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O fim do fim da privacidade
Nunca houve tantas formas de deixar a vida
exposta na rede. Nem tanta gente incomodada
com isso. Veja como essa nova realidade está
mudando a Internet.
Uma em cada 4 pessoas que usam a internet
no mundo tem uma conta no Facebook. Esse
meio bilhão de pessoas publica 14 milhões de
fotos diariamente. Os 100 milhões de usuários
do Twitter postam 2 bilhões de mensagens por
mês. Dê um Google no nome de alguém e os
tweets dele vão estar lá. Pesquisadores cunham
termos bonitos como a “era da
hipertransparência” para tentar falar que há
xeretas e exibicionistas demais hoje.
E a maior rede social do planeta deu um passo
grande rumo à tal hipertransparência: em maio, o
Facebok mudou as regras sobre o quanto que
estranhos podem saber da sua vida. “Estamos
construindo uma internet onde o padrão é ser
sociável”, decretou Mark Zuckerberg, criador e
presidente do site, ao anunciar as mudanças.
Utopia sociológica à parte, interessa para ele que
usuários de seu serviço possam ser encontrados
com mais facilidade. Se você não está no Facebook
e encontra aquele amor antigo do ginásio ali, tende
a entrar para a rede social. E, quanto mais gente lá,
mais Zuckerberg pode faturar com publicidade.
Às mudanças: de cara, elas parecem bem sutis. Antes,
não dava para ver a foto de perfil ou a idade de uma
pessoa pesquisada, por exemplo. Agora, a não ser que o
usuário mude as configurações no braço, um resumo de
sua ficha ficará exposto na internet. Não é pouca coisa.
Pense em quem teve um término de relacionamento
conturbado e quer manter distância de namorados
maníacos; ou em um adolescente que mudou de escola
por causa de bullying e corre o risco de que tudo
comece de novo se os novos colegas descobrirem isso;
em quem sofre de assédio moral no trabalho ou foi
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eles, qualquer detalhe que o Facebook divulgue pode
fazer uma grande diferença.
Não fica nisso. Um dos maiores problemas é que a
internet não “esquece” nada. E agora, que ela faz
parte da vida de praticamente todo mundo há uma
década, qualquer vacilo do passado pode causar um
problema no presente. Fotos ousadas num fotolog de
anos atrás vão complicar você na disputa por um
emprego. Uma troca infeliz de scraps no Orkut, como
uma discussão com um ex, podem estar ao alcance de
qualquer um. As redes sociais basedas em GPS, como
a Fousquare, colocam mais pimenta nesse molho, já
que elas mostram num mapa onde os usuários estão a
cada momento Em suma, nunca existiram tantas
possibilidades de exposição pública. E sim: sempre
vai ter alguém que você não esperava bisbilhotando
você.
É natural. O desejo de cavucar a vida alheia existe
desde sempre. “Na maior parte da história
humana, as pessoas viveram em pequenas tribos
onde todas as pessoas sabiam tudo o que todo
mundo fazia. E de alguma forma estamos nos
tornando uma vila global. Pode ser que
descobriremos que a privacidade, no fim das
contas, sempre foi uma anomalia”, afirma o
professor Thomas W. Malone, do Centro de
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Seja como for, trata-se de uma anomalia de
que todo mundo gosta. E por isso mesmo um
movimento ganha cada vez mais força: há
uma preocupação maior com a bisbilhotice.
Na prática, está acontecendo o contrário do
que Zuckerberg imagina. Estamos menos
“sociais”.
Hoje, a quantidade de dados que as pessoas
deixam aberta na rede para todo mundo ver é,
por cabeça, bem menor do que há 5, 6 anos. É
raro encontrar quem deixe suas fotos
escancaradas numa rede social. Scraps
públicos no Orkut já são parte de um passado
remoto…
Um estudo da Universidade da Califórnia
mostra essa mudança: os entrevistados
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pesquisa, 88% dos jovens de 18 a 24 anos
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pessoais depois de algum tempo.
O jurista e filósofo inglês Jeremy Bentham
(1748-1832) concebeu, na segunda metade do
século 18, um modelo racional de prisão.
Consistia num edifício com um grande pátio
interno para o qual estavam voltadas todas as
celas. Na posição central, uma única pessoa
podia vigiar milhares de presos sem muito
esforço. Bentham batizou sua penitenciária de
panóptico – o olho que tudo vê. Aquela ideia
moldou muito mais que o atual sistema
prisional. Há algo dela em áreas tão distintas
como educação, saúde e comunicações pela
internet.
A arquitetura do panóptico foi reproduzida nas
principais instituições contemporâneas: o
quartel, o hospital, o manicômio, a fábrica e a
escola. E não se resumiu a isso. Também se
replicou na ideia do controle de muitos por
poucos e na necessidade de disciplinar as
massas. Conforme argumento já clássico do
filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o
Estado moderno que nascia precisava de
cidadãos reeducados para o trabalho industrial
e para uma nova vida na sociedade urbana.
Há, porém, outra forma de panóptico que entrou
na vida contemporânea e parece estar se
naturalizando: as novas tecnologias de
comunicação. Câmeras, celulares, internet e redes
sociais on-line facilitaram profundamente a
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Pais hoje não se preocupam tanto com a
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numa simples ligação de celular. Gigantes da
internet vasculham com seus algoritmos as
navegações dos internautas para controlar suas
preferências e, assim, vender-lhes publicidade.
Poucos se importam com isso. Mas o alerta
vem soando. Em junho, ao ser revelado que o
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Trabalho de filosofia

  • 1.
  • 2. O fim do fim da privacidade Nunca houve tantas formas de deixar a vida exposta na rede. Nem tanta gente incomodada com isso. Veja como essa nova realidade está mudando a Internet.
  • 3. Uma em cada 4 pessoas que usam a internet no mundo tem uma conta no Facebook. Esse meio bilhão de pessoas publica 14 milhões de fotos diariamente. Os 100 milhões de usuários do Twitter postam 2 bilhões de mensagens por mês. Dê um Google no nome de alguém e os tweets dele vão estar lá. Pesquisadores cunham termos bonitos como a “era da hipertransparência” para tentar falar que há xeretas e exibicionistas demais hoje.
  • 4. E a maior rede social do planeta deu um passo grande rumo à tal hipertransparência: em maio, o Facebok mudou as regras sobre o quanto que estranhos podem saber da sua vida. “Estamos construindo uma internet onde o padrão é ser sociável”, decretou Mark Zuckerberg, criador e presidente do site, ao anunciar as mudanças. Utopia sociológica à parte, interessa para ele que usuários de seu serviço possam ser encontrados com mais facilidade. Se você não está no Facebook e encontra aquele amor antigo do ginásio ali, tende a entrar para a rede social. E, quanto mais gente lá, mais Zuckerberg pode faturar com publicidade.
  • 5. Às mudanças: de cara, elas parecem bem sutis. Antes, não dava para ver a foto de perfil ou a idade de uma pessoa pesquisada, por exemplo. Agora, a não ser que o usuário mude as configurações no braço, um resumo de sua ficha ficará exposto na internet. Não é pouca coisa. Pense em quem teve um término de relacionamento conturbado e quer manter distância de namorados maníacos; ou em um adolescente que mudou de escola por causa de bullying e corre o risco de que tudo comece de novo se os novos colegas descobrirem isso; em quem sofre de assédio moral no trabalho ou foi testemunha de um crime; em quem não quer que os pais descubram detalhes de sua vida sexual. Para todos eles, qualquer detalhe que o Facebook divulgue pode fazer uma grande diferença.
  • 6. Não fica nisso. Um dos maiores problemas é que a internet não “esquece” nada. E agora, que ela faz parte da vida de praticamente todo mundo há uma década, qualquer vacilo do passado pode causar um problema no presente. Fotos ousadas num fotolog de anos atrás vão complicar você na disputa por um emprego. Uma troca infeliz de scraps no Orkut, como uma discussão com um ex, podem estar ao alcance de qualquer um. As redes sociais basedas em GPS, como a Fousquare, colocam mais pimenta nesse molho, já que elas mostram num mapa onde os usuários estão a cada momento Em suma, nunca existiram tantas possibilidades de exposição pública. E sim: sempre vai ter alguém que você não esperava bisbilhotando você.
  • 7. É natural. O desejo de cavucar a vida alheia existe desde sempre. “Na maior parte da história humana, as pessoas viveram em pequenas tribos onde todas as pessoas sabiam tudo o que todo mundo fazia. E de alguma forma estamos nos tornando uma vila global. Pode ser que descobriremos que a privacidade, no fim das contas, sempre foi uma anomalia”, afirma o professor Thomas W. Malone, do Centro de Estudos de Inteligência Coletiva do MIT.
  • 8. Seja como for, trata-se de uma anomalia de que todo mundo gosta. E por isso mesmo um movimento ganha cada vez mais força: há uma preocupação maior com a bisbilhotice. Na prática, está acontecendo o contrário do que Zuckerberg imagina. Estamos menos “sociais”.
  • 9. Hoje, a quantidade de dados que as pessoas deixam aberta na rede para todo mundo ver é, por cabeça, bem menor do que há 5, 6 anos. É raro encontrar quem deixe suas fotos escancaradas numa rede social. Scraps públicos no Orkut já são parte de um passado remoto…
  • 10. Um estudo da Universidade da Califórnia mostra essa mudança: os entrevistados disseram tomar mais cuidado com o que postam online do que há 5 anos. Na mesma pesquisa, 88% dos jovens de 18 a 24 anos acreditavam que deveria existir uma lei que forçasse os sites a apagar informações pessoais depois de algum tempo.
  • 11. O jurista e filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832) concebeu, na segunda metade do século 18, um modelo racional de prisão. Consistia num edifício com um grande pátio interno para o qual estavam voltadas todas as celas. Na posição central, uma única pessoa podia vigiar milhares de presos sem muito esforço. Bentham batizou sua penitenciária de panóptico – o olho que tudo vê. Aquela ideia moldou muito mais que o atual sistema prisional. Há algo dela em áreas tão distintas como educação, saúde e comunicações pela internet.
  • 12. A arquitetura do panóptico foi reproduzida nas principais instituições contemporâneas: o quartel, o hospital, o manicômio, a fábrica e a escola. E não se resumiu a isso. Também se replicou na ideia do controle de muitos por poucos e na necessidade de disciplinar as massas. Conforme argumento já clássico do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o Estado moderno que nascia precisava de cidadãos reeducados para o trabalho industrial e para uma nova vida na sociedade urbana.
  • 13. Há, porém, outra forma de panóptico que entrou na vida contemporânea e parece estar se naturalizando: as novas tecnologias de comunicação. Câmeras, celulares, internet e redes sociais on-line facilitaram profundamente a difusão de informações, mas também o controle familiar, social e comercial.
  • 14. Pais hoje não se preocupam tanto com a disciplina dos filhos. Mas não deixam de monitorá-los de forma remota, nem que seja numa simples ligação de celular. Gigantes da internet vasculham com seus algoritmos as navegações dos internautas para controlar suas preferências e, assim, vender-lhes publicidade.
  • 15. Poucos se importam com isso. Mas o alerta vem soando. Em junho, ao ser revelado que o governo dos EUA monitorava indiscriminadamente telefonemas e e-mails ao redor do planeta, o presidente Barack Obama vaticinou: “Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. No Brasil, a Justiça Eleitoral cedeu dados pessoais de 141 milhões de eleitores a uma empresa comercial sem consultar ninguém. Recuou só quando o acordo se tornou público.