Artigo que se debruça sobre o compartilhamento de imagens e vídeos de pessoas vítimas da violência pelas redes sociais, analisando as causas e consequências dessa situação, e apontando soluções para o problema.
1. A DOR DOS OUTROS É REFRESCO
Considerações sobre o compartilhamento de imagens e vídeos de
pessoas vítimas de violência e tragédias pelas redes sociais
Leandro SANTOS1
RESUMO: Um dos principais problemas no mundo hoje é a violência. É um mal que
ocupa o centro das discussões e a razão dessa preocupação deve-se às múltiplas faces que
ela pode assumir, trazendo graves consequências não apenas para aqueles que praticam ou
sofrem com os atos, mas para toda a sociedade. Nessa perspectiva, o artigo foca no
compartilhamento de conteúdos de pessoas vítimas de violência pelas redes sociais, prática
comum entre alguns usuários, apontando as consequências da situação e trazendo
propostas para contornar tal problema.
PALAVRAS-CHAVE: Violência. Redes Sociais. Compartilhamento. Ciberespaço.
ABSTRACT: One of the main problems in the world today is violence. It is an evil that
occupies the center of the discussions and the reason for this concern is due to the multiple
faces that it can assume, bringing serious consequences not only for those who practice or
suffer acts but for the whole society. In this perspective, the article focuses on the sharing
of contents of people victims of violence by social networks, a common practice among
some users, pointing out the consequences of the situation and bringing proposals to
overcome this problem.
KEYWORDS: Violence. Social Networks. Sharing. Cyberspace.
1. Apresentação
Atos de violência estão se disseminando hoje na sociedade como nunca se observou
em tempos anteriores. O público, por sua vez, cada vez mais tem acesso a essas
informações por meio da mídia, que muitas vezes é ávida em transmitir esse tipo de
conteúdo, sabendo que existe um consumo desse material, ou seja, uma audiência certa
para o produto oferecido.
Por outro lado, a Internet e as redes sociais são ferramentas que ajudam na
1 Jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Pós -graduado em Assessoria de
Comunicação pela Faculdade Estácio São Luís. Atualmente é repórter no jornal O Estado do Maranhão.
E-mail: leoparentesantos@yahoo.com.br
2. divulgação de práticas que possam combater os atos de violência. Ao mesmo tempo, as
Novas Tecnologias de Comunicação e Informação colaboram diretamente para a
divulgação massiva desses atos, contribuindo, em alguns casos, para a banalização e até
mesmo o incentivo de novas práticas.
O compartilhamento de conteúdos de violência pelo ciberespaço tornou-se uma
prática corriqueira entre muitos usuários. É comum observar, principalmente em grupos de
WhatsApp e outros aplicativos de troca de mensagem, pessoas compartilhando fotos e
vídeos de outras sendo humilhadas, espancadas, mortas ou sofrendo algum outro tipo de
violência.
Casos de linchamento e tentativas de linchamentos são exemplos comuns de serem
observados sobre essa situação. Não são raras as vezes em que pessoas são violentamente
agredidas por outras em decorrência de um crime e, em seguida, o vídeo com as agressões
é compartilhado à exaustão pelos aplicativos de troca de mensagens.
Além disso, fotos e vídeos de pessoas vítimas de homicídio ou mortas de forma
trágica em acidentes também são replicados pelos usuários em grupos de WhatsApp e
similares com frequência.
Diante do exposto, o que se observa é que os valores éticos daqueles que
compartilham esse tipo de conteúdo estão se perdendo, uma vez que tais informações
danosas são disseminadas no ambiente virtual sem qualquer tipo de freio ou barreira.
A situação mostra ainda que as pessoas, ao repassarem de forma indiscriminada esses
materiais pelo ambiente virtual, estão expondo desnecessariamente as vítimas da violência
e nada acrescentando para a resolução do problema em si.
Um exemplo dessa situação, e que teve uma grande repercussão, aconteceu no ano de
2015, após a morte do cantor Cristiano Araújo em um acidente de carro. Na época,
funcionários da funerária para onde o corpo do artista foi levado depois da tragédia
gravaram um vídeo com a preparação do cadáver e divulgaram esse material nas redes
sociais.
Em pouco tempo, esse mesmo conteúdo foi replicado por muitos usuários pelas redes
sociais, o que gerou intensos debates sobre os motivos que levaram as pessoas a
compartilharem esse tipo de conteúdo, uma vez que o material continha cenas mórbidas, e
3. ainda a exposição desnecessária da vítima e de sua família.
Outra situação semelhante pode ser observada no episódio registrado em junho do
ano passado em que uma adolescente de 16 anos de idade foi vítima de um estupro coletivo
no Rio de Janeiro, fato esse que teve uma grande repercussão em todo o país e incitou os
mais diversos debates.
O vídeo com o registro do crime foi feito pelos jovens que praticaram o ato nefasto e
em seguida compartilhado à exaustão pelas redes sociais, expondo negativamente e de
diversas forma a adolescente que foi alvo da barbárie.
O que muitos usuários desconhecem é que, ao compartilharem tais conteúdos pelas
redes sociais, principalmente de pessoas mortas, ao mesmo tempo em que estão ferindo
princípios da ética que são estabelecidos para o convívio em sociedade, estão praticando
um crime.
O Código Penal Brasileiro, por exemplo, no seu artigo 212, pune quem pratica tal
ato, caracterizando-o como vilipêndio de cadáver 2. Há também jurisprudências que se
basearam no artigo 20 do Código Civil para responsabilizar aqueles que cometiam a
mesma prática3.
Em tempos de surgimento diário de novas ferramentas tecnológicas, que contribuem
para a produção e divulgação de conteúdos no ambiente virtual com grande facilidade, os
usuários sentem-se livres e incentivados a cada vez mais publicizar esses materiais, sejam
eles pertencentes apenas a esfera privada ou não, de forma irrestrita.
Dessa forma, muitas pessoas não se preocupam, ou nem mesmo refletem, se estão
ferindo questões éticas na publicação desses conteúdos. O intuito dos usuários é
compartilhar essas informações como forma de autoafirmação dentro do ambiente virtual
onde estão inseridos ao mesmo tempo que desejam a interação com as outras pessoas que
2 Para muitos juristas, apesar de estar previsto no Código Penal Brasileiro, o ato dificilmente resulta em
prisão. Por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo, a pena geralmente é substituída por outras
obrigações como multa, pagamento de cestas básicas, prestação de serviços à comunidade entre outros.
3
De acordo com a norma, salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, entre outras
situações, pode ser proibida, se a honra e respeitabilidade desse indivíduo forem comprometidas. Em se
tratando de uma pessoa morta ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção que
preconiza o Código Civil o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
4. fazem parte desse meio e que compartilham do mesmo tipo de pensamento.
2. Cibercultura e a cultura do compartilhamento
Antes de analisar a publicização de conteúdos de violência e tragédia pelas redes
sociais e as suas consequências, é importante debruçar-se primeiramente nas mudanças de
comportamento pela qual passou e vem passando sociedade com o desenvolvimento de
tecnologias de comunicação e informação. Deve-se ressaltar que tais transformações estão
acontecendo ininterruptamente, em que padrões de comportamento são constantemente
alterados para dar lugar a outras formas de sociabilidade.
Ao longo dos anos, o impacto dos novos dispositivos comunicacionais na sociedade
vem refletindo principalmente nos modos de ser, agir e de se relacionar dos indivíduos,
propondo, consequentemente, novas maneiras de interação social. Tal impacto, por
exemplo, traduziu-se no fato de que os indivíduos começaram a utilizar esses novos
dispositivos digitais para produzir, transmitir e adquirir as informações.
Essa é uma das teses defendidas por Pierre Levy (1999). Para o autor, as relações que
agora se estabelecem nessa nova sociedade são criadas principalmente entre os atores
sociais que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas essas
tecnologias emergentes em benefício próprio.
Raquel Recuero (2009) também já discutia o papel transformador da tecnologia,
assinalando inclusive para a ascensão de novos padrões de interação social. Segundo a
autora, graças às novas ferramentas de comunicação emergentes do ciberespaço, a
sociedade está experimentando mudanças nos seus mais diversos segmentos.
As tecnologias digitais ocupam um papel central nas profundas
mudanças experimentais em todos os aspectos da vida social. A
natureza, motivos, prováveis e possíveis desdobramentos dessas
alterações por sua vez, são extremamente complexos, e a velocidade dos
processos tem sido estonteante. Diante de um tal quadro, é impossível
resistir à tentação do determinismo tecnológico, que traduz em respostas
encantadoramente simples a máxima de que a tecnologia define a
sociedade. (RECUERO, 2009, p.12)
Nessa perspectiva, o compartilhamento de conteúdos entre as pessoas dentro do
ambiente virtual é uma forte característica da sociedade em que estamos inseridos
atualmente. A troca de fotos, vídeos, mensagens e outros tipos de informações faz com que
os laços sociais entre esses indivíduos se estreitem ainda mais. As redes sociais existentes
5. hoje contribuem para esse processo.
Nesse mundo conectando em que estamos inseridos atualmente, a comunicação, a
participação e o compartilhamento são características da sociedade pós-moderna, já
estruturadas no conceito de Aldeia Global defendido por Marshall McLuhan.
Essa é uma das características da Cibercultura, na qual a sociedade vive hoje em
rede, conectada por meio dos mais diferentes dispositivos e ferramentas. Com o passar do
tempo, a tendência é que essa conexão possa estreitar ainda mais os laços sociais entre os
indivíduos.
Observa-se que as pessoas compartilham os mais diversos conteúdos não apenas
relacionadas a elas próprias, mas também sobre os fenômenos que acontecem em sua volta.
Os aparatos tecnológicos, principalmente os dispositivos mobile, intensificaram esse
processo.
Chega a ser quase que instantâneo: as pessoas recebem um determinado tipo de
conteúdo, principalmente pelo WhatsApp¸ e sem refletir o suficiente acerca do material
recebido, compartilham essas informações nos grupos em que estão inseridas. O mesmo
ato é repetido por outros indivíduos que receberam a mensagem e, em questões de minutos,
todo o material já é de conhecimento de um grande número de pessoas.
O grande problema reside no fato do conteúdo que está sendo compartilhado, ou seja,
a mensagem que está sendo disseminada dentro desse ambiente virtual. São vários os casos
em que as informações repassadas entre os usuários são inapropriadas e muitas vezes,
acabam expondo as pessoas que estão nesse conteúdo.
É na produção e compartilhamento de conteúdos dentro do ambiente virtual que os
valores éticos e morais dos usuários são colocados à prova. O que se observa em várias
situações é que as pessoas compartilham conteúdos danosos não refletindo a respeito das
consequências negativas que essa prática está ocasionando.
3. Caracterização da violência
A violência hoje pode ser constatada de inúmeras formas. A sua raiz remete a uma
gama de significados, sendo que muitas vezes torna-se difícil elencar os motivos que
geram os atos de violência e as suas consequências na sociedade.
6. Nesse cenário, a violência não pode ser observada de forma isolada, mas sim
analisada de forma conjunta com outros campos. Compreendê-la em suas inúmeras formas
que ela se estabelece dentro da sociedade contemporânea exige também o entendimento de
outros cenários nos quais estão envolvidas as classes sociais, gênero, etnia, valores
culturais carregados pelos sujeitos entre outras situações.
Martuccelli (1999) defende, por exemplo, que a violência não pode ser analisada
levando em consideração apenas a ação daquele que pratica o ato. Segundo ele, é preciso
entender o meio social em que esse indivíduo está estabelecido.
O sentido da violência deve ser procurado menos no interior da
subjetividade do ator e mais a partir do referencial das redes sociais4
e
das coações materiais legítimas onde o indivíduo está colocado. A
violência nesse quadro é sempre o outro nome para designar a
desigualdade na falta de ligação social. (Martuccelli, 1999, p. 172).
Ainda nessa perspectiva, segundo o pesquisador, a violência surge no momento em
que existe um déficit de informação, o que faz com que os atos violentos se sobressaem,
causando os danos não apenas em um indivíduo especificamente, mas em toda a sociedade.
Para Salles (2011), a percepção do significado da violência pode sofrer variações
levando em consideração o contexto sócio-histórico-cultural no qual as manifestações e
ações consideradas como atos de violência se expressam.
Aceitar a violência como algo natural, ou mesmo banaliza-la, sem
procurar ao menos mostrar suas causas e consequências, pode contribuir
para que as pessoas aceitem sem se intimidar a prática de atos violentos,
gerando, assim a impunidade, o que, em última análise, só reforça a
escalada da violência (SALLES, 2001 p.58).
Um conceito utilizado pela Organização Pan-Anamericana de Saúde é o de que a
violência pode ser conceituada como o uso deliberado da força física ou de poder contra
outra pessoa, um grupo ou a comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades de
causar lesões, morte, danos psicológicos, transtornos do desenvolvimento ou privações,
auto-agressão interpessoal e coletiva.
Nessa situação, observa-se a dificuldade em conceituar violência em si na atualidade
uma vez que a Organização Pan-Anamericana de Saúde restringe as suas definições apenas
4
Ao citar as redes sociais, o pesquisador faz referência aos laços e vínculos sociais de um determinado
indivíduo no ambiente em que ele está inserido e não às comunidades virtuais existentes no ciberespaço
onde também há formas de interação.
7. no ambiente físico, não analisando, por exemplo, que os atos de violência ultrapassaram as
fronteiras do real e encontraram um ambiente fértil no cenário virtual, principalmente nas
redes sociais na Internet.
4. Violência e tragédia como espetáculos da rede
O que se observa hoje é que a violência se tornou um “produto” a ser consumido pela
sociedade. Muitas das práticas observadas hoje contribuem diretamente publicizar ainda
mais os atos danosos, enquanto que as ações relacionadas à Cultura de Paz, que deveriam
se sobressair, não ganham tanta repercussão.
É possível fazer uma analogia dessa situação com o que Bauman (2008) fala sobre o
consumo na contemporaneidade. Segundo ele, esses consumidores representam um tipo de
sociedade que promove, reforça e encoraja a escolha de um estilo de vida e uma estratégia
existencial consumista - neste caso específico, tendo os atos de violência como principal
produto – e rejeitam todas as opções culturais alternativas, o que faz com que os atos da
Cultura de Paz não sejam tão divulgados e de conhecimento da população como eles
deveriam ser.
Um pensamento similar pode ser constatado com Debord (1997), no qual o autor
afirmar que essa mercadoria consumida pela sociedade domina tudo o que é vivido. Ainda
segundo o pesquisador, esse mundo da mercadoria é mostrado da forma como ele é,
causando influências no comportamento dos homens.
Essa influencia também pode ser observada na passividade de muitas pessoas diante
de uma determinada situação, nesse caso o sofrimento e tragédia pelos quais passam os
seus semelhantes. O episódio torna-se então mais um espetáculo a ser contemplado por
aqueles que poderiam colocar em prática ações para mudar ou pelo menos amenizá-lo.
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o
resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim:
quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-
se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a
sua própria existência e o seu próprio desejo. [...] Eis porque o
espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo
está em toda a parte. (DEBORD, 1997, p. 25-26).
As situações de violência e tragédia se transformaram em produtos espetacularizados
e disseminados com bastante frequência pelo ambiente virtual. A tragédia humana se
8. tornou “consumível” pelos espectadores com muita frequência diante da banalização com
que esse tipo de conteúdo é compartilhado pelo ambiente virtual.
É a partir dessa formatação espetacular, por vezes chocante, que os
diversos meios se valem para conquistar a audiência de leitores e
telespectadores. A banalização de conteúdos violentos e mórbidos
passou a causar cada vez menos comoção. Uma espécie de
anestesiamento social em face da dor do outro. As imagens, que não nos
chocam mais, se tornaram cada vez mais apelativas para tentar
conseguir seus efeitos espetaculares. Se tornam tão habituais que a
tratamos como forma de entretenimento, de espetáculo, e depois de
algum tempo, “o choque pode tornar-se familiar”. (HOFFMANN,
OLIVEIRA, 2015, p. 10-11).
Casos como esses deixam claro a falta de sensibilidade de muitos usuários diante da
situação de sofrimento em que está o envolvido próximo. A dor e o desespero do outro não
passam de mais um espetáculo registrado e, em seguida, compartilhado pelas pessoas nos
grupos do ambiente virtual em que estão inseridas, fazendo com que esse conteúdo se
espalhe de forma viral.
É o que muito se observa nos dias de hoje em diversas situações. As testemunhas de
uma cena de violência, em vez de ajudar a pessoa que está sendo vítima de uma
determinada ação, preferem pegar o smartphone e registrar todo o fato. A falta de empatia
dos telespectadores observada nessas situações é uma característica da atual dinâmica da
sociedade.
Paralelamente a essa situação, existem hoje diversos sites e fóruns na internet
dedicados exclusivamente para o compartilhamento de conteúdos relacionados a vitimas da
tragédia e violências. Nesses espaços, a troca de materiais entre os usuários é ainda mais
intensa e impressiona também a quantidade de pessoas que frequentemente visitam esses
ambientes.
Em casos como esses muito se questiona a necessidade de registrar os atos de
violência e tragédia pelas quais passam as pessoas e depois compartilhar esse conteúdo
pelo ambiente virtual quando não há nenhum tipo de interesse público que justifique a
divulgação desse material.
Na tentativa de explicar os motivos que levam a essa exposição desnecessária,
principalmente relacionada com imagens de vídeos pessoas vítimas de tragédias, como o
que aconteceu no ano de 2015 com o acidente que matou o cantor Cristiano Araújo, a
9. Psicologia afirma que uma das explicações é uma “curiosidade” por parte de muitas
pessoas com o que é mórbido.
Nenhum de nós se imagina em confronto com a morte. Não pensamos
nela a maior parte do tempo. Mas, quando entramos em contato com os
fatos dessa natureza extrema ocorrendo com os outros, ou ainda com as
suas imagens – que, nos recorda nossa finitude - nossa reação é tentar
entender e compreender o processo pelo qual um dia também iremos
passar. (MANO; RUFFO, 2013, p. 2).
Outros estudos na mesma área apontam que algumas pessoas, por demonstrar essa
“curiosidade”, tentam obter respostas para as suas mais diversas perguntas sobre o tema,
como explica a psicóloga Arielle Sagrillo Scarpati, mestre em Psicologia pela UFES.
Segundo a pesquisadora:
Poderíamos fazer um paralelo com o que o professor Roland Maiuro
comenta sobre o porquê de as pessoas pararem para observar acidentes
de carro na estrada. De acordo com ele, ao observar o que houve com a
outra pessoa, conseguimos dar um senso de causa e efeito para os
eventos (que acontecem, aconteceram ou podem vir a acontecer
conosco). Ao mesmo tempo, também somos atraídos por qualquer coisa
fora do comum (pelo que é diferente) e temos uma tendência de “seguir
o exemplo”, repetindo o comportamento do grupo (“se outra pessoa está
olhando, eu também quero ver”). Além disso, alguns autores comentam
que tragédias ou acidentes (situações que envolvem doença ou morte)
evidenciam a finitude humana e nos obrigam — de certa maneira — a
pensar e dar sentido à nossa própria existência. (GHEDIN, 2015)
Se por um lado as novas tecnologias incentivam cada vez mais os usuários a
produzirem conteúdos e compartilhá-los no ambiente virtual, por outro se observa que
essas mesmas ferramentas não incentivam as pessoas a refletirem sobre as informações que
estão produzindo.
Ao mesmo tempo em que se discute a propagação desse tipo de conteúdo no
ambiente virtual é necessário abordar a responsabilidade dos usuários que compartilham
essas informações. O que se observa é que os princípios éticos que regem o bom convívio
na sociedade são deixando de lado no momento em que há o compartilhamento de ato de
violência de forma indiscriminada.
Na concepção de Bucci (2000), por exemplo, a conduta ética das pessoas – nesse
caso, dentro e fora do ambiente virtual – está diretamente relacionada com as decisões
particulares de cada indivíduo.
A conduta ética é fruto da decisão do agente – é por ter a racionalidade
10. e liberdade, ou por ter o livre arbítrio, como prega a tradição cristã, que
ele é o senhor dos seus atos – mas essa decisão individual tem lugar na
sociedade. O agente goza de autonomia e, ao mesmo tempo, está atado
aos valores sociais que lhe são exteriores, isto é, que representam para
ele uma heteronomia. A busca do bom e do justo [...] é portanto um
objetivo simultaneamente individual e social (BUCCI, 2000, p.16).
Nesse cenário, é de extrema importância que o usuário tenha consciência do seu
papel e a influência que exerce dentro do ambiente virtual. O convívio harmonioso na
sociedade depende diretamente da prática de atitudes éticas que preservem a integridade do
outro.
5. Considerações Finais
Vivemos em um mundo em que as informações são compartilhadas a uma
velocidade nunca vista anteriormente. O contínuo surgimento a cada dia de Novas
Tecnologias de Comunicação e Informação contribui diretamente para esse processo.
Dessa forma, o que se observa é que as pessoas têm a possibilidade de ter o acesso a
qualquer conteúdo em qualquer parte mundo.
Em tempos onde há uma grande disseminação de conteúdos pelas redes sociais,
muitas vezes observa-se que os atos de violência se sobressaem às atitudes relacionadas à
cultura da paz. A situação é causada principalmente pela maior “atração” que alguns
indivíduos têm com relação aos conteúdos danosos.
A não aplicação de penalidades e carência de uma legislação específica mais
eficiente são fatores que contribuem diretamente para a impunidade daqueles que
compartilham conteúdos de violência pelas redes sociais, infligindo diversos valores e
prejudicando a terceiros. Ao mesmo tempo, tais situações incentivam outras pessoas a
agirem da mesma forma, esquecendo os princípios éticos que norteiam o convívio em
sociedade.
O que as pessoas devem ter em mente é a responsabilidade que recai sobre elas
quando estão divulgando uma determinada informação no ambiente virtual, seja por meio
de aplicativos de troca de mensagens, redes sociais ou qualquer outro. Como o ciberespaço
não está fora das implicações inerentes às normas jurídicas, o usuário pode ser punido por
um ato ilícito que venha a ocorrer.
Facebook, Instagram e o Youtube dispõem hoje de ferramentas em que os usuários
11. dessas redes podem denunciar outros que compartilham conteúdos considerados
inapropriados. Entre as penalidades está a remoção desse conteúdo e, em caso mais graves,
a exclusão do perfil daqueles que publicizaram tais informações. Contudo, nos aplicativos
de trocas de mensagens, como WhatsApp e Telegram, esse controle tipo de já não existe e
são neles em que o compartilhamento de conteúdos danosos se faz com mais amplitude.
Embora o ambiente virtual seja um espaço onde os usuários podem se expressar,
existem comportamentos que devem ser evitados para o melhor relacionamento entre
aqueles que estão presentes nesse ambiente. Mais uma vez, chama-se atenção para a
necessidade da publicização de mais atos relacionados com a cultura de paz com o intuito
de evitar que praticas danosas se sobressaiam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed.
2008.
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e imprensa. São Paulo. Companhia das Letras. 2000
HOFFMANN, Maria Luisa. OLIVEIRA, Michel de. A espetacularização da morte: um
estudo de caso do selfie no velório de Eduardo Campos. Artigo apresentado no
XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro. 2015
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
GHEDIN, Rodrigo. Por que compartilhamos fotos e vídeos de gente morta? 2015.
Disponível em: <https://www.manualdousuario.net/compartilhar-fotos-gente-morta/>.
Acesso em 09/04/2017.
LÉVY, Pierre. Cibercultura; Tradução de Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MANO, Ana Luiza Moreira; RUFFO, Luciana. O espetáculo da morte nas redes sociais.
2013. Disponível em: <http://www.pucsp.br/nppi/coluna_eletronica/2013/03-Ana-Lu-O-
espetaculo-da-morte-nas-redes-sociais-Marco-2013.pdf>. Acesso em: 09/04/2017
MARTUCCELLI, Danilo. Reflexões sobre a violência na condição moderna. In Tempo
Social. Revista de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). 157-175. São Paulo,
12. 1999.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009a. (Coleção
Cibercultura).
SALLES, Vera Lúcia Rolim. Jovens, imaginário de paz e televisão. São Luís. EDUFMA,
2011.