A entrevistada afirma que:
1) A economia mundial vem passando por seis grandes revoluções na tecnologia da informação ao longo da história, gerando mudanças disruptivas nos modelos de organização social e econômica.
2) Nas últimas três revoluções (imprensa, eletricidade e digital), períodos de rápido crescimento econômico foram seguidos por crises, durante as quais novos modelos organizacionais emergiram enquanto as elites estabelecidas perderam poder.
3) As lider
2. ocê, leitor, seguiria os
nobres espanhóis que
dominavam a econo-
mia no século 17 ou os
tecelões ingleses que
exploraram a tecnologia da impres-
são de Gutenberg?
Uma resposta genuína a essa ques-
tão é muito importante, de acordo
com a historiadora econômica Elin
Whitney-Smith, uma vez que a grande
encruzilhada em que os gestores em-
presariais de hoje se encontram, diante
das mudanças tecnológicas e econômi-
cas, é muito similar à de 300 anos atrás.
Conforme Whitney-Smith, trata-se
da sexta vez, desde a aurora da civi-
lização, que as sociedades humanas
enfrentam uma onda de mudança
dessa magnitude. Em todas as vezes
anteriores, uma inovação em infor-
mação foi o gatilho da ruptura, o que
levou a nova forma de organização.
Whitney-Smith sabe do que fala: ela
passou 30 anos pesquisando e aper-
feiçoando sua teoria da evolução
econômica como uma série de rup-
turas na tecnologia da informação.
Na entrevista a seguir, a especia-
lista afirma ainda ser uma incógnita
se os líderes vão considerar, como
deveriam, as lições do passado, em-
bora eles consigam enxergar o que
está acontecendo com muito mais
clareza que seus antecessores. Com
declarações polêmicas, como a de
que o fenômeno chinês é temporá-
rio, Whitney-Smith adverte: estra-
tégias de curto prazo, embora se te-
nham mostrado irresistíveis a cada
revolução da tecnologia da informa-
ção, foram fatais para muitos.
Você afirma que os eventos turbu-
lentos da economia atual têm todos a
mesma raiz: uma mudança na manei-
ra como a informação é gerida. Pode
nos explicar essa ideia?
Cada uma das seis revoluções da infor-
mação pela qual a humanidade passou
significou uma grande mudança no
paradigma organizacional, ou seja, em
como as pessoas se reúnem em grupos
–e, portanto, nas empresas e na econo-
mia também.
A primeira delas ocorreu entre os
caçadores-coletores pouco antes da
invenção da agricultura. Depois, vie-
ram a capacidade de calcular e a lin-
guagem escrita. Em terceiro lugar,
temos a queda do Império Romano.
Em quarto, a invenção da imprensa.
O quinto ponto foi a revolução da in-
formação elétrica que acompanhou os
trens, o telégrafo e o telefone. Final-
mente, a sexta mudança é a revolu-
ção da informação digital que esta-
mos vivendo com a internet. [Veja
quadro na próxima página.]
AentrevistaédeArtKleiner,editor-che-
fe da revista strategy+business e autor
deTheageofheretics:ahistoryofradical
thinkers who reinvented corporate ma-
nagement(ed.Jossey-Bass).
Em entrevista, a historiadora
Elin Whitney-Smith mostra que há importantes
decisões a ser tomadas na revolução digital
V
“cada uma das seis revoluções da
informação significou uma grande
mudança no paradigma organizacional”
HSMManagement 89 • novembro-dezembro 2011 hsmmanagement.com.br 69
3. Nas últimas três revoluções, a eco-
nomia seguiu o mesmo padrão: um
grande boom seguido de uma gran-
de quebra. Então, uma batalha difícil
e turbulenta começa. Novas manei-
ras de organização emergem e os ve-
lhos tempos das elites estabelecidas
sucumbem.
Por que a elite perde o poder nessas
ocasiões?
No curto prazo, é sempre melhor ser
um nobre espanhol do que um tece-
lão inglês, mas no longo prazo a si-
tuação vira.
No século 17, os nobres da Espa-
nha não tinham razão para inovar,
já que sua riqueza estava assegu-
rada. Já os tecelões e comerciantes
dos países do norte da Europa, como
Inglaterra e Holanda, se reorganiza-
ram para tirar vantagem das novas
capacidades que a prensa móvel lhes
trazia. A liderança econômica do
Ocidente migrou para eles, enquan-
to os nobres foram ficando para trás.
Similarmente, nos anos 1970, era
melhor ser presidente da General
Motors do que um universitário
que escrevesse um código de com-
putador. Hoje, nossos líderes estão
fazendo as mesmas besteiras que as
elites do passado. Assim, reduzem
a possibilidade de dominação futu-
ra. Eles ignoram a nova tecnologia
da informação e perdem oportuni-
dades ou temem o mundo que ela
cria e tentam cooptá-lo, eliminá-lo
ou controlá-lo. Isso geralmente não
dá certo. As fortunas diminuem e
novo grupo de concorrentes domi-
nantes emerge.
Quanto tempo leva essa transição?
Ao longo da história, esse intervalo
vem diminuindo. Entre os caçadores-
-coletores, foram necessários milha-
res de anos para fazerem a transi-
ção para a agricultura. Da queda de
Roma à imprensa foram cerca de mil
anos. A revolução da imprensa durou
220 anos. A revolução da eletricidade,
110. A digital começou há 50 anos.
Por que chamar essas revoluções an-
tigas de “revoluções da informação”?
Se as populações pré-agrícolas eram
de alguma forma parecidas com os
povos caçadores-coletores que ain-
da existem, elas eram a cultura de
informação mais pura que já hou-
ve. Viviam segundo o que sabiam,
e não em cima do que possuíam.
Sabiam onde os animais estariam e
seu status provinha da informação
–ter uma história melhor, ou uma
canção e uma dança melhores. Sua
visão de mundo era baseada em
compartilhamento. Uma história ga-
nhava valor ao ser compartilhada.
Assim vivemos até 10 mil anos
atrás, quando as extinções levaram a
uma mudança radical na percepção
das pessoas: elas começaram a ver o
mundo sob o viés da escassez, o que
ainda persiste.
Portanto, na primeira revolução da
informação, as pessoas se distancia-
ram da cultura de informação pura e
passaram a confiar na posse de bens
materiais. Mudou, então, a organiza-
ção social, pois nos tornamos seden-
tários. Começamos a suplementar a
caça e a pesca com a agricultura e,
mais tarde, com a pecuária. De acor-
do com os arqueólogos, a qualidade
de vida piorou. Morando mais pró-
caçadores-coletores viviam num
mundo de abundância e igualdade,
confiando no que sabiam (cultura
de informação pura), mas sofreram
o impacto das extinções do final da
era do gelo, há cerca de 10 mil anos.
o ambiente mudou tão drasticamente
que, de abundância, a perspectiva pas-
sou a ser a da escassez.
inseguros, passamos a confiar mais no que temos do que
no que sabemos. tornamo-nos sedentários para armazenar
bens. surgiu a agricultura e os símbolos do sistema agrícola
evoluíram para a escrita, uma necessidade para os governos
das cidades-estado. também as habilidades de cálculo evo-
luíram e a produção pôde ser mais bem controlada.
1ªPRÉ-HISTÓRIa
2ªInVenÇÃOdaeSCRITa
agenda2020
70 HSMManagement 89 • novembro-dezembro 2011 hsmmanagement.com.br
4. ximas umas das outras, as pessoas
acumularam mais lixo, mais germes
e mais doenças surgiram. Era neces-
sário trabalhar mais para cuidar da
lavoura e dos animais. Aliado à cres-
cente confiança em bens materiais,
isso levou à especialização, e a espe-
cialização levou à hierarquização e à
estratificação social.
Evoluiu a capacidade de calcular
também. Moedas encontradas no
Oriente Médio mostram que o comér-
cio estava começando. Pelos 5 mil anos
seguintes, o mundo foi definido pela
escrita. Escrever mudou o paradig-
ma da organização: de pequenas vilas
com líderes carismáticos para uma
elite tripartite –a liderança política, a
militar e a religiosa, que controlavam
as informações. Era uma estrutura or-
ganizacional incrivelmente estável. As
cidades-Estado e os impérios surgiam
e desapareciam, mas a estrutura era
a mesma. Com a queda do Império
Romano, apenas a Igreja conseguiu
manter sua estrutura organizacional e
seu poder na Europa.
Tal mudança resultou na liberação
de informações e na melhoria de vida
das pessoas comuns. A Igreja também
mudou a percepção sobre o trabalho:
deixou de ser algo só para escravos e
passou a ser virtude. Se alguém tives-
se algo para vender, teria de destinar
um décimo à Igreja. A inovação e o
desenvolvimento tecnológico, então,
ganharam apoio crucial. Era o come-
ço da abundância no Ocidente.
a revolução da prensa não teve um
caráter diferente das revoluções da
informação que a precederam?
Sim, mas a principal diferença talvez
seja o fato de termos um relato mais
detalhado disso. A partir da prensa,
podemos detectar duas correntes
distintas de inovação, como agora:
“a partir da revolução da prensa, podemos
detectar duas fases distintas de inovação,
como está acontecendo agora”
3ªQUedadOIMPÉRIO
ROManO
havia excesso de informação e os go-
vernantes não souberam como lidar
com isso. com a queda de roma, no
ano 476, houve liberação de informação.
a invenção da prensa móvel por guten-
berg, por volta de 1439, levou ao fim do
feudalismo e ao início do capitalismo,
após ter possibilitado que os artesãos
enriquecessem e os nobres decaís-
sem. os países do norte da europa
assumiram a liderança no ocidente e
houve o retorno a uma visão de abun-
dância. nascia a idade moderna.
4ªInVenÇÃOda
PRenSaMÓVeL
5ªInFORMaÇÃO
eLÉTRICa
6ªInFORMaÇÃO
dIgITaL
a partir de 1830, o sistema de trens e te-
légrafos conectou as pessoas de locali-
dades diferentes e o mundo se ampliou.
a hierarquia e a gestão se tornaram ra-
cionais. a liderança do mundo ocidental
migrou de londres para nova york.
fase instalada em 1957, com os
mainframes. na gestão, é chegado o
tempo da pouca hierarquização e da
ampla abertura.
migrou de londres para nova york.
71HSMManagement 89 • novembro-dezembro 2011 hsmmanagement.com.br
5. • A primeira, fomentada pela elite,
abrangeu novas formas de governo,
ciência, poesia e até de fazer a corte.
O governo foi de pequenos Estados
feudais a grandes Estados liderados
por monarcas com a ajuda de mi-
nistros que aprendiam gestão nas
faculdades. As elites também usa-
ram a tecnologia de impressão para
iniciar a era da exploração. Todos os
exploradores passaram a comparti-
lhar a mesma informação, os mapas
que eram aperfeiçoados conforme se
aprendia. Isso levou a maneiras mais
consistentes de pensar o mundo.
• A segunda fase da inovação aconte-
ceu no norte protestante, onde a im-
prensa não era restrita. Muitos apren-
deram a ler, já que, na doutrina pro-
testante, homens comuns podiam ler
a Bíblia. Os impressores começaram
a concorrer entre si, o que aumentou
o volume de material publicado.
Das classes mais baixas, como a dos
artesãos, surgiu a inovação. Jack
O’Newbury, filho de tecelão, contratou
cem aprendizes, enquanto seu mestre
tinha apenas dois ou três. A diferença
era que Jack, letrado, agora era capaz de
controlar a produção sem ter de viver
com os aprendizes. A produção aumen-
tou, os preços caíram e mais dinheiro
foi acumulado pelos artesãos, que se
tornaram os primeiros capitalistas.
além da nobreza, quem não ficou feliz
com a mudança?
A Europa católica ficou para trás, mas,
mesmo na protestante, a mudança não
foi boa para todos. As mulheres, por
exemplo, perderam seu poder e privi-
légio, pois os negócios deixaram de ser
feitos em casa. Elas não eram tão letra-
das quanto os homens e seu domínio
passou a ser percebido como o do lar.
a revolução seguinte envolve a ferrovia
e o telégrafo, nos anos 1830, e o telefo-
ne, na década seguinte. Que diferença
fizeram?
Os sinais de telégrafo eram necessá-
rios para coordenar os trens. Essa re-
volução tornou as pessoas mais cons-
cientes da abrangência geográfica da
nação, ou seja, elas se conectaram a
outras localidades. No contexto dos
negócios, a velha hierarquia local, na
qual os de baixo deveriam obedecer
a todos os que estivessem acima, foi
substituída por uma hierarquia mais
ampla na base e mais restrita e racio-
nal também.
Agora, os trabalhadores tinham
apenas de obedecer a seu chefe di-
reto. De repente, todos sabiam seu
lugar no organograma, cuja repre-
sentação é inspirada nos diagramas
dos telégrafos. As estradas de ferro
foram as primeiras empresas com
esse tipo de administração, o que as
colocou em vantagem sobre outras
empresas na depressão de 1880.
saibamaissobreWHITneY-SMITH
a historiadora elin Whitney-smith tem grande trânsito no meio empresarial; com
frequência é chamada a falar sobre o impacto crescente das tecnologias nos am-
bientes econômico e organizacional. fundou e dirige, nos estados unidos, a ne-
talyst, firma de consultoria especializada na interface entre a organização social
–que inclui a empresa com fins lucrativos, naturalmente– e a tecnologia. sua
companhia funciona de modo virtual, o que mostra que Whitney-smith é uma
early-adopter do que ela entende como forma vitoriosa de gestão para o futuro.
a pesquisadora tem se dedicado a um novo livro, intitulado Winning infor-
mation revolutions: from the ice age to the internet, que vem sendo publi-
cado capítulo a capítulo na internet (information-revolutions.com),
conforme ela o escreve. nessa obra digital, Whitney-smith
aprofunda sua ideia de que uma revolução da informação
é uma mudança importante na relação entre infor-
mação e bens materiais.
agenda2020
HSMManagement 89 • novembro-dezembro 2011 hsmmanagement.com.br72