam se colocar criticamente nos
processos sociais e identificar o caráter alienado e alienante da sociedade capitalista e,
consequentemente, das políticas sociais, por mais que, na barbárie em que é lançada a
classe trabalhadora na sociedade burguesa, é, contraditoriamente, nas políticas sociais que
ela encontra, frequentemente, alternativas de sobrevivência.
É neste contexto que se inscreve o tema da assessoria. Este é o tema que encerra o
formulário que orientou a entrevista com os profissionais de saúde, com o objetivo de
possibilitar ao profissional voltar-se criticamente sobre sua história profissional na instituição
em que trabalha e, no limite, na sociedade brasileira. Uma reflexão que, como mostram os
dados empíricos, proporcionou um autoquestionamento que favoreceu, ao final, a indicação
da assessoria como uma estratégia oportuna à qualificação profissional, individual e
coletiva. Os dados revelam, ainda, que há um desconhecimento do que seja um processo
de assessoria, pois prevalece a confusão com outros processos de qualificação profissional,
isolados e assistemáticos.
Ora, a viabilização dos interesses do Complexo Médico Industrial (CMI) no setor
saúde – o que se realiza na prioridade dada às ações curativas que veiculam equipamentos,
medicamentos e insumos, através de grandes compras realizadas pelo Estado, nas suas
diferentes instâncias, utilizando o fundo público -, tanto precariza as ações de saúde
consideradas como priorita´rias na legislação – prioridade para ações de prevenção, sem
prejuízo das ações assistenciais – Lei 8080-, quanto, ao mesmo tempo, torna o setor de
saúde rentável ao capital, o que coloca os profissionais diante de um paradoxo. Ao mesmo
tempo em que as ações de saúde são realizadas por equipes profissionais – de nível
superior, médio e elementar – cada vez mais diminutas e atingidas pela flexibilização da
formação e dos vínculos trabalhistas, o que tende a resultar em ações burocratizadas e
conservadoras, o complexo médico-industrial é favorecido por ações que fazem girar capital,
visto que o setor é invadido cada vez mais por medicamentos de última geração,
equipamentos e insumos, ainda que não na quantidade e qualidade necessárias, tendo em
vista, as reais necessidades de saúde da população. Em contrapartida, é este complexo
contexto adverso que demanda um profissional com capacitação teórico-metodológico,
ético-política e técnico-operativa, tendo em vista respostas de qualidade às reais demandas
da população usuária do sistema de saúde brasileiro que envolve rede pública e privada.
Conforme Vasconcelos (2005:14), assegurar um perfil profissional nessa direção
exige a manutenção de um processo de formação profissional contínuo com garantia da
capacitação dos profissionais já formados, o que requer uma relação necessária,
10
11. sistemática e continuada entre a academia e meio profissional, com destaque para as
universidades públicas. Assim, é no processo de formação contínuo que a assessoria pode
contribuir para o enfrentamento desse quadro.
É uma tarefa a ser empreendida pelos que buscam a garantia da saúde como
necessidade essencial/direito visto que, a assessoria como alternativa de viabilização da
qualidade da ação profissional direcionada para o enfrentamento da questão social não se
faz presente no âmbito dos Hospitais Universitários, o que vem repercutindo na
disponibilidade de quadros qualificados, frente as demandas das próprias categorias de
profissionais de saúde por assessoria nos diferentes espaços sócio-ocupacionais, aqui,
especialmente, a dos assistentes sociais. Diante disto, a assessoria não recebe a devida
importância como estratégia que contribui para realização de uma prática que rompa com as
respostas conservadoras dadas às demandas da classe trabalhadora o que certamente
coloca obstáculos à realização da saúde como direito do cidadão, dever do Estado e com
controle social.
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