Apresentação Governança Gestão Pública Atual Empreendedor 2008 311008
Artigo magalhães gestão saúde rgpd out 2011
1. Uma revista a serviço do País
ENTREVISTA | valmir campelo
Cláudio Emerenciano:
Franklin Roosevelt, o grande
estadista do século XX
g o v e r n o s o c i e d a d e
GestãoPública& Desenvolvimento
AnoXX-Nº46-Outubrode2011-R$14,80
POLÍTICAS DA UNIÃO
Plano Plurianual e
os investimentos
LEGISLATIVO
Os entraves para a aprovação
da reforma política
SOCIEDADE
Oswaldo Morais fala sobre os desafios
dos Procons na defesa do consumidor
ISSN0103-7323
9770103732009
46
As agências reguladoras
no processo de
crescimento sustentável
Novo modelo de regulação das
atividades econômicas no Brasil
2. OPINIÃO
João Bezerra Magalhães Neto
Administrador postal (PUC/RJ) e de empresas (UPIS/DF), pós-graduado em gestão da qualidade
nos serviços públicos (UNICAMP/SP).Atuou nos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo Federais
e estaduais. Preside o Conselho Técnico-Consultivo do Instituto Brasileiro de Administração Pública
O dramático paradoxo
da saúde enferma
ANAMNESE...
S
aúde é direito universal do ser humano, é sagrada.
É vida, corpo, mente e espírito, é se sentir bem
por completo; nada mais nem melhor nos afeta, se
estende à comunidade, pode chegar aos incontroláveis
espaços das redes sociais.
Quem nunca pediu, recebeu ajuda? Quem não se
emociona com penoso tratamento? Quem nunca sofreu
de dor, sentiu perda de alguém levado por incurável mal?
Quem nunca orou, derramou lágrima agradecida pela
recuperação de pessoa querida? Quem nunca ouviu falar
em proteção divina, em milagre?
Saúdeémultifacetada,maisquando
pública: é prevenção e emergência,
individual e coletiva, vai de lugarejo
de grotão (onde parteira ainda é rea-
lidade) à mais rica agenda do planeta
(que o diga Obama, a luta para mudar
a coisa lá); é abrangente (só aqui
somos quase 200 milhões, dois terços
no SUS), multidisciplinar (a tecnolo-
gia puxou as exatas), não pertence só a
gabinete oficial ou a quem veste jaleco
branco, porque não há bem estar humano, desenvolvi-
mento econômico e social sustentável sem ela. Medicina
tem charme, é comum ocupar endereço ilustre de consul-
tório, parece meio elitista, mas na prática do atendimento
crítico mistura socorrista, auxiliar, motorista, porteiro,
maqueiro; é dura na vida real, chocante não raro.
É sublime alívio ser curado após longas terapias, é
maravilhoso receber visita de quem traz esperança, remé-
dio e orientação; mesmo sob estafante rotina e condição
precária, não há missão mais nobre, nada é tão gratifi-
cante como prolongar, salvar vidas, uma que seja, vale
a pena, sempre. Mas, como explicar ser preciso sair do
pronto-socorro e ir comprar gaze na esquina para ver
atendido paciente da família? Como justificar a quem
recolhe imposto mais que ricos a falta de luva descartá-
vel em hospital público? Por que gestante tem de viajar
500 km de carro em desesperado trabalho de parto para
encontrar UTI neonatal talvez tarde demais?
Se nenhum governo é imune desde que se herdou a
saúde como política de estado (garante a Carta Magna),
se ninguém está de fora e se todo mundo paga sempre
alta conta, por que problemas se repe-
tem? Quem é responsável? Qual a
solução definitiva?
... E DIAGNOSE
Sintomas e queixas são velhas
conhecidas, efeitos todos vivenciam
(não precisa biópsia, muito menos
autópsia, cruzes!), hipóteses não fal-
tam, mas, a etiologia...
É e não é por causa de atrativos!
Famílias sonham ter alguém da área em casa, é uma
benção, algumas apostam tudo, estimulam quem é talen-
toso, encorajam a enfrentar disputados vestibulares,
investem alto para formar quem possa um dia tomar
conta de conhecido, amigo ou parente doente, priorizar
atendimento, conseguir internação, obter informação
privilegiada em prontuário, entrar em ambiente res-
trito, oxalá induzir conduta de colega. Não faz tempo,
““Nada é mais
nobre, gratificante
que prolongar,
salvar vidas, uma
que seja,vale a
pena, sempre.
”
54 Gestão Pública & Desenvolvimento - Outubro de 2011
3. a profissão era quase imaculada,
ou vinha dele ou levava ao topo da
pirâmide social, a veneração não
era exagero e alguns pedantes ainda
revelam pontinha de discrimina-
ção com os chamados leigos, outros
metidos a semideuses querem fron-
teiras preconceituosas (é bom
mesmo que elas mínguem), porque
a labuta é imprevisível, ora sequen-
cial (medicina salva, fisioterapia
cura) ora sem lógica, depende até do
poder da fé.
A aura destacada se mantém,
mas de tempos para cá, a vocação
hipocrática mais enfrenta apelos
alternativos, até virou máquina de
votos, infectada pelo vil metal, em
parte: saúde em xeque realça o
emocional, atenção em hora crítica
traz gratidão inesquecível, no inte-
rior candidato natural a prefeito é
médico, centenas deles são deputa-
dos estaduais, fazem carreira outra e engrossam bancadas
da saúde, que têm frentes parlamentares e proposições
legislativas a mais de metro. Enquanto a maioria é bem
intencionada, algumas representam interesse lobista ou
corporativo, com olho gordo em fundos da área, emen-
das orçamentárias e prestação de serviços públicos sob
regime privado ou não governamental, gerando imagens
de algema no punho em lugar de bisturi na mão, escân-
dalo com ambulância, bicicleta, medicamento, sangue,
por aí vai.
É e não é por causa de dinheiro!
O país é das maiores economias mundiais, constitu-
cionalmente tem obrigatoriedade na saúde; conforme a
medida, de mil a dois mil dólares é gasto por habitante ao
ano, vem caindo abaixo de 7% do PIB, dizem, mas ainda é
cifra tão gigantesca que há quem fale em sobra de moeda.
É polêmica infinda que faz o imposto da saúde renas-
cer da cinza como fênix: no passado, ele teve porta-voz
luminar da medicina, ex-ministro que se frustrou com o
destino indevido dado ao farto dinheiro arrecadado; uns
se posicionam radicais contra tributo a mais, a lingua-
gem oficial é enigmática, enquanto a população sangra
em pronto-socorro, cenas cruéis que entram sala adentro,
em horário concorrido da TV.
Cobertura com acesso igua-
litário que todo mundo sonha, é
compromisso humanitário custoso,
só é realidade com justo financia-
mento, pago por quem mais pode,
solidariamente. Pressão vem de
quem recebe metas a cumprir, grita
geral de governadores, marcha de
prefeitos mobilizados na Praça dos
Três Poderes, atrás de efetividade de
emenda constitucional que garanta
alocação dos valores, já que 70% da
arrecadação é centralizada. Estra-
nhamente, por causa das despesas
da saúde pública, até quem se apo-
senta desconta seguridade social
que a ela englobaria.
É e não é por causa
de mecanismos!
O sistema nacional é híbrido:
tem estruturas federais, estaduais e
municipais, públicas e privadas, autônomas e terceiriza-
das, pessoas físicas e jurídicas, conselhos por toda parte,
ouvidorias, promotorias, delegacias especializadas e o que
mais se procure. Existem intrincadas comissões triparti-
tes no SUS, eventos que consomem monte de esforço, há
inúmeros pactos, colegiados, planos, programas e dire-
trizes para tudo. Tem Portal, Disque Saúde, aplicativos
de coleta de dados contemplando dos nascidos vivos aos
mortos, siglas cobrem todo o alfabeto, enorme desafio de
interoperabilidade
Vai completar meio século do fundo nacional da
saúde, têm-se lei, decreto, portaria, norma, instrução e
regulamento de toda sorte, há caderneta, planilha, car-
tilha, manual e compêndio, não falta padrão, baliza,
restrição, estrato, piso, teto, acordo, convênio, aliança,
consórcio e termo de cooperação; existe sala de situa-
ção, sistema informatizado regrando repasse federal a
fundo estadual e municipal com prazo e senha de acesso,
as transferências são expostas, a grana flui por bancos
oficiais, até proposta para dinheiro de emenda tem sof-
tware dedicado, a palavra de ordem é parceria (incluindo
público-privada), objetivo parrudo, propósito altivo, mas
o controle não consegue impedir desvio, chega a lembrar
queijo suíço.
A visita do médico, Franz van
Miers, 1617, Kunsthistorisches
Museum, Viena, Áustria
Outubro de 2011 - Gestão Pública & Desenvolvimento 55
4. O dramático paradoxo da saúde enferma
Artigo
O dramático paradoxo da saúde enferma
opinião
É e não é por causa de gente!
Também no Brasil, felizmente cheia de ocupação
regulamentada (bem-vindo redutor da vulnerabilidade),
saúde é intensiva em mão-de-obra (quase 30 milhões
de profissionais na cadeia produtiva); nela, tecnologia
não rouba, cria mais emprego (acima de 50% público),
principalmente para
jovens. Há vaga de tra-
balho a perder de vista,
mas sem vínculo oferta-
-demanda, porque a
escolha do médico
vem do local de forma-
ção (em particular da
residência de especiali-
zação), tem distorções
históricas: Norte e Nor-
deste estão próximos
do recomendado (um
médico para mil habi-
tantes), Sudeste tem
quase três vezes mais
e Distrito Federal pro-
porção 5:1, confronto
densidade e competição que centrifuga os menos qualifi-
cados para o entorno; enfermeiros decrescem em relação
à necessidade, ora turbinada pelo Programa Saúde da
Família (PSF), que sinaliza alta empregabilidade e pre-
ocupante lacuna no mercado de trabalho (feminino,
sobretudo no sudeste), liderado em disparada pelas pre-
feituras, onde está também multidão de agentes de saúde
e de combate a endemias, que reivindica equivalências de
âmbito nacional.
País afora predomina abnegação, mas há sombra nas
cooperativas da saúde, contrato de trabalho que se finge
de exclusivista, pagamento de hora extra e de plantão fan-
tasma a quem está ausente, arrumadinho de horário entre
profissionais, um faz de conta que inviabiliza marcação
de consultas, gera fila de espera, agride quem precisa ser
atendido.
É e não é por causa de exemplos!
Há referenciais de excelência, parâmetros e requisi-
tos para tudo, indicadores às centenas, idéias robustas
como a implantação de cidades saudáveis e o Brasil tem
resultados exemplares: a taxa de mortalidade abaixo dos
cinco anos desabou para 21 em cada mil nascidos vivos,
a expectativa média de vida (70 anos para homem, 77
para mulher, arrendondados) foi levantada pela maior
renda, empalidecida pelas condições de saúde e – ape-
sar de continuarmos menos longevos que argentinos
– cresceu, muda tábuas atuariais, mexe no cofre da pre-
vidência social; mas, a probabilidade de morte de 15 a 60
anos é alta (205 homens
em cada mil pessoas,
menos da metade entre
mulheres), infeliz sinal
de criminalidade e
violência, urbana prin-
cipalmente, sobretudo
no trânsito, que tem
overdose de motos.
Há experiências bem
sucedidas: a AIDS está
no canto do ringue,
tem Brasil Sorridente,
Farmácia Popular que
distribui remédio grátis,
telemedicina igual pri-
meiro mundo, moderna
frota de ambulâncias
do SAMU, começam a se alastrar as Unidades de Pronto
Atendimento (UPA), hospitais internacionalmente
reconhecidos como os da Rede Sarah Kubsticheck nos
orgulham, Doutores da Alegria espalham risos em enfer-
marias, tem infusor portátil de sofisticado tratamento
quimioterápicojuntodafamíliaparapessoasimplesládas
brenhas, mas nos envergonha corredor apinhado de pes-
soas em macas, medicadas no chão sem higiene mínima.
Pólio e outras mazelas quase sumiram com imuniza-
ção enquanto recidivam casos de turbeculose e incríveis
pré-anunciadas temporadas de dengue (até a Presidenta
Dilma disse ter sofrido com ela); a saúde feminina deu
saltos qualitativos, a fome diminuiu radicalmente (crian-
ças abaixo do peso se aproximam de 1%) na conta dos
programas assistenciais, mas insuficientes água potável e
esgoto sanitário mantêm doenças de veiculação hídricas
no indesejável pódio.
É e não é por causa de retorno!
Políticas cidadãs não apenas promovem digni-
dade, aportam tecnologia, partilham riqueza, elevam
o consumo interno; não são custos, são investimentos,
multiplicam em cascata renda para famílias.
56 Gestão Pública & Desenvolvimento - Outubro de 2011
5. Mesmo saúde pública é atividade econômica, orça-
mento alto à frente (vai chegar perto de cem bilhões de
reais), motivo de sobra para não decretar nem morte
nem falência do sistema, porque dá retorno ao gasto
social: nela cada real investido gera 70% a mais para o
PIB (menor apenas que educação e programas assisten-
ciais) e - se incluir medicina privada, de grupo ou planos
de saúde – dá lucro, é negócio de dar inveja aos mais ren-
táveis, faz trocar no pescoço estetoscópio por gravata,
banca de faculdade ou laboratório de pesquisa dá lugar a
cadeira executiva.
Portanto, Dona Saúde nada tem de coitadinha, está
vivinha da silva, não foi a óbito, nem
está moribunda; é politraumatizada
ou sofre de enfermidade crônica, sim,
mas pode salvar-se, precisa atendi-
mento qualificado, pois é vítima do
que se sabe o que é, chama-se má
gestão.
TERAPÊUTICA...
É bula, mas não tem chave heu-
rística, nem entrópico segredo, o
remédio da saúde é fácil, extrema-
mente fácil, gestão é o nome dele.
Gestão na saúde é ter domínio e
autoridade estratégica, planejar e,
sobretudo, liderar instituições e pes-
soas, de olho na prestação de serviços,
nas unidades de atendimento, na atenção primária,
onde diagnóstico precoce e intervenção urgente é ques-
tão mais de vida que de morte. literalmente. É bom
senso, motivação, sensibilidade, espírito cristão; capa-
citação, avaliação e divulgação de resultados são fatores
críticos de sucesso.
É interativa, pode compor coquetel holístico: toda
solução deve ser analisada, das sofisticadas às simples;
em lugar de opções prontas, são preferíveis as modeladas
de forma participativa, que criam envolvimento, compro-
misso, pertença, cumplicidade. Evitem-se as que exijam
previamente estruturas de tecnologia da informação e da
comunicação. Métodos devem ter uso direto ou serem
customizados para aplicação em cada âmbito, nas con-
dições atuais e futuras; boas práticas, modelos de decisão
devem ser compreensíveis e utilizáveis por gestores de
todo nível, principalmente local. Mas, gestão na saúde
não é panaceia, varinha de condão, passe de mágica, jogo
de búzios, pajelança nem sessão de terreiro; prevê efei-
tos benéficos, mas há margem de erro. E – por Nossa
Senhora dos Remédios - se algo vier aquém do espe-
rado, não se prescreva punição equivocada (como no
bloqueio de repasses de convênios), que asfixia ao invés
de oxigenar, sentencia de morte o sistema, o necessitado,
o cidadão. Aliás, o pressuposto é que doente nunca tem
culpa e paciente é sempre cliente, está em primeiro lugar,
principalmente o mais carente. Extensível à família, claro.
Gestão na saúde não se mistura com política par-
tidária, ideologia e campanha eleitoral, ganância,
mercantilismo, visão míope, imediatismo, incompe-
tência e falta de vergonha na cara.
Dispensa gogó, blá-blá-blá com jeitão
de discurso, a sociedade está intoxi-
cada de conversa fiada. Pode, sim,
provocar atitudes inescrupulosas de
espertalhões, descompromissados,
aventureiros, oportunistas, parasitas,
corruptos. Há de se estar bem prepa-
rado para enfrentar ataques virulentos
de responsáveis por roubalheiras, car-
téis, oligopólios.
...E PROGNOSE
Saúde é responsabilidade de todos
e de cada um, do ministro da pasta
e da presidenta (gestores do con-
domínio), que merecem crédito de
confiança para articular governo, academia, iniciativa
privada, organizações da sociedade, mídia e opinião
pública na definição de prioridades. Não é exorbitante
isso esperar, porque estratégias brasileiras são aplaudidas
no mundo, algumas viram referência, são exportadas.
Mas, sem falsa expectativa de perfeição (já dizia Vovó
Sinhá, o que não tem remédio, remediado está) ou ufa-
nismo inconsequente contaminado por excessiva retórica
oficial nem por eventual bravata de dirigente candidato a
qualquer coisa; ao contrário, com otimismo e esperança,
pé no chão, focado na melhoria da qualidade de vida do
país.
E sem apostar no pior, porque desejar como castigo
tratamento do SUS até para ex-presidente é tanta imbeci-
lidade que nem Deus perdoaria; aliás, o gestor Dele aqui
entre nós, o Sumo Pontífice, enviou carinhosa palavra
desejando saúde: que ela sirva de bálsamo a quem esteja
aos cuidados do sistema público, amém! n
““Gestão na
saúde pressupõe que
doente nunca tem
culpa, paciente é
sempre cliente, está
em primeiro lugar,
principalmente
o mais carente,
inclusa a família,
claro!
”
Outubro de 2011 - Gestão Pública Desenvolvimento 57