Este diálogo entre várias almas que acabaram de morrer discute para qual barca cada um deve embarcar - a do céu ou a do inferno. Algumas almas, como ladrões e corruptos, tentam argumentar que merecem ir para a barca do céu por terem feito boas ações, mas são recusadas. Outras, como cavaleiros, acreditam ter direito ao céu por terem lutado em nome de Cristo. No final, todos os pecadores são mandados para a barca do inferno.
3. Bom dia meu caro fidalgo! O
que o traz por cá?
Nada! Não fiz
nada de mal!
4. Isso dizes tu! Toda a vida a
passear, com uma e com outra!
Sobe já, que estamos atrasados!
Nem penses nisso! Vou mas é para
aquela barca.
5. Aqui não entra você! Tratou mal
toda a gente e ainda quer favores!
Isso é que era bom
Olhou bem para mim? Quando estava
vivo, todos me tiravam o chapéu!
6. Já de volta? Eu bem te disse! Vá,
pega nos remos e dá cá uma ajuda.
Maldita hora! Ai, que pouca
sorte a minha…
7. Até que enfim meu rico onzeneiro!
Estava a ver que nunca mais chegavas.
Onde tens andado?
A trabalhar no duro. Mas tive esta
infelicidade! Logo eu, que não devo
nada a ninguém
8. Tu és cá dos meus. Somos da mesma
cepa, irmão! Embora!
Aí não vou! Aquela barca parece-me
bem melhor.
9. Aqui só entram pessoas de bem! Não
gente como tu, que só pensa em
roubar os outros!
Eu? Sou o mais pobre dos homens!
Nunca tive nada na vida.
10. Rema mas é! Vamos aproveitar a
maré!
Amigo diabo, deixa-me ir buscar o meu
dinheiro!
11. Quem aí vem?
Sou o Joane! Não me conheces? Posso
entrar na tua linda barca?
12. O que te aconteceu?
Intestinos! Uma diarreia sem fim! Não
houve médico que me salvasse. Para
onde vais?
13. Inferno amigo Joane! Um sítio bem
quentinho. Vais adorar!
Oh seu filho de um . . . malandro!
Ladrão, bandido, velhaco, cornudo
dum raio, que sejas maldito para
sempre tu e toda a tua família!
14. Tu não tens culpa de nada! A tua
cabeça é que não ajuda. Espera só um
bocadinho. Pode ser que venha ainda
alguém que mereça mais do que tu.
Anjinho, leva-me contigo
anjinho!
17. Tu sim! Roubaste e enganaste
que te fartaste!
Mas tantas vezes fui à igreja, tantas
prendas aos santos, missas,
confissões! Isso não serviu de nada?
18. Tu sim! Roubaste e enganaste
que te fartaste!
Mas tantas vezes fui à igreja, tantas
prendas aos santos, missas,
confissões! Isso não serviu de nada?
19. Estás carregado deles! Esta barca não
é para pecadores. Aqui não cabes!
Valha-me deus! Só trago estas
forminhas comigo! Para fazer uns
sapatinhos.
20. Nem penses! Sou homem da igreja. O
meu lugar é naquela barca. Anda
Florença minha.
Sabes dançar frade? E a tua
querida também? Vamos bailar
no convés! Entra.
22. Viva! Trago aqui todos os meus bens e
umas raparigas bem jeitosas que
trabalharam para mim.
Já cá devias estar! Estamos
mesmo de saída. Não me faças
perder mais tempo.
23. Vou mas é à outra barca! Penei tanto
em vida que bem mereço o céu. Ajudei
tanta gente que se dizia devota. É esta
a minha paga?
Podes voltar para trás. Não
venhas para aqui maçar-me.
24. Seu ratoneiro! Grande patife me
saíste! Ainda vais acabar mal!
Agarra-te judeu,
que vais a
reboque! Tu e o
teu animal!
Malandro! Excomungado!
26. Minha mulher recebia as prendas!
Não eu! Que culpa tenho?
Esta é a sua barca sem dúvida.
Burlões e corruptos, é comigo!
27. Não! Para quê? Não contava morrer
tão cedo. Anda, corregedor vamos à
outra barca.
Mais um. Confessaste-te amigo?
28. Vamos! Não
há remédio.
Todos os pecadores deste mundo
têm lugar naquela barca. Ide,
juntai-vos aos outros!
Ladronastis tudo, roubastis o que
puderam, aldrabastis toda a gente,
seus miserabilis!
29. Engano amigo! Isso é o que tu
pensas! Entra já
Quem morre da corda tem
direito ao paraíso!
30. Então cavaleiros!? Onde ides?
Nem perguntam nada?
Nós lutámos por Jesus Cristo. Ao
paraíso nos vamos que a ele
sabemos ter direito!