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A ebulição e o efeito Leidenfrost
Jearl Walker
(Jearl Walker é professor de física na Cleveland State University. É mestre em física pelo MIT e doutor em física pela University of
Maryland. De 1977 a 1990, foi o responsável pela seção The Amateur Scientist, da revista Scientific American. Seu livro The Flying
Circus of Physics with Answers foi publicado em 10 idiomas.)
Como a água ferve? Este é um acontecimento tão
comum, que você nunca deve ter notado todas as suas
curiosas características. Algumas delas são importantes
em aplicações industriais, enquanto outras parecem ser a
base para certas proezas perigosas realizadas por
intrépidos personagens nos shows circenses.
Arranje uma panela com água e aqueça-a por baixo,
usando uma chama ou um aquecedor elétrico. À medida
que a água se aquece, moléculas de ar deixam de ficar em
solução na água, aparecendo como pequenas bolhas
agarradas às imperfeições do fundo da panela. As bolhas
de ar gradativamente inflam e começam a se soltar do
fundo e a se dirigir para a superfície da água. Enquanto
essas bolhas se desprendem, outras se formam no fundo
da panela, e o processo se repete até que todo o ar
dissolvido na água seja expulso. A formação de bolhas
de ar é um sinal de que a água está esquentando, mas não
tem nada a ver com a ebulição.
A água que está diretamente exposta à atmosfera
ferve no que é, às vezes, chamado de temperatura normal
de ebulição TE. Por exemplo, TE é cerca de 100°C
quando a pressão do ar é de 1 atm. Como a água no
fundo da panela não está diretamente exposta à
atmosfera, permanece líquida mesmo quando
superaquecida acima de TE, por uns poucos graus.
Durante esse processo, a água é constantemente
misturada por convecção − a água quente sobe e a fria
desce.
Se você continuar a aumentar a temperatura da
panela, a parte inferior da água começa a evaporar, com
moléculas de água surgindo como pequenas bolhas de
vapor nas, agora secas, imperfeições do fundo da panela.
Esta fase da ebulição é caracterizada por pequenas
explosões e eventuais apitos. A água parece cantar sua
insatisfação por estar sendo aquecida. Toda vez que uma
bolha de vapor se expande para uma área superior, onde a
água é mais fria, entra instantaneamente em colapso, pois
o vapor dentro dela se condensa.
Cada colapso produz uma onda
sonora, o "ping" que você ouve.
Uma vez que a temperatura da água
aumenta como um todo, as bolhas
não entram em colapso até que se
soltem das imperfeições do fundo e
percorram parte de seu caminho até
a superfície. Esta fase da ebulição é
chamada de "bolhas de vapor
isoladas" na Fig. 1.
Se você continuar a aumentar a
temperatura da panela, o barulho das
bolhas entrando em colapso
primeiro cresce e depois desaparece.
O ruído se torna leve quando a
maioria do volume de água se torna
suficientemente quente para que as bolhas de vapor
atinjam a superfície da água. Elas agora explodem na
superfície. A água agora está em ebulição total. Se a sua
fonte de calor é um fogão de cozinha, a história termina
aqui. Entretanto, com um aquecedor de laboratório você
pode continuar a aumentar a temperatura da panela. As
bolhas de vapor agora se tornam tão abundantes e surgem
do fundo da panela tão freqüentemente que se juntam,
formando colunas de vapor que se dirigem à superfície de
forma caótica e violenta, algumas vezes chamadas de
"colunas" de vapor.
A produção de bolhas de vapor e colunas é chamada
de ebulição nucleada, porque a formação e o crescimento
das bolhas depende das imperfeições do fundo, que
servem como centros de nucleação (locais de formação).
Sempre que você aumenta a temperatura da panela, a taxa
em que o calor é transferido para a água aumenta. Se
continuar a aumentar a temperatura da panela, além do
estágio das colunas, a ebulição entrará numa nova fase
chamada de regime de transição. Então, cada aumento
na temperatura da panela reduz a taxa com que o calor é
transferido para a água. A redução não é paradoxal. No
regime de transição, a maior parte do fundo da panela
está coberta por uma camada de vapor. Como o vapor
d'água conduz calor a uma ordem de grandeza menor do
que a água líquida, a transferência de calor para a água
diminui. Quanto mais quente se torna a panela, menos
contato direto tem a água com ela e menor se torna a
transferência de calor. Tal situação pode ser perigosa em
um trocador de calor, cuja função é absorver calor de um
objeto quente. Se deixarmos a água no trocador entrar no
regime de transição, o aparelho pode superaquecer
devido à diminuição da transferência de seu calor para a
água.
Suponha que você continue a aumentar a temperatura
da panela. Eventualmente, o fundo estará totalmente
coberto de vapor. Então, o calor é lentamente conduzido
para o líquido através do vapor, por
radiação e condução gradual. Esta
fase é chamada de ebulição de
película.
Embora você não possa obter a
ebulição de película numa panela em
um fogão caseiro, ela acontece
freqüentemente em sua cozinha.
Minha avó urna vez demonstrou
como isso serve para indicar quando
o forno está bastante quente para a
massa do bolo. Depois de esquentar
o forno vazio por algum tempo, ela
salpicou algumas gotas d'água dentro
dele. As gotas evaporaram quase
que instantaneamente. Sua rápida
evaporação lhe indicou que o forno
ainda não estava suficientemente
quente. Depois de mais algum tempo, repetiu o teste com
mais algumas gotas d'água. Desta vez elas quicaram e
ficaram dançando no metal, durante pelo menos um
minuto até que evaporassem. O forno estava na
temperatura conveniente para a massa de bolo.
Para estudar sua demonstração, consegui uma placa
plana de metal para aquecer no bico de Bunsen do
laboratório. Enquanto monitorava a temperatura da placa
com um termopar, pinguei cuidadosamente uma gota de
água destilada com uma seringa sobre a placa. A gota
caiu em uma pequena depressão que eu tinha feito na
placa com um martelo. A seringa me permitia soltar
gotas de tamanho uniforme. Cada vez que uma gota era
pingada, eu cronometrava quanto tempo ela "sobrevivia"
na placa. Mais tarde, construí um gráfico a partir dos
tempos de sobrevivência das gotas versus a temperatura
da placa (veja Fig. 2). O gráfico tinha um pico curioso.
Quando a temperatura estava entre 100 e 200°C, cada
gota pingada na superfície da placa se espalhava em uma
fina camada e rapidamente se evaporava. Quando se
aproximava de 200°C, as gotas quicavam na superfície e
sobreviviam por cerca de um minuto. A temperaturas
ainda mais altas, as gotas d'água não sobreviviam tanto
tempo. Experiências semelhantes com água de torneira
geraram gráficos com um pico menos pronunciado,
provavelmente devido a partículas suspensas de
impurezas nas gotas, atravessando a camada de vapor e
conduzindo calor para dentro das gotas.
O fato de que uma gota d'água sobrevive por mais
tempo quando depositada em um metal que está a uma
temperatura muito maior do que a de ebulição da água foi
primeiramente noticiado por Hermann Boerhaave em
1732. O fato permaneceu sem maiores investigações até
1756, quando Johann Gottlieb Leidenfrost publicou "A
Tract About Some Qualities of Common Water" ("Um
Tratado Acerca de Algumas Qualidades da Água
Comum"). Como o trabalho de Leidenfrost não foi
traduzido do latim até 1965, não foi lido por muitos. No
entanto, seu nome é hoje associado ao fenômeno. Além
disso, ainda foi utilizado para denominar a temperatura
correspondente ao pico do gráfico, o ponto de
Leidenfrost.
Leidenfrost conduziu sua experiência com uma
colher de ferro que era esquentada até ficar em brasa.
Depois de pingar uma gota d'água na colher,
cronometrava sua duração através das oscilações de um
pêndulo. Notou que a gota parecia sugar a luz e o calor
da colher, deixando um ponto mais escuro que o resto da
colher. A primeira gota depositada durou 30 s, enquanto
que a última, somente 10 s. Outras gotas depois desta
duraram apenas uns poucos segundos.
Leidenfrost interpretou erroneamente sua
demonstração porque não entendeu que as gotas que
duravam mais estavam realmente em ebulição. Deixe-me
explicar em termos do meu experimento. Quando a
temperatura da placa é menor do que o ponto de
Leidenfrost, a água se espalha na placa e rapidamente
recebe calor dela, resultando na sua completa
vaporização em segundos. Quando a temperatura está
acima ou no ponto de Leidenfrost, a superfície inferior da
gota imediatamente vaporiza ao tocar a placa. A pressão
dessa camada de vapor evita que o resto da gota toque a
placa (veja Fig. 3). Assim, a camada protege e suporta a
gota por cerca de um minuto, e é constantemente
renovada, pois cada vez mais água vaporiza da superfície
inferior da gota, devido ao calor irradiado e conduzido
através da camada de vapor a partir da placa. Embora
essa camada tenha menos de 0,1 mm de espessura
próximo às extremidades e cerca de 0,2 mm em seu
centro, aumenta dramaticamente o tempo de vaporização
da gota.
Depois de ler a tradução da pesquisa de Leidenfrost,
pensei sobre uma descrição de uma curiosa façanha
realizada nos shows de circo na virada do século. Dizia-
se que o artista conseguia enfiar os dedos úmidos em
chumbo derretido. Supondo que o feito não envolvia
nenhum truque, imaginei que isso dependia do efeito
Leidenfrost. Tão logo a pele úmida do artista tocava o
metal líquido, parte da água evaporava, cobrindo os
dedos com uma camada de vapor. Se o processo fosse
breve, a carne não se aqueceria significantemente.
Eu não pude resistir à tentação de testar minhas
conclusões. Com um bico de Bunsen, derreti um pedaço
considerável de chumbo em um cadinho. Esquentei o
chumbo até a temperatura de 400°C, bem acima de sua
temperatura de fusão, 328°C. Depois de molhar o dedo
na água, me preparei para tocar a superfície do chumbo
derretido. Devo confessar que tinha um assistente
próximo com materiais de primeiros socorros. Também
devo admitir que minhas primeiras tentativas foram
infrutíferas. pois meu cérebro se recusava a aceitar essa
experiência ridícula, direcionando o meu dedo sempre
para fora do chumbo.
Quando finalmente consegui dominar meus receios e
toquei brevemente o chumbo, fiquei maravilhado. Não
senti nenhum calor. Como já esperava, parte da água em
meus dedos evaporou, formando uma camada protetora
de vapor em torno deles. Como o contato foi breve. a
radiação e a condução através do vapor foram
insuficientes para aumentar de maneira perceptível a
temperatura de minha carne. Então, me tornei corajoso.
Depois de molhar minha mão,
coloquei todos os meus dedos
no chumbo, tocando o fundo do
cadinho (veja minha foto ao
lado). O contato com o chumbo
novamente foi breve demais
para queimar meus dedos.
Aparentemente, o efeito
Leidenfrost ou, mais exatamente
a presença da camada de vapor,
protegeu meus dedos.
Continuei com minhas perguntas. Poderia tocar o
metal com o dedo seco, sem sofrer queimadura?
Deixando de lado toda a minha racionalidade, tentei isso,
percebendo imediatamente minha tolice quando a dor se
fez sentir em meus dedos.
Preciso advertir que colocar os dedos em chumbo
quente apresenta sérios perigos. Se o chumbo estiver
somente um pouco acima da temperatura de fusão, a
perda de calor, quando a água é vaporizada, pode
solidificar o metal em torno dos dedos. Se eu retirasse
meus dedos com essa luva quente e sólida de chumbo do
cadinho, ele ficaria em contato com meus dedos tempo
suficiente para queimá-los seriamente. Também há a
possibilidade de derramamento do chumbo líquido e o
perigo de se colocar água demais nos dedos. Quando a
água excedente evapora, pode fazer o chumbo espirrar na
pele e, mais seriamente, nos olhos. Feri meus braços e
meu rosto por causa dessas explosivas vaporizações.
Você jamais deve tentar repetir esta demonstração.
A ebulição de camada também pode ser vista quando
nitrogênio líquido é derramado. As gotas e bolhas
quicam no chão à medida que deslizam sobre ele. O
líquido está a cerca de −200°C. Quando toca o chão, sua
superfície inferior se vaporiza. A camada de vapor
fornece, então, suporte para o resto do líquido,
permitindo-lhe sobreviver por um tempo
surpreendentemente longo.
Ouvi falar de uma proeza em que um artista colocava
nitrogênio líquido dentro da boca, sem se queimar com o
frio extremo. O líquido imediatamente desenvolve uma
camada de vapor em sua superfície inferior e, assim, não
toca diretamente sua língua. Tolamente, repeti essa
demonstração, Por muitas vezes a façanha foi fácil e
dramática. Com uma grande bolha de nitrogênio líquido
em minha boca, eu me concentrava para não engolir
enquanto respirava. A umidade em minha respiração
gelada condensava, formando uma nuvem de vapor que
se estendia até cerca de um metro da minha boca.
Entretanto, em minha última tentativa, o líquido exerceu
uma contração térmica tão grave em dois de meus dentes
que o esmalte se rompeu em um "mapa de estradas" de
fissuras. Meu dentista me convenceu a esquecer esta
demonstração.
O efeito Leidenfrost também pode explicar outra
demonstração fora do comum: andar sobre brasas. Houve
uma época em que os jornais publicavam reportagens a
respeito de um indivíduo andando sobre brasas com
explicações místicas, muitas vezes relacionando a
proteção contra queimaduras com o domínio da "mente
sobre a matéria". Atualmente, a física protege os pés,
quando a caminhada é bem-sucedida. Particularmente
importante é o fato de que, embora a superfície das brasas
seja muito quente, elas contêm uma quantidade de
energia surpreendentemente pequena. Se o indivíduo
andar a um passo moderado, o contato é tão breve que o
pé conduz pouca energia das brasas. E claro, se andar
devagar irá se queimar, pois o contato mais prolongado
permitirá ao calor do interior das brasas ser conduzido em
grande parte para os pés.
Se o pé for molhado antes do feito, o líquido também
pode ajudar a proteger contra as queimaduras. Para
molhar os pés, o indivíduo pode, por exemplo, andar
sobre um gramado úmido poucos instantes antes de fazê-
lo sobre as brasas. O pé também pode estar suado, tanto
pelo calor das brasas como pelo nervosismo provocado
pelo evento. Uma vez que o indivíduo está sobre as
brasas, um pouco do calor é gasto para vaporizar o
líquido nos pés, deixando menos para ser absorvido pela
carne. Existe também a possibilidade de se formarem
pontos de ebulição de camada, o que dará uma proteção a
mais contra o calor.
Andei sobre brasas em cinco ocasiões. Em quatro,
estava com medo, o que foi suficiente para que meus pés
suassem. Entretanto, na quinta estava tão certo de minha
segurança que meus pés permaneceram secos. As
queimaduras que sofri foram grandes e terrivelmente
dolorosas. Passei semanas com ferimentos nos pés.
Minha falha se deveu à ausência de água em meus
pés, não produzindo o efeito Leidenfrost, mas também fui
negligente com um fator adicional de segurança. Nas
outras ocasiões, tive a precaução de segurar uma antiga
edição deste livro em meu peito enquanto andava sobre
as brasas, para provar minha crença na física. Na última
vez em que me queimei, esqueci o livro.
Eu tenho proposto, há muito tempo, que os
programas de graduação incluam o "andar sobre brasas"
como o último exame. A pessoa responsável pela
graduação poderia esperar do lado oposto de um caminho
de brasas, enquanto o candidato à graduação fosse
forçado a andar sobre as brasas. Se a crença do candidato
na física fosse forte o suficiente para que os seus pés não
se queimassem, o responsável concederia o certificado de
graduação ao candidato. Este teste seria muito mais
revelador que os tradicionais exames finais.
(Este texto é a Leitura Complementar 6 de:
HALLIDAY, RESNICK e WALKER. Fundamentos de Física,
4 ed., v. 2, p. 203/205. Rio de Janeiro: LTC, 1996.

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  • 1. A ebulição e o efeito Leidenfrost Jearl Walker (Jearl Walker é professor de física na Cleveland State University. É mestre em física pelo MIT e doutor em física pela University of Maryland. De 1977 a 1990, foi o responsável pela seção The Amateur Scientist, da revista Scientific American. Seu livro The Flying Circus of Physics with Answers foi publicado em 10 idiomas.) Como a água ferve? Este é um acontecimento tão comum, que você nunca deve ter notado todas as suas curiosas características. Algumas delas são importantes em aplicações industriais, enquanto outras parecem ser a base para certas proezas perigosas realizadas por intrépidos personagens nos shows circenses. Arranje uma panela com água e aqueça-a por baixo, usando uma chama ou um aquecedor elétrico. À medida que a água se aquece, moléculas de ar deixam de ficar em solução na água, aparecendo como pequenas bolhas agarradas às imperfeições do fundo da panela. 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Se você continuar a aumentar a temperatura da panela, a parte inferior da água começa a evaporar, com moléculas de água surgindo como pequenas bolhas de vapor nas, agora secas, imperfeições do fundo da panela. Esta fase da ebulição é caracterizada por pequenas explosões e eventuais apitos. A água parece cantar sua insatisfação por estar sendo aquecida. Toda vez que uma bolha de vapor se expande para uma área superior, onde a água é mais fria, entra instantaneamente em colapso, pois o vapor dentro dela se condensa. Cada colapso produz uma onda sonora, o "ping" que você ouve. Uma vez que a temperatura da água aumenta como um todo, as bolhas não entram em colapso até que se soltem das imperfeições do fundo e percorram parte de seu caminho até a superfície. Esta fase da ebulição é chamada de "bolhas de vapor isoladas" na Fig. 1. Se você continuar a aumentar a temperatura da panela, o barulho das bolhas entrando em colapso primeiro cresce e depois desaparece. O ruído se torna leve quando a maioria do volume de água se torna suficientemente quente para que as bolhas de vapor atinjam a superfície da água. Elas agora explodem na superfície. A água agora está em ebulição total. Se a sua fonte de calor é um fogão de cozinha, a história termina aqui. Entretanto, com um aquecedor de laboratório você pode continuar a aumentar a temperatura da panela. As bolhas de vapor agora se tornam tão abundantes e surgem do fundo da panela tão freqüentemente que se juntam, formando colunas de vapor que se dirigem à superfície de forma caótica e violenta, algumas vezes chamadas de "colunas" de vapor. A produção de bolhas de vapor e colunas é chamada de ebulição nucleada, porque a formação e o crescimento das bolhas depende das imperfeições do fundo, que servem como centros de nucleação (locais de formação). Sempre que você aumenta a temperatura da panela, a taxa em que o calor é transferido para a água aumenta. Se continuar a aumentar a temperatura da panela, além do estágio das colunas, a ebulição entrará numa nova fase chamada de regime de transição. Então, cada aumento na temperatura da panela reduz a taxa com que o calor é transferido para a água. A redução não é paradoxal. No regime de transição, a maior parte do fundo da panela está coberta por uma camada de vapor. Como o vapor d'água conduz calor a uma ordem de grandeza menor do que a água líquida, a transferência de calor para a água diminui. Quanto mais quente se torna a panela, menos contato direto tem a água com ela e menor se torna a transferência de calor. Tal situação pode ser perigosa em um trocador de calor, cuja função é absorver calor de um objeto quente. Se deixarmos a água no trocador entrar no regime de transição, o aparelho pode superaquecer devido à diminuição da transferência de seu calor para a água. Suponha que você continue a aumentar a temperatura da panela. Eventualmente, o fundo estará totalmente coberto de vapor. Então, o calor é lentamente conduzido para o líquido através do vapor, por radiação e condução gradual. Esta fase é chamada de ebulição de película. Embora você não possa obter a ebulição de película numa panela em um fogão caseiro, ela acontece freqüentemente em sua cozinha. Minha avó urna vez demonstrou como isso serve para indicar quando o forno está bastante quente para a massa do bolo. Depois de esquentar o forno vazio por algum tempo, ela salpicou algumas gotas d'água dentro dele. As gotas evaporaram quase que instantaneamente. Sua rápida evaporação lhe indicou que o forno ainda não estava suficientemente
  • 2. quente. Depois de mais algum tempo, repetiu o teste com mais algumas gotas d'água. Desta vez elas quicaram e ficaram dançando no metal, durante pelo menos um minuto até que evaporassem. O forno estava na temperatura conveniente para a massa de bolo. Para estudar sua demonstração, consegui uma placa plana de metal para aquecer no bico de Bunsen do laboratório. Enquanto monitorava a temperatura da placa com um termopar, pinguei cuidadosamente uma gota de água destilada com uma seringa sobre a placa. A gota caiu em uma pequena depressão que eu tinha feito na placa com um martelo. A seringa me permitia soltar gotas de tamanho uniforme. Cada vez que uma gota era pingada, eu cronometrava quanto tempo ela "sobrevivia" na placa. Mais tarde, construí um gráfico a partir dos tempos de sobrevivência das gotas versus a temperatura da placa (veja Fig. 2). O gráfico tinha um pico curioso. Quando a temperatura estava entre 100 e 200°C, cada gota pingada na superfície da placa se espalhava em uma fina camada e rapidamente se evaporava. Quando se aproximava de 200°C, as gotas quicavam na superfície e sobreviviam por cerca de um minuto. A temperaturas ainda mais altas, as gotas d'água não sobreviviam tanto tempo. Experiências semelhantes com água de torneira geraram gráficos com um pico menos pronunciado, provavelmente devido a partículas suspensas de impurezas nas gotas, atravessando a camada de vapor e conduzindo calor para dentro das gotas. O fato de que uma gota d'água sobrevive por mais tempo quando depositada em um metal que está a uma temperatura muito maior do que a de ebulição da água foi primeiramente noticiado por Hermann Boerhaave em 1732. O fato permaneceu sem maiores investigações até 1756, quando Johann Gottlieb Leidenfrost publicou "A Tract About Some Qualities of Common Water" ("Um Tratado Acerca de Algumas Qualidades da Água Comum"). Como o trabalho de Leidenfrost não foi traduzido do latim até 1965, não foi lido por muitos. No entanto, seu nome é hoje associado ao fenômeno. Além disso, ainda foi utilizado para denominar a temperatura correspondente ao pico do gráfico, o ponto de Leidenfrost. Leidenfrost conduziu sua experiência com uma colher de ferro que era esquentada até ficar em brasa. Depois de pingar uma gota d'água na colher, cronometrava sua duração através das oscilações de um pêndulo. Notou que a gota parecia sugar a luz e o calor da colher, deixando um ponto mais escuro que o resto da colher. A primeira gota depositada durou 30 s, enquanto que a última, somente 10 s. Outras gotas depois desta duraram apenas uns poucos segundos. Leidenfrost interpretou erroneamente sua demonstração porque não entendeu que as gotas que duravam mais estavam realmente em ebulição. Deixe-me explicar em termos do meu experimento. Quando a temperatura da placa é menor do que o ponto de Leidenfrost, a água se espalha na placa e rapidamente recebe calor dela, resultando na sua completa vaporização em segundos. Quando a temperatura está acima ou no ponto de Leidenfrost, a superfície inferior da gota imediatamente vaporiza ao tocar a placa. A pressão dessa camada de vapor evita que o resto da gota toque a placa (veja Fig. 3). Assim, a camada protege e suporta a gota por cerca de um minuto, e é constantemente renovada, pois cada vez mais água vaporiza da superfície inferior da gota, devido ao calor irradiado e conduzido através da camada de vapor a partir da placa. Embora essa camada tenha menos de 0,1 mm de espessura próximo às extremidades e cerca de 0,2 mm em seu centro, aumenta dramaticamente o tempo de vaporização da gota. Depois de ler a tradução da pesquisa de Leidenfrost, pensei sobre uma descrição de uma curiosa façanha realizada nos shows de circo na virada do século. Dizia- se que o artista conseguia enfiar os dedos úmidos em chumbo derretido. Supondo que o feito não envolvia nenhum truque, imaginei que isso dependia do efeito Leidenfrost. Tão logo a pele úmida do artista tocava o metal líquido, parte da água evaporava, cobrindo os dedos com uma camada de vapor. Se o processo fosse breve, a carne não se aqueceria significantemente. Eu não pude resistir à tentação de testar minhas conclusões. Com um bico de Bunsen, derreti um pedaço considerável de chumbo em um cadinho. Esquentei o chumbo até a temperatura de 400°C, bem acima de sua temperatura de fusão, 328°C. Depois de molhar o dedo na água, me preparei para tocar a superfície do chumbo derretido. Devo confessar que tinha um assistente próximo com materiais de primeiros socorros. Também devo admitir que minhas primeiras tentativas foram infrutíferas. pois meu cérebro se recusava a aceitar essa experiência ridícula, direcionando o meu dedo sempre para fora do chumbo. Quando finalmente consegui dominar meus receios e toquei brevemente o chumbo, fiquei maravilhado. Não senti nenhum calor. Como já esperava, parte da água em
  • 3. meus dedos evaporou, formando uma camada protetora de vapor em torno deles. Como o contato foi breve. a radiação e a condução através do vapor foram insuficientes para aumentar de maneira perceptível a temperatura de minha carne. Então, me tornei corajoso. Depois de molhar minha mão, coloquei todos os meus dedos no chumbo, tocando o fundo do cadinho (veja minha foto ao lado). O contato com o chumbo novamente foi breve demais para queimar meus dedos. Aparentemente, o efeito Leidenfrost ou, mais exatamente a presença da camada de vapor, protegeu meus dedos. Continuei com minhas perguntas. Poderia tocar o metal com o dedo seco, sem sofrer queimadura? Deixando de lado toda a minha racionalidade, tentei isso, percebendo imediatamente minha tolice quando a dor se fez sentir em meus dedos. Preciso advertir que colocar os dedos em chumbo quente apresenta sérios perigos. Se o chumbo estiver somente um pouco acima da temperatura de fusão, a perda de calor, quando a água é vaporizada, pode solidificar o metal em torno dos dedos. Se eu retirasse meus dedos com essa luva quente e sólida de chumbo do cadinho, ele ficaria em contato com meus dedos tempo suficiente para queimá-los seriamente. Também há a possibilidade de derramamento do chumbo líquido e o perigo de se colocar água demais nos dedos. Quando a água excedente evapora, pode fazer o chumbo espirrar na pele e, mais seriamente, nos olhos. Feri meus braços e meu rosto por causa dessas explosivas vaporizações. Você jamais deve tentar repetir esta demonstração. A ebulição de camada também pode ser vista quando nitrogênio líquido é derramado. As gotas e bolhas quicam no chão à medida que deslizam sobre ele. O líquido está a cerca de −200°C. Quando toca o chão, sua superfície inferior se vaporiza. A camada de vapor fornece, então, suporte para o resto do líquido, permitindo-lhe sobreviver por um tempo surpreendentemente longo. Ouvi falar de uma proeza em que um artista colocava nitrogênio líquido dentro da boca, sem se queimar com o frio extremo. O líquido imediatamente desenvolve uma camada de vapor em sua superfície inferior e, assim, não toca diretamente sua língua. Tolamente, repeti essa demonstração, Por muitas vezes a façanha foi fácil e dramática. Com uma grande bolha de nitrogênio líquido em minha boca, eu me concentrava para não engolir enquanto respirava. A umidade em minha respiração gelada condensava, formando uma nuvem de vapor que se estendia até cerca de um metro da minha boca. Entretanto, em minha última tentativa, o líquido exerceu uma contração térmica tão grave em dois de meus dentes que o esmalte se rompeu em um "mapa de estradas" de fissuras. Meu dentista me convenceu a esquecer esta demonstração. O efeito Leidenfrost também pode explicar outra demonstração fora do comum: andar sobre brasas. Houve uma época em que os jornais publicavam reportagens a respeito de um indivíduo andando sobre brasas com explicações místicas, muitas vezes relacionando a proteção contra queimaduras com o domínio da "mente sobre a matéria". Atualmente, a física protege os pés, quando a caminhada é bem-sucedida. Particularmente importante é o fato de que, embora a superfície das brasas seja muito quente, elas contêm uma quantidade de energia surpreendentemente pequena. Se o indivíduo andar a um passo moderado, o contato é tão breve que o pé conduz pouca energia das brasas. E claro, se andar devagar irá se queimar, pois o contato mais prolongado permitirá ao calor do interior das brasas ser conduzido em grande parte para os pés. Se o pé for molhado antes do feito, o líquido também pode ajudar a proteger contra as queimaduras. Para molhar os pés, o indivíduo pode, por exemplo, andar sobre um gramado úmido poucos instantes antes de fazê- lo sobre as brasas. O pé também pode estar suado, tanto pelo calor das brasas como pelo nervosismo provocado pelo evento. Uma vez que o indivíduo está sobre as brasas, um pouco do calor é gasto para vaporizar o líquido nos pés, deixando menos para ser absorvido pela carne. Existe também a possibilidade de se formarem pontos de ebulição de camada, o que dará uma proteção a mais contra o calor. Andei sobre brasas em cinco ocasiões. Em quatro, estava com medo, o que foi suficiente para que meus pés suassem. Entretanto, na quinta estava tão certo de minha segurança que meus pés permaneceram secos. As queimaduras que sofri foram grandes e terrivelmente dolorosas. Passei semanas com ferimentos nos pés. Minha falha se deveu à ausência de água em meus pés, não produzindo o efeito Leidenfrost, mas também fui negligente com um fator adicional de segurança. Nas outras ocasiões, tive a precaução de segurar uma antiga edição deste livro em meu peito enquanto andava sobre as brasas, para provar minha crença na física. Na última vez em que me queimei, esqueci o livro. Eu tenho proposto, há muito tempo, que os programas de graduação incluam o "andar sobre brasas" como o último exame. A pessoa responsável pela graduação poderia esperar do lado oposto de um caminho de brasas, enquanto o candidato à graduação fosse forçado a andar sobre as brasas. Se a crença do candidato na física fosse forte o suficiente para que os seus pés não se queimassem, o responsável concederia o certificado de graduação ao candidato. Este teste seria muito mais revelador que os tradicionais exames finais. (Este texto é a Leitura Complementar 6 de: HALLIDAY, RESNICK e WALKER. Fundamentos de Física, 4 ed., v. 2, p. 203/205. Rio de Janeiro: LTC, 1996.