Este documento discute como canções e sons podem despertar memórias e sentimentos. Ele descreve uma montagem de áudio que usa canções e sons da infância e adolescência da autora para ilustrar como a música está ligada à formação da memória e identidade de uma pessoa. A montagem inclui sons da cidade natal da autora e lembranças de momentos marcantes em sua vida.
1. “A CANÇÃO E A MEMÓRIA”
MILENA DIAS BREDER
COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE
OFICINA DE SOM E SENTIDO
PROF. DRA. GRAZIELA MELLO VIANNA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
13 DE FEVEREIRO DE 2014
2. Em “As Vozes da Canção na Mídia”, a autora Heloísa Valente destaca a importância
dos signos musicais como cápsulas de memória, ou seja, elementos capaz de atuar como
guardadores de sentimentos dos indivíduos de acordo com suas experiências. O signo sonoro
pode evocar lembranças e sensações adormecidas, despertando sentimentos que vão da
nostalgia à melancolia, da alegria à raiva. Partindo deste princípio, a ideia da montagem
apresentada é exemplificar o poder da canção na memória e como as duas estão relacionadas
em diferentes níveis.
Primeiramente, é preciso identificar a intenção da peça para só então relatar os sons
que a compõem. O objetivo maior em escolher determinados sons e a ordem em que estes
encontram-se dispostos é de demonstrar a importância dos signos sonoros ao longo da
formação do caráter e da memória de um indivíduo, acompanhando seu crescimento pessoal e
ilustrando seus momentos antes da cristalização da memória, quando estes momentos poderão
ser revividos através de métodos simples, como a reprodução das canções associadas a eles.
Para o projeto, foram escolhidas canções e sons que remetessem à vida interiorana,
como pode ser percebido na escolha da música base (Antes do Azul, do grupo Graveola e o
Lixo Polifônico), que é uma de minhas preferidas e sempre me transporta para o nascer do sol
visto da varanda da minha casa em Governador Valadares, Minas Gerais, onde nasci e fui
criada. O cantar do galo (0:05) anuncia o novo dia e me traz memórias da infância, época em
que meu vizinho criava galos no terraço e era possível ouvi-los durante todo o dia.
A vassoura de piaçava (0:19) era o meu despertador, pois minha avó sempre varria a
calçada por volta da hora de eu acordar e me arrumar para a escola. Não importa onde eu
esteja, se eu ouvir alguém usando uma vassoura de piaçava, minha mente decola
imediatamente para a imagem de dona Lúcia Breder na porta da nossa casa amarela. Os
pássaros que moram nos oitis valadarenses (0:30) completam a atmosfera de cidade pequena
desta primeira parte da montagem, como também fazem os cachorros da rua (0:50).
Panela de pressão / mãe e avó cozinhando: aos 0:58, o barulho da panela de pressão
avisa que o almoço está sendo preparado e captura a preocupação de minha avó em não
atrasar a refeição, pois o almoço deve ficar pronto antes das 12h. Aos sábados, era comum
acordar com o barulho do feijão já sendo cozido, e antes mesmo que eu pudesse sentir o
cheiro, o assovio da panela me avisava que dali a uma hora eu já poderia almoçar.
O apito do trem de ferro aos 1:24 é provavelmente um dos signos sonoros que mais
desperta boas lembranças. Por morar relativamente perto de uma linha ferroviária, eu ouvia o
trem várias vezes ao dia e não raro ia correndo ver os vagões de passageiros com destino a
Belo Horizonte passarem às 13h, logo depois do almoço. Ainda na infância, o som do trem se
aproximando me transporta a uma sessão de fotos que eu e meu irmão fizemos bem em cima
da linha, e eu rio hoje ao me lembrar que saí chorando em todas as fotos porque tive medo
que o trem chegasse sem eu ver. O trem também faz parte das memórias que eu tenho do
campus da UFJF em Governador Valadares, onde cursei Direito por quase um ano antes que
finalmente me matriculasse na UFMG no curso de Comunicação Social - Publicidade. Ouvir e
sentir o trem passar na ferrovia ao lado do prédio da faculdade, balançando todas as carteiras,
data shows e lâmpadas e tornando a voz do professor inaudível não foi um fator decisivo para
3. que eu abandonasse o curso na UFJF, mas o incômodo causado por esta situação que se
repetia ao longo do dia certamente entrou para a lista de razões pelas quais eu deveria largar o
Direito e tentar o curso que eu sempre quis fazer na UFMG.
A partir de 1:53, a introdução da música “Garçom”, de Reginaldo Rossi, não figura
nesta montagem por causa de meus gostos pessoais, mas está ali porque minha mãe costuma
contar que eu sabia cantar a música inteira aos cinco anos de idade (graças à influência de ter
um bar com música ao vivo perto de casa) e que o fazia a plenos pulmões toda vez que estava
no chuveiro. Por mais que eu não goste de Reginaldo Rossi ou de artistas de música brega, a
música “Garçom” carrega o sorriso da minha mãe ao contar o caso para todo mundo que ela
conhece, me deixando envergonhada, mas eventualmente entretida com a anedota,
confirmando-a e provando que eu ainda sei cantar cada verso da canção.
Depois de 2:02, o ritmo de “Antes do Azul” dá lugar a “Oasis (Intro)”, da banda norteamericana Relient K. Como o próprio nome sugere, a vinheta serve de introdução para a
próxima música do disco, “Savannah”, cujo título é repetido no coro de ambas as canções. A
forma com que “Oasis (Intro)” foi masterizada, simulando uma gravação antiga e perdida em
algum canto empoeirado da memória se encaixa perfeitamente com as lembranças que eu
tenho do meu intercâmbio nos Estados Unidos, em 2011. Lembro-me de ouvir “Savannah” no
caminho para a escola americana, e de cantar junto com o vocalista em um show do Relient K
– minha banda preferida. Esta canção resgata emoções de saldo positivo, e é justamente por
esta razão que ela foi mixada junto com o som do carrinho de sorvete (2:13), que eu ouvia
passando na rua sempre que chegava em casa na Florida e quase nunca conseguia alcançar pra
comprar um picolé.
A música “Some Nights”, da banda Fun. representa um período de muita indecisão e
insegurança na minha vida, principalmente devido à época do vestibular. A canção me faz
pensar nas situações que eu tive de enfrentar no ano de 2013, e de certa forma, me dá a
sensação de estar relacionada aos meus poucos momentos de otimismo quando enfrentei
dificuldades pessoais. A fase ruim logo é substituída pela alegria da canção do grupo
belorizontino Graveola e o Lixo Polifônico (2:52), que retorna à montagem acompanhada dos
anúncios da rodoviária de Belo Horizonte. A minha chegada a BH foi marcada por estes dois
sons específicos, afinal esta era a canção que tocava nos meus fones quando cheguei na
rodoviária pela primeira vez como moradora da cidade ao invés de turista. O som dos bem-tevis (2:59) coroa a peça, pois ativa a memória recente do meu primeiro dia morando no bairro
Ouro Preto, em que saí sem rumo para explorar a região e encontrei vários bem-te-vis, que eu
quase não via na minha casa em Governador Valadares.