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SILVANA APARECIDA FONTANELLI
Centro de Memória e Ciência da Informação:
uma interação necessária.
São Paulo
2005
SILVANA APARECIDA FONTANELLI
Centro de Memória e Ciência da Informação:
uma interação necessária.
Trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado
ao Departamento de Biblioteconomia e
Documentação da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo para obter o grau de
Bacharel em Biblioteconomia.
Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit
São Paulo
2005
Fontanelli, Silvana Aparecida
Centro de memória e ciência da informação: uma interação
necessária / Silvana Aparecida Fontanelli. – São Paulo: S.A.
Fontanelli, 2005.
105p.
Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de
Biblioteconomia) – Escola de Comunicações e Artes –
Universidade de São Paulo, 2005.
Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit
1. Centro de Memória. 2. Instituição-memória. 3. Ciência da
Informação. 4. Memória. I. Autor. II. Título.
Termos de Aprovação
Nome do autor: Silvana Aparecida Fontanelli
Título da Monografia: Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária.
Presidente da Banca: Profª Drª Johanna W. Smit
Banca Examinadora:
Profª Drª Maria Christina Barbosa de Almeida Instituição: ECA/USP
Profª Drª Maria de Fátima G. M. Tálamo Instituição: ECA/USP
Aprovada em:
Para o João pelo apoio incontestável e pelo amor imensurável.
AGRADECIMENTOS
À professora Johanna pelo apoio, pela paciência e pelas importantes observações
durante a realização deste trabalho. Às professoras Asa e Maria Christina pelas palavras de
apoio num momento delicado da minha vida. E a todo o pessoal do CBD que dividiu comigo
muitas inquietações, mas também muitas alegrias que ficarão na minha memória. Em especial
ao Zé (José Estorniolo) e à Juliétti, que me acompanharam durante boa parte dessa trajetória e
que sempre me apoiaram e me estimularam.
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou
trancá-la. Em cofre não se guarda nada.
Em cofre, perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer
vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é estar
acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro.
do que um pássaro sem vôos;
por isso se escreve, por isso se diz, por isso se
publica, por isso se declama e declara um poema:
para guardá-lo;
para que ele, por sua vez, guarde o que se guarda,
guarde o que quer que guarde um poema.
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Antonio Cícero
FONTANELLI, Silvana A. Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação
necessária. São Paulo, 2005. 105f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) –
Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes.
Universidade de São Paulo.
Resumo
As instituições-memória, consideradas como serviços de informação, são comparadas e
analisadas para auxiliar o estudo da delimitação da atuação do centro de memória, entendido
como instituição fundamental para a preservação da memória das organizações e do
patrimônio cultural e histórico da humanidade. Enfatiza-se o papel do profissional da
informação na administração e gestão dos documentos e informações que compõem o acervo
do centro de memória. A análise engloba a relação entre memória e história; a definição dos
lugares da memória e sua importância; o estudo das similaridades e especificidades dos
serviços de informação (arquivo, biblioteca e museu), tendo como base a relação intrínseca e
interdisciplinar que mantêm com a Ciência da Informação; e a apuração do papel do
profissional da informação na transformação do centro de memória em um serviço cujo
objetivo seja não só a preservação da memória da instituição, como também, e
principalmente, a disponibilização dos dados de forma clara e eficaz, contribuindo para a
produção de conhecimento, para o desenvolvimento da instituição e, quem sabe, para a
transformação do indivíduo e da sociedade.
Palavras-chave
memória; história; centro de memória; instituição-memória, ciência da informação;
informação; documento.
Lista de Abreviaturas
ALA American Library Association
CI Ciência da Informação
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FID Federação Internacional de Documentação
ICOM Conselho Internacional de Museus
IIB Instituto Internacional de Bibliografia
IID Instituto Internacional de Documentação
Natis National Information System
VINITI Instituto para a Informação Científica
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNISIST Sistema Mundial de Informação Científica
Sumário
Resumo
Lista de Abreviaturas
Apresentação ....................................................................................................................... 10
1. Introdução .................................................................................................................. 13
1.1 Objetivo geral .................................................................................................... 15
1.1.1 Objetivos específicos................................................................................... 15
1.2 Procedimentos metodológicos.......................................................................... 15
2. A relação entre memória e história ............................................................................ 17
3. Os lugares da memória e sua importância na preservação da memória coletiva....... 25
4. A Ciência da informação............................................................................................ 29
4.1 Ciência da informação: sua história e conceituação.......................................... 29
4.2 Informação e documento ................................................................................... 36
4.3 Arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia: ciências da
informação? ....................................................................................................... 45
4.3.1 Arquivologia e arquivo................................................................................ 46
4.3.2 Biblioteconomia e biblioteca ....................................................................... 53
4.3.3 Documentação e centro de documentação e informação............................. 60
4.3.4 Museologia e museu .................................................................................... 65
5. Do paradigma do acervo ao paradigma da informação/usuário: as ciências da
informação e suas interfaces ...................................................................................... 74
6. Centro de memória..................................................................................................... 80
6.1 Um pouco de história......................................................................................... 81
6.2 O centro de memória como serviço de informação........................................... 83
6.3 A constituição do centro de memória ................................................................ 88
6.4 O centro de memória e o profissional da informação........................................ 93
7. Considerações Finais.................................................................................................. 96
Referências
10
Apresentação
“É pela memória que se puxam os fios da história. Ela envolve
a lembrança e o esquecimento, a obsessão e a amnésia, o
sofrimento e o deslumbramento [...] Sim, a memória é o
segredo da história, do modo pelo qual se articulam o presente
e o passado, o indivíduo e a coletividade. O que parecia
esquecido e perdido logo se revela presente, vivo,
indispensável. Na memória escondem-se segredos e
significados inócuos e indispensáveis, prosaicos e memoráveis,
aterradores e deslumbrantes.”
Octavio Ianni
Este trabalho se deve a fatores estritamente pessoais. Durante onze anos trabalhamos
no Centro Pró-Memória do Club Athletico Paulistano (até outubro de 2002 denominado como
Museu), sempre procurando manter uma postura crítica em relação às atividades ali
desenvolvidas, no intuito de resgatar a importância quase perdida da memória do clube e,
assim, recuperar seu próprio significado, dentro e fora da instituição. Para nossa satisfação, os
produtos e serviços oferecidos demonstravam a importância do centro tanto para os
associados quanto para os pesquisadores externos.
Entretanto, apesar da reconhecida importância desse tipo de trabalho, verificamos que
não havia uma delimitação das atividades e da missão do Centro Pró-Memória, e que isso
acontece não apenas no Paulistano, mas também em outras instituições que mantêm um setor
responsável pela preservação e divulgação de sua memória. Nem sempre é fácil definir a
missão de um setor desses e, principalmente, quais as suas responsabilidades. Percebe-se que
algumas instituições confundem centro de memória com arquivo central ou centro de
documentação.
Em face dessa realidade, traçaremos breve histórico do surgimento e evolução dos
estudos e trabalhos que enfocam a memória empresarial, além das iniciativas de criação de
centros de memória em empresas e afins, mostrando que, a partir de meados dos anos de
1970, surgiu uma maior preocupação com a coleta, organização e disponibilização da
memória institucional. No início, restritos às instituições maiores, tais trabalhos, atualmente,
alcançam instituições das mais variadas áreas, de portes variados e missões das mais
específicas. Multinacionais, ONGs, Prestadoras de Serviços, Empresas do Terceiro Setor,
enfim, tornou-se uma coqueluche a preocupação com a memória. Muitos acreditam que a
realização de um bom trabalho no centro de memória da empresa trará benefícios e fortalecerá
a imagem interna e externa da entidade. A questão da identidade da empresa tem sido um
fator essencial a justificar o trabalho de valorização da memória empresarial, questão que se
11
resolve à medida que os integrantes da corporação se sentem parte dela, se sentem os
protagonistas de sua história e de seu desenvolvimento, e não apenas seus “funcionários”.
Trabalhar com a memória de uma empresa é trabalhar com as memórias de cada um de seus
integrantes, que se reconhecem como tais e, assim, constroem as identidades individuais e a
coletiva — imprescindíveis para o desenvolvimento da instituição.
Pretendemos também avaliar a importância da preservação e divulgação da memória e
da história institucional como elemento de afirmação e projeção de uma imagem positiva da
empresa perante o público. Em muitas instituições, há algum tempo, a memória entra como
ingrediente estratégico. O que nos faz lembrar as palavras de Nassar (2004, p. 21): “[...]
Recuperar, organizar, dar a conhecer a memória da empresa não é juntar em álbuns velhos
fotografias amareladas, papéis envelhecidos. É usá-la a favor do futuro da organização e seus
objetivos presentes. É tratar de um de seus maiores patrimônios. Depois com a memória na
cabeça, é preciso contar as histórias”.
A partir dessa análise, demonstraremos a importância dos centros de memória para as
instituições, para isso tendo de delimitar mais claramente seu campo de atuação, de modo a
não mais confundi-lo com o da biblioteca, o do arquivo, o do museu ou o do centro de
documentação. O estudo teórico permitirá uma visão melhor dos pontos comuns e dos
divergentes, bem como das particularidades da missão de um centro de memória. Desta
forma, mostrar-se-á que o trabalho desenvolvido nesses centros também pode e deve ser
responsabilidade dos profissionais da informação, em parceria com historiadores,
conservadores e restauradores, etc., buscando "disponibilizar a informação certa, da fonte
certa, para o usuário certo, no prazo certo, numa forma considerada adequada para o uso e a
um custo justificado pelo uso", conforme Mason, citado por Smit (2001, p. 14).
O trabalho será dividido em capítulos. Primeiramente analisaremos a relação, às vezes,
um tanto conflituosa, entre história e memória. Em seguida, analisaremos a questão dos
Lugares de Memória — expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora. Partiremos da
concepção de Lugares de Memória, mas enfatizaremos as instituições-memória mais
conhecidas e ainda hoje importantes no tocante à preservação e à divulgação das várias
memórias, a saber: arquivo, biblioteca, centro de documentação e museu. Nosso objetivo é,
após a discussão sobre memória e história, inserir nessa problemática a questão das
instituições que guardam e disponibilizam a memória. Em seguida, trataremos da Ciência da
Informação, definindo-a, demarcando seu campo de ação e explicitando sua relação com a
12
biblioteconomia, a arquivologia e a museologia. Nosso pressuposto é que todas essas áreas
compõem a Ciência da Informação, embora muitos autores as estudem separadamente. A
meta deste trabalho, entretanto (e sem perder de vista o fato de que são partes de algo maior),
é traçar o perfil de cada uma delas, procurando valorizar as semelhanças e mostrar que as
diferenças, quando existem, são fruto muito mais da técnica e metodologia de trabalho que
propriamente das idéias e objetivos buscados. Para que fique mais claro, faremos um breve
resumo histórico das origens de cada uma das instituições-memória. Concluídos os históricos
e o exame comparativo e analítico das instituições-memória, passaremos a estudar os centros
de memória, a partir dos resultados do estudo anterior. Analisando as características
convergentes e divergentes dessa instituição-memória em relação às demais, esperamos
demonstrar que ela também exige cuidados e mão-de-obra de profissionais especializados e
das mais diversas áreas. Assim, o profissional da informação aparece como figura principal,
uma vez que ficará responsável pela coleta, organização e disponibilização de dados, além da
produção de conhecimento novo a partir de pesquisa no próprio acervo.
Em suma, o trabalho objetiva demonstrar a importância do centro de memória como
instituição-memória, ressaltando seu papel para o desenvolvimento de uma organização ou
comunidade e para a construção de sua imagem social.
13
1. Introdução
“Diante da perda iminente, vive-se uma ‘fome de memória’
que se materializa, entre outros, na constituição de museus,
centros de memória, de documentação e arquivo que
possam preservar experiência de um cotidiano em vias de
extinção.”
Zilda Kessel
No Brasil, há mais de vinte anos, muitas instituições começaram a criar setor ou
departamento específico para a preservação da memória institucional. Antigamente, apenas
algumas instituições — e, obrigatoriamente, os órgãos públicos de todas as esferas — se
preocupavam com a alimentação e organização de seus arquivos. De uns tempos para cá, no
entanto, a necessidade de guardar documentos pessoais, objetos, fotografias, etc., disseminou-
se largamente. Esta mudança de comportamento deveu-se à própria alteração ou dilatação dos
objetos da História, principalmente após a fundação da Escola dos Annales, cujos
historiadores passaram a valorizar a pluralidade de fontes documentais, procurando as
informações não somente nas tão privilegiadas fontes primárias dos arquivos históricos e
oficiais. O próprio campo temático ampliou-se, tendo como conseqüência redefinições
teóricas e metodológicas. Atualmente, faz-se história de temas tão diversos quanto, por
exemplo, o estudo das flores e sua importância nas diferentes culturas, realizado pelo
historiador e antropólogo Jack Goody, citado por Pallares-Burke (2000, p. 55); ou ainda a
História das coisas banais, do renomado historiador Daniel Roche. Temas assim, muito
provavelmente, eram até mesmo inconcebíveis durante a maior parte da história.
Esta riqueza, resultado da evolução ou transformação da historiografia mundial,
provocou alterações nas instituições-memória. Bibliotecas, arquivos, museus, centros de
documentação e os centros de memória, tornaram-se locais de guarda das memórias do
homem, por meio de informações registradas em diferentes suportes — desde um ofício até o
depoimento oral de um trabalhador.
Segundo a historiadora Heloisa Bellotto (1991, p. 183):
A informação administrativa contida, enquanto validade jurídico-funcional, nos
arquivos correntes e, posteriormente, como testemunho em fase intermediária ou
como fonte histórica custodiada nos arquivos permanentes, não se restringe a si
mesma. Se a considerarmos com maior abrangência, analisando-a como transmissão
cultural, lançada para o futuro através de diferentes documentos grafados em
diferentes suportes, ela pode significar muito mais, quando aliada a outros
dados/informações oriundos de campos não-arquivísticos.
Trata-se de algo em que vai muito além do próprio conteúdo do documento. Os
conjuntos informacionais que se geram não podem ser definidos
14
compartimentadamente como material de arquivo, de biblioteca ou de centro de
documentação, por serem atípicos, como totalidade, a qualquer um deles. Estes
conjuntos de dados constituem a memória.
Enfim, o trabalho com a memória institucional utiliza documentos variados que não
podem ser caracterizados apenas como documentos de arquivo. Os centros de memória
desenvolvem trabalhos com especificidades relacionadas às “3 Marias”1
(arquivos, bibliotecas
e museus), responsáveis pela guarda, preservação, organização e disponibilização da memória
do homem. São nestas instituições que as descobertas e as experiências da humanidade são
preservadas e, geralmente, estão disponíveis a quem interessar.
Com base nas missões das instituições-memória da humanidade, o centro de memória,
na maioria das vezes, é criado com a finalidade de preservar, organizar, disponibilizar e
divulgar informações e documentos relativos à vida da instituição que os mantém. A partir de
sua missão, concluímos o grau de importância que desempenha dentro da empresa, sindicato,
clube, etc. Para Goulart (2002, p. 34) “[...] o papel mais importante dos documentalistas que
concebem e organizam os centros de memória é o de ser intermediário entre as organizações e
os pesquisadores, sendo sua principal responsabilidade, depois dos arquivos organizados, a
interface entre as instituições detentoras dos arquivos e o mundo da pesquisa”.
A cada dia surgem novos centros de memória e os trabalhos desenvolvidos pela equipe
dos centros possibilitam que a troca de informações entre os profissionais da instituição
contribua com o desenvolvimento da empresa e com a otimização de tarefas. Segundo a
historiadora Silvana Goulart (2005, p. 17), “Os centros de memória hoje, apesar de
comumente não serem concebidos como arquivos centrais, guardam documentos ligados às
atividades-fim, [...] o que resulta na acumulação de registros de caráter substantivo para o seu
funcionamento”. Entretanto, verificamos que a constituição do acervo dos centros de memória
varia bastante. Algumas vezes, chegam a ser confundidos com o arquivo central da instituição
ou então se tornam responsáveis por toda a documentação gerada pela empresa. A missão do
centro de memória e a função que os documentos preservados e organizados representam são
questões fundamentais a se levar em conta durante o processo de constituição do setor, para
que as atividades e o valor atribuído aos documentos ou mesmo sua missão não sejam
desvirtuados.
1
Expressão criada por Johanna W. Smit e que será explicada de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.
15
1.1. Objetivo Geral
Identificar o campo de atuação de um centro de memória e demonstrar sua
importância na preservação, organização e disponibilização de seu acervo por meio de
instrumentos de pesquisa, exposições e outros.
1.1.1. Objetivos Específicos
Relacionar história e memória coletiva e individual, inserindo os conceitos no trabalho
das instituições-memória;
Conceituar Ciência da Informação traçando sua interface com a arquivologia,
biblioteconomia, documentação e museologia;
Contextualizar o surgimento das instituições-memória — arquivo, biblioteca, centro
de documentação e museu — e analisar as transformações das disciplinas relacionadas a elas
e a relação com a Ciência da Informação;
Contextualizar o momento histórico da criação dos centros de memória, relacionando-
o às alterações no estudo da história, ao surgimento e valorização de novas fontes
documentais e também à valorização da informação na produção do conhecimento;
Demonstrar a importância do trabalho desenvolvido no centro de memória e sua
relação com o desenvolvimento da organização que o mantém;
Demonstrar a importância e o papel desempenhado pelo profissional da informação no
gerenciamento de um centro de memória.
1.2.Procedimentos Metodológicos
Este estudo teve como base literatura das áreas de história e memória, arquivologia,
biblioteconomia, documentação, ciência da informação e museologia. Durante a pesquisa
bibliográfica evidenciamos a dificuldade em localizar textos específicos sobre centro de
memória. Então, optamos por trabalhar com textos sobre as outras instituições-memória e, a
partir da análise de cada uma delas, com base na definição de seu acervo, sua missão, suas
16
atividades (serviços e produtos) e seu público, destacar as similaridades e especificidades de
cada uma, com o objetivo de definir o que é um centro de memória, instituição que, na
maioria das vezes, desempenha papel que mescla um pouco de cada uma das demais
instituições, mas que possui especificidades que o diferenciam.
Com relação especificamente ao uso de textos em língua estrangeira, optamos por
assumir a autoria das traduções.
17
2. A Relação entre Memória e História
"Nossa memória é nossa coerência, nossa
razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem
ela, somos nada [...]”
Luis Buñuel, cineasta
“Se a memória se dissolve, o homem se
dissolve.”
Jorge Luis Borges
O estudo das instituições-memória nos leva a pensar na própria definição de memória
e na importância que estas instituições, a partir dos documentos que preservam, representam
para o estudo e produção histórica, pois são, com freqüência, as principais fontes para os
historiadores e demais pesquisadores.
Há tempos, desde o surgimento da Escola dos Annales, os estudiosos utilizam, além
dos documentos mais convencionais, depoimentos orais, obras de arte, monumentos, enfim,
outros “Lugares de Memória”, que foram criados com o objetivo de perpetuar eventos,
homenagear personagens ou mesmo criticar ou enaltecer algum acontecimento histórico,
enfim constituir a memória nacional.
O estudo da memória é antigo. Já no fim do século XIX, conforme Pinto (1998, p.
209), surgiram trabalhos sobre o tema em vários campos de reflexão, em virtude, das
alterações nas relações humanas advindas da urbanização, que tentava dissipar as lembranças
individuais e designar um presente absoluto, rompendo com o passado. Podemos citar, os
trabalhos de Henri Bergson, de Sigmund Freud e de Marcel Proust. Mas, para nossa análise,
utilizaremos principalmente os trabalhos realizados por Maurice Halbwachs2
e Walter
Benjamin3
que, desde os anos de 1920, se preocupavam com este assunto tão caro a toda a
sociedade, pois os seres humanos possuem e preservam, das mais variadas formas, memórias
e lembranças que permitem o processo de reconstrução do passado e lhes dão a possibilidade
de perceber a própria existência e se reconhecer como indivíduos (WORCMAN, 1999).
2
Principal estudioso das relações entre memória e história pública, segundo Bosi (1994, p. 53).
3
Pensador da Escola de Frankfurt que se suicidou durante a II Guerra Mundial. Um de seus principais trabalhos é Sobre o
Conceito de História no qual diz que há duas formas de memória: o monumento, feito para durar e significar, e o documento,
aquilo que fica aos pedaços. Ao historiador cabe juntar os pedaços, atribuir-lhes significados e escrever a história, a partir de
sua experiência presente (MATTOS, 1992, p. 151-4). Em outro trabalho exalta o fim da narração, demonstrando que as
péssimas relações entre os homens prejudicam a realização da narração, e que com isso a troca de informações entre gerações
torna-se quase que inexistente, o que atrapalha também a transmissão da memória, da experiência. Benjamin acreditava que
narrar e ouvir são fundamentais para possibilitar a reflexão sobre o passado e sobre a transformação do presente.
(GAGNEBIN, 2004 p. 85-91).
18
É importante frisar que há maneiras diferentes de estudar a memória. Existem, por
exemplo, os estudos de filósofos, psicólogos e psiquiatras que a estudam de forma isolada4
.
Enquanto que autores como Halbwachs relacionam a memória com as instituições sociais,
considerando-a como um fenômeno social. Neste trabalho, analisaremos a memória, tanto a
individual, quanto a coletiva e a subterrânea, além dos esquecimentos e silêncios5
, seguindo o
pressuposto de Halbwachs sobre a necessidade de que a memória deve ser estudada, tendo
como ponto de referência os quadros sociais reais.
Maurice Halbwachs salienta a importância da existência da memória individual, mas
deixa claro que é comum prevalecer a memória coletiva, pois todos nós estamos inseridos em
grupos sociais, ou seja, sofremos a influência das pessoas e do contexto dos quais fazemos
parte. Sempre que lembramos, na verdade, estamos refazendo, reconstruindo, repensando
“com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado”. (BOSI, 1994, p. 55).
Para entender melhor esta questão, Halbwachs (1990, p. 21 e 23) cita Durkheim,
[...] não podemos pensar nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos
outros e para os outros, e sob a condição desse acordo substancial, que através do
coletivo, persegue o universal e distingue, o sonho da realidade, a loucura individual
da razão comum. [e acrescenta] que, apesar de algum equívoco de expressão, ele nos
faz compreender profundamente que não é o indivíduo em si nem nenhuma entidade
social que se recorda; mas que ninguém pode lembrar-se efetivamente, senão da
sociedade, pela presença ou a evocação e, portanto, pela assistência dos outros ou de
suas obras; [...] Um homem que se lembra sozinho daquilo que os outros não se
lembram assemelha-se a alguém que vê o que os outros não vêem.
Halbwachs (1990, p. 51) acrescenta também que “cada memória individual é um ponto
de vista sobre a memória coletiva” e que esta muda conforme o local, o contexto, as pessoas e
as relações mantidas com o meio. Por isso, muitas vezes, nossas lembranças podem ser
modificadas quando as relembramos com aqueles que delas participaram, já que eles também
possuem lembranças que podem ou não coincidir com as nossas, confirmando o caráter
familiar, grupal e social da memória. Este é um dos motivos também da necessidade de se
4
Conforme Bosi (1994, p. 54), o filósofo Henri Bergson, um dos pioneiros do estudo da memória, considerava
que sua análise deveria se basear apenas na relação entre o corpo e o espírito. Para Kessel (2003, p. 22), Bergson
distinguia dois tipos de memória: a memória hábito (conquistada por meio da repetição) e a memória pura
(aquela evocada em circunstâncias específicas), tão valorizada por Marcel Proust e por ele denominada, memória
involuntária — sua madeleine umedecida no chá de ervas tornou-se ícone da literatura francesa e muitos utilizam
a expressão “experiências proustianas” ao tratar de lembranças súbitas.
5
Pollak é pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS) e estuda as relações entre
política e ciências sociais. No texto Memória, Esquecimento, Silêncio apresenta a importância das memórias
subterrâneas, dos esquecimentos e do silêncio, considerados por ele essenciais para a manutenção da memória.
Confronta a existência da memória coletiva organizada pela sociedade majoritária da memória subterrânea,
aquela que existe, mas é impedida de ser divulgada por delatar episódios que possam denegrir a imagem
daqueles que estão no poder.
19
diferenciar a memória individual da coletiva. Segundo Bosi (1994, p. 65), considerando um
estudo de Bartlett6
, “a nitidez da memória não deve ser avaliada isoladamente, mas posta em
relação com toda a experiência social do grupo”. Então, ao analisarmos os acervos e as
informações disponíveis nas instituições-memória, estamos estudando a memória coletiva, a
produção e a escolha de um determinado grupo.
Halbwachs (1990, p. 51) novamente nos auxilia com relação à construção da memória
ao dizer que
a sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre
pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios
coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado
à parte e em seu conjunto.
O que significa que a relação com o grupo é fundamental para a perpetuação da
memória. A falta de convívio e de troca é um dos elementos que podem levar ao
esquecimento, além, é claro, do esquecimento proposital estudado por Michel Pollak (1989).
Com base na afirmação da filósofa Marilena Chauí, na apresentação do livro de Ecléa Bosi
(1994, p. 17-33), as pessoas recordam aquilo que para elas é significativo e ao recordar elas
sofrem a influência do tempo, de suas vivências e experiências e até mesmo da história oficial
que, muitas vezes, privilegia pessoas e acontecimentos em detrimento de outros, com o intuito
de “construir” uma memória. Chauí afirma que o tempo da memória é social, pois influencia
na forma de lembrar.
O historiador Jacques Le Goff (2004, p. 469), nos apresenta o valor e a importância
que a memória coletiva representa, pois
Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a
montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em
documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a
memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das
sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes
dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela
promoção [...] A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva
é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder.
Avaliada também como instrumento de poder, a memória está relacionada à história
das sociedades. Walter Benjamin7
, nos anos 30, afirmava a importância da memória e dizia
6
Frederic Charles Bartlett, autor do clássico Remembering, primeiro livro de psicologia social que trata da
memória e suas relações com o contexto. Bartlett foi fortemente influenciado por Halbwachs.
7
As reflexões de Walter Benjamin analisada aqui foram retiradas do texto de Olgária Mattos (1992, p. 153-4).
20
que sua transmissão devia se dar por meio da narração e o historiador deveria ser o narrador,
aquele que contaria a história e desta forma impediria o desaparecimento da memória, mesmo
que esta fosse apenas representada pela história.
Halbwachs, antes mesmo de Benjamin, já refletira sobre esta questão e separou as
duas áreas, considerando a memória como instrumento de trabalho do historiador. Para ele, o
historiador precisa manter certo distanciamento temporal dos acontecimentos para poder
escrever sobre eles de forma crítica. Enquanto que a memória é imediata e, com a ação do
tempo ou o distanciamento do grupo, pode ser enfraquecida ou mesmo alterada, em virtude
das influências e da alteração do próprio repertório cultural do indivíduo. Assim,
diferentemente da memória/lembrança que só pode existir a partir daquele que realmente
viveu o fato, a história pode ser contata por alguém que nem ao menos era nascido na época,
mas que, a partir das lembranças de outros, registradas em documentos escritos ou orais, além
de artísticos e arquitetônicos, tem condições de escrever e refletir sobre o ocorrido.
Para entendermos melhor a relação entre história e memória é necessário compreender
o que seja história.
Tanto quanto a memória, a definição de história também é complexa. Segundo Le
Goff , a Escola dos Annales8
promoveu uma nova concepção de tempo histórico, permitindo o
desenvolvimento de trabalhos que enfatizavam a longa duração e que buscavam manter
relação entre as várias ciências humanas, considerando que história tem como objeto de
estudo as sociedades humanas, ou seja, “a história é a ciência da evolução das sociedades
humanas” (LE GOFF , 2004. p. 16).
Para Marc Bloch9
(1976, p. 24), a história é difícil de ser conceituada, mas ele a resume
como investigação livre, podendo ser de um indivíduo ou de uma sociedade. Afirma também
que a história “é a ciência dos homens, no tempo” (2001, p. 55). Já para a filósofa Agnes
8
A Escola dos Annales, nova forma de escrever e fazer história, resultou dos trabalhos de um pequeno grupo
associado à revista Annales, organizada em 1929 e que teve como fundadores Lucien Febvre e Marc Bloch. O
objetivo da revista era promover um novo fazer historiográfico, com uma história mais abrangente, totalizante e
mais próxima das demais ciências humanas. Seus trabalhos foram tão importantes que influenciaram e ainda
influenciam historiadores de várias nacionalidades, mas principalmente os franceses. Suas idéias foram
aprimoradas ou mesmo modificadas e resultaram no que há tempos denominamos de “Nova História” e que tem
entre seus expoentes, Jacques Le Goff, Georges Duby, Philippe Ariès e Michel Vovelle. A importância dos
Annales é indiscutível, tanto que o historiador inglês, Peter Burke (1997), a considera a Revolução Francesa da
historiografia.
9
Sofreu grande influência dos estudos sobre a estrutura da memória social realizados por Maurice Halbwachs e
também do sociólogo Émile Durkheim.
21
Heller, citada por Hobsbawn (2002, p. 12), a história “trata do que acontece visto de fora, e as
memórias tratam do que acontece visto de dentro”.
Apesar de não se tratar de uma conceituação, consideramos interessantes as palavras
do historiador marxista, Eric Hobsbawn (2002, p. 311)
Não se pode escapar ao passado, isto é, àqueles que o registram, interpretam,
discutem e reconstroem. [...] O que entra para os livros escolares e para os
discursos dos políticos a respeito do passado, a matéria para os escritores de
ficção, de programas de televisão ou de vídeos vem, em última análise, dos
historiadores. Mais do que isso, a maioria dos historiadores, inclusive todos os
competentes, sabe que ao investigar o passado, até mesmo o passado remoto, estão
igualmente pensando e expressando opiniões a respeito do presente e suas questões,
e falando a respeito delas. Compreender a história é importante tanto para os
cidadãos como para os especialistas.
O próprio Le Goff (2004, p. 26) apresenta a história como a ciência do passado em
constante reconstrução. E para Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 26), “a história
recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os fatos passados, em função das suas
necessidades atuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em
função do presente: assim se poderia definir a função social da história”.
Dessas análises, percebe-se que a complexidade do assunto é notória e discutida por
vários estudiosos. Mas, o que nos interessa é demonstrar que memória e história são
diferentes, cada uma tem suas características, e que a segunda necessita muito da primeira
para poder ser construída, ou mesmo para poder reconstruir ou representar o passado com
base no presente.
Para finalizar, apresentamos a análise de David Lowenthal que se dedicou ao assunto e
de forma clara diferencia a memória da história, considerando a primeira subjetiva e um
processo por meio do qual lê-se o passado com base no presente. Nas palavras de Lowenthal
(1998, p. 66), “a memória é inevitável e indubitável prima-facie; a história é contingente e
empiricamente verificável”, ou seja, é um conhecimento intencionalmente produzido.
Esclarece também que
a função fundamental da memória, por conseguinte, não é preservar o passado, mas
sim adaptá-lo a fim de enriquecer e manipular o presente. Longe de simplesmente
prender-se a experiências anteriores, a memória nos ajuda a entendê-las.
Lembranças não são reflexões prontas do passado, mas reconstruções ecléticas,
seletivas, baseadas em ações e percepções posteriores e em códigos que são
constantemente alterados através dos quais delineamos, simbolizamos e
classificamos o mundo à nossa volta [...] (1998, p. 103).
Com relação à história, Lowenthal (1998, p. 104 e 107) acredita que esta
22
expande e elabora a memória ao interpretar fragmentos e sintetizar relatos de
testemunhas oculares do passado [...] A história difere da memória não apenas no
modo como o conhecimento do passado é adquirido e corroborado, mas também no
modo como é transmitido, preservado e alterado.
A percepção histórica pressupõe atividades em grupo e a produção histórica tem como
missão preservar o conhecimento do passado, lutando contra os lapsos de memória
(esquecimentos) e o “tempo devorador” (LOWENTHAL, 1998, p. 113). Produz novos
conhecimentos que têm um caráter subjetivo, já que o conhecimento histórico é
invariavelmente subjetivo.
Os registros nos diversos suportes, desde a caverna de Lascaux aos atuais DVDs só
poderão ser utilizados pelo historiador se forem preservados e devidamente conservados. A
importância da criação da imprensa por Gutenberg está no fato de tornar mais fácil e até
mesmo palpável a produção da humanidade, mas esse contato só se torna possível e viável,
porque há tempos existe a preocupação com a organização da produção humana no que tange
à produção intelectual, artística e mesmo cotidiana, pois não devemos desconsiderar a cultura
material que é uma fonte primordial para os estudos e a compreensão do passado.
Lowenthal (1998, p. 166) confirma a importância da preservação dos fragmentos e
vestígios da cultura material
[...] Memória, história e fragmentos oferecem caminhos para o passado que se
percorrem melhor quando combinados. Cada caminho exige os outros para que a
jornada seja significativa e confiável. As relíquias dão início às recordações que a
história confirma e expande recuando no tempo. A história em isolamento é estéril e
desprovida de vida, fragmentos significam apenas o que a história e memória
transmitem. De fato, muitos artefatos surgiram como testemunhas da história ou da
memória.
Assim, compreendemos que a memória é considerada um dos objetos da história e um
nível elementar de seu desenvolvimento, e que a história tem, entre outras, a missão de
construir a representação crítica do passado, mantendo vínculo com a modernidade, sendo
“um campo de produção de conhecimento, espaço de problematização e de crítica” (Pinto,
1998, p. 209). A história é um saber científico que procura analisar de forma crítica a
memória voluntária e coletiva. Existe uma relação de dependência entre elas, mas ao mesmo
tempo uma dicotomia. A história necessita da memória e esta é perpetuada e registrada, por
meio da primeira, entretanto ao ser apropriada pelo historiador e analisada de forma crítica e a
partir do contexto e dos valores daquele profissional, a memória deixa de ser memória e
torna-se história; fruto de operação laicizante e intelectual, sem um proprietário definido, pois
23
a história normalmente pretende-se universal, enquanto que a memória preconiza o ato de
lembrar, dando continuidade ao passado.
Os trabalhos a partir da memória auxiliam na construção de identidades pessoais, de
grupos e de nações, afirmam o direito à cidadania e advertem para determinados fatos
ocorridos que não foram benéficos e poderão ser evitados no futuro. O fato de lembrar, de
analisar e escrever sobre determinado acontecimento histórico é importante para manter viva
a memória e para manter as pessoas “alertas sobre situações novas e, no entanto, análogas”,
segundo Habermas e Todorov, citados por Seixas (2004, p. 54). A tão conhecida frase
“devemos aprender com o passado” ilustra bem a importância da preservação da memória
coletiva e da apropriação desta pelo historiador que, ao analisar e escrever sobre os
acontecimentos, se torna o divulgador daquela memória que, mesmo sendo uma
representação, possui valor e, com certeza, auxiliará as pessoas em suas atitudes futuras.
Um dos mais significativos exemplos da questão de perpetuação ou não da memória,
isto é, do direito e do dever à memória, foi citado por Seixas (2004, p. 54) e relaciona-se às
discussões recentes sobre a construção de um memorial às vítimas do holocausto no centro da
“nova Berlim”. Segundo Seixas, o escritor Martin Walser considerou inoportuna a idéia da
construção, por acreditar que as novas gerações têm o direito de esquecer episódio tão
medonho da história nacional. Entretanto, a maioria das pessoas, acredita que a memória deve
ser mantida e que devemos aprender com ela, pois, segundo Chauí (1992, p. 43),
uma política cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as
memórias sob uma única memória oficial está irremediavelmente comprometida
com as formas presentes de dominação, herdadas de um passado ignorado. Fadada à
repetição e impedida de inovação, tal política cultural é cúmplice do status quo.
Por isso, devemos conhecer o passado, para entender o presente e construir o futuro.
Precisamos manter a tradição e desta forma a relação de pertencimento com o grupo e sua
coesão, mas sempre de forma crítica.
Assim, percebemos o valor da memória e também da história. A história depende da
memória coletiva e também das fontes nas quais esta memória está registrada. Mas, não
adianta apenas preservar, pois os vestígios da memória deverão ser armazenados,
acondicionados e organizados para possibilitar sua disponibilização e apropriação por
pesquisadores que, a partir deles, produzirão novos conhecimentos. Estas tarefas são
responsabilidades dos profissionais da informação e das instituições-memória. Além disso, o
trabalho de preservação deverá prever a manutenção das referências de grupo, possibilitando
24
que o passado tenha seu significado de “experiência coletiva de formação da cultura e da
sociedade” (PAOLI, 1992, p. 26). Não devemos retirar os documentos de seu contexto
histórico, social e político, pois é a partir deles que conferimos sentido aos testemunhos
preservados.
25
3. Os Lugares de Memória e sua importância na preservação da memória
coletiva
“Assim como Teseu, na passagem da informação
para o conhecimento, devemos percorrer
infindáveis labirintos de informação estocada,
labirintos físicos, labirintos digitais, labirintos
da nossa memória.”
Aldo Barreto
A memória não é apenas aquela que está com e nas pessoas, mas também nos
documentos preservados nas instituições que, por isso mesmo, podem ser denominadas
instituições-memória ou lugares de memória, expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora
e por ele definida como “lugares que contribuam para o estreitamento dos laços entre história,
memória e experiência, permitindo a articulação entre passado, presente e futuro”, segundo
Kessel (2003, p. 11). Para Nora, esses lugares vão além dos museus, arquivos e bibliotecas,
por acreditar que os monumentos, as festas, os dicionários, os calendários, santuários,
tratados, enfim os símbolos e suportes da memória coletiva, são a única forma de perpetuação
de ritos não mais praticados. O historiador critica a necessidade da existência desses lugares, e
afirma que eles acabam com a necessidade da memória espontânea, isto é, os lugares seriam
desnecessários se “vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem” (NORA,
1993, p. 13). Segundo Pinto (1998, p. 208), ao citar Nora, “Há lugares de memória porque não
há mais meios de memória”.
Desde a criação da imprensa por Gutenberg, o mundo vem sofrendo significativa
perda da prática da memória (mnemotécnica). Antes da escrita, prevalecia a oralidade e a
produção do conhecimento só era possível com a preservação das informações transmitidas e
repassadas oralmente. Conforme nos relata Eloy Martínez (2004), “as histórias se
perpetuavam por meio da voz dos arautos, que cantavam e improvisavam enquanto os demais
ouviam e modificavam o que ouviam com lembranças da memória”.Com o surgimento da
escrita, a importância da prática de memorizar enfraqueceu, mesmo assim, ainda era
realizada. Mas foi com a invenção da imprensa que a situação mudou drasticamente e, desde
então, as pessoas, atentas e ansiosas por novas descobertas, não se preocupam em memorizar,
já que “tudo”10
estará registrado.
10
Pretendemos apenas ser enfáticos ao utilizar a idéia de que tudo é preservado, pois estamos conscientes de que seria
humanamente impossível que isso ocorresse, além de sabermos que existem políticas e mecanismos para esquecer ou
simplesmente apagar determinados acontecimentos. A existência da memória pressupõe o esquecimento. Segundo Barreto
(2000), “O esquecimento é uma qualidade da memória, que a preserva e a mantém saudável. Nossa memória funciona, e só
funciona, porque nos é dada a capacidade do esquecimento”.
26
Em meados do século XX, com a explosão bibliográfica e o aumento vertiginoso da
produção de informação, ficou praticamente impossível, além de desnecessário, memorizar as
informações. O conhecimento também se tornou mais acessível e ao mesmo tempo muito
mais volátil e fluído. No fim desse século, com o incremento dos meios de comunicação,
Internet e os documentos eletrônicos, a realidade se transfigurou ainda mais e o volume de
informação produzido atingiu tal monta que, definitivamente, não há meios de memorizar o
que está sendo produzido, tal o caráter efêmero das informações. Essa nova realidade apenas
reitera a necessidade da constituição de gigantescos e vertiginosos estoques de documentos
que poderão ser utilizados algum dia. Pierre Nora (1993, p. 14) salienta a necessidade de
“suportes exteriores e de referências tangíveis” para a memória que, cada vez mais, é pouco
vivida em seu interior. Segundo Nora (1993, p. 13) “os lugares de memória nascem e vivem
do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos [...]”.
Para entender melhor a questão dos lugares de memória retomamos a questão das
diferenças entre memória e história, sob o ponto de vista de Nora (1993, p. 9) que considera
que
[...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está
em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, [...] A
história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais.
A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a
história, uma representação do passado [...] A memória emerge de um grupo que ela
une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos
grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e
individualizada. A história ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá
uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no
gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às
evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece
o relativo.
Nora demonstra a relevância da memória, mas enfatiza também o trabalho do
historiador e sua importância na representação da memória realizada com a colaboração dos
lugares de memória, que preservam a continuidade do passado e do presente, apesar das
dificuldades oriunda da globalização, da massificação e também da aceleração da história, que
leva a transformações e destruições, segundo o historiador De Decca (1992, p. 130).
Para nós o que mais interessa é demonstrar que a relação da história com a memória
nem sempre é feita de forma harmoniosa e que as instituições-memória são, segundo Nora
(1993, p. 27), “um lugar duplo; um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre
sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de
suas significações”. O autor acredita que estas instituições preservam a memória documental,
27
ou seja, guardam aquilo que foi produzido e que nos é impossível lembrar, tentam parar ou
limitar a ação do tempo e bloquear o esquecimento.
Alguns autores são enfáticos ao criticar a necessidade da existência desses lugares de
memória, por acreditarem que a memória deveria ser habitada por cada um de nós, sem
termos a necessidade constante de consagrá-la em lugares definidos e também de perpetuá-la
por meio da história que, muitas vezes, anula ou congela a memória.
Consideramos que, se estas instituições não existissem, boa parte dos fatos históricos e
da própria formação e desenvolvimento da sociedade humana teria se perdido e estaríamos
constantemente reinventando a roda, para exemplificar de forma simplificada. O que quer
dizer que estas instituições-memória têm como missão preservar traços e vestígios da
memória social e das experiências da humanidade de forma que possam ser acessados.
Os monumentos, entendendo aqui não apenas os arcos, memoriais, etc., mas também
os registros escritos nos mais variados suportes, são a comprovação daquilo que foi escolhido
por determinado grupo para ficar de suas vidas ou então daquilo que restou, para perpetuar
sua memória, que passa por um filtro, já que é impossível guardar e preservar tudo. Todos
esses registros, produzidos desde a Antigüidade, foram e ainda são guardados em instituições
criadas, naquela época, com o intuito principal de preservar a produção humana.
Após a explosão da produção de informação, estes antigos palácios dos saberes
transformaram-se em verdadeiros laboratórios, onde as informações são armazenadas,
processadas e disponibilizadas para diferentes fins. Estas instituições, independentemente do
nome que recebam: para Homulos (1990, p. 11) são instituições coletoras de cultura; Smit
(2000, p.130) as denominam instituições disponibilizadoras de cultura; já o grupo Ultragaz
escolheu o nome de Espaço do Conhecimento, segundo Ricci (2004, p. 85), e Bearman (1994,
p. 156) as considera como repositórios culturais, são responsáveis pela preservação do
patrimônio histórico e cultural e devemos nos manter atentos para não transformá-las em
locais onde se faça a musealização do mundo, valorizando qualquer tipo de vestígio do
passado.
28
Mesmo com a ampliação dos objetos da história, devemos manter critérios na escolha
do que preservar, já que, segundo Walter Benjamin11
, Michel Pollak12
e Jorge Luis Borges,
precisamos ter a capacidade de lembrar e também de esquecer. A relação entre memória e
esquecimento pode ser exemplificada pela história do personagem de Borges no conto
“Funes, o memorioso”. Seu protagonista, Funes, após um acidente, adquire a capacidade de
tudo perceber e desenvolve uma prodigiosa memória. Tudo observado ou vivido por ele
automaticamente transforma-se em lembrança e uma percepção rapidamente se transmuta em
outra, impedindo que ele compreenda o mundo no qual está inserido. Borges (1989, p. 97)
afirma no conto que, “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”, e Funes não tinha
esta capacidade, pois tudo lhe era conhecido, sua memória era como um depósito, onde não
havia seleção do que preservar, simplesmente lembrava de tudo e guardava percepções
diversas de uma mesma coisa, o que o impedia até mesmo de dormir, pois os pormenores da
realidade imediata o perseguiam dia e noite, não permitindo que ele distinguisse a memória da
consciência.
Segundo Creus (2002), “O esquecimento é imprescindível para a evocação da
lembrança e para a própria constituição da memória. Somente lembramos porque somos
capazes de esquecer”. Compreendemos que não há como guardar tudo e isso nem ao menos é
aconselhável, devemos manter políticas que evidenciem os critérios de o que, como e para
que preservamos e também estar atentos para não permitir a “especularização da memória que
transforma o passado em bem de consumo”, como afirma Kessel (2003, p. 7).
Acreditamos que os lugares de memória, frente à crise da memória analisada por Nora
e também devido à transformação ocorrida no mundo e nas relações humanas, fruto do
surgimento e avanço tecnológico, são necessários e devem ser geridos de forma responsável,
por profissionais preparados que analisem muitas das questões acima apresentadas e
compreendam o que é memória e qual o papel que ela desempenha na nossa sociedade,
permitindo que seja preservada e se torne instrumento de reflexão crítica e de recriação do
presente, conforme afirmou Rodrigues (2000, p. 144). Sua administração deverá permitir que
seu acervo esteja à disposição de qualquer pessoa, pois o acesso à memória é direito e dever
de todos os cidadãos.
11
As observações feitas sobre o pensamento de Walter Benjamin se basearam nos textos Bolle (1984), Gagnebin (1998 e
2004), Kessel (2003) e Mattos (1992).Com relação ao esquecimento, Benjamin apresenta-se preocupado com o fato de a
memória e as tradições serem esquecidas, mas ao mesmo tempo considera necessário o esquecimento para valorizar a
narração, tão preconizada por ele como meio de transmissão da memória de geração a geração.
12
Michel Pollak (1992) afirma que “a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado”.
29
4. A Ciência da Informação
“O progresso técnico deve-se, principalmente, à
utilização, por indivíduos criativos, de
conhecimento, facilmente acessível e
disseminado amplamente, visando à criação e ao
desenvolvimento de novos produtos, métodos e
processos.”
E. A. Haeffner
Para continuar o estudo das instituições-memória, suas especificidades e suas
interfaces, será essencial refletir sobre o conceito, a abrangência e o objeto de estudo da
Ciência da Informação13
, e para isso será interessante abordar as características gerais
relacionadas a suas origens e às condições e contexto que a transformaram em ciência. Por
acreditarmos que a preocupação com o tratamento e assimilação da informação, enfatizando
principalmente a primeira, vem de muito tempo, traçaremos breve histórico, que terá como
foco a história social do conhecimento e as instituições guardiãs da memória. Na seqüência,
exporemos algumas definições de autores que estudaram a CI, com o intuito de demonstrar a
polissemia que a área apresenta e as diferentes opiniões, principalmente, com relação às
interfaces com a biblioteconomia, arquivologia e, talvez museologia. Enfatizamos a dúvida
com relação à museologia, porque, apesar de a considerarmos inserida no contexto e até
mesmo nas práticas da CI, encontramos poucos autores que fazem sua argumentação desse
ponto de vista.
Em seguida, trataremos de dois termos totalmente relacionados à CI — informação e
documento e que também são difíceis de ser conceituados. Segundo Belkin, citado por Jardim
e Fonseca (2002), não devemos conceituar informação, mas sim “identificar as maneiras de
olhar e interpretar o fenômeno informação”. Procuraremos estabelecer requisitos mínimos
para mostrar como interpretamos o conceito informação e documento.
4.1. Ciência da Informação: sua história e conceituação
A CI passou a ser desenvolvida e conceituada a partir do fim dos anos de 1950, com o
aumento vertiginoso da produção de informações. Esta explosão de informação vinha desde o
fim da II Guerra Mundial e era conseqüência da necessidade de novas descobertas e das
próprias disputas entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. Ambas
13
Utilizaremos a abreviatura CI para designar Ciência da Informação.
30
buscavam desenvolver seus conhecimentos nas mais variadas áreas, vide o exemplo da
disputa pela conquista do espaço14
e também a corrida armamentista. Segundo Jardim e
Fonseca (2002), a informação transformou-se em “recurso estratégico a ser gerenciado”.
Todas essas novas descobertas, novos conhecimentos produzidos, transformavam-se
em informação para os pesquisadores que necessitavam de mecanismos sofisticados para
acessá-la e produzir novos conhecimentos. Este ciclo15
(informação gerando conhecimento
que se transforma em informação para a produção de novo conhecimento), salutar, necessário
e ao mesmo tempo fatigante, mostrou quão importante seria a disponibilização de forma clara,
objetiva, eficaz e rápida das informações. Foi nesse cenário que surgiu então a CI. Entretanto,
sabemos que há séculos o homem já se preocupava com a organização e disponibilização da
informação.
No livro, Uma história social do conhecimento, o historiador Peter Burke traçou a
gênese da história do conhecimento, mostrando que seu desenvolvimento sempre esteve
atrelado às atividades de apoio ou ciências auxiliares16
, tais como as tarefas dos arquivistas e
dos bibliotecários. A produção bibliográfica, a partir da criação da tipografia por Gutenberg,
no século XVI, passou por transformações imensuráveis e trouxe muitos benefícios para os
estudiosos. Entretanto, estas transformações também geraram problemas. No início, ficou
difícil controlar ou mesmo conhecer o que estava sendo produzido, devido à rapidez e ao
aumento vertiginoso do número de publicações. Para responder a tal dificuldade, surgiram as
primeiras bibliografias e, a partir daí, passou-se a desenvolver o estudo sobre como organizar
e disponibilizar a informação. O bibliotecário passou a desempenhar atividades diferentes a
partir da criação de Gutenberg. Além das bibliografias, pensadores, como Bacon e Diderot,
desenvolveram trabalhos voltados para a organização das informações e do conhecimento,
como a enciclopédia.
Desse resumo histórico, percebermos que já é antiga a preocupação com a
organização e transferência de informação. E todos os estudos desenvolvidos ao longo dos
séculos contribuíram para o desenvolvimento da CI no século XX.
14
O Sputnik foi lançado em 1957 pela União Soviética. Segundo Hayes, citado por Fonseca (2005, p. 17), “esse
evento sacudiu as instituições militares, industriais e científicas dos Estados Unidos”.
15
Para exemplificar esta questão podemos também citar Paul Otlet (1937) que considera o ciclo como “um
movimento desenvolvido de espiral em espiral: novo pensamento, nova descrição, novo projetar”.
16
Conforme Silva (2002, p. 576) no século XIX com o desenvolvimento positivista e científico da História, a
biblioteconomia, arquivologia e museologia foram consideradas ciências auxiliares.
31
Iniciamos o estudo do desenvolvimento da CI, citando a criação, em 1952, do VINITI
(Instituto para a Informação Científica) pelo Comitê Central do Partido Comunista da União
Soviética. O instituto colocou em prática um complexo sistema de importação e tratamento da
informação de periódicos científicos do Ocidente para responder às demandas de seus
pesquisadores. Seis anos depois, foi realizada a Conferência Internacional de Informação
Científica de Washington, considerada como o evento fundador da CI. Nela foi explicitado o
caráter político-estratégico da informação. Entretanto, muitos autores, inclusive Fonseca
(2005, p. 19), consideram que foi em 1962, na conferência realizada no Georgia Institute of
Technology, que nasceu formalmente a CI, entendida como a “ciência do armazenamento e
recuperação da informação”. Nessa mesma década, os estudos para desenvolver tecnologia
voltada para a documentação e recuperação da informação cresceram de forma exponencial.
No âmbito internacional destacamos a iniciativa da UNESCO, fundada em 1945, de
criar o UNISIST (Sistema Mundial de Informação Científica) que tinha como concepção
principal a idéia de que o conhecimento é um bem comum de toda a humanidade e deve ser
utilizado para superar os desequilíbrios internacionais. O sistema enfatizava a cooperação
voluntária internacional, buscando melhorar o acesso e o uso da informação, que tinha muito
mais uma função social, e não econômica ou estratégica, como preconizavam os Estados
Unidos.17
As duas iniciativas vieram acompanhadas do desenvolvimento tecnológico e
permitiram a criação de sistemas automatizados e o armazenamento de um número cada vez
maior de informação processada. Apesar de há tempos haver a necessidade do acesso à
informação, o que impulsionou o desenvolvimento da CI foi muito mais a questão da
tecnologia surgida e aplicada, a partir dos anos 60, no processo de produção, armazenamento
e disseminação da informação, do que alterações no campo da documentação. Pois esta, até
então, havia criado condições para que seus profissionais produzissem publicações, catálogos
manuais, índices, resumos, enfim, outras formas de organizar as informações, mas sempre em
suporte papel. Durante muito tempo, estes instrumentos de pesquisa foram suficientes para
suprir as demandas dos usuários/pesquisadores, mas a explosão da produção de informação
trouxe consigo a necessidade de ferramentas mais rápidas e eficazes que contribuíram para o
surgimento e o desenvolvimento da CI, literal e oficialmente, definida na Conferência da
Georgia em 1962, conforme Shera e Cleveland, como
17
Segundo Pinheiro (2002, p.80) o ideal difundido pelo UNISIST, frente à realidade mundial e às dificuldades
que interferem no fluxo da informação, pode ser considerado como romântico e utópico.
32
Ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças
que governam o fluxo da informação e os meios de processar a informação para
ótima acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, a disseminação, a coleta, a
organização, o armazenamento, a recuperação, a interpretação e o uso da
informação. O campo está relacionado com matemática, lógica, lingüística,
psicologia, tecnologia da computação, pesquisa operacional, artes gráficas,
comunicação, biblioteconomia, administração e muitas outras. (apud FONSECA,
2005, p. 19).
Para entender melhor a CI, elencaremos outras definições desenvolvidas ao longo do
tempo e que especificam ou desmistificam esta ciência, pois, como afirma Dias (2002, p.87),
“qualquer área ou campo do conhecimento está em permanente definição”. Nossa intenção é
entender como a CI é considerada pelos autores apresentados e, a partir da análise de suas
considerações, mostrar se há a possibilidade de traçarmos as interfaces com as demais áreas
do conhecimento, que também têm como objeto de análise a informação, no caso a
biblioteconomia, a arquivologia e a museologia, embora não tenhamos a pretensão de
desenvolver uma análise mais aprofundada sobre a definição e interpretação da CI, por não
ser esse o foco central de nosso trabalho.
Muitos autores consideram que a CI está mais relacionada à teoria e ao
desenvolvimento do estudo sobre o tratamento, disponibilização e assimilação da informação,
mas devemos considerar que ela também está vinculada às aplicações práticas, enquanto que a
biblioteconomia, arquivologia e museologia não devem ser consideradas apenas como
ciências aplicadas, pois desenvolvem pesquisas para a produção de novos conhecimentos em
cada uma das áreas (COSTA, 1990, p. 142). Miranda (2002, p. 11) considera que a CI, devido
a sua origem pragmática, está muito mais relacionada à documentação do que à informação.
Conforme Deschâtelet (1990), citado por Jardim e Fonseca (2002), “a Ciência da Informação
seria uma área em gestação constituída por várias ciências da informação como, por exemplo,
a Arquivística, a Biblioteconomia, a Informática, o Jornalismo e a Comunicação, as quais têm
como objeto de pesquisa imediato a transferência da informação”. A CI pode ser
compreendida como um “guarda-chuva” sob o qual estão muitas outras ciências ou
disciplinas, que têm, de uma forma ou de outra, a informação e sua transferência como objeto
de estudo. A partir desse ponto de vista a museologia também pode ser incorporada a ela, bem
como tantas outras ciências (contabilidade, administração, psicologia, etc.).
São muitas as definições para CI. Segundo Harold Borko é uma disciplina que
investiga as propriedades e comportamento da informação, as forças que regem o
fluxo informacional e o sentido do processamento de informação com vista a um
máximo de acessibilidade e uso. Diz, assim, respeito a um corpus de conhecimento
33
sobre a origem, colecção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação,
transmissão, transformação e uso da informação. [...] Trata-se de uma ciência
interdisciplinar derivada de e relacionada com os seguintes campos: matemática, [...]
comunicações, biblioteconomia, gestão e outros campos similares. Possui, por fim,
uma componente de ciência pura na medida em que explora o tema sem olhar às
suas aplicações práticas e uma componente de ciência que desenvolve serviços e
produtos. A biblioteconomia e o documentalismo constituíam, por isso, aspectos
aplicados da ciência da informação. (apud SILVA, 2002, p. 593).
Esta conceituação novamente apresenta a relação entre a CI e a documentação
conceituada e desenvolvida por Paul Otlet, que também é exposta na definição de Oddone,
citada por Miranda (2002, p. 21),
A ciência da informação, enquanto campo do saber humano, ocupa-se tanto do fluxo
da comunicação como de seus atores e dos registros que transportam a informação e
o conhecimento. Não estuda a natureza propriamente física ou social da
comunicação, nem investiga os estatutos políticos e antropológicos que a fundam,
mas identifica sua mecânica processual e as instituições que dela participam, seus
produtos, seus especialistas e usuários, as ferramentas e as técnicas de que se utiliza,
procurando compreendê-los enquanto componentes do vasto organismo sistêmico
que garante ao homem a satisfação de seu anseio e de sua necessidade de produzir,
transformar, utilizar, comunicar, transmitir, enfim, perpetuar o conhecimento.
Para Oddone a CI vai além do tratamento da informação, está inserida num processo
de comunicação inerente a todas as instituições-memória, processo esse que representa papel
imprescindível na assimilação, produção e perpetuação do conhecimento, tão caro e
necessário a toda a humanidade. Odonne acredita que, para o processo de comunicação ser
realizado, o profissional da informação deve considerar o conjunto de atividades e demais
elementos relacionados à informação, buscando inseri-los num contexto maior que permita
que a informação ocupe papel estratégico na produção de novos saberes. A definição de
Oddone não apenas insere a CI nas várias áreas que têm a informação como objeto de estudo,
mas também cita todas elas nominalmente em seu texto18
, afirmando que, a CI abrange as
áreas da museologia, biblioteconomia e arquivologia, desde que estas trabalhem a informação
de forma a inseri-la num contexto maior, valorizando sua a função social e sua importância na
produção e disseminação de conhecimento. Não devemos manter o foco apenas nos acervos,
como foi feito durante muito tempo.
18
Para evitar que a citação ficasse muito longa, apresentamos aqui o trecho do texto de Oddone, citado por
Miranda (2002, p. 23): A CI “não deve restringir seu escopo epistemológico a essa ou aquela atividade
profissional — biblioteconomia, arquivologia, museologia — a essa ou aquela competência técnica —
bibliotecários, arquivistas, museólogos, gestores da informação [...].
34
Com base em mais um dos clássicos estudos sobre a CI, apresentamos a definição de
Le Coadic (1996, p.26) que considera a CI como
ciência social rigorosa que se apóia em uma tecnologia também rigorosa. Tem por
objeto o estudo das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), ou
seja, mais precisamente: a análise dos processos de construção, comunicação e uso
da informação; e a concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção,
comunicação, armazenamento e uso.
O autor enfatiza a importância da informação em todo o seu contexto, desde a
produção até a assimilação pelo usuário, e procura mostrar que o profissional da informação
não deve ter como missão apenas a preservação do documento, como foi preconizado e
praticado pelos bibliotecários, arquivistas e museólogos, durante longo período. Agora o foco
deve ser o usuário e sua relação com a informação, afinal, as instituições existem para atender
seu público.
Podemos citar também o pensamento de Saracevic, apresentado em Fonseca (2005,
p.27), no qual “a ciência da informação tem três principais características, que são vetores de
seu desenvolvimento e evolução: é interdisciplinar; está inevitavelmente ligada à tecnologia
da informação; e tem sua evolução marcada pelo desenvolvimento da chamada sociedade da
informação”. O autor considera também que “as áreas com as quais a ciência da informação
tem as mais significativas e desenvolvidas relações interdisciplinares são a biblioteconomia, a
ciência da computação, a ciência cognitiva e a comunicação”.
As transformações históricas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas que
resultaram na denominada “sociedade da informação” exigem uma nova postura dos
profissionais da informação, que têm como objeto de estudo e de trabalho a informação,
preservada nos mais variados suportes documentais, que simboliza e comunica a memória da
nação, do grupo, de uma empresa, enfim, da área à qual a instituição está vinculada.
Nesse novo cenário, onde predomina o uso intenso da tecnologia, o objeto de estudo
da CI é definido por Smit e Barreto (2002, p. 17) “como campo que se ocupa e se preocupa
com os princípios e práticas da criação, organização e distribuição da informação, bem como
com o estudo dos fluxos da informação desde sua criação até a sua utilização, e sua
transmissão ao receptor em uma variedade de formas, por meio de uma variedade de canais”.
Novamente fala-se da preocupação com a informação em seus vários estados e enfatiza-se a
questão da variedade de canais por meio dos quais a informação poderá ser transmitida.
Além dos canais de transmissão da informação que, com o avanço tecnológico, sofrem
alterações, devemos considerar também que a CI, lembrando Buckland, citado por Pinheiro
35
(2004), não se deve prender a estudar apenas os fenômenos representados em textos, já que
existem outros tipos documentais como objetos, depoimentos, imagens, etc., que igualmente
representam a produção do homem e são imprescindíveis para a perpetuação da ação humana
e para novas ações que resultarão na produção de novos saberes.
Percebemos então que a CI é uma ciência em constante construção, que tem como
objeto de estudo a informação atrelada aos seus meios de transferência ou comunicação e ao
seu uso e forma de assimilação pelo usuário, receptor da mensagem. As definições de CI,
muitas vezes, salientam a questão e a necessidade da interdisciplinaridade, a partir da qual
serão delimitadas as fronteiras entre as disciplinas relacionadas às instituições-memória,
evitando que a interdisciplinaridade, tão preconizada por muitos autores, transforme-se em
indisciplinaridade, conforme Boulding, citado por Pinheiro (2002, p. 82).
Concluímos, com base na argumentação dos autores19
que valorizam a
interdisciplinaridade, que a CI é uma ciência que pode ou mesmo deve ser aplicada às várias
disciplinas (arquivologia, biblioteconomia e museologia) relacionadas às instituições-
memória, permitindo, por meio de seus procedimentos de organização e de disponibilização
da informação, que as disciplinas acima citadas possam alcançar suas missões de forma mais
estruturada, não dependendo das práticas e procedimentos restritos aos locais
institucionalizados. Ou seja, a informação de um documento de arquivo poderá ser tratada e
disponibilizada de forma muito semelhante a de um objeto de museu ou a de uma publicação
numa biblioteca, pois os procedimentos terão como base os pressupostos da CI e não estarão
vinculados diretamente a algumas práticas e métodos preconizados em cada uma das
instituições, entretanto salientamos que algumas especificidades deverão ser mantidas, como a
organicidade dos fundos arquivísticos, o que não impede que a informação retirada dos
documentos que o compõem possam ser tratadas com base nos procedimentos da CI.
A incorporação dos pressupostos da CI a algumas práticas da arquivologia,
biblioteconomia e museologia de forma alguma tornam essas disciplinas iguais, pois cada
uma delas continuará tendo suas missões específicas e se preocuparão em manter a função
definida para o documento dentro do espaço institucionalizado.
A apropriação dos procedimentos da CI é fundamental para o desenvolvimento,
valorização e perpetuação das instituições-memória, que deverão utilizá-los para realizar
19
Nesse caso estamos enfatizando as teorias dos autores europeus que consideram a CI como decorrência da
Documentação e mantêm um vínculo mais próximo com as instituições-memória, enquanto que os autores norte-
americanos, valorizam muito mais a importância da tecnologia para o desenvolvimento e aplicação da CI, isso
porque os estudos voltados à CI ficaram atrelados ao desenvolvimento de mecanismos tecnológicos aplicados à
documentação e à recuperação da informação.
36
trabalhos que tenham como foco, muito mais que a preservação e a disseminação da
informação, o usuário e suas necessidades. Salientamos que os profissionais da informação, a
partir do momento que estabelecem as teorias, os parâmetros e os paradigmas para suas
atividades e mantém domínio sobre a base conceitual da CI, tornam-se completos e não
necessitam necessariamente estar atrelados aos espaços nos quais exercem suas funções e
saberes (SMIT e BARRETO, 2002, p.22). Ou seja, o bibliotecário não terá, obrigatoriamente,
que exercer suas funções em uma biblioteca e assim por diante. Aliás, a questão do espaço
físico tem sofrido transformações, principalmente com o advento da Nova Museologia e o
Ecomuseu, no que tange especificamente a museologia, mas também com o surgimento dos
espaços virtuais, como as bibliotecas, museus e arquivos virtuais tão comuns hoje em dia. A
atual realidade, fruto principalmente do avanço tecnológico e das facilidades de transmissão
de dados e de comunicação, torna cada vez mais difícil delimitarmos o campo de atuação dos
profissionais de cada uma dessas instituições, pois todos devem trabalhar de forma conjunta
para desenvolver teorias e princípios gerais comuns a todas elas, com vistas à gestão da
memória, ao tratamento da informação e sua disponibilização de forma rápida e eficaz para o
usuário.
4.2. Informação e documento20
“A informação se qualifica como um instrumento
modificador da consciência do indivíduo e de
seu grupo social, pois sintoniza o homem com a
memória de seu passado e com as perspectivas
de seu futuro.”
Aldo Barreto
O estudo da CI nos remete a duas questões cruciais, também relacionadas ao centro de
memória e às demais instituições-memória: a definição de documento e de informação21
. Para
estudar o termo documento, tomamos como base as definições mais gerais advindas da área
da história e da cultura apresentadas principalmente no texto Documento/Monumento do
historiador Jacques Le Goff (2004).
20
Na verdade poderíamos considerar como três se acrescentássemos também a questão do conhecimento, mas
preferimos centrar nossa análise apenas na informação e documento, por considerar que há muito ainda para se
estudar sobre a gestão do conhecimento, apesar de estarmos conscientes de que as mudanças na sociedade pós-
industrial alteraram bastante a produção do conhecimento e sua relação com a sociedade, e que tanto o
conhecimento como a informação têm importância fundamental neste novo cenário.
21
Salientamos que trataremos especificamente da informação, não a considerando como sinônimo de
conhecimento, pois como conhecimento é o produto gerado pelo receptor da informação a partir da compreensão
e assimilação desta com base em seu repertório cultural e intelectual, ou seja, enquanto a informação é recebida,
o conhecimento é produzido internamente, conforme Hayes, citado por Pinheiro (2004).
37
Ao tratarmos do termo informação, nos detivemos às definições no âmbito da CI e
suas áreas integradas, como a biblioteconomia. No entanto, consideramos necessário
apresentar, para introduzir a discussão, algumas definições apresentadas por McGarry (1984)
e que estão relacionadas a várias áreas do conhecimento.
McGarry (1984, p. 14-6) começa sua análise pela etimologia da palavra. Informação
vem do latim: formatio e forma que exprimem a idéia de dar forma a alguma coisa, de formar
um padrão, representar. Segundo o dicionário Concise Oxford English Dictionary, informação
que dizer: “informar, dizer, coisa dita, conhecimento, (os almejados) dados de conhecimento,
notícia, (acerca de)”. Podemos também considerar que informação é aquilo que recebemos do
exterior e que forma a base dos julgamentos que fazemos e das decisões que tomamos durante
a nossa vida. Com base nos pensamentos de alguns estudiosos, McGarry cita:
• “Nobert Wiener: informação é o nome dado ao conteúdo do que é trocado com o mundo do exterior
quando nos ajustamos a ele e nele fazemos sentir o nosso ajustamento. Viver de facto é viver com
informação.
• Jesse Shera: informação, tanto no sentido em que é usada pelo biólogo como no sentido em que nós
bibliotecários a usamos, é um ‘facto’. É o estímulo que recebemos através dos nossos sentidos; mas
é sempre uma unidade, é uma unidade de pensamento.
• Marshall Mcluhan: o meio é a mensagem.
• George Miller: informação é algo de que temos necessidade quando enfrentamos uma opção. Seja
qual for o seu conteúdo a quantidade de informação requerida depende da complexidade da opção.
Se enfrentamos um amplo leque de alternativas equiparáveis, se algo pode acontecer, precisamos de
mais informação do que se estivermos face a uma simples escolha entre duas alternativas.
• D. McKay: é o que se acrescenta a uma representação. Recebemos informação se ‘o que
conhecemos’ é alterado. Informação é o que logicamente justifica alteração ou reforço de uma
representação ou de um estado de coisas. As representações podem ser explícitas (como num mapa
ou numa proposição) ou podem estar implícitas no estado de actividade dirigida do receptor.
• N. Belkin: Informação é tudo o que for capaz de transformar a estrutura.
• C. Shannon e W. Weaver: a informação tem menos a ver com o que se diz de facto do que com o
que se podia dizer. Isto é, a informação mede a liberdade de escolha de cada um quando este tem de
seleccionar uma mensagem. A informação aplica-se não a mensagens individuais mas à situação
como um todo.
• J. Becker: são factos sobre qualquer assunto.”
A sucinta amostra de definições oferecidas por McGarry nos apresenta uma variedade
de atributos relacionados à informação. Alguns autores a consideram como elemento
fundamental num momento de decisão, além de simbolizar liberdade de escolha; ser
caracterizada como matéria-prima do conhecimento e manter uma relação de total
38
dependência com o receptor. Estes dois últimos atributos muito interessam aos profissionais
da informação.
Todas as definições deixam clara a importância que a informação representa, mas é
essencial salientar que a informação para ser utilizada ou assimilada deve ser relevante ou
pertinente para o seu receptor, caso contrário não passará de um dado.
Apresentaremos, agora, outros autores que refletiram sobre o termo, considerando os
pressupostos da CI.
Segundo Hayes, citado por Pinheiro (2004), informação é “[...] propriedade de dados
(isto é, símbolos registrados) os quais representam (e medem) efeitos de seu processamento”.
Nesse mesmo trabalho, Pinheiro esclarece que a informação de que trata a CI pode estar
registrada de inúmeras formas e em diferentes suportes, e a informação pode ser de uma
determinada área do conhecimento — neste caso fica atrelada ao contexto no qual é produzida
e aplicada —, ou então ser analisada sob uma determinada abordagem, considerando os
aspectos cognitivos, administrativos ou gerenciais. A questão da forma de abordagem está
presente também na argumentação de Wersig e Nevelling, citados ainda por Pinheiro (2004),
que apresentam tipos de abordagem com base na: estrutura, conhecimento; mensagem;
significado; efeito ou processo nos quais está inserida a informação. Enfim, há inúmeras
formas de considerar, analisar ou mesmo definir a informação. No caso específico da CI
consideramos importante a afirmação de Tálamo, citado por Jardim e Fonseca (2004), "a
informação é inseparável do sujeito, tanto daquele que a gera, como daquele que a transforma
e a trata, como daquele que a recebe e a aplica, transformando-a ou não em outros conteúdos",
pois confirma a importância representada pelo receptor/usuário que, durante muito tempo, foi
praticamente esquecido pelos profissionais da informação.
Novamente enfatizando a questão da importância da informação e sua intrínseca
relação com a CI, citamos Le Coadic (1996, p. 27) que afirma que
a informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se
desenvolver e viver. Sem a informação a pesquisa seria inútil e não existiria
conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação
só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente.
A circulação preconizada por Le Coadic está relacionada aos estudos e à missão da CI,
sabendo que a assimilação, compreensão e apropriação da informação são sempre feitas de
indivíduo para indivíduo e dependerá das competências específicas de cada um. A
39
informação, dependendo da maneira como é assimilada, pode alterar a consciência do
receptor, modificando seu estoque mental de saber e promovendo benefícios àquele que dela
se apropria e ao mundo no qual está inserido (BARRETO, 2002, p. 50-53). Percebemos a
relevância do papel desempenhado pela CI ao propiciar estudos que buscam melhorar cada
vez mais a relação do receptor com a informação, relação esta que também é evidenciada por
Setzer (1999, p. 2-6) ao definir a informação como
uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria
lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém através de
textos, imagens, sons ou animação [...] A informação é objetiva-subjetiva no sentido
que é descrita de uma forma objetiva (texto, figuras, etc.), mas seu significado é
subjetivo, dependente do usuário [...] A informação visa mudar a forma com que o
receptor percebe algo [...]
Setzer enfatiza a importância que a informação representa e a partir disso
consideramos que a CI, ao possibilitar de forma variada, por meio das mais diferentes
instituições e de seus acervos reais ou virtuais, o acesso e a fruição da informação, contribui
para o desenvolvimento social, minimizando as desigualdades, fortalecendo o caráter de
cidadania, já que o acesso à informação e ao conhecimento é fator preponderante para a
elevação do nível de oportunidades sociais, não importa em que contexto.
Por fim citamos a definição de Smit e Barreto (2002, p. 21)
Informação — estruturas simbolicamente significantes, codificadas de forma
socialmente decodificável e registradas (para garantir permanência no tempo e
portabilidade no espaço) e que apresentam a competência de gerar conhecimento
para o indivíduo e para o seu meio. Estas estruturas significantes são estocadas em
função de um uso futuro, causando a institucionalização da informação.
Devemos enfatizar que conseguir usar a informação confere poder às pessoas, e
quanto mais conseguirmos disponibilizá-la para o maior número de pessoas, mais
contribuiremos para o engrandecimento destas como cidadãos inseridos na sociedade. Essa
argumentação extrapola o papel que, geralmente, é destinado para as instituições-memória. Já
que, além de preservarem parte importante da memória e do conhecimento de uma sociedade,
as instituições-memória devem se aproximar da população de seu entorno e fornecer ou
colaborar com outras instituições para que sejam oferecidos serviços básicos que
disponibilizem informações dos mais diferentes tipos, desde as utilitárias até as seletivas
(BARRETO, 2000). As unidades de informação ou instituições-memória, escopo do nosso
trabalho, transformam-se nas instituições responsáveis pela organização e disponibilização da
informação, permitindo que seja concluído o fluxo informacional, mas para que isso ocorra a
40
informação precisa estar registrada em algum tipo de suporte e por meio de algum código22
,
garantido sua permanência no tempo e portabilidade no espaço (SMIT e BARRETO, 2002,
p.20). Conforme Smit (2005, p. 24), a informação ao ser registrada num suporte e por meio de
um código torna-se uma informação codificada que, desta forma, pode ser acessada e
socializada. A autora enfatiza o papel do profissional da informação que não só armazena a
informação, mas também cria condições para que ela seja acessada, por meio de vários
instrumentos, como as linguagens de representação ou linguagens documentárias, que
permitem ao profissional representar o conteúdo do documento, os dados existentes,
possibilitando que o usuário tenha acesso a eles e possa, dependendo de sua competência,
apropriar-se deles e transformá-los em informação. Percebemos, então, que a informação,
como afirma Smit (2005, p. 15), “não constitui um bem tangível, pressupõe sempre a noção
de seleção, que seu reconhecimento é circunstancial e que é necessário distinguir claramente
em quais condições a informação pode ser compartilhada socialmente em função do código
empregado”.
A informação, então, é registro em um suporte por meio de um código, e só será
incorporada ao acervo e em seguida tratada e disponibilizada se mantiver relação com as
atividades ou a filosofia adotada pela instituição que a gerou ou a preservou, podendo ser
utilizada para fins diversos pelos usuários que dela se apropriam e a ela atribuem novos
significados. Desse modo, a informação é descrita de forma objetiva, mas sua assimilação,
apropriação e mesmo preservação estão vinculadas a fatores estritamente subjetivos, seja no
nível individual ou institucional. Seu uso e os benefícios ou malefícios que poderá causar
dependerá do sujeito que dela se utilizar, daí novamente seu caráter subjetivo.
Para finalizar, ressaltamos a necessidade de o profissional da informação manter
posicionamento crítico perante seu trabalho, tendo sempre consciência da realidade na qual
está inserido, sabendo que não só pode como deve transformá-la, possibilitando acesso mais
democrático à informação pelos variados tipos de usuários. Entretanto, sabemos que, frente às
dificuldades e desigualdades econômicas, sociais e culturais, presentes na nossa sociedade, o
trabalho do profissional da informação pode-se transformar em algo muito mais difícil do que
a princípio pareça; convém estar sempre preparado para enfrentar os obstáculos e
principalmente conhecer as necessidades de seu público-alvo, considerando também seu
22
Entendido como conjunto de sinais ou símbolos para representar a informação. Por exemplo, no caso de um
documento da administração pública podemos ter alguns códigos: a própria língua portuguesa e também
números criados com a finalidade de relacionar o documento com o departamento que o criou, etc.
41
público-potencial, pois, muitas vezes, desenvolvemos trabalhos preciosos e minuciosos, que
acabam não tendo função social, por abarcar e responder às necessidades de um grupo
extremamente seleto de indivíduos.
Não temos a pretensão de transformar o profissional da informação no responsável
pelas soluções dos problemas nacionais, mas acreditamos que ele deve cumprir seu papel de
forma sempre consciente e crítica, com foco ampliado para a sociedade e não apenas para
uma pequena comunidade. Além disso, é crucial não ser ingênuo a ponto de considerar que
seu trabalho é totalmente neutro com relação ao tratamento da informação. Aliás, não existe
neutralidade nas relações humanas, que dirá no tratamento da informação. Ao selecionarmos,
tratarmos e disponibilizarmos uma informação estamos obedecendo a determinado ponto de
vista, para atingir certos objetivos e cumprir a missão da instituição para a qual trabalhamos.
Após essa pequena mas considerável digressão, retomamos a análise da informação a
partir da necessidade intrínseca de seu registro em algum tipo de suporte. Passamos, então,
para o estudo do termo documento que também depende do contexto e do enfoque sob o qual
é analisado. Conforme Leonhardt (1989), nos sistemas de informação, a principal variável no
processo de avaliação do documento é o ser humano, ou seja, o profissional da informação.
“A palavra documento vem do latim, docere, que quer dizer ensinar, e de
documentum, o que ensina (BELLOTO, 2002, p. 22). Assim, podemos definir documento
como uma informação registrada em um suporte e que para existir depende de um
código/inscrição. Conforme o Camargo e Bellotto (1996, p. 28), “documento é unidade
constituída pela informação e seu suporte”.
Le Goff (2004, p. 525) inicia sua análise sobre o termo documento mostrando quão
fundamental foi e continua sendo o registro do conhecimento produzido pelo homem em
documentos para o estudo e escrita da história. Cita os teóricos mais ortodoxos da História
Positivista, Langlois e Seignobos, que exprimiram numa fórmula a base da ciência histórica,
afirmando que “sem documentos não há história”23
(LE GOFF, 2004, p.106). Aliás, podemos
também citar as considerações de Tessitore (2003, p.11) que salienta que os documentos são
testemunhos dos caminhos trilhados pela humanidade e sua existência permite que cada
indivíduo, segmento social ou instituição construa sua identidade e decida como agir perante a
23
Apesar da relevância desta declaração, os historiadores da Nova História criticavam os positivistas, não pelo fato da
importância que davam ao documento, mas sim à forma como eles consideravam que o historiador deveria trabalhar com o
documento — de forma totalmente submissa, o conteúdo do documento não poderia ser criticado, questionado.
42
sociedade na qual está inserido. Os documentos são, em última análise, os registros da
memória coletiva, e aqui estamos agrupando todos os tipos de documentos que,
independentemente de seu suporte físico e de seu significado, têm valor de testemunho, de
prova e, muitas vezes, são essenciais na tomada de decisão.
Retomando a análise histórica de Le Goff, ressaltamos que todos esses testemunhos
são herança do passado e fruto de uma escolha, já que não podemos preservar tudo que é
produzido, além de estarmos suscetíveis a acontecimentos que podem provocar a destruição
natural de vestígios do desenvolvimento da humanidade.
Para compreendermos melhor a relação dos historiadores com os documentos, é
necessário voltarmos a 1681quando Jean Mabillon24
publicou De re diplomatica, obra na qual
estabelece regras de diplomática, ou seja, estudo dos diplomas, e critérios para estabelecer a
autenticidade de atos públicos ou privados, os quais foram apropriados pelos arquivistas para
avaliar a estrutura formal e a autenticidade dos documentos ou atos escritos de origem
governamental e/ou notarial (BELLOTTO, 1991, p.30) e que permite a utilização crítica dos
documentos.
No século XIX, com o advento dos positivistas, o documento tornou-se instrumento
essencial para o trabalho do historiador e prova irrefutável. “O melhor historiador é aquele
que se mantém o mais próximo possível dos textos”, segundo Coulanges, citado por Le Goff
(2004, p.527), considerando texto como sinônimo de documento. Para Ranke, historiador
tradicional do século XIX, que valorizava a história dos acontecimentos, apenas os registros
oficiais, emanados do governo e guardados em arquivos eram considerados como documentos
(BURKE, 1992, p.13).
No século XX, com a Escola dos Annales, amplia-se a noção de documento. Segundo
Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 530)
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas
pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com
tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na
falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. [...] Numa palavra, com tudo
o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o
homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem
[...]”.
24
Considerado o verdadeiro fundador da diplomática (LE GOFF, 2004, p.120). Sua obra é vista como o marco
da crítica dos documentos de arquivo.
43
E seguindo esse raciocínio, Marc Bloch (2001, p. 80) afirma que não existem
documentos específicos para cada questão histórica. Cabe ao historiador pesquisar e encontrar
documentos, não obrigatoriamente textuais, que lhe auxiliem em seus estudos. Bloch cita as
pinturas, esculturas e até mesmo a disposição das tumbas como documentos ou vestígios
essenciais para a escrita da história. Assim, todos os elementos da cultura de uma sociedade
devem ser considerados pelo historiador, dependendo do assunto e do foco que lhe é dado. O
principal é percebermos que toda essa massa documental ou patrimônio cultural constitui a
memória coletiva, mas para que ela realmente seja recuperada ou reconstruída, os
historiadores devem trabalhar o documento como monumento, tendo consciência de que “é
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o
poder" (LE GOFF, 2004, p. 536).
Para explicar melhor a relação entre documento e monumento, retomamos a
argumentação de Le Goff (2004, p.526) que salienta que devemos considerar os documentos
como monumentos, sendo que estes são definidos como “tudo aquilo que pode evocar o
passado, perpetuar a recordação [...] o monumento liga-se ao poder de perpetuação, voluntária
ou involuntária, das sociedades históricas [...]”. Pois, ao considerarmos os documentos como
monumentos, estamos relacionando os vários tipos de produção humana (cultura material,
objetos de coleção, etc.) e colocando todos estes vestígios em evidência e passíveis de
interpretação. A título de esclarecimento, citamos Foucault que, conforme Le Goff (2004,
103), ao questionar o documento diz que nos nossos dias (seu texto data de 1969) os
historiadores transformam documentos em monumentos, permitindo um amálgama de
elementos que devem ser isolados e agrupados de forma que possamos relacioná-los,
formando um conjunto que nos permita decifrar os traços deixados pelo homem.
Os documentos/monumentos, em seus mais variados tipos de suporte e variadas
formas de registro, constituem o patrimônio cultural25
seja de uma comunidade, cidade, estado
ou nação, mas só terão valor de existência se forem utilizados pela comunidade que lhes
atribua valores. Conforme Arantes (1989, p. 16),
as coisas preservadas são, em si mesmas, inertes. Como bens de patrimônio elas
participam da vida social como suportes privilegiados de significados e re-
significados sucessivos, os quais, apesar de ilimitados, estarão necessariamente
incorporados nas marcas que esses bens carregam de sua própria história.
25
Conforme Lemos, citado por Bellotto (2002, p.14), o patrimônio histórico restringe-se aos chamados artefatos
e é um segmento do patrimônio cultural, definido por conjunto de patrimônios de uma nação ou de um povo. O
patrimônio histórico é formado por produtos acabados que servem essencialmente como testemunhos ou provas.
A interação necessária entre Centros de Memória e Ciência da Informação
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  • 1. SILVANA APARECIDA FONTANELLI Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária. São Paulo 2005
  • 2. SILVANA APARECIDA FONTANELLI Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária. Trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado ao Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obter o grau de Bacharel em Biblioteconomia. Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit São Paulo 2005
  • 3. Fontanelli, Silvana Aparecida Centro de memória e ciência da informação: uma interação necessária / Silvana Aparecida Fontanelli. – São Paulo: S.A. Fontanelli, 2005. 105p. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Biblioteconomia) – Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo, 2005. Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit 1. Centro de Memória. 2. Instituição-memória. 3. Ciência da Informação. 4. Memória. I. Autor. II. Título.
  • 4. Termos de Aprovação Nome do autor: Silvana Aparecida Fontanelli Título da Monografia: Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária. Presidente da Banca: Profª Drª Johanna W. Smit Banca Examinadora: Profª Drª Maria Christina Barbosa de Almeida Instituição: ECA/USP Profª Drª Maria de Fátima G. M. Tálamo Instituição: ECA/USP Aprovada em:
  • 5. Para o João pelo apoio incontestável e pelo amor imensurável.
  • 6. AGRADECIMENTOS À professora Johanna pelo apoio, pela paciência e pelas importantes observações durante a realização deste trabalho. Às professoras Asa e Maria Christina pelas palavras de apoio num momento delicado da minha vida. E a todo o pessoal do CBD que dividiu comigo muitas inquietações, mas também muitas alegrias que ficarão na minha memória. Em especial ao Zé (José Estorniolo) e à Juliétti, que me acompanharam durante boa parte dessa trajetória e que sempre me apoiaram e me estimularam.
  • 7. Guardar Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda nada. Em cofre, perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro. do que um pássaro sem vôos; por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declama e declara um poema: para guardá-lo; para que ele, por sua vez, guarde o que se guarda, guarde o que quer que guarde um poema. Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar. Antonio Cícero
  • 8. FONTANELLI, Silvana A. Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária. São Paulo, 2005. 105f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. Resumo As instituições-memória, consideradas como serviços de informação, são comparadas e analisadas para auxiliar o estudo da delimitação da atuação do centro de memória, entendido como instituição fundamental para a preservação da memória das organizações e do patrimônio cultural e histórico da humanidade. Enfatiza-se o papel do profissional da informação na administração e gestão dos documentos e informações que compõem o acervo do centro de memória. A análise engloba a relação entre memória e história; a definição dos lugares da memória e sua importância; o estudo das similaridades e especificidades dos serviços de informação (arquivo, biblioteca e museu), tendo como base a relação intrínseca e interdisciplinar que mantêm com a Ciência da Informação; e a apuração do papel do profissional da informação na transformação do centro de memória em um serviço cujo objetivo seja não só a preservação da memória da instituição, como também, e principalmente, a disponibilização dos dados de forma clara e eficaz, contribuindo para a produção de conhecimento, para o desenvolvimento da instituição e, quem sabe, para a transformação do indivíduo e da sociedade. Palavras-chave memória; história; centro de memória; instituição-memória, ciência da informação; informação; documento.
  • 9. Lista de Abreviaturas ALA American Library Association CI Ciência da Informação CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FID Federação Internacional de Documentação ICOM Conselho Internacional de Museus IIB Instituto Internacional de Bibliografia IID Instituto Internacional de Documentação Natis National Information System VINITI Instituto para a Informação Científica UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNISIST Sistema Mundial de Informação Científica
  • 10. Sumário Resumo Lista de Abreviaturas Apresentação ....................................................................................................................... 10 1. Introdução .................................................................................................................. 13 1.1 Objetivo geral .................................................................................................... 15 1.1.1 Objetivos específicos................................................................................... 15 1.2 Procedimentos metodológicos.......................................................................... 15 2. A relação entre memória e história ............................................................................ 17 3. Os lugares da memória e sua importância na preservação da memória coletiva....... 25 4. A Ciência da informação............................................................................................ 29 4.1 Ciência da informação: sua história e conceituação.......................................... 29 4.2 Informação e documento ................................................................................... 36 4.3 Arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia: ciências da informação? ....................................................................................................... 45 4.3.1 Arquivologia e arquivo................................................................................ 46 4.3.2 Biblioteconomia e biblioteca ....................................................................... 53 4.3.3 Documentação e centro de documentação e informação............................. 60 4.3.4 Museologia e museu .................................................................................... 65 5. Do paradigma do acervo ao paradigma da informação/usuário: as ciências da informação e suas interfaces ...................................................................................... 74 6. Centro de memória..................................................................................................... 80 6.1 Um pouco de história......................................................................................... 81 6.2 O centro de memória como serviço de informação........................................... 83 6.3 A constituição do centro de memória ................................................................ 88 6.4 O centro de memória e o profissional da informação........................................ 93 7. Considerações Finais.................................................................................................. 96 Referências
  • 11. 10 Apresentação “É pela memória que se puxam os fios da história. Ela envolve a lembrança e o esquecimento, a obsessão e a amnésia, o sofrimento e o deslumbramento [...] Sim, a memória é o segredo da história, do modo pelo qual se articulam o presente e o passado, o indivíduo e a coletividade. O que parecia esquecido e perdido logo se revela presente, vivo, indispensável. Na memória escondem-se segredos e significados inócuos e indispensáveis, prosaicos e memoráveis, aterradores e deslumbrantes.” Octavio Ianni Este trabalho se deve a fatores estritamente pessoais. Durante onze anos trabalhamos no Centro Pró-Memória do Club Athletico Paulistano (até outubro de 2002 denominado como Museu), sempre procurando manter uma postura crítica em relação às atividades ali desenvolvidas, no intuito de resgatar a importância quase perdida da memória do clube e, assim, recuperar seu próprio significado, dentro e fora da instituição. Para nossa satisfação, os produtos e serviços oferecidos demonstravam a importância do centro tanto para os associados quanto para os pesquisadores externos. Entretanto, apesar da reconhecida importância desse tipo de trabalho, verificamos que não havia uma delimitação das atividades e da missão do Centro Pró-Memória, e que isso acontece não apenas no Paulistano, mas também em outras instituições que mantêm um setor responsável pela preservação e divulgação de sua memória. Nem sempre é fácil definir a missão de um setor desses e, principalmente, quais as suas responsabilidades. Percebe-se que algumas instituições confundem centro de memória com arquivo central ou centro de documentação. Em face dessa realidade, traçaremos breve histórico do surgimento e evolução dos estudos e trabalhos que enfocam a memória empresarial, além das iniciativas de criação de centros de memória em empresas e afins, mostrando que, a partir de meados dos anos de 1970, surgiu uma maior preocupação com a coleta, organização e disponibilização da memória institucional. No início, restritos às instituições maiores, tais trabalhos, atualmente, alcançam instituições das mais variadas áreas, de portes variados e missões das mais específicas. Multinacionais, ONGs, Prestadoras de Serviços, Empresas do Terceiro Setor, enfim, tornou-se uma coqueluche a preocupação com a memória. Muitos acreditam que a realização de um bom trabalho no centro de memória da empresa trará benefícios e fortalecerá a imagem interna e externa da entidade. A questão da identidade da empresa tem sido um fator essencial a justificar o trabalho de valorização da memória empresarial, questão que se
  • 12. 11 resolve à medida que os integrantes da corporação se sentem parte dela, se sentem os protagonistas de sua história e de seu desenvolvimento, e não apenas seus “funcionários”. Trabalhar com a memória de uma empresa é trabalhar com as memórias de cada um de seus integrantes, que se reconhecem como tais e, assim, constroem as identidades individuais e a coletiva — imprescindíveis para o desenvolvimento da instituição. Pretendemos também avaliar a importância da preservação e divulgação da memória e da história institucional como elemento de afirmação e projeção de uma imagem positiva da empresa perante o público. Em muitas instituições, há algum tempo, a memória entra como ingrediente estratégico. O que nos faz lembrar as palavras de Nassar (2004, p. 21): “[...] Recuperar, organizar, dar a conhecer a memória da empresa não é juntar em álbuns velhos fotografias amareladas, papéis envelhecidos. É usá-la a favor do futuro da organização e seus objetivos presentes. É tratar de um de seus maiores patrimônios. Depois com a memória na cabeça, é preciso contar as histórias”. A partir dessa análise, demonstraremos a importância dos centros de memória para as instituições, para isso tendo de delimitar mais claramente seu campo de atuação, de modo a não mais confundi-lo com o da biblioteca, o do arquivo, o do museu ou o do centro de documentação. O estudo teórico permitirá uma visão melhor dos pontos comuns e dos divergentes, bem como das particularidades da missão de um centro de memória. Desta forma, mostrar-se-á que o trabalho desenvolvido nesses centros também pode e deve ser responsabilidade dos profissionais da informação, em parceria com historiadores, conservadores e restauradores, etc., buscando "disponibilizar a informação certa, da fonte certa, para o usuário certo, no prazo certo, numa forma considerada adequada para o uso e a um custo justificado pelo uso", conforme Mason, citado por Smit (2001, p. 14). O trabalho será dividido em capítulos. Primeiramente analisaremos a relação, às vezes, um tanto conflituosa, entre história e memória. Em seguida, analisaremos a questão dos Lugares de Memória — expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora. Partiremos da concepção de Lugares de Memória, mas enfatizaremos as instituições-memória mais conhecidas e ainda hoje importantes no tocante à preservação e à divulgação das várias memórias, a saber: arquivo, biblioteca, centro de documentação e museu. Nosso objetivo é, após a discussão sobre memória e história, inserir nessa problemática a questão das instituições que guardam e disponibilizam a memória. Em seguida, trataremos da Ciência da Informação, definindo-a, demarcando seu campo de ação e explicitando sua relação com a
  • 13. 12 biblioteconomia, a arquivologia e a museologia. Nosso pressuposto é que todas essas áreas compõem a Ciência da Informação, embora muitos autores as estudem separadamente. A meta deste trabalho, entretanto (e sem perder de vista o fato de que são partes de algo maior), é traçar o perfil de cada uma delas, procurando valorizar as semelhanças e mostrar que as diferenças, quando existem, são fruto muito mais da técnica e metodologia de trabalho que propriamente das idéias e objetivos buscados. Para que fique mais claro, faremos um breve resumo histórico das origens de cada uma das instituições-memória. Concluídos os históricos e o exame comparativo e analítico das instituições-memória, passaremos a estudar os centros de memória, a partir dos resultados do estudo anterior. Analisando as características convergentes e divergentes dessa instituição-memória em relação às demais, esperamos demonstrar que ela também exige cuidados e mão-de-obra de profissionais especializados e das mais diversas áreas. Assim, o profissional da informação aparece como figura principal, uma vez que ficará responsável pela coleta, organização e disponibilização de dados, além da produção de conhecimento novo a partir de pesquisa no próprio acervo. Em suma, o trabalho objetiva demonstrar a importância do centro de memória como instituição-memória, ressaltando seu papel para o desenvolvimento de uma organização ou comunidade e para a construção de sua imagem social.
  • 14. 13 1. Introdução “Diante da perda iminente, vive-se uma ‘fome de memória’ que se materializa, entre outros, na constituição de museus, centros de memória, de documentação e arquivo que possam preservar experiência de um cotidiano em vias de extinção.” Zilda Kessel No Brasil, há mais de vinte anos, muitas instituições começaram a criar setor ou departamento específico para a preservação da memória institucional. Antigamente, apenas algumas instituições — e, obrigatoriamente, os órgãos públicos de todas as esferas — se preocupavam com a alimentação e organização de seus arquivos. De uns tempos para cá, no entanto, a necessidade de guardar documentos pessoais, objetos, fotografias, etc., disseminou- se largamente. Esta mudança de comportamento deveu-se à própria alteração ou dilatação dos objetos da História, principalmente após a fundação da Escola dos Annales, cujos historiadores passaram a valorizar a pluralidade de fontes documentais, procurando as informações não somente nas tão privilegiadas fontes primárias dos arquivos históricos e oficiais. O próprio campo temático ampliou-se, tendo como conseqüência redefinições teóricas e metodológicas. Atualmente, faz-se história de temas tão diversos quanto, por exemplo, o estudo das flores e sua importância nas diferentes culturas, realizado pelo historiador e antropólogo Jack Goody, citado por Pallares-Burke (2000, p. 55); ou ainda a História das coisas banais, do renomado historiador Daniel Roche. Temas assim, muito provavelmente, eram até mesmo inconcebíveis durante a maior parte da história. Esta riqueza, resultado da evolução ou transformação da historiografia mundial, provocou alterações nas instituições-memória. Bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e os centros de memória, tornaram-se locais de guarda das memórias do homem, por meio de informações registradas em diferentes suportes — desde um ofício até o depoimento oral de um trabalhador. Segundo a historiadora Heloisa Bellotto (1991, p. 183): A informação administrativa contida, enquanto validade jurídico-funcional, nos arquivos correntes e, posteriormente, como testemunho em fase intermediária ou como fonte histórica custodiada nos arquivos permanentes, não se restringe a si mesma. Se a considerarmos com maior abrangência, analisando-a como transmissão cultural, lançada para o futuro através de diferentes documentos grafados em diferentes suportes, ela pode significar muito mais, quando aliada a outros dados/informações oriundos de campos não-arquivísticos. Trata-se de algo em que vai muito além do próprio conteúdo do documento. Os conjuntos informacionais que se geram não podem ser definidos
  • 15. 14 compartimentadamente como material de arquivo, de biblioteca ou de centro de documentação, por serem atípicos, como totalidade, a qualquer um deles. Estes conjuntos de dados constituem a memória. Enfim, o trabalho com a memória institucional utiliza documentos variados que não podem ser caracterizados apenas como documentos de arquivo. Os centros de memória desenvolvem trabalhos com especificidades relacionadas às “3 Marias”1 (arquivos, bibliotecas e museus), responsáveis pela guarda, preservação, organização e disponibilização da memória do homem. São nestas instituições que as descobertas e as experiências da humanidade são preservadas e, geralmente, estão disponíveis a quem interessar. Com base nas missões das instituições-memória da humanidade, o centro de memória, na maioria das vezes, é criado com a finalidade de preservar, organizar, disponibilizar e divulgar informações e documentos relativos à vida da instituição que os mantém. A partir de sua missão, concluímos o grau de importância que desempenha dentro da empresa, sindicato, clube, etc. Para Goulart (2002, p. 34) “[...] o papel mais importante dos documentalistas que concebem e organizam os centros de memória é o de ser intermediário entre as organizações e os pesquisadores, sendo sua principal responsabilidade, depois dos arquivos organizados, a interface entre as instituições detentoras dos arquivos e o mundo da pesquisa”. A cada dia surgem novos centros de memória e os trabalhos desenvolvidos pela equipe dos centros possibilitam que a troca de informações entre os profissionais da instituição contribua com o desenvolvimento da empresa e com a otimização de tarefas. Segundo a historiadora Silvana Goulart (2005, p. 17), “Os centros de memória hoje, apesar de comumente não serem concebidos como arquivos centrais, guardam documentos ligados às atividades-fim, [...] o que resulta na acumulação de registros de caráter substantivo para o seu funcionamento”. Entretanto, verificamos que a constituição do acervo dos centros de memória varia bastante. Algumas vezes, chegam a ser confundidos com o arquivo central da instituição ou então se tornam responsáveis por toda a documentação gerada pela empresa. A missão do centro de memória e a função que os documentos preservados e organizados representam são questões fundamentais a se levar em conta durante o processo de constituição do setor, para que as atividades e o valor atribuído aos documentos ou mesmo sua missão não sejam desvirtuados. 1 Expressão criada por Johanna W. Smit e que será explicada de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.
  • 16. 15 1.1. Objetivo Geral Identificar o campo de atuação de um centro de memória e demonstrar sua importância na preservação, organização e disponibilização de seu acervo por meio de instrumentos de pesquisa, exposições e outros. 1.1.1. Objetivos Específicos Relacionar história e memória coletiva e individual, inserindo os conceitos no trabalho das instituições-memória; Conceituar Ciência da Informação traçando sua interface com a arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia; Contextualizar o surgimento das instituições-memória — arquivo, biblioteca, centro de documentação e museu — e analisar as transformações das disciplinas relacionadas a elas e a relação com a Ciência da Informação; Contextualizar o momento histórico da criação dos centros de memória, relacionando- o às alterações no estudo da história, ao surgimento e valorização de novas fontes documentais e também à valorização da informação na produção do conhecimento; Demonstrar a importância do trabalho desenvolvido no centro de memória e sua relação com o desenvolvimento da organização que o mantém; Demonstrar a importância e o papel desempenhado pelo profissional da informação no gerenciamento de um centro de memória. 1.2.Procedimentos Metodológicos Este estudo teve como base literatura das áreas de história e memória, arquivologia, biblioteconomia, documentação, ciência da informação e museologia. Durante a pesquisa bibliográfica evidenciamos a dificuldade em localizar textos específicos sobre centro de memória. Então, optamos por trabalhar com textos sobre as outras instituições-memória e, a partir da análise de cada uma delas, com base na definição de seu acervo, sua missão, suas
  • 17. 16 atividades (serviços e produtos) e seu público, destacar as similaridades e especificidades de cada uma, com o objetivo de definir o que é um centro de memória, instituição que, na maioria das vezes, desempenha papel que mescla um pouco de cada uma das demais instituições, mas que possui especificidades que o diferenciam. Com relação especificamente ao uso de textos em língua estrangeira, optamos por assumir a autoria das traduções.
  • 18. 17 2. A Relação entre Memória e História "Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem ela, somos nada [...]” Luis Buñuel, cineasta “Se a memória se dissolve, o homem se dissolve.” Jorge Luis Borges O estudo das instituições-memória nos leva a pensar na própria definição de memória e na importância que estas instituições, a partir dos documentos que preservam, representam para o estudo e produção histórica, pois são, com freqüência, as principais fontes para os historiadores e demais pesquisadores. Há tempos, desde o surgimento da Escola dos Annales, os estudiosos utilizam, além dos documentos mais convencionais, depoimentos orais, obras de arte, monumentos, enfim, outros “Lugares de Memória”, que foram criados com o objetivo de perpetuar eventos, homenagear personagens ou mesmo criticar ou enaltecer algum acontecimento histórico, enfim constituir a memória nacional. O estudo da memória é antigo. Já no fim do século XIX, conforme Pinto (1998, p. 209), surgiram trabalhos sobre o tema em vários campos de reflexão, em virtude, das alterações nas relações humanas advindas da urbanização, que tentava dissipar as lembranças individuais e designar um presente absoluto, rompendo com o passado. Podemos citar, os trabalhos de Henri Bergson, de Sigmund Freud e de Marcel Proust. Mas, para nossa análise, utilizaremos principalmente os trabalhos realizados por Maurice Halbwachs2 e Walter Benjamin3 que, desde os anos de 1920, se preocupavam com este assunto tão caro a toda a sociedade, pois os seres humanos possuem e preservam, das mais variadas formas, memórias e lembranças que permitem o processo de reconstrução do passado e lhes dão a possibilidade de perceber a própria existência e se reconhecer como indivíduos (WORCMAN, 1999). 2 Principal estudioso das relações entre memória e história pública, segundo Bosi (1994, p. 53). 3 Pensador da Escola de Frankfurt que se suicidou durante a II Guerra Mundial. Um de seus principais trabalhos é Sobre o Conceito de História no qual diz que há duas formas de memória: o monumento, feito para durar e significar, e o documento, aquilo que fica aos pedaços. Ao historiador cabe juntar os pedaços, atribuir-lhes significados e escrever a história, a partir de sua experiência presente (MATTOS, 1992, p. 151-4). Em outro trabalho exalta o fim da narração, demonstrando que as péssimas relações entre os homens prejudicam a realização da narração, e que com isso a troca de informações entre gerações torna-se quase que inexistente, o que atrapalha também a transmissão da memória, da experiência. Benjamin acreditava que narrar e ouvir são fundamentais para possibilitar a reflexão sobre o passado e sobre a transformação do presente. (GAGNEBIN, 2004 p. 85-91).
  • 19. 18 É importante frisar que há maneiras diferentes de estudar a memória. Existem, por exemplo, os estudos de filósofos, psicólogos e psiquiatras que a estudam de forma isolada4 . Enquanto que autores como Halbwachs relacionam a memória com as instituições sociais, considerando-a como um fenômeno social. Neste trabalho, analisaremos a memória, tanto a individual, quanto a coletiva e a subterrânea, além dos esquecimentos e silêncios5 , seguindo o pressuposto de Halbwachs sobre a necessidade de que a memória deve ser estudada, tendo como ponto de referência os quadros sociais reais. Maurice Halbwachs salienta a importância da existência da memória individual, mas deixa claro que é comum prevalecer a memória coletiva, pois todos nós estamos inseridos em grupos sociais, ou seja, sofremos a influência das pessoas e do contexto dos quais fazemos parte. Sempre que lembramos, na verdade, estamos refazendo, reconstruindo, repensando “com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado”. (BOSI, 1994, p. 55). Para entender melhor esta questão, Halbwachs (1990, p. 21 e 23) cita Durkheim, [...] não podemos pensar nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos outros e para os outros, e sob a condição desse acordo substancial, que através do coletivo, persegue o universal e distingue, o sonho da realidade, a loucura individual da razão comum. [e acrescenta] que, apesar de algum equívoco de expressão, ele nos faz compreender profundamente que não é o indivíduo em si nem nenhuma entidade social que se recorda; mas que ninguém pode lembrar-se efetivamente, senão da sociedade, pela presença ou a evocação e, portanto, pela assistência dos outros ou de suas obras; [...] Um homem que se lembra sozinho daquilo que os outros não se lembram assemelha-se a alguém que vê o que os outros não vêem. Halbwachs (1990, p. 51) acrescenta também que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” e que esta muda conforme o local, o contexto, as pessoas e as relações mantidas com o meio. Por isso, muitas vezes, nossas lembranças podem ser modificadas quando as relembramos com aqueles que delas participaram, já que eles também possuem lembranças que podem ou não coincidir com as nossas, confirmando o caráter familiar, grupal e social da memória. Este é um dos motivos também da necessidade de se 4 Conforme Bosi (1994, p. 54), o filósofo Henri Bergson, um dos pioneiros do estudo da memória, considerava que sua análise deveria se basear apenas na relação entre o corpo e o espírito. Para Kessel (2003, p. 22), Bergson distinguia dois tipos de memória: a memória hábito (conquistada por meio da repetição) e a memória pura (aquela evocada em circunstâncias específicas), tão valorizada por Marcel Proust e por ele denominada, memória involuntária — sua madeleine umedecida no chá de ervas tornou-se ícone da literatura francesa e muitos utilizam a expressão “experiências proustianas” ao tratar de lembranças súbitas. 5 Pollak é pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS) e estuda as relações entre política e ciências sociais. No texto Memória, Esquecimento, Silêncio apresenta a importância das memórias subterrâneas, dos esquecimentos e do silêncio, considerados por ele essenciais para a manutenção da memória. Confronta a existência da memória coletiva organizada pela sociedade majoritária da memória subterrânea, aquela que existe, mas é impedida de ser divulgada por delatar episódios que possam denegrir a imagem daqueles que estão no poder.
  • 20. 19 diferenciar a memória individual da coletiva. Segundo Bosi (1994, p. 65), considerando um estudo de Bartlett6 , “a nitidez da memória não deve ser avaliada isoladamente, mas posta em relação com toda a experiência social do grupo”. Então, ao analisarmos os acervos e as informações disponíveis nas instituições-memória, estamos estudando a memória coletiva, a produção e a escolha de um determinado grupo. Halbwachs (1990, p. 51) novamente nos auxilia com relação à construção da memória ao dizer que a sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado à parte e em seu conjunto. O que significa que a relação com o grupo é fundamental para a perpetuação da memória. A falta de convívio e de troca é um dos elementos que podem levar ao esquecimento, além, é claro, do esquecimento proposital estudado por Michel Pollak (1989). Com base na afirmação da filósofa Marilena Chauí, na apresentação do livro de Ecléa Bosi (1994, p. 17-33), as pessoas recordam aquilo que para elas é significativo e ao recordar elas sofrem a influência do tempo, de suas vivências e experiências e até mesmo da história oficial que, muitas vezes, privilegia pessoas e acontecimentos em detrimento de outros, com o intuito de “construir” uma memória. Chauí afirma que o tempo da memória é social, pois influencia na forma de lembrar. O historiador Jacques Le Goff (2004, p. 469), nos apresenta o valor e a importância que a memória coletiva representa, pois Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção [...] A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder. Avaliada também como instrumento de poder, a memória está relacionada à história das sociedades. Walter Benjamin7 , nos anos 30, afirmava a importância da memória e dizia 6 Frederic Charles Bartlett, autor do clássico Remembering, primeiro livro de psicologia social que trata da memória e suas relações com o contexto. Bartlett foi fortemente influenciado por Halbwachs. 7 As reflexões de Walter Benjamin analisada aqui foram retiradas do texto de Olgária Mattos (1992, p. 153-4).
  • 21. 20 que sua transmissão devia se dar por meio da narração e o historiador deveria ser o narrador, aquele que contaria a história e desta forma impediria o desaparecimento da memória, mesmo que esta fosse apenas representada pela história. Halbwachs, antes mesmo de Benjamin, já refletira sobre esta questão e separou as duas áreas, considerando a memória como instrumento de trabalho do historiador. Para ele, o historiador precisa manter certo distanciamento temporal dos acontecimentos para poder escrever sobre eles de forma crítica. Enquanto que a memória é imediata e, com a ação do tempo ou o distanciamento do grupo, pode ser enfraquecida ou mesmo alterada, em virtude das influências e da alteração do próprio repertório cultural do indivíduo. Assim, diferentemente da memória/lembrança que só pode existir a partir daquele que realmente viveu o fato, a história pode ser contata por alguém que nem ao menos era nascido na época, mas que, a partir das lembranças de outros, registradas em documentos escritos ou orais, além de artísticos e arquitetônicos, tem condições de escrever e refletir sobre o ocorrido. Para entendermos melhor a relação entre história e memória é necessário compreender o que seja história. Tanto quanto a memória, a definição de história também é complexa. Segundo Le Goff , a Escola dos Annales8 promoveu uma nova concepção de tempo histórico, permitindo o desenvolvimento de trabalhos que enfatizavam a longa duração e que buscavam manter relação entre as várias ciências humanas, considerando que história tem como objeto de estudo as sociedades humanas, ou seja, “a história é a ciência da evolução das sociedades humanas” (LE GOFF , 2004. p. 16). Para Marc Bloch9 (1976, p. 24), a história é difícil de ser conceituada, mas ele a resume como investigação livre, podendo ser de um indivíduo ou de uma sociedade. Afirma também que a história “é a ciência dos homens, no tempo” (2001, p. 55). Já para a filósofa Agnes 8 A Escola dos Annales, nova forma de escrever e fazer história, resultou dos trabalhos de um pequeno grupo associado à revista Annales, organizada em 1929 e que teve como fundadores Lucien Febvre e Marc Bloch. O objetivo da revista era promover um novo fazer historiográfico, com uma história mais abrangente, totalizante e mais próxima das demais ciências humanas. Seus trabalhos foram tão importantes que influenciaram e ainda influenciam historiadores de várias nacionalidades, mas principalmente os franceses. Suas idéias foram aprimoradas ou mesmo modificadas e resultaram no que há tempos denominamos de “Nova História” e que tem entre seus expoentes, Jacques Le Goff, Georges Duby, Philippe Ariès e Michel Vovelle. A importância dos Annales é indiscutível, tanto que o historiador inglês, Peter Burke (1997), a considera a Revolução Francesa da historiografia. 9 Sofreu grande influência dos estudos sobre a estrutura da memória social realizados por Maurice Halbwachs e também do sociólogo Émile Durkheim.
  • 22. 21 Heller, citada por Hobsbawn (2002, p. 12), a história “trata do que acontece visto de fora, e as memórias tratam do que acontece visto de dentro”. Apesar de não se tratar de uma conceituação, consideramos interessantes as palavras do historiador marxista, Eric Hobsbawn (2002, p. 311) Não se pode escapar ao passado, isto é, àqueles que o registram, interpretam, discutem e reconstroem. [...] O que entra para os livros escolares e para os discursos dos políticos a respeito do passado, a matéria para os escritores de ficção, de programas de televisão ou de vídeos vem, em última análise, dos historiadores. Mais do que isso, a maioria dos historiadores, inclusive todos os competentes, sabe que ao investigar o passado, até mesmo o passado remoto, estão igualmente pensando e expressando opiniões a respeito do presente e suas questões, e falando a respeito delas. Compreender a história é importante tanto para os cidadãos como para os especialistas. O próprio Le Goff (2004, p. 26) apresenta a história como a ciência do passado em constante reconstrução. E para Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 26), “a história recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os fatos passados, em função das suas necessidades atuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em função do presente: assim se poderia definir a função social da história”. Dessas análises, percebe-se que a complexidade do assunto é notória e discutida por vários estudiosos. Mas, o que nos interessa é demonstrar que memória e história são diferentes, cada uma tem suas características, e que a segunda necessita muito da primeira para poder ser construída, ou mesmo para poder reconstruir ou representar o passado com base no presente. Para finalizar, apresentamos a análise de David Lowenthal que se dedicou ao assunto e de forma clara diferencia a memória da história, considerando a primeira subjetiva e um processo por meio do qual lê-se o passado com base no presente. Nas palavras de Lowenthal (1998, p. 66), “a memória é inevitável e indubitável prima-facie; a história é contingente e empiricamente verificável”, ou seja, é um conhecimento intencionalmente produzido. Esclarece também que a função fundamental da memória, por conseguinte, não é preservar o passado, mas sim adaptá-lo a fim de enriquecer e manipular o presente. Longe de simplesmente prender-se a experiências anteriores, a memória nos ajuda a entendê-las. Lembranças não são reflexões prontas do passado, mas reconstruções ecléticas, seletivas, baseadas em ações e percepções posteriores e em códigos que são constantemente alterados através dos quais delineamos, simbolizamos e classificamos o mundo à nossa volta [...] (1998, p. 103). Com relação à história, Lowenthal (1998, p. 104 e 107) acredita que esta
  • 23. 22 expande e elabora a memória ao interpretar fragmentos e sintetizar relatos de testemunhas oculares do passado [...] A história difere da memória não apenas no modo como o conhecimento do passado é adquirido e corroborado, mas também no modo como é transmitido, preservado e alterado. A percepção histórica pressupõe atividades em grupo e a produção histórica tem como missão preservar o conhecimento do passado, lutando contra os lapsos de memória (esquecimentos) e o “tempo devorador” (LOWENTHAL, 1998, p. 113). Produz novos conhecimentos que têm um caráter subjetivo, já que o conhecimento histórico é invariavelmente subjetivo. Os registros nos diversos suportes, desde a caverna de Lascaux aos atuais DVDs só poderão ser utilizados pelo historiador se forem preservados e devidamente conservados. A importância da criação da imprensa por Gutenberg está no fato de tornar mais fácil e até mesmo palpável a produção da humanidade, mas esse contato só se torna possível e viável, porque há tempos existe a preocupação com a organização da produção humana no que tange à produção intelectual, artística e mesmo cotidiana, pois não devemos desconsiderar a cultura material que é uma fonte primordial para os estudos e a compreensão do passado. Lowenthal (1998, p. 166) confirma a importância da preservação dos fragmentos e vestígios da cultura material [...] Memória, história e fragmentos oferecem caminhos para o passado que se percorrem melhor quando combinados. Cada caminho exige os outros para que a jornada seja significativa e confiável. As relíquias dão início às recordações que a história confirma e expande recuando no tempo. A história em isolamento é estéril e desprovida de vida, fragmentos significam apenas o que a história e memória transmitem. De fato, muitos artefatos surgiram como testemunhas da história ou da memória. Assim, compreendemos que a memória é considerada um dos objetos da história e um nível elementar de seu desenvolvimento, e que a história tem, entre outras, a missão de construir a representação crítica do passado, mantendo vínculo com a modernidade, sendo “um campo de produção de conhecimento, espaço de problematização e de crítica” (Pinto, 1998, p. 209). A história é um saber científico que procura analisar de forma crítica a memória voluntária e coletiva. Existe uma relação de dependência entre elas, mas ao mesmo tempo uma dicotomia. A história necessita da memória e esta é perpetuada e registrada, por meio da primeira, entretanto ao ser apropriada pelo historiador e analisada de forma crítica e a partir do contexto e dos valores daquele profissional, a memória deixa de ser memória e torna-se história; fruto de operação laicizante e intelectual, sem um proprietário definido, pois
  • 24. 23 a história normalmente pretende-se universal, enquanto que a memória preconiza o ato de lembrar, dando continuidade ao passado. Os trabalhos a partir da memória auxiliam na construção de identidades pessoais, de grupos e de nações, afirmam o direito à cidadania e advertem para determinados fatos ocorridos que não foram benéficos e poderão ser evitados no futuro. O fato de lembrar, de analisar e escrever sobre determinado acontecimento histórico é importante para manter viva a memória e para manter as pessoas “alertas sobre situações novas e, no entanto, análogas”, segundo Habermas e Todorov, citados por Seixas (2004, p. 54). A tão conhecida frase “devemos aprender com o passado” ilustra bem a importância da preservação da memória coletiva e da apropriação desta pelo historiador que, ao analisar e escrever sobre os acontecimentos, se torna o divulgador daquela memória que, mesmo sendo uma representação, possui valor e, com certeza, auxiliará as pessoas em suas atitudes futuras. Um dos mais significativos exemplos da questão de perpetuação ou não da memória, isto é, do direito e do dever à memória, foi citado por Seixas (2004, p. 54) e relaciona-se às discussões recentes sobre a construção de um memorial às vítimas do holocausto no centro da “nova Berlim”. Segundo Seixas, o escritor Martin Walser considerou inoportuna a idéia da construção, por acreditar que as novas gerações têm o direito de esquecer episódio tão medonho da história nacional. Entretanto, a maioria das pessoas, acredita que a memória deve ser mantida e que devemos aprender com ela, pois, segundo Chauí (1992, p. 43), uma política cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as memórias sob uma única memória oficial está irremediavelmente comprometida com as formas presentes de dominação, herdadas de um passado ignorado. Fadada à repetição e impedida de inovação, tal política cultural é cúmplice do status quo. Por isso, devemos conhecer o passado, para entender o presente e construir o futuro. Precisamos manter a tradição e desta forma a relação de pertencimento com o grupo e sua coesão, mas sempre de forma crítica. Assim, percebemos o valor da memória e também da história. A história depende da memória coletiva e também das fontes nas quais esta memória está registrada. Mas, não adianta apenas preservar, pois os vestígios da memória deverão ser armazenados, acondicionados e organizados para possibilitar sua disponibilização e apropriação por pesquisadores que, a partir deles, produzirão novos conhecimentos. Estas tarefas são responsabilidades dos profissionais da informação e das instituições-memória. Além disso, o trabalho de preservação deverá prever a manutenção das referências de grupo, possibilitando
  • 25. 24 que o passado tenha seu significado de “experiência coletiva de formação da cultura e da sociedade” (PAOLI, 1992, p. 26). Não devemos retirar os documentos de seu contexto histórico, social e político, pois é a partir deles que conferimos sentido aos testemunhos preservados.
  • 26. 25 3. Os Lugares de Memória e sua importância na preservação da memória coletiva “Assim como Teseu, na passagem da informação para o conhecimento, devemos percorrer infindáveis labirintos de informação estocada, labirintos físicos, labirintos digitais, labirintos da nossa memória.” Aldo Barreto A memória não é apenas aquela que está com e nas pessoas, mas também nos documentos preservados nas instituições que, por isso mesmo, podem ser denominadas instituições-memória ou lugares de memória, expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora e por ele definida como “lugares que contribuam para o estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação entre passado, presente e futuro”, segundo Kessel (2003, p. 11). Para Nora, esses lugares vão além dos museus, arquivos e bibliotecas, por acreditar que os monumentos, as festas, os dicionários, os calendários, santuários, tratados, enfim os símbolos e suportes da memória coletiva, são a única forma de perpetuação de ritos não mais praticados. O historiador critica a necessidade da existência desses lugares, e afirma que eles acabam com a necessidade da memória espontânea, isto é, os lugares seriam desnecessários se “vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem” (NORA, 1993, p. 13). Segundo Pinto (1998, p. 208), ao citar Nora, “Há lugares de memória porque não há mais meios de memória”. Desde a criação da imprensa por Gutenberg, o mundo vem sofrendo significativa perda da prática da memória (mnemotécnica). Antes da escrita, prevalecia a oralidade e a produção do conhecimento só era possível com a preservação das informações transmitidas e repassadas oralmente. Conforme nos relata Eloy Martínez (2004), “as histórias se perpetuavam por meio da voz dos arautos, que cantavam e improvisavam enquanto os demais ouviam e modificavam o que ouviam com lembranças da memória”.Com o surgimento da escrita, a importância da prática de memorizar enfraqueceu, mesmo assim, ainda era realizada. Mas foi com a invenção da imprensa que a situação mudou drasticamente e, desde então, as pessoas, atentas e ansiosas por novas descobertas, não se preocupam em memorizar, já que “tudo”10 estará registrado. 10 Pretendemos apenas ser enfáticos ao utilizar a idéia de que tudo é preservado, pois estamos conscientes de que seria humanamente impossível que isso ocorresse, além de sabermos que existem políticas e mecanismos para esquecer ou simplesmente apagar determinados acontecimentos. A existência da memória pressupõe o esquecimento. Segundo Barreto (2000), “O esquecimento é uma qualidade da memória, que a preserva e a mantém saudável. Nossa memória funciona, e só funciona, porque nos é dada a capacidade do esquecimento”.
  • 27. 26 Em meados do século XX, com a explosão bibliográfica e o aumento vertiginoso da produção de informação, ficou praticamente impossível, além de desnecessário, memorizar as informações. O conhecimento também se tornou mais acessível e ao mesmo tempo muito mais volátil e fluído. No fim desse século, com o incremento dos meios de comunicação, Internet e os documentos eletrônicos, a realidade se transfigurou ainda mais e o volume de informação produzido atingiu tal monta que, definitivamente, não há meios de memorizar o que está sendo produzido, tal o caráter efêmero das informações. Essa nova realidade apenas reitera a necessidade da constituição de gigantescos e vertiginosos estoques de documentos que poderão ser utilizados algum dia. Pierre Nora (1993, p. 14) salienta a necessidade de “suportes exteriores e de referências tangíveis” para a memória que, cada vez mais, é pouco vivida em seu interior. Segundo Nora (1993, p. 13) “os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos [...]”. Para entender melhor a questão dos lugares de memória retomamos a questão das diferenças entre memória e história, sob o ponto de vista de Nora (1993, p. 9) que considera que [...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, [...] A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado [...] A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. Nora demonstra a relevância da memória, mas enfatiza também o trabalho do historiador e sua importância na representação da memória realizada com a colaboração dos lugares de memória, que preservam a continuidade do passado e do presente, apesar das dificuldades oriunda da globalização, da massificação e também da aceleração da história, que leva a transformações e destruições, segundo o historiador De Decca (1992, p. 130). Para nós o que mais interessa é demonstrar que a relação da história com a memória nem sempre é feita de forma harmoniosa e que as instituições-memória são, segundo Nora (1993, p. 27), “um lugar duplo; um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas significações”. O autor acredita que estas instituições preservam a memória documental,
  • 28. 27 ou seja, guardam aquilo que foi produzido e que nos é impossível lembrar, tentam parar ou limitar a ação do tempo e bloquear o esquecimento. Alguns autores são enfáticos ao criticar a necessidade da existência desses lugares de memória, por acreditarem que a memória deveria ser habitada por cada um de nós, sem termos a necessidade constante de consagrá-la em lugares definidos e também de perpetuá-la por meio da história que, muitas vezes, anula ou congela a memória. Consideramos que, se estas instituições não existissem, boa parte dos fatos históricos e da própria formação e desenvolvimento da sociedade humana teria se perdido e estaríamos constantemente reinventando a roda, para exemplificar de forma simplificada. O que quer dizer que estas instituições-memória têm como missão preservar traços e vestígios da memória social e das experiências da humanidade de forma que possam ser acessados. Os monumentos, entendendo aqui não apenas os arcos, memoriais, etc., mas também os registros escritos nos mais variados suportes, são a comprovação daquilo que foi escolhido por determinado grupo para ficar de suas vidas ou então daquilo que restou, para perpetuar sua memória, que passa por um filtro, já que é impossível guardar e preservar tudo. Todos esses registros, produzidos desde a Antigüidade, foram e ainda são guardados em instituições criadas, naquela época, com o intuito principal de preservar a produção humana. Após a explosão da produção de informação, estes antigos palácios dos saberes transformaram-se em verdadeiros laboratórios, onde as informações são armazenadas, processadas e disponibilizadas para diferentes fins. Estas instituições, independentemente do nome que recebam: para Homulos (1990, p. 11) são instituições coletoras de cultura; Smit (2000, p.130) as denominam instituições disponibilizadoras de cultura; já o grupo Ultragaz escolheu o nome de Espaço do Conhecimento, segundo Ricci (2004, p. 85), e Bearman (1994, p. 156) as considera como repositórios culturais, são responsáveis pela preservação do patrimônio histórico e cultural e devemos nos manter atentos para não transformá-las em locais onde se faça a musealização do mundo, valorizando qualquer tipo de vestígio do passado.
  • 29. 28 Mesmo com a ampliação dos objetos da história, devemos manter critérios na escolha do que preservar, já que, segundo Walter Benjamin11 , Michel Pollak12 e Jorge Luis Borges, precisamos ter a capacidade de lembrar e também de esquecer. A relação entre memória e esquecimento pode ser exemplificada pela história do personagem de Borges no conto “Funes, o memorioso”. Seu protagonista, Funes, após um acidente, adquire a capacidade de tudo perceber e desenvolve uma prodigiosa memória. Tudo observado ou vivido por ele automaticamente transforma-se em lembrança e uma percepção rapidamente se transmuta em outra, impedindo que ele compreenda o mundo no qual está inserido. Borges (1989, p. 97) afirma no conto que, “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”, e Funes não tinha esta capacidade, pois tudo lhe era conhecido, sua memória era como um depósito, onde não havia seleção do que preservar, simplesmente lembrava de tudo e guardava percepções diversas de uma mesma coisa, o que o impedia até mesmo de dormir, pois os pormenores da realidade imediata o perseguiam dia e noite, não permitindo que ele distinguisse a memória da consciência. Segundo Creus (2002), “O esquecimento é imprescindível para a evocação da lembrança e para a própria constituição da memória. Somente lembramos porque somos capazes de esquecer”. Compreendemos que não há como guardar tudo e isso nem ao menos é aconselhável, devemos manter políticas que evidenciem os critérios de o que, como e para que preservamos e também estar atentos para não permitir a “especularização da memória que transforma o passado em bem de consumo”, como afirma Kessel (2003, p. 7). Acreditamos que os lugares de memória, frente à crise da memória analisada por Nora e também devido à transformação ocorrida no mundo e nas relações humanas, fruto do surgimento e avanço tecnológico, são necessários e devem ser geridos de forma responsável, por profissionais preparados que analisem muitas das questões acima apresentadas e compreendam o que é memória e qual o papel que ela desempenha na nossa sociedade, permitindo que seja preservada e se torne instrumento de reflexão crítica e de recriação do presente, conforme afirmou Rodrigues (2000, p. 144). Sua administração deverá permitir que seu acervo esteja à disposição de qualquer pessoa, pois o acesso à memória é direito e dever de todos os cidadãos. 11 As observações feitas sobre o pensamento de Walter Benjamin se basearam nos textos Bolle (1984), Gagnebin (1998 e 2004), Kessel (2003) e Mattos (1992).Com relação ao esquecimento, Benjamin apresenta-se preocupado com o fato de a memória e as tradições serem esquecidas, mas ao mesmo tempo considera necessário o esquecimento para valorizar a narração, tão preconizada por ele como meio de transmissão da memória de geração a geração. 12 Michel Pollak (1992) afirma que “a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado”.
  • 30. 29 4. A Ciência da Informação “O progresso técnico deve-se, principalmente, à utilização, por indivíduos criativos, de conhecimento, facilmente acessível e disseminado amplamente, visando à criação e ao desenvolvimento de novos produtos, métodos e processos.” E. A. Haeffner Para continuar o estudo das instituições-memória, suas especificidades e suas interfaces, será essencial refletir sobre o conceito, a abrangência e o objeto de estudo da Ciência da Informação13 , e para isso será interessante abordar as características gerais relacionadas a suas origens e às condições e contexto que a transformaram em ciência. Por acreditarmos que a preocupação com o tratamento e assimilação da informação, enfatizando principalmente a primeira, vem de muito tempo, traçaremos breve histórico, que terá como foco a história social do conhecimento e as instituições guardiãs da memória. Na seqüência, exporemos algumas definições de autores que estudaram a CI, com o intuito de demonstrar a polissemia que a área apresenta e as diferentes opiniões, principalmente, com relação às interfaces com a biblioteconomia, arquivologia e, talvez museologia. Enfatizamos a dúvida com relação à museologia, porque, apesar de a considerarmos inserida no contexto e até mesmo nas práticas da CI, encontramos poucos autores que fazem sua argumentação desse ponto de vista. Em seguida, trataremos de dois termos totalmente relacionados à CI — informação e documento e que também são difíceis de ser conceituados. Segundo Belkin, citado por Jardim e Fonseca (2002), não devemos conceituar informação, mas sim “identificar as maneiras de olhar e interpretar o fenômeno informação”. Procuraremos estabelecer requisitos mínimos para mostrar como interpretamos o conceito informação e documento. 4.1. Ciência da Informação: sua história e conceituação A CI passou a ser desenvolvida e conceituada a partir do fim dos anos de 1950, com o aumento vertiginoso da produção de informações. Esta explosão de informação vinha desde o fim da II Guerra Mundial e era conseqüência da necessidade de novas descobertas e das próprias disputas entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. Ambas 13 Utilizaremos a abreviatura CI para designar Ciência da Informação.
  • 31. 30 buscavam desenvolver seus conhecimentos nas mais variadas áreas, vide o exemplo da disputa pela conquista do espaço14 e também a corrida armamentista. Segundo Jardim e Fonseca (2002), a informação transformou-se em “recurso estratégico a ser gerenciado”. Todas essas novas descobertas, novos conhecimentos produzidos, transformavam-se em informação para os pesquisadores que necessitavam de mecanismos sofisticados para acessá-la e produzir novos conhecimentos. Este ciclo15 (informação gerando conhecimento que se transforma em informação para a produção de novo conhecimento), salutar, necessário e ao mesmo tempo fatigante, mostrou quão importante seria a disponibilização de forma clara, objetiva, eficaz e rápida das informações. Foi nesse cenário que surgiu então a CI. Entretanto, sabemos que há séculos o homem já se preocupava com a organização e disponibilização da informação. No livro, Uma história social do conhecimento, o historiador Peter Burke traçou a gênese da história do conhecimento, mostrando que seu desenvolvimento sempre esteve atrelado às atividades de apoio ou ciências auxiliares16 , tais como as tarefas dos arquivistas e dos bibliotecários. A produção bibliográfica, a partir da criação da tipografia por Gutenberg, no século XVI, passou por transformações imensuráveis e trouxe muitos benefícios para os estudiosos. Entretanto, estas transformações também geraram problemas. No início, ficou difícil controlar ou mesmo conhecer o que estava sendo produzido, devido à rapidez e ao aumento vertiginoso do número de publicações. Para responder a tal dificuldade, surgiram as primeiras bibliografias e, a partir daí, passou-se a desenvolver o estudo sobre como organizar e disponibilizar a informação. O bibliotecário passou a desempenhar atividades diferentes a partir da criação de Gutenberg. Além das bibliografias, pensadores, como Bacon e Diderot, desenvolveram trabalhos voltados para a organização das informações e do conhecimento, como a enciclopédia. Desse resumo histórico, percebermos que já é antiga a preocupação com a organização e transferência de informação. E todos os estudos desenvolvidos ao longo dos séculos contribuíram para o desenvolvimento da CI no século XX. 14 O Sputnik foi lançado em 1957 pela União Soviética. Segundo Hayes, citado por Fonseca (2005, p. 17), “esse evento sacudiu as instituições militares, industriais e científicas dos Estados Unidos”. 15 Para exemplificar esta questão podemos também citar Paul Otlet (1937) que considera o ciclo como “um movimento desenvolvido de espiral em espiral: novo pensamento, nova descrição, novo projetar”. 16 Conforme Silva (2002, p. 576) no século XIX com o desenvolvimento positivista e científico da História, a biblioteconomia, arquivologia e museologia foram consideradas ciências auxiliares.
  • 32. 31 Iniciamos o estudo do desenvolvimento da CI, citando a criação, em 1952, do VINITI (Instituto para a Informação Científica) pelo Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. O instituto colocou em prática um complexo sistema de importação e tratamento da informação de periódicos científicos do Ocidente para responder às demandas de seus pesquisadores. Seis anos depois, foi realizada a Conferência Internacional de Informação Científica de Washington, considerada como o evento fundador da CI. Nela foi explicitado o caráter político-estratégico da informação. Entretanto, muitos autores, inclusive Fonseca (2005, p. 19), consideram que foi em 1962, na conferência realizada no Georgia Institute of Technology, que nasceu formalmente a CI, entendida como a “ciência do armazenamento e recuperação da informação”. Nessa mesma década, os estudos para desenvolver tecnologia voltada para a documentação e recuperação da informação cresceram de forma exponencial. No âmbito internacional destacamos a iniciativa da UNESCO, fundada em 1945, de criar o UNISIST (Sistema Mundial de Informação Científica) que tinha como concepção principal a idéia de que o conhecimento é um bem comum de toda a humanidade e deve ser utilizado para superar os desequilíbrios internacionais. O sistema enfatizava a cooperação voluntária internacional, buscando melhorar o acesso e o uso da informação, que tinha muito mais uma função social, e não econômica ou estratégica, como preconizavam os Estados Unidos.17 As duas iniciativas vieram acompanhadas do desenvolvimento tecnológico e permitiram a criação de sistemas automatizados e o armazenamento de um número cada vez maior de informação processada. Apesar de há tempos haver a necessidade do acesso à informação, o que impulsionou o desenvolvimento da CI foi muito mais a questão da tecnologia surgida e aplicada, a partir dos anos 60, no processo de produção, armazenamento e disseminação da informação, do que alterações no campo da documentação. Pois esta, até então, havia criado condições para que seus profissionais produzissem publicações, catálogos manuais, índices, resumos, enfim, outras formas de organizar as informações, mas sempre em suporte papel. Durante muito tempo, estes instrumentos de pesquisa foram suficientes para suprir as demandas dos usuários/pesquisadores, mas a explosão da produção de informação trouxe consigo a necessidade de ferramentas mais rápidas e eficazes que contribuíram para o surgimento e o desenvolvimento da CI, literal e oficialmente, definida na Conferência da Georgia em 1962, conforme Shera e Cleveland, como 17 Segundo Pinheiro (2002, p.80) o ideal difundido pelo UNISIST, frente à realidade mundial e às dificuldades que interferem no fluxo da informação, pode ser considerado como romântico e utópico.
  • 33. 32 Ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo da informação e os meios de processar a informação para ótima acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, a disseminação, a coleta, a organização, o armazenamento, a recuperação, a interpretação e o uso da informação. O campo está relacionado com matemática, lógica, lingüística, psicologia, tecnologia da computação, pesquisa operacional, artes gráficas, comunicação, biblioteconomia, administração e muitas outras. (apud FONSECA, 2005, p. 19). Para entender melhor a CI, elencaremos outras definições desenvolvidas ao longo do tempo e que especificam ou desmistificam esta ciência, pois, como afirma Dias (2002, p.87), “qualquer área ou campo do conhecimento está em permanente definição”. Nossa intenção é entender como a CI é considerada pelos autores apresentados e, a partir da análise de suas considerações, mostrar se há a possibilidade de traçarmos as interfaces com as demais áreas do conhecimento, que também têm como objeto de análise a informação, no caso a biblioteconomia, a arquivologia e a museologia, embora não tenhamos a pretensão de desenvolver uma análise mais aprofundada sobre a definição e interpretação da CI, por não ser esse o foco central de nosso trabalho. Muitos autores consideram que a CI está mais relacionada à teoria e ao desenvolvimento do estudo sobre o tratamento, disponibilização e assimilação da informação, mas devemos considerar que ela também está vinculada às aplicações práticas, enquanto que a biblioteconomia, arquivologia e museologia não devem ser consideradas apenas como ciências aplicadas, pois desenvolvem pesquisas para a produção de novos conhecimentos em cada uma das áreas (COSTA, 1990, p. 142). Miranda (2002, p. 11) considera que a CI, devido a sua origem pragmática, está muito mais relacionada à documentação do que à informação. Conforme Deschâtelet (1990), citado por Jardim e Fonseca (2002), “a Ciência da Informação seria uma área em gestação constituída por várias ciências da informação como, por exemplo, a Arquivística, a Biblioteconomia, a Informática, o Jornalismo e a Comunicação, as quais têm como objeto de pesquisa imediato a transferência da informação”. A CI pode ser compreendida como um “guarda-chuva” sob o qual estão muitas outras ciências ou disciplinas, que têm, de uma forma ou de outra, a informação e sua transferência como objeto de estudo. A partir desse ponto de vista a museologia também pode ser incorporada a ela, bem como tantas outras ciências (contabilidade, administração, psicologia, etc.). São muitas as definições para CI. Segundo Harold Borko é uma disciplina que investiga as propriedades e comportamento da informação, as forças que regem o fluxo informacional e o sentido do processamento de informação com vista a um máximo de acessibilidade e uso. Diz, assim, respeito a um corpus de conhecimento
  • 34. 33 sobre a origem, colecção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso da informação. [...] Trata-se de uma ciência interdisciplinar derivada de e relacionada com os seguintes campos: matemática, [...] comunicações, biblioteconomia, gestão e outros campos similares. Possui, por fim, uma componente de ciência pura na medida em que explora o tema sem olhar às suas aplicações práticas e uma componente de ciência que desenvolve serviços e produtos. A biblioteconomia e o documentalismo constituíam, por isso, aspectos aplicados da ciência da informação. (apud SILVA, 2002, p. 593). Esta conceituação novamente apresenta a relação entre a CI e a documentação conceituada e desenvolvida por Paul Otlet, que também é exposta na definição de Oddone, citada por Miranda (2002, p. 21), A ciência da informação, enquanto campo do saber humano, ocupa-se tanto do fluxo da comunicação como de seus atores e dos registros que transportam a informação e o conhecimento. Não estuda a natureza propriamente física ou social da comunicação, nem investiga os estatutos políticos e antropológicos que a fundam, mas identifica sua mecânica processual e as instituições que dela participam, seus produtos, seus especialistas e usuários, as ferramentas e as técnicas de que se utiliza, procurando compreendê-los enquanto componentes do vasto organismo sistêmico que garante ao homem a satisfação de seu anseio e de sua necessidade de produzir, transformar, utilizar, comunicar, transmitir, enfim, perpetuar o conhecimento. Para Oddone a CI vai além do tratamento da informação, está inserida num processo de comunicação inerente a todas as instituições-memória, processo esse que representa papel imprescindível na assimilação, produção e perpetuação do conhecimento, tão caro e necessário a toda a humanidade. Odonne acredita que, para o processo de comunicação ser realizado, o profissional da informação deve considerar o conjunto de atividades e demais elementos relacionados à informação, buscando inseri-los num contexto maior que permita que a informação ocupe papel estratégico na produção de novos saberes. A definição de Oddone não apenas insere a CI nas várias áreas que têm a informação como objeto de estudo, mas também cita todas elas nominalmente em seu texto18 , afirmando que, a CI abrange as áreas da museologia, biblioteconomia e arquivologia, desde que estas trabalhem a informação de forma a inseri-la num contexto maior, valorizando sua a função social e sua importância na produção e disseminação de conhecimento. Não devemos manter o foco apenas nos acervos, como foi feito durante muito tempo. 18 Para evitar que a citação ficasse muito longa, apresentamos aqui o trecho do texto de Oddone, citado por Miranda (2002, p. 23): A CI “não deve restringir seu escopo epistemológico a essa ou aquela atividade profissional — biblioteconomia, arquivologia, museologia — a essa ou aquela competência técnica — bibliotecários, arquivistas, museólogos, gestores da informação [...].
  • 35. 34 Com base em mais um dos clássicos estudos sobre a CI, apresentamos a definição de Le Coadic (1996, p.26) que considera a CI como ciência social rigorosa que se apóia em uma tecnologia também rigorosa. Tem por objeto o estudo das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), ou seja, mais precisamente: a análise dos processos de construção, comunicação e uso da informação; e a concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção, comunicação, armazenamento e uso. O autor enfatiza a importância da informação em todo o seu contexto, desde a produção até a assimilação pelo usuário, e procura mostrar que o profissional da informação não deve ter como missão apenas a preservação do documento, como foi preconizado e praticado pelos bibliotecários, arquivistas e museólogos, durante longo período. Agora o foco deve ser o usuário e sua relação com a informação, afinal, as instituições existem para atender seu público. Podemos citar também o pensamento de Saracevic, apresentado em Fonseca (2005, p.27), no qual “a ciência da informação tem três principais características, que são vetores de seu desenvolvimento e evolução: é interdisciplinar; está inevitavelmente ligada à tecnologia da informação; e tem sua evolução marcada pelo desenvolvimento da chamada sociedade da informação”. O autor considera também que “as áreas com as quais a ciência da informação tem as mais significativas e desenvolvidas relações interdisciplinares são a biblioteconomia, a ciência da computação, a ciência cognitiva e a comunicação”. As transformações históricas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas que resultaram na denominada “sociedade da informação” exigem uma nova postura dos profissionais da informação, que têm como objeto de estudo e de trabalho a informação, preservada nos mais variados suportes documentais, que simboliza e comunica a memória da nação, do grupo, de uma empresa, enfim, da área à qual a instituição está vinculada. Nesse novo cenário, onde predomina o uso intenso da tecnologia, o objeto de estudo da CI é definido por Smit e Barreto (2002, p. 17) “como campo que se ocupa e se preocupa com os princípios e práticas da criação, organização e distribuição da informação, bem como com o estudo dos fluxos da informação desde sua criação até a sua utilização, e sua transmissão ao receptor em uma variedade de formas, por meio de uma variedade de canais”. Novamente fala-se da preocupação com a informação em seus vários estados e enfatiza-se a questão da variedade de canais por meio dos quais a informação poderá ser transmitida. Além dos canais de transmissão da informação que, com o avanço tecnológico, sofrem alterações, devemos considerar também que a CI, lembrando Buckland, citado por Pinheiro
  • 36. 35 (2004), não se deve prender a estudar apenas os fenômenos representados em textos, já que existem outros tipos documentais como objetos, depoimentos, imagens, etc., que igualmente representam a produção do homem e são imprescindíveis para a perpetuação da ação humana e para novas ações que resultarão na produção de novos saberes. Percebemos então que a CI é uma ciência em constante construção, que tem como objeto de estudo a informação atrelada aos seus meios de transferência ou comunicação e ao seu uso e forma de assimilação pelo usuário, receptor da mensagem. As definições de CI, muitas vezes, salientam a questão e a necessidade da interdisciplinaridade, a partir da qual serão delimitadas as fronteiras entre as disciplinas relacionadas às instituições-memória, evitando que a interdisciplinaridade, tão preconizada por muitos autores, transforme-se em indisciplinaridade, conforme Boulding, citado por Pinheiro (2002, p. 82). Concluímos, com base na argumentação dos autores19 que valorizam a interdisciplinaridade, que a CI é uma ciência que pode ou mesmo deve ser aplicada às várias disciplinas (arquivologia, biblioteconomia e museologia) relacionadas às instituições- memória, permitindo, por meio de seus procedimentos de organização e de disponibilização da informação, que as disciplinas acima citadas possam alcançar suas missões de forma mais estruturada, não dependendo das práticas e procedimentos restritos aos locais institucionalizados. Ou seja, a informação de um documento de arquivo poderá ser tratada e disponibilizada de forma muito semelhante a de um objeto de museu ou a de uma publicação numa biblioteca, pois os procedimentos terão como base os pressupostos da CI e não estarão vinculados diretamente a algumas práticas e métodos preconizados em cada uma das instituições, entretanto salientamos que algumas especificidades deverão ser mantidas, como a organicidade dos fundos arquivísticos, o que não impede que a informação retirada dos documentos que o compõem possam ser tratadas com base nos procedimentos da CI. A incorporação dos pressupostos da CI a algumas práticas da arquivologia, biblioteconomia e museologia de forma alguma tornam essas disciplinas iguais, pois cada uma delas continuará tendo suas missões específicas e se preocuparão em manter a função definida para o documento dentro do espaço institucionalizado. A apropriação dos procedimentos da CI é fundamental para o desenvolvimento, valorização e perpetuação das instituições-memória, que deverão utilizá-los para realizar 19 Nesse caso estamos enfatizando as teorias dos autores europeus que consideram a CI como decorrência da Documentação e mantêm um vínculo mais próximo com as instituições-memória, enquanto que os autores norte- americanos, valorizam muito mais a importância da tecnologia para o desenvolvimento e aplicação da CI, isso porque os estudos voltados à CI ficaram atrelados ao desenvolvimento de mecanismos tecnológicos aplicados à documentação e à recuperação da informação.
  • 37. 36 trabalhos que tenham como foco, muito mais que a preservação e a disseminação da informação, o usuário e suas necessidades. Salientamos que os profissionais da informação, a partir do momento que estabelecem as teorias, os parâmetros e os paradigmas para suas atividades e mantém domínio sobre a base conceitual da CI, tornam-se completos e não necessitam necessariamente estar atrelados aos espaços nos quais exercem suas funções e saberes (SMIT e BARRETO, 2002, p.22). Ou seja, o bibliotecário não terá, obrigatoriamente, que exercer suas funções em uma biblioteca e assim por diante. Aliás, a questão do espaço físico tem sofrido transformações, principalmente com o advento da Nova Museologia e o Ecomuseu, no que tange especificamente a museologia, mas também com o surgimento dos espaços virtuais, como as bibliotecas, museus e arquivos virtuais tão comuns hoje em dia. A atual realidade, fruto principalmente do avanço tecnológico e das facilidades de transmissão de dados e de comunicação, torna cada vez mais difícil delimitarmos o campo de atuação dos profissionais de cada uma dessas instituições, pois todos devem trabalhar de forma conjunta para desenvolver teorias e princípios gerais comuns a todas elas, com vistas à gestão da memória, ao tratamento da informação e sua disponibilização de forma rápida e eficaz para o usuário. 4.2. Informação e documento20 “A informação se qualifica como um instrumento modificador da consciência do indivíduo e de seu grupo social, pois sintoniza o homem com a memória de seu passado e com as perspectivas de seu futuro.” Aldo Barreto O estudo da CI nos remete a duas questões cruciais, também relacionadas ao centro de memória e às demais instituições-memória: a definição de documento e de informação21 . Para estudar o termo documento, tomamos como base as definições mais gerais advindas da área da história e da cultura apresentadas principalmente no texto Documento/Monumento do historiador Jacques Le Goff (2004). 20 Na verdade poderíamos considerar como três se acrescentássemos também a questão do conhecimento, mas preferimos centrar nossa análise apenas na informação e documento, por considerar que há muito ainda para se estudar sobre a gestão do conhecimento, apesar de estarmos conscientes de que as mudanças na sociedade pós- industrial alteraram bastante a produção do conhecimento e sua relação com a sociedade, e que tanto o conhecimento como a informação têm importância fundamental neste novo cenário. 21 Salientamos que trataremos especificamente da informação, não a considerando como sinônimo de conhecimento, pois como conhecimento é o produto gerado pelo receptor da informação a partir da compreensão e assimilação desta com base em seu repertório cultural e intelectual, ou seja, enquanto a informação é recebida, o conhecimento é produzido internamente, conforme Hayes, citado por Pinheiro (2004).
  • 38. 37 Ao tratarmos do termo informação, nos detivemos às definições no âmbito da CI e suas áreas integradas, como a biblioteconomia. No entanto, consideramos necessário apresentar, para introduzir a discussão, algumas definições apresentadas por McGarry (1984) e que estão relacionadas a várias áreas do conhecimento. McGarry (1984, p. 14-6) começa sua análise pela etimologia da palavra. Informação vem do latim: formatio e forma que exprimem a idéia de dar forma a alguma coisa, de formar um padrão, representar. Segundo o dicionário Concise Oxford English Dictionary, informação que dizer: “informar, dizer, coisa dita, conhecimento, (os almejados) dados de conhecimento, notícia, (acerca de)”. Podemos também considerar que informação é aquilo que recebemos do exterior e que forma a base dos julgamentos que fazemos e das decisões que tomamos durante a nossa vida. Com base nos pensamentos de alguns estudiosos, McGarry cita: • “Nobert Wiener: informação é o nome dado ao conteúdo do que é trocado com o mundo do exterior quando nos ajustamos a ele e nele fazemos sentir o nosso ajustamento. Viver de facto é viver com informação. • Jesse Shera: informação, tanto no sentido em que é usada pelo biólogo como no sentido em que nós bibliotecários a usamos, é um ‘facto’. É o estímulo que recebemos através dos nossos sentidos; mas é sempre uma unidade, é uma unidade de pensamento. • Marshall Mcluhan: o meio é a mensagem. • George Miller: informação é algo de que temos necessidade quando enfrentamos uma opção. Seja qual for o seu conteúdo a quantidade de informação requerida depende da complexidade da opção. Se enfrentamos um amplo leque de alternativas equiparáveis, se algo pode acontecer, precisamos de mais informação do que se estivermos face a uma simples escolha entre duas alternativas. • D. McKay: é o que se acrescenta a uma representação. Recebemos informação se ‘o que conhecemos’ é alterado. Informação é o que logicamente justifica alteração ou reforço de uma representação ou de um estado de coisas. As representações podem ser explícitas (como num mapa ou numa proposição) ou podem estar implícitas no estado de actividade dirigida do receptor. • N. Belkin: Informação é tudo o que for capaz de transformar a estrutura. • C. Shannon e W. Weaver: a informação tem menos a ver com o que se diz de facto do que com o que se podia dizer. Isto é, a informação mede a liberdade de escolha de cada um quando este tem de seleccionar uma mensagem. A informação aplica-se não a mensagens individuais mas à situação como um todo. • J. Becker: são factos sobre qualquer assunto.” A sucinta amostra de definições oferecidas por McGarry nos apresenta uma variedade de atributos relacionados à informação. Alguns autores a consideram como elemento fundamental num momento de decisão, além de simbolizar liberdade de escolha; ser caracterizada como matéria-prima do conhecimento e manter uma relação de total
  • 39. 38 dependência com o receptor. Estes dois últimos atributos muito interessam aos profissionais da informação. Todas as definições deixam clara a importância que a informação representa, mas é essencial salientar que a informação para ser utilizada ou assimilada deve ser relevante ou pertinente para o seu receptor, caso contrário não passará de um dado. Apresentaremos, agora, outros autores que refletiram sobre o termo, considerando os pressupostos da CI. Segundo Hayes, citado por Pinheiro (2004), informação é “[...] propriedade de dados (isto é, símbolos registrados) os quais representam (e medem) efeitos de seu processamento”. Nesse mesmo trabalho, Pinheiro esclarece que a informação de que trata a CI pode estar registrada de inúmeras formas e em diferentes suportes, e a informação pode ser de uma determinada área do conhecimento — neste caso fica atrelada ao contexto no qual é produzida e aplicada —, ou então ser analisada sob uma determinada abordagem, considerando os aspectos cognitivos, administrativos ou gerenciais. A questão da forma de abordagem está presente também na argumentação de Wersig e Nevelling, citados ainda por Pinheiro (2004), que apresentam tipos de abordagem com base na: estrutura, conhecimento; mensagem; significado; efeito ou processo nos quais está inserida a informação. Enfim, há inúmeras formas de considerar, analisar ou mesmo definir a informação. No caso específico da CI consideramos importante a afirmação de Tálamo, citado por Jardim e Fonseca (2004), "a informação é inseparável do sujeito, tanto daquele que a gera, como daquele que a transforma e a trata, como daquele que a recebe e a aplica, transformando-a ou não em outros conteúdos", pois confirma a importância representada pelo receptor/usuário que, durante muito tempo, foi praticamente esquecido pelos profissionais da informação. Novamente enfatizando a questão da importância da informação e sua intrínseca relação com a CI, citamos Le Coadic (1996, p. 27) que afirma que a informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem a informação a pesquisa seria inútil e não existiria conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente. A circulação preconizada por Le Coadic está relacionada aos estudos e à missão da CI, sabendo que a assimilação, compreensão e apropriação da informação são sempre feitas de indivíduo para indivíduo e dependerá das competências específicas de cada um. A
  • 40. 39 informação, dependendo da maneira como é assimilada, pode alterar a consciência do receptor, modificando seu estoque mental de saber e promovendo benefícios àquele que dela se apropria e ao mundo no qual está inserido (BARRETO, 2002, p. 50-53). Percebemos a relevância do papel desempenhado pela CI ao propiciar estudos que buscam melhorar cada vez mais a relação do receptor com a informação, relação esta que também é evidenciada por Setzer (1999, p. 2-6) ao definir a informação como uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém através de textos, imagens, sons ou animação [...] A informação é objetiva-subjetiva no sentido que é descrita de uma forma objetiva (texto, figuras, etc.), mas seu significado é subjetivo, dependente do usuário [...] A informação visa mudar a forma com que o receptor percebe algo [...] Setzer enfatiza a importância que a informação representa e a partir disso consideramos que a CI, ao possibilitar de forma variada, por meio das mais diferentes instituições e de seus acervos reais ou virtuais, o acesso e a fruição da informação, contribui para o desenvolvimento social, minimizando as desigualdades, fortalecendo o caráter de cidadania, já que o acesso à informação e ao conhecimento é fator preponderante para a elevação do nível de oportunidades sociais, não importa em que contexto. Por fim citamos a definição de Smit e Barreto (2002, p. 21) Informação — estruturas simbolicamente significantes, codificadas de forma socialmente decodificável e registradas (para garantir permanência no tempo e portabilidade no espaço) e que apresentam a competência de gerar conhecimento para o indivíduo e para o seu meio. Estas estruturas significantes são estocadas em função de um uso futuro, causando a institucionalização da informação. Devemos enfatizar que conseguir usar a informação confere poder às pessoas, e quanto mais conseguirmos disponibilizá-la para o maior número de pessoas, mais contribuiremos para o engrandecimento destas como cidadãos inseridos na sociedade. Essa argumentação extrapola o papel que, geralmente, é destinado para as instituições-memória. Já que, além de preservarem parte importante da memória e do conhecimento de uma sociedade, as instituições-memória devem se aproximar da população de seu entorno e fornecer ou colaborar com outras instituições para que sejam oferecidos serviços básicos que disponibilizem informações dos mais diferentes tipos, desde as utilitárias até as seletivas (BARRETO, 2000). As unidades de informação ou instituições-memória, escopo do nosso trabalho, transformam-se nas instituições responsáveis pela organização e disponibilização da informação, permitindo que seja concluído o fluxo informacional, mas para que isso ocorra a
  • 41. 40 informação precisa estar registrada em algum tipo de suporte e por meio de algum código22 , garantido sua permanência no tempo e portabilidade no espaço (SMIT e BARRETO, 2002, p.20). Conforme Smit (2005, p. 24), a informação ao ser registrada num suporte e por meio de um código torna-se uma informação codificada que, desta forma, pode ser acessada e socializada. A autora enfatiza o papel do profissional da informação que não só armazena a informação, mas também cria condições para que ela seja acessada, por meio de vários instrumentos, como as linguagens de representação ou linguagens documentárias, que permitem ao profissional representar o conteúdo do documento, os dados existentes, possibilitando que o usuário tenha acesso a eles e possa, dependendo de sua competência, apropriar-se deles e transformá-los em informação. Percebemos, então, que a informação, como afirma Smit (2005, p. 15), “não constitui um bem tangível, pressupõe sempre a noção de seleção, que seu reconhecimento é circunstancial e que é necessário distinguir claramente em quais condições a informação pode ser compartilhada socialmente em função do código empregado”. A informação, então, é registro em um suporte por meio de um código, e só será incorporada ao acervo e em seguida tratada e disponibilizada se mantiver relação com as atividades ou a filosofia adotada pela instituição que a gerou ou a preservou, podendo ser utilizada para fins diversos pelos usuários que dela se apropriam e a ela atribuem novos significados. Desse modo, a informação é descrita de forma objetiva, mas sua assimilação, apropriação e mesmo preservação estão vinculadas a fatores estritamente subjetivos, seja no nível individual ou institucional. Seu uso e os benefícios ou malefícios que poderá causar dependerá do sujeito que dela se utilizar, daí novamente seu caráter subjetivo. Para finalizar, ressaltamos a necessidade de o profissional da informação manter posicionamento crítico perante seu trabalho, tendo sempre consciência da realidade na qual está inserido, sabendo que não só pode como deve transformá-la, possibilitando acesso mais democrático à informação pelos variados tipos de usuários. Entretanto, sabemos que, frente às dificuldades e desigualdades econômicas, sociais e culturais, presentes na nossa sociedade, o trabalho do profissional da informação pode-se transformar em algo muito mais difícil do que a princípio pareça; convém estar sempre preparado para enfrentar os obstáculos e principalmente conhecer as necessidades de seu público-alvo, considerando também seu 22 Entendido como conjunto de sinais ou símbolos para representar a informação. Por exemplo, no caso de um documento da administração pública podemos ter alguns códigos: a própria língua portuguesa e também números criados com a finalidade de relacionar o documento com o departamento que o criou, etc.
  • 42. 41 público-potencial, pois, muitas vezes, desenvolvemos trabalhos preciosos e minuciosos, que acabam não tendo função social, por abarcar e responder às necessidades de um grupo extremamente seleto de indivíduos. Não temos a pretensão de transformar o profissional da informação no responsável pelas soluções dos problemas nacionais, mas acreditamos que ele deve cumprir seu papel de forma sempre consciente e crítica, com foco ampliado para a sociedade e não apenas para uma pequena comunidade. Além disso, é crucial não ser ingênuo a ponto de considerar que seu trabalho é totalmente neutro com relação ao tratamento da informação. Aliás, não existe neutralidade nas relações humanas, que dirá no tratamento da informação. Ao selecionarmos, tratarmos e disponibilizarmos uma informação estamos obedecendo a determinado ponto de vista, para atingir certos objetivos e cumprir a missão da instituição para a qual trabalhamos. Após essa pequena mas considerável digressão, retomamos a análise da informação a partir da necessidade intrínseca de seu registro em algum tipo de suporte. Passamos, então, para o estudo do termo documento que também depende do contexto e do enfoque sob o qual é analisado. Conforme Leonhardt (1989), nos sistemas de informação, a principal variável no processo de avaliação do documento é o ser humano, ou seja, o profissional da informação. “A palavra documento vem do latim, docere, que quer dizer ensinar, e de documentum, o que ensina (BELLOTO, 2002, p. 22). Assim, podemos definir documento como uma informação registrada em um suporte e que para existir depende de um código/inscrição. Conforme o Camargo e Bellotto (1996, p. 28), “documento é unidade constituída pela informação e seu suporte”. Le Goff (2004, p. 525) inicia sua análise sobre o termo documento mostrando quão fundamental foi e continua sendo o registro do conhecimento produzido pelo homem em documentos para o estudo e escrita da história. Cita os teóricos mais ortodoxos da História Positivista, Langlois e Seignobos, que exprimiram numa fórmula a base da ciência histórica, afirmando que “sem documentos não há história”23 (LE GOFF, 2004, p.106). Aliás, podemos também citar as considerações de Tessitore (2003, p.11) que salienta que os documentos são testemunhos dos caminhos trilhados pela humanidade e sua existência permite que cada indivíduo, segmento social ou instituição construa sua identidade e decida como agir perante a 23 Apesar da relevância desta declaração, os historiadores da Nova História criticavam os positivistas, não pelo fato da importância que davam ao documento, mas sim à forma como eles consideravam que o historiador deveria trabalhar com o documento — de forma totalmente submissa, o conteúdo do documento não poderia ser criticado, questionado.
  • 43. 42 sociedade na qual está inserido. Os documentos são, em última análise, os registros da memória coletiva, e aqui estamos agrupando todos os tipos de documentos que, independentemente de seu suporte físico e de seu significado, têm valor de testemunho, de prova e, muitas vezes, são essenciais na tomada de decisão. Retomando a análise histórica de Le Goff, ressaltamos que todos esses testemunhos são herança do passado e fruto de uma escolha, já que não podemos preservar tudo que é produzido, além de estarmos suscetíveis a acontecimentos que podem provocar a destruição natural de vestígios do desenvolvimento da humanidade. Para compreendermos melhor a relação dos historiadores com os documentos, é necessário voltarmos a 1681quando Jean Mabillon24 publicou De re diplomatica, obra na qual estabelece regras de diplomática, ou seja, estudo dos diplomas, e critérios para estabelecer a autenticidade de atos públicos ou privados, os quais foram apropriados pelos arquivistas para avaliar a estrutura formal e a autenticidade dos documentos ou atos escritos de origem governamental e/ou notarial (BELLOTTO, 1991, p.30) e que permite a utilização crítica dos documentos. No século XIX, com o advento dos positivistas, o documento tornou-se instrumento essencial para o trabalho do historiador e prova irrefutável. “O melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos”, segundo Coulanges, citado por Le Goff (2004, p.527), considerando texto como sinônimo de documento. Para Ranke, historiador tradicional do século XIX, que valorizava a história dos acontecimentos, apenas os registros oficiais, emanados do governo e guardados em arquivos eram considerados como documentos (BURKE, 1992, p.13). No século XX, com a Escola dos Annales, amplia-se a noção de documento. Segundo Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 530) A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. [...] Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem [...]”. 24 Considerado o verdadeiro fundador da diplomática (LE GOFF, 2004, p.120). Sua obra é vista como o marco da crítica dos documentos de arquivo.
  • 44. 43 E seguindo esse raciocínio, Marc Bloch (2001, p. 80) afirma que não existem documentos específicos para cada questão histórica. Cabe ao historiador pesquisar e encontrar documentos, não obrigatoriamente textuais, que lhe auxiliem em seus estudos. Bloch cita as pinturas, esculturas e até mesmo a disposição das tumbas como documentos ou vestígios essenciais para a escrita da história. Assim, todos os elementos da cultura de uma sociedade devem ser considerados pelo historiador, dependendo do assunto e do foco que lhe é dado. O principal é percebermos que toda essa massa documental ou patrimônio cultural constitui a memória coletiva, mas para que ela realmente seja recuperada ou reconstruída, os historiadores devem trabalhar o documento como monumento, tendo consciência de que “é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder" (LE GOFF, 2004, p. 536). Para explicar melhor a relação entre documento e monumento, retomamos a argumentação de Le Goff (2004, p.526) que salienta que devemos considerar os documentos como monumentos, sendo que estes são definidos como “tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação [...] o monumento liga-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas [...]”. Pois, ao considerarmos os documentos como monumentos, estamos relacionando os vários tipos de produção humana (cultura material, objetos de coleção, etc.) e colocando todos estes vestígios em evidência e passíveis de interpretação. A título de esclarecimento, citamos Foucault que, conforme Le Goff (2004, 103), ao questionar o documento diz que nos nossos dias (seu texto data de 1969) os historiadores transformam documentos em monumentos, permitindo um amálgama de elementos que devem ser isolados e agrupados de forma que possamos relacioná-los, formando um conjunto que nos permita decifrar os traços deixados pelo homem. Os documentos/monumentos, em seus mais variados tipos de suporte e variadas formas de registro, constituem o patrimônio cultural25 seja de uma comunidade, cidade, estado ou nação, mas só terão valor de existência se forem utilizados pela comunidade que lhes atribua valores. Conforme Arantes (1989, p. 16), as coisas preservadas são, em si mesmas, inertes. Como bens de patrimônio elas participam da vida social como suportes privilegiados de significados e re- significados sucessivos, os quais, apesar de ilimitados, estarão necessariamente incorporados nas marcas que esses bens carregam de sua própria história. 25 Conforme Lemos, citado por Bellotto (2002, p.14), o patrimônio histórico restringe-se aos chamados artefatos e é um segmento do patrimônio cultural, definido por conjunto de patrimônios de uma nação ou de um povo. O patrimônio histórico é formado por produtos acabados que servem essencialmente como testemunhos ou provas.