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MAPA DE
RISCOS
PARA
JORNALISTAS
BRASIL - COLOMBIA - MEXICO
Sociedade Interamericana de Imprensa
MAPA DE RISCOS
PARA
JORNALISTAS
BRASIL - COLOMBIA - MEXICO
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 3
CREDITOS
Editor jornalistico:
Producao:
Assistente editorial:
Traducao :
Ilustracoes:
Impresso por:
Ricardo Trotti
Clarinha Glock, Brasil
Diana CalderOn, Colombia
Idalia G6mez, Mexico
Mauricio Montaldo
Horatio Ruiz
Melba Jimenez
Lucia Ledo
Ramon Fontanais (Capa)
Haik Khatchirian (Mapa do Brasil)
Andres Carrasco (Mapa da Colombia)
Humberto Dijard (Mapa do Mexico)
Colonial Press International, Inc
3690 NW 50 Street
Miami, Florida 33142
Diretor do projeto:
Autores/Investigadores:
Sociedade Interamericana de Imprensa. Todos os direitos reservados.
4 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Em agradecimento a
John S. and James L.
Knight Foundation
por seu apoio sempre generoso
a realizacdo e a continuacao do projeto.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • HAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 5
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP)
Presidente Honorario
Scott C. Schurz, Herald-Times, Bloomington, Indiana
Presidente
Diana Daniels, The Washington Post Company, Washington D.C.
1° Vice-presidente
Rafael Molina, El Nacional, Santo Domingo, Reptiblica Dominicana
Vice-presidente
Earl Maucker, Sun-Sentinel, Fort Lauderdale, FlOrida
Tesoureiro
William E. Casey, Dow Jones & Co., Nova York, Nova York
Secretario
Juan Luis Correa, La Prensa, Cidade do Panama, Panama
Diretor Executivo
Julio E. Munoz, SIP, Miami, FlOrida
COMISS -AO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E INFORMAcA0
Presidente Honor6rio
Danilo Arbilla, Btisqueda, Montevideo, Uruguai
Presidente
Gonzalo Marroquin, Prensa Libre, Cidade da Guatemala, Guatemala
Vice-presidentes
Andre Jungblut, Gaeta do Sul, Santa Cruz do Sul, Brasil
Andres Mata Osorio, El Universal, Caracas, Venezuela
Aldo Zuccolillo, Diario ABC Color, Assuncao, Paraguai
Luis Alberto Ferre, El Nuevo Dia, San Juan, Porto Rico
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DF RTSCOS PARA JORNALISTAS 7
SIP (coNTINuAcAo)
COMISSAO DE IMPUNIDADE:
Presidente Honorario
Rail! Kraiselburd, El I) la, La Plata, Argentina
Presidente
Enrique Santos Calderon, El Tempo, Bogota, Colombia
Vice-presidentes
Juan Fernando Healy, El hnparcial, Hermosillo, Sonora, Mexico
Roberto Rock, El Universal, Cidade do Mexico, Mexico
Membros
Fabricio Altamirano, El Diario de Hov, San Salvador, El Salvador
Alejandro Dominguez, Diario La NaciOn, Assuncao, Paraguai
Miguel Henrique Otero, El Nacional, Caracas, Venezuela
Louis M. "Skip" Perez, The Ledger, Lakeland, Florida
Carlos Schaerer, El Mercurio, Santiago, Chile
Clemente Vivanco Salvador, Diario La Horn, Quito, Equador
John Yearwood, The Miami Herald, Miami, Florida
Enrique Zileri, Revista Caretas, Lima, Peru
8 MAPA OS RtSCOS PARA JORNAL1S'cAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
INDICE
Prefacios. 11
i)Diana Daniels 13
ii)Gonzalo Marroquin 15
iii)Enrique Santos 17
iv) Julio Munoz 19
Prolog° 21
Mexico 29
Mapa e Introducao 30
i)Guerra conhecida, Baja California e arredores 35
ii)Poder politico e narcotrcifico: soma de esforcos 65
iii)Regido Sudeste: regido de medo 79
Colombia 99
Mapa e Introduccio 100
i) Regido Norte 109
ii)Regido Andina e Regido Central 117
iii)Regiao Pacifica 127
iv) Regiao da Orinoquia 133
v) Regic5o da AmazOnia 737
Brasil 143
Mapa e Introducer- o 144
i) Regiao Norte 157
ii)Regido Nordeste 165
iii)Regiao Centro-Oeste 171
iv) Regiao Sul 175
v) Regido Sudeste 179
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JOIZNALMAS 9
INDICE (CONTINUAc 'AO)
Como se proteger em missoes perigosas
Guia Pratico para Jornalistas 193
Documentos essenciais contra a impunidade
promovidos pela SIP 197
i)ConclusOes da Conferencia Hemisferica sobre
Crimes sem Punicao contra Jornalistas 199
ii) Resolucao oficial adotada pela UNESCO 207
iii) Resoluca- 0 adotada pela
Organizacao dos Estados Americanos (OEA) 211
iv) Declaracao de Hermosillo 215
v)Declaracdo de Pucallpa 219
vi) Conclusoes de Nuevo Laredo 223
10 [MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Prefcicios
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 11
Nosso objetivo
A
o
publicacao deste Mapa de riscos para ,jornalistas tern doffs
bjetivos fundamentais. 0 primeiro 6 documentar a violencia
ontra jornalistas, analisar quem sao os responsaveis por ela
e sua influencia no trabalho diario dos jornalistas. 0 segundo é alertar e
educar os jornalistas locais e correspondences estrangeiros sobre os perigos
da cobertura noticiosa para que adotem medidas preventivas para eliminar
ou pelo menos diminuir esses riscos. Nenhum .jornalista deve arriscar sua
vida para conseguir uma notIcia.
Este 6 o quarto livro que publicamos na SIP dentro do Projeto contra a
impunidade „gaps ao apoio da 1--,'unclacdo James L. e John S. Knight. Os
projetos anteriores ahordavam procedimentos investigativos ineficazes ou
falta de investigacCies de centenas de assassinatos de jornalistas cujos cases
nao foram solucionados, o que nos levou a defender mudancas juridicas
e legais atraves de organs intergovernamentais e governos para combater
essa impunidade.
Nos tiltimos anos, a violencia contra os jornalistas na America Latina nao
diminuiu, mas houve mudancas em termos dos responsaveis e dos locais
onde a violencia ocorre. Em 1984, a SIP publicou um folheto chamado
"Surviving Dangerous Assignments" ("Como sobreviver a coherturas
perigosas") para responder a violencia resultante dos conflitos politicos em
varios paises da America Central e dos incipientes processos democraticos
na America do Sul. Atualmente, apos esse periodo de instabilidade, as
maiores fortes de violencia sao o crime organizado e a corrupcao em
varios niveis dos governos.
As estatisticas mais recentes de assassinatos de jornalistas revelam que
ha certas "terras de ninguem", lugares praticamente sem lei, onde nao ha
administracao da justica e onde o trabalho dos jornalistas é extremamente
restrito. Esse 6 o caso da fronteira norte do Mexico corn os Estados
Unidos, a fronteira do Brasil corn o Paraguai e os territdrios dominados
pela guerrilha e pelos paramilitares na Colombia.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 13
Noss() objetivo é fazer urn diagnostic() e sugerir medidas preventivas,
mas tambern fazer um apelo a comunidade internacional para a criacao
e implementacao de instrumentos que permitam combater a impunidade
e a violencia contra os jornalistas. Alem da protecdo para urn jornalista
ou para uma pessoa comum para que possam exercer sua liberdade de
expressao, defendemos e promovemos o direito do 'Abbe° de receber
informacOes sem restriciies. u
Diana Daniels
Presidente (2005 — 2006)
Vice-presidente, conselheira-geral e secretaria da
The Washington Post Company
Washington, D.C.
14 MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Tolerancia zero
A
o
existencia da Sociedade Interamericana de Imprensa. e de
utras organizacOes semelhantes demonstra que a defesa
a liberdade de imprensa e da liberdade de expressao é urn
processo continuo, necessario, e que exige urn grande esforco.
Existem muitas ameacas, provenientes de varios lugares. Nenhum
pais respeita plenamente a liberdade de imprensa e em nenhum existe
uma tolerancia ilimitada corn os meios de comunicacao e Os jornalistas.
PressOes politicas, sancoes economicas, artificios legais, represdlias
juridicas. e ameacas de prisao sao apenas algumas formas de tentar
manipular as informacoes ou impedir sua divulgacao.
Mas tudo isso é toleravel.
0 que nao e tolerdvel e que se tente eliminar o mensageiro para impedir
a divulgacao das inforrnacCies. Para isso, a SIP pede tolerancia zero.
A violencia contra jornalistas 6 a maior agressao a liberdade de
imprensa, nao so pela agressao concreta, mas porque o agressor sabe
que sua actio pode se ampliar e afetar outros jornalistas e meios de
comunicacao. Este Mapa de riscos para jornalistas pretende apresentar,
atraves de entrevistas corn reporteres, editores e diretores de meios, a
principal conseqiiencia da violencia: a autocensura.
Este problema exige um esforco maior por parte das autoridades do
governo e da justica para que descubram Os responsaveis. Acabar corn
a impunidade e castigar os culpados é justamente romper esse circulo
vicioso que al imenta a violencia.
SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MA PA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 15
Mas a morte do jornalista nfio acontece apenas como represafia por
suas opiniaes, criticas ou dentincias. As vezes os reporteres — e seas
editores — sao negligentes, nao tomam os cuidados nem as medidas de
seguranca necessarias para fazer urn trabalho corn menos riscos, mas
ainda de boa qualidade.
Este Mapa de riscos para jornalistas mostra as falhas externas e
internas da profissao. E justifica plenamente os esforcos e a fideranca da
SIP em termos de defesa da profissdo defendendo os direitos e garantias
dos jornalistas, seu treinamento e a educacao do ptiblieo.
Gonzalo Marroquin
Presidente
Comissiio de Liberdade de Imprensa e Informacao
Diretor do
Prensa Libre
Cidade da Guatemala, Guatemala
16 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Ate onde vamos
A
p
publicacdo deste Mapa de riscos para jornalistas é mais urn
asso significativo do nosso Projeto contra a impunidade e
comeco de uma nova etapa que exigird de nos mais esforco
e eficiencia.
Em 1995, iniciamos o projeto Crimes sem punicAo contra jornalistas,
investigando seis assassinatos. Era a primeira vez que se fazia urn
estudo profundo sabre as causas e conseqnencias da impunidade, e essa
tarefa parecia uma aventura herctilea e talvez utopica. Mas desde entdo,
e apOs 60 casos investigados, aprendemos, evolunnos e aperfeicoamos
nossa luta contra o absurd() fen6meno dos assassinatos sem punicdo
de jornalistas no hemisferio. Fortalecemos nosso trabalho atraves de
Orados tais como a Comissdo Interamericana de Direitos Humanos, o
que nos permitiu atuar junto aos estados americanos.
Corn o nosso trabalho, conseguimos reabrir em alguns paises
investigagOes de casos que estavam quase prescrevendo, c conseguimos
tambem que fossem criadas promotorias especiais para tratar dos crimes
contra jornalistas. Foram criadas promotorias para reforms juridicas
que aumentassem a pena dos agressores, que trouxessem mudancas
de jurisdicao de alguns casos e para que os familiares das vitimas
obtivessem recompensas morais e economicas. Ajudamos Orgdos
intergovernamentais tais como a UNESCO e a OEA a criar instrumentos
contra a impunidade e fortalecemos os Tacos entre jornalistas e editores
mexicanos e peruanos, que se comprometeram a trabalhar juntos para
combater a impunidade.
Nos riltimos anos, corn o generoso e incondicional apoio da Funclactio
John S. e .fames L. Knight, assumimos outra importante tarefa: as
investigacOes e o treinamento de jornalistas. Fizemos uma carnpanha
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RESCOS PARA JORNALISTAS 17
pUblica de alucacao que convida os cidadaos a protestarem junto a
governos de diversos paises. Porque, como falou Rigoberta Menclui,
premio Nobel da Paz, em uma de nossas reuniOes, "a luta contra a
impunidade é responsabilidade de todos".
Ate onde vamos?
Nao podemos abandonar nenhuma frente de luta. Investigagoes
junto aos poderes judiciais, noes perante orgaos intergovernamentais
e governamentais, treinamento para jomalistas, campanhas macicas de
educacao e pressao constante junto aos poderes judiciais. Aprendemos
que para isso precisamos envoi ver legisladores, j ufzes, desembargadores,
advogados, promotores e procuradores. Porque hoje nao temos dtivida
de que o melhor antidoto disponivel para combater a impunidade e uma
administracao de justica eficaz. u
Enrique Santos Calderon
Presidente
Comissao Contra a Impunidade
Diretor do
El Tiempo
Bogota, Colombia
18 MAPA DE RISCOS PARA ,JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Nosso apoio
U
m fator decisivo para o sucesso do Programa de Liberdade
de Imprensa c, em particular, seu Projeto contra a
impunidade, é o apoio generoso e ilimitado que a SW recebe
ininterruptamente desde 1992 da Fandacdo John S. e James L. Knight.
Esta Fundacao foi sempre composta por grandes visionarios e
jornalistas que abracaram a luta pela liberdade de imprensa e contra a
impunidade, desde Lee Hills e depois dole Os presidentes da Fundacao,
Creed C. Black, Hodding Carter III. Nessa nova etapa contamos
especialmente corn Alberto Ibargiien, que nos ofereceu sua lideranca
e visa() acompanhando a SIP em sua luta pela defesa e promoca-O da
liberdade de imprensa e de expressao no hemisferio ocidental. Devemos
mencionar tambem o compromisso de diretores do Programa de
Jornalismo, tais como Del Brinkman e Eric Newton.
0 micleo desse projeto é ser uma complementacdo dos princfpios da
SIP, que sao a base dos servicos que a Sociedade oferece. Esse apoio
se materializou, desde o final de 1992 ate fevereiro de 2006, corn
uma contribuicao de US$ 4.941.155. Akin do extraordinario apoio da
Fundacao Knight, devemos destacar que nenhum programa da nossa
organizac5o e muito menos os de Liberdade de Imprensa e o Projeto
contra impunidade teriam tido a relevancia de que gozam hoje se tido
fosse pelo apoio e compromisso de cada urn dos membros da SIP. Deve-
se destacar tambern que a iniciativa comecou na SIP e expandiu-se para
praticarnente todas as organizacOes de imprensa do mundo.
A contribuiclio dos membros da organizacdo, medi ante a representacao
da SIP em foruns, confer'encias e missOes de delegacOes internacionais
varias vezes ao ano, chega a urn total aproximado de US$3.000.000.
A esse valor devemos acrescentar US$3.42.5.314 anuais com os quais
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 19
nos Ultimos tres anos mais de 330 publicacOes da SIP contribufram no
espaco gratuito utilizado todos os meses para a campanha publicitaria
"Vamos acabar corn a impunidade".
Todos csses esforcos generosos reunidos permitem concretizar as
cstrategias de trabalho tracadas e necessdrias para manter viva a miss5o
da SIP. 0
Julio E. Mulioz
Diretor executivo
20 MAYA DE RISCOS PAPA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Prólogo
SO CIEDADE INTER A MERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 21
A violencia
silenciosa
A
profissdo de jornalista nas Americas 6 uma profissdo de alto risco.
Em todas as atividades da SIP, os reporteres pedem que eu
informe o mimero de colegas assassinados, para corn isso validar
e destacar a seriedade da frase anterior.
Pergunto-me se informar que 290 jornalistas foram assassinados nas
Americas nos altimos 17 anos, especificando em que pais ocorreram mais
assassinatos e o dado mais adequado para demonstrar a alga periculosidade da
profissdo. 0 ndmero parece mentiroso e parece ser so a ponta de urn iceberg
porque mostra apenas a violencia palpavel, tangivel. Mas ha outro tipo de
violencia, igualmente perversa e mais rasteira.
Essa e uma violencia sutil e criativa, feita de ameacas, mascarada em uma
chamada anonima, urn envio de uma coroa de times para defuntos a uma sala
de redacdo, a inclusdo do nome do repOrter numa "lista negra" dos que serdo
julgados on que sdo considerados como "alvo militar".
As vezes, as formas tido sdo tao sutis, mas arrogantes e diretas, concretizadas
atraves de um empurrao em plena rua ou em uma simples advertencia corn o
dedo em riste, e provocador: "Se voce denunciar on publicar alguma coisa...
sabemos que escola seus filhos freqUentam".
E urn tipo de violencia silenciosa e ainda mais eficaz que o assassinato
dos jornalistas. E dificil quantificar esse tipo de violencia porque e pouco
denunciado ou porque as organizacoes ndo conseguem monitory-la. Alguns
jornalistas nao a levant a serio porque estdo acostumados a conviver corn
ela, outros nab a denunciam porque acabam sendo vitimas, e alguns rid.°
encontram o apoio necessario. Calam sobre as ameacas que recebem e, o que
é pior ainda, calam suas votes.
E impossivel impedir que se afastem. Muitos ameacados de morte e corn
22 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
medo mudam-se para outros paises, e outros, frustrados e corn seus sonhos
destrufdos, procuram profissOes mais seguras.
Essa violencia é urn tipo de Berme que corr6i as bases de urn meio e da sua
redacdo, enfraquece a auto-estima profissional e provoca reacoes viscerais
nas quais o mais importante e o mecanismo de autoprotecdo, o qual cria
outro tipo de violencia, mais profunda, social, e que afeta diretamente o fluxo
informativo: a autocensura.
Essa autocensura foi admitida por varios meios e jornalistas na cidade de
Nuevo Laredo, Mexico, durante urn semindrio organizado pela SIP no final de
janeiro de 2006 para analisar estrategias para enfrentar a violencia resultante
do narcotrafico. Na fronteira norte do Mexico corn os Estados Unidos, onde
o crime organizado penetrou e se apoderou de vat-las atividades, inclusive das
instituicOes do Estado e do prOprio jornalismo, todos se sentem indefesos e
desamparados. 0 inedo é sentido em letras rnaidsculas e sobreviver significa
nao investigar, nao denunciar, nem mesmo publican
O que fazer? Como enfrentar o narcotrdfico? Mas como? Para que? "Vejam o
que aconteceu corn o El Espectador na Colombia", justificou-se um panelista,
e todos se lembraram de como o nareotrafico terminou destruindo urn dos
melhores jornais do mundo que enfrentou Pablo Escobar e seus comparsas.
Foi uma luta desigual, na qual a forca da escrita enfrentou armas e bombas. 0
resultado foi catastrofico para o jornal. Seu diretor, varios jornalistas, gerentes
e distribuidores foram assassinados, o predio do jornal foi completamente
destruldo e sua vida foi se apagando.
Outros meios tiverarn a mesma trajetoria do El Espectador. Depois de varios
atentados corn dinamites, centenas de antenas de radio e televisao derruhadas e
mais de cem jornalistas assassinados, centenas de exilados e milhares de pessoas
ameacadas, muitos meios e jornalistas colombianos optaram pelo silencio.
Jesus Blancornelas, diretor do semandrio Zeta de Tijuana, que sofreu urn
atentado em 1999 no qual seus principais editores foram assassinados — Hector
Felix Miranda e Francisco Ortiz Franco — disse que nas primeiras semanas
de 2006 seis jornais mexicanos decidiram nao publicar mais nada sobre o
narcotrdfico. "Nat posso dizer quais foram os jornais, muito menus revelar os
nomes dos editores. Eu os comprometeria mais e talvez ate de forma fatal."
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS EARA JORNALISTAS 23
Os jornalistas ndo se autocensuram so quando precisam difundir informacOes,
mas tambem quando precisam denunciar as ameacas de que sao vitimas. Esse
foi o ponto mais interessante que surgiu durante a realizavao deste livro.
Em grande parte das quare 400 entrevistas corn jornalistas, os entrevistados
preferiram licar no anonimato por causa do medo de represalias.
EM BUSCA DE RESPOSTAS
A SIP resolveu criar urn Mapa de riscos para jornalistas que abordasse
os obstacuros mais comuns enfrentados pelos jornalistas nas regiOes mais
perigosas para exercer o jornalismo na America Latina, buscando respostas
para o problema de como a violencia afeta o exercicio do jornalistno.
Entre outros objetivos, a intencao é que este trabalho permita que a SIP e
os jornalistas criem estrategias de trabalho para lidar corn a violencia, corn a
impunidade, e que esse mapeamento sirva tambem para exercer pressab sobre
os paises para que sejam criadas politicas que garantarn a liberdade de imprensa
e o exercicio do jornalismo.
Foi por isso que desde o final de 2004 e durante 2005 a SIP encarregou Os
integrantes da sua Unidade de Resposta Rapida (URR) de fazer esse trabalho.
Eles visitaram varios locals, alguns muito distantes, em que o exercicio do
jornalismo representa urn alto risco e onde os que exercem a. violencia se nutrem
da impunidade: regiOes do Brasil, Colombia e Mexico.
Nesse period°, os jornalistas integrantes da URR, Maria Idalia Gomez,
radicada no Mexico; Diana Calderon, da Colombia; Clarinha Clock, do
Brasil, e Jorge Elias, da Argentina, realizaram 400 entrevistas corn jornalistas,
fotografos, editores, diretores de meios, e autoridades dos tres poderes do Estado.
Para isso, visitaram 73 cidades ern 48 estados, provincias ou departamentos nos
tres paises mencionados. Outra parte importante dessa obra foi o trabalho de
Jorge Elias, que se concentrou em outras areas que apresentam dificuldades
para o exercicio do jornalismo. Esse trabalho sera incluiclo apenas na versa()
eletronica do Mapa de riscos para ,jornalistas.
Alem do trabalho para este livro, a URR teve como principal responsabilidade
desde sua cria0o, em 2000, real izar investigagoes de crimes contra jornalistas
para identificar se foram cometidos por mod vos profissionais e investigar os
24 MAPA DE RTSCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
casos de assassinatos que continuam seen puttied°. Ate o momento, a URR
investigou 57 casos.
Clarinha Glork visitou 32 cidades: Porto Alegre, Foz do Iguaytt, Londrina,
Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, Presidente Prudente, Rio de Janeiro, Niteroi,
Sao Goncalo, Vitoria, Belo Horizonte, Brasilia, Cuiaba, Campo Grande, Ponta
Pord, Salvador, Itabuna, EumipoI is, Santana do Ipanema, Macei6, Fortaleza,
Limoeiro do Norte, Recife, Timbadba, Teresina, Sao Luis, Timon, Belem,
Maraba, Rio Branco, Porto Velho, Manaus. Essas cidades estao localizadas em
19 estados: Rio Grande do Sul, Parana, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Espirito
Santo, Minas Gerais, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Alagoas, Bahia, Ceara, Pernambuco, Piaui, Maranhao, Para, Acre, Rondonia
e Amazonas.
Maria Idalia Gomez viajou a 15 cidades em seis estados: Tuxtla Gutierrez,
San Cristobal de las Casas. Tapachula, Acapulco, Chilpancingo, Atoyac de
Alvarez, Tijuana, Mexicali, Mazatlan, Culiacan, Los Mochis, Hermosillo, San
Luis Rio Colorado, Chihuahua e Ciudad Juarez, localizadas nos estados de
Chiapas, Guerrero, Baja California, Sinaloa, Sonora e Chihuahua.
Diana Calderon visitou 13 cidades em 12 departamentos on provIncias. As
cidades visitadas foram: Valledupar, San Vicente del Caguan e Florencia, Cali
Armenia Barranquilla, Neiva Santa Marta Cartagena, Ibague, Bucaramanga,
Tunja e Cticuta, localizadas nos departamentos de Cesar, Caqueta, Valle del
Cauca, Quindlo, Atlantic°, Huila, Magdalena, Bolivar, Tolima, Santander,
Boyaca e Norte de Santander.
,Jorge Elias visitou 13 cidades em cinco pafses da America do Sul: La Paz, El
Alto, Catavi, e Santa Cruz de la Sierra, na Bolivia; Trelew e Mar del Plata, na
Argentina; Assuncao, Capibary, Ybu Yad e Pedro Juan Caballero, no Paraguai;
Santiago do Chile e Montevideo c Baltasar Brum no Uruguai. Durante suas
viagens, os jornalistas da URR enfrentaram alguns perigos aos quaffs seus
colegas estao submetidos.
Maria Idalia Gomez comentou que em sua viagem a Acapulco, no estado de
Guerrero — ponto de encontro para grupos politicos, econilmicos, sociais e ate
do crime organizado — percebeu que estava sendo vigiada. "Dois reporteres me
disseram que eu trazia 'cola', termo usado pela vigilancia; urn deles, a pedido
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 25
meu, perguntou mais e descobrimos que cram militares do setor da inteligencia.
Eu estava sendo vigiada porque acreditavam que eu era estrangeira e estava
investigando temas de direitos humanos. Entrei em contato corn algumas fontes
das Forcas Armadas para verificar o equivoco e para lidar corn o medo que
eu sentia. Admitiram o erro e se desculparam, mas disseram que continuariam
me vigiando para me 'proteger'. Tive medo porque em Gerrero ha caciques,
guerrilha e narcotrafico; mas tambem terrlveis violacCies aos direitos humanos,
cometidas principalmente pelo Exercito, por isso era essencial esclarecer
situacdo antes que urn mal-entendido resultasse em algo grave."
Diana Calderon comentou que alern das ameacas, seus entrevistados
falaram sobre os riscos que enfrentam quando trabalham em areas rurais,
algo que ela mesma pode confirmar. "Senti tambem nos departamentos de
Caqueta e Magdalena uma sensaciio de medo constante devido a presenca
de paramilitares e guerrilheiros nessas areas e, principalmente, porque se
sabe que pessoas comuns, taxistas, lojistas, e ate alguns entrevistados sao
informantes diretos dos grupos marginal s."
Jorge Elias tambem teve amostras dos perigos. No norte do Paraguai, enquanto
investigava os assassinatos dos jornalistas Benito Ramon Jara e Salvador
Medina Velasquez, soube que nao era conveniente passar a noite naquele local.
"Quando voltei a Assuncao, por uma estrada esburacada, tive como escolta uma
caminhonete na qual homens mal encarados e corn bigodes espessos nao se
afastaram do carro em que eu estava ate que chegasse ao meu destino."
"Por mais de uma vez fingi ser um Parente distante ou medico de algumas
das vitimas da violencia contra jornalistas para poder entrar em prisOes ou
poder obter custOdias policiais. Em outras, a tarefa tornou-se perigosa pelo
simples fato de eu ser um estrangeiro em vilarejos distantes nos quais a minha
presenca despertava suspeitas", acrescentou Jorge Elias.
Dentro desse clima de incertezas, este trabalho revelou um alto Indice de
indiferenca entre varios jornalistas sobre a violencia que Os afeta e demonstrou
que muitos nem sequer conseguem identificar os fatores de risco aos quais
estao submetidos. Alguns, inclusive, nao consideram o narcotrafico entre
esses fatores, ja" que ha anon optaram por nab informar sobre esses fatos,
conseguindo assim urn pouco de tranquilidade. Outros reconheceram alguns
riscos, como, por exemplo, constantes intimacOes judiciais ou pressOes
26 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
governamentais, depois que foram interrogados pelos entrevistadores e
refletiram urn pouco mais sobre o terra.
A criacalo deste Mapa de risco para jornalistas foi tambem uma
oportunidade para jornalistas que pela primeira vez puderam falar sobre os
seus problemas, as ameacas e os riscos aos quais se expOem.
"Muitos reporteres, depois de conversas demoradas, terminavam me dizendo
que tinham varias coisas para contar e que ninguern os tinha escutado antes.
Suas experiencias perigosas, seus medos cotidianos e ate suas condicOes de
trabalho, tanto para enfrentar o risco quanto para seu desenvolvimento pessoal,
cram os temas que mais queriam abordar", observou Maria Idalia Gomez.
OBRIGACAO DE TODOS
Este Mapa de riscos para jornalistas serve como urn diagn6stico. Revela
o cfrculo vicioso e dinamico em que proliferam a violencia, a impunidade e
a autocensura. Todos os setores envolvidos sao forcados a buscar e apontar
solucOes para a seguranya dos jornalistas e para a defesa da liberdade de
imprensa e de expressao. Esse e um problema de todos nos.
O Estado, e seus governos, e quern deve velar pelas garantias constitucionais
e garantir que a lei e a administracao da justica imponham a ordem necessaria.
0 crime organizado e a corrupcdo sao fonte e estimulantes da violencia e da
intolerancia contra a imprensa e Os jornalistas. Sem lei nem justica nao
estrategia valida para combater a impunidade.
Os meios nao podem se contentar em usar a autocensura como sua principal
medida para lidar corn a violencia. Tema frente o desafio e a responsabilidade
de analisar e apresentar estrategias jornallsticas que lhes permitam informar
corn criatividade e coragem, assim como fornecer seguranca e treinamento
necessarios para seus funcionarios.
Os jornalistas tampouco podem ser agentes passivos no processo. Alem do
seu compromisso corn os seus meios, tern a obrigacao de elaborar seus proprios
pianos de treinamento e de protecao pessoal para distinguir e classificar os
perigos corn mais facilidade durante seu exercfcio profissional.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 27
E obrigacito das instituicoes que se dedicam a liberdade de imprensa manter
sua vigilancia e Iideranca para garantir o livre e seguro exercfcio do jornalismo,
assim como motivar uma consciencia social sobre a profissao como valor
essencial da liberdade de expressao, da vida democratica e do bem comum.
ANEXOS DESTE LIVRO
Na luta contra a impunidade, as cidades de Guatemala, Hermosillo,
Margarita, Nuevo Laredo, Paris, Pucallpa e Tegucigalpa tern algo em comum.
Nelas, a SIP promoveu e ajudou a criar documentos que oferecem urn enfoque
melhor para lutar contra a violencia que cerca a imprensa e os jornalistas.
Estes documentos estao inclufdos no final deste livro e defendem medidas
que deveriam ser adotadas em varias posicOes e perspectivas: desde
governor, orgaos intergovernamentais e organizacOes nae governamentais,
ate associacoes de imprensa, sindicatos de jornalistas, meios de comunicacao
e faculdades de comunicacao. 0 primeiro deles foi criado em 1997, dentro da
SIP, depois da sua Conferencia Hemisferica sobre Crimes sem Pun icao contra
Jornalistas realizada na Guatemala.
No final desse mesmo ano, a UNESCO adotou na sua sede em Paris a
resolucao 120 e, em 1998, a preocupacao corn a impunidade refletiu-se em uma
resoluyao da Organizacao dos Estados Americanos durante sua assembleia
geral na ilha de Margarita, na Venezuela. Esses documentos foram essenciais
para que a OEA decidisse criar uma relatoria especial sobre liberdade de
expressao dentro da Comissao Interamericana de Direitos Humanos, pedido
que a SIP corroborou desde o documento da Guatemala.
Mais recentemente, em 2005, a solidariedade e unido dos editores e
diretores de meios do Mexico e do Peru foram expressas nas declaracoes
de Hermosillo e Pucallpa, que apresentam pianos de acao imediata para
combater a impunidade. Em janeiro e fevereiro de 2006, as conclusifies dos
seminarios e conferencias em Nuevo Laredo e Tegucigalpa solicitaram,
tambem, medidas para a protecao dos jornalistas e a reduyao dos riscos nas
coberturas noticiosas. u
Ricardo Trotti
Diretor de Liberdade de Imprensa e do Institute de Imprensa
28 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Mexico
Por Maria Idalia Gomez*
* Maria Mafia Gomez Silva é jornalista freelancer no Mexico
especializada em temas de seguranca nacional, justica c direitos humanos.
Colabora corn o jornal El Universal, diversas revistas e corn a XEW-
RADIO, tanto no seu pais quanto no exterior. Trabalhou na Agencia
Detras de la Noticia, no Milenio Diario e Milenio ,S'emcmal, nos jornais
El Independente, El Economista, Reforma, El Norte e El Universal.
Formou-se em comunicacao e jornalismo pela Universidade Autonoma
do Mexico. Suas materias foram publicadas em livros da Comissao de
Direitos Humanos da Cidade do Mexico. Em 1998, recebeu o premio
por "Excelencia" do jornal El Universal. E co-autora do livro Con la
muerte en el bolsillo, seis desaforadas historian del nareotrdfico en
Mexico, publicado em 2005 no Mexico e na Argentina pela Editorial
Planeta. 0 livro ganhou o Primeiro Prernio Planeta de jornalismo 2005.
E investigadora da Unidade de Resposta Rapida da SIP no Mexico desde
agosto de 2004.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 29
BAJA CALIFORNIA SON ORA, CHIHUAHUA
EX
arcotrafico
UERREit0
, •
Pressoes ou",ameacas
dos politicos ou
governos
Policiais involvidos
em ameaçasou.
assasSinatos de
Jornalistas
ensura
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TAMAULIPAS
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organiza
EL SALVADOR
Introduce/do
SOCIEDADE INTERAMEIDEANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 33
p
aira hoje sobre o Mexico uma grave ameaca ao exercicio livre do jornalismo.
0 crime organizado transformou-se, em diferentes regiCies do pais, em
censor e guardiao desse officio, sempre defendendo seus interesses.
Em alguns lugares, a evidencia é palpavel, em outros mais di-ail de identificar
porque sua presenca 6 disfarcada. A grande maioria dos reporteres optaram pela
autocensura, nao fazem mais investigacOes e nem sequer materias sobre as mafias e
seus tentaculos. Nas cidades ou regiOes onde os jornalistas enfrentam o desatio, os
resultados sao ameacas, press-6es, perseguicOes e, na pior das hipOteses, a morte.
No norte do pais, principalmente nas cidades proximas as fronteiras e no sul do
territorio, sao comuns as ameacas, as "abordagens" (levantes) e os assassinatos de
jornalistas mexicanos. A situacao so nao e mais grave devido a autocensura que
existe nessas regioes
"Nao queremos ser herois e tampouco vitimas", conta Gregorio Medina, diretor
do jornal El Debate de Mazaticin, mas isso esta acontecendo porque as autoridades
nao estao fazendo seu trabalho.
Nao é facil conviver corn o medo c corn a morte diariamente, como ocorre em
Chiapas, Guerrero, Tamaulipas, Sinaloa ou em Baja California, por exemplo.
Denunciar a coi-rupcao e os traficantes nao traz nenhum saldo positivo, muito polo
contrario. As pessoas dizem "que nab valeu a pena", afirma Jesus Blancornelas,
cuja cabeca foi posta a premio.
Este perigo que espreita permanentemente Os jornalistas das fronteiras do pais
nao encontra eco no centro do territorio. Sao poucas as vozes que se solidarizarn e
divulgam o que ocorre, por desconfianca ou desconhecimento.
A SIP percorreu alguns dos Estados da Repiiblica Mexicana em que as estatisticas
mostram maiores riscos para jornalistas, corn enfase nos que ficam nas fronteiras
norte e sul do pais, onde os conflitos sao mais acentuados. Chiapas, Guerrero,
Baja California, Oaxaca, Sinaloa, Tamaulipas, Chihuahua sao algumas dessas
localidades.
0 Mapa de Riscos do Mexico é urn mosaico de historias que revelam a intolerancia,
a impunidade, o poder politico, o medo e a resignacao diante dos perigos que
enfrentam os jornalistas no Mexico. Sao historias contadas pelos que vivem na pele
esses perigos. 0 mapa mostra tambem que nao se conhecem a fundo, no Mexico,
as ameacas que existent nessa profissao e que influem direta ou indiretamente no
trabalho cotidiano. A vulnerabilidade talvez seja maior porque essas ameacas nao
sao discutidas.
A situa.cao atual do Mexico, no que diz respeito ao exercicio livre do jornalismo,
aos riscos que poderiam poi- em perigo a vida dos jornalistas, pode ser classificada
da seguinte forma:
Zonas de risco muito alto: Tamaulipas; Baja California e Sinaloa - Zonas de alto
risco: Sonora, Chihuahua e Guerrero - Zonas de risco: Veracruz, Mexico, Nuevo
Leon, Coahuila, Chiapas, Michoacan e Oaxaca - Zonas perigosas ou dificeis:
Distrito Federal, Jalisco, Morelos, Campeche e Yucatan.
No resto do pais, parece que o nivel de risco é normal. u
34 MAPA DF, RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA
I
Guerra conhecida, Baja
California e arredores
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 35
E
ra uma tarde tranquila de mare() de 2000. A festa de aniversario de uma
jornalista do La C'ronica, na Baja California, garantia uma noitada divertida
na pequena e quente cidade de Mexicali. Para Marco Vinicio Blanco e
seu colega fotografo, era uma sorte nao ter que cobrir algum furo informativo,
porque ha dois anos cram responsaveis por temas de seguranca pnblica, e isso se
traduzia em joma.das de trabalho que podiam se estender ate a madrugada. Para urn
estranho, poderia parecer urn paradoxo numa cidade tao jovem (fundada. em 1903),
corn cerca de 764 mil habitantes e 13.000 km2 de territorio ter tantos problemas de
seguranya.
Mas assim era., em Mexicali era possivel ocorrer uma execucao em plena rua
ao entardecer, urn confronto armado entre gangues ou contra policiais, roubos nas
rims ou a compra e venda de drogas em alguns dos 500 locais disfarcados onde se
podia encontrar cocaina, maconha e, cada vez mais, drogas sinteticas.
Por isso, como reporteres, sempre tinham que estar perto do telefone e do radio
que transmite constantemente a frequencia da policia. Mas nesse dia de marco
fit& parecia calmo. Algumas horas se passaram, e as bebidas e os refrigerantes
estavam quase terminando, o que ameacava acabar corn a festa. Marco Vinicio e
seu companheiro de guerra se ofereccram para comprar o necessario. Encontraram
um bar a alguns quarteirOes e entraram para fazer o pedido.
Ap6s alguns minutos, dims caminhonetes estacionaram na frente do local. Urn
homem seri° e hem vestido desceu do carro apressado, escoltado por outros corn
ar malicioso. Caminhou diretamentc para Os jornalistas e se apresentou como um
tal de Barraza.
- Soube que voce recebeu uma informacao equivocada — provocou o
desconheci do .
0 homem e sua declaracao pegaram Blanco de surpresa, c ele respondeu apenas
corn uma expressao interrogativa.
- Sim, — confirmou Barraza - parece que o agente interpretou mal a intencao da
mensagem e ehegou ao extrcmo de ameaca-lo... "El Licenciado" quer conversar
coin voce para esciarecer as coisas, porque nao era assim o assunto, era como
amigos.
0 assombro dos jornalistas aumentou e, pouco a pouco, o medo tambem.
Lembraram-se de que o homem se referia ao encontro que haviam tido algumas
semanas antes no hotel Luccrna corn urn policial que Blanco conhecia, mas que,
naquela ocasiao, fazia o papel de mensageiro.
- "El Licenciado" me chamou e me disse que, como eu o conhecia, achava que
era o melhor caminho para the mandar uma mensagem, que tern
E
duas partes: a
boa e a ma. A ma é que voce deve retirar a informacao on morre. alguma coisa
pessoal? A boa é: quanto voce quer?
0 episodio havia ocorrido no final de fevereiro. 0 jornalista havia investigado
e publicado varias materias exclusivas sobre o confronto entre dois grupos de
narcotraficantes em "La Ahumadita", urn povoado a 10 quilometros de Mexicali,
onde agentes da policia estadual haviam bloqueado a passagem e escoltado Israel
36 MAPA DE RISCOS PAPA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Coronado, urn dos feridos, ate uma clinica, onde o deixaram corn dinheiro e foram
embora. Horas mais tarde, sua. familia o pegou e o levou a San Diego. Esse jovem
era sobrinho de urn ex-comandante da policia e trabalhava para Gilberto Higuera
Guerrero, suposto integrante do cartel de Tijuana, embora ainda fosse urn quase
desconhecido, pois nao se sabia do papel tao importante que desempenhava dentro
da organizacdo dos irmaos Arellano Felix. E Blanco, sem saber, estava descobrindo
isso tudo.
Depois de reccber as informacOes do agente, Marco Vinicio pediu que lhe dense
urn dia para falar sobre o assunto no jornal, porque a publicaeao da informacao nao
dependia dele, e a ameaca se estendia aos diretores e tambem ao rep6rter Carlos
Lima.
Na redacdo do La Cronica, os diretores, o chefe de in fOrmacOes, Marco Vinicio e
Carlos discutiram muito sobre o que fazer e concluiram que "nenhuma informac5o
merece por em risco a vida". Nada mais foi publicado sobre esse caso.
Blanco acreditava que o assunto tivesse sido encerrado e que nao teria mais
problemas. Mas ali estava, diante de urn desconhecido escoltado por alguns mal-
encarados, e que the dizia que "El Licenciado" queria converser corn ele.
Tentando nab mostrar a agitacao que lhe fazia palpitar o coracao e querendo se
safar da melhor forma possivel, tentou ser amavel e mostrar tranquilidade:
- Sim, corn grazer converso corn eles, mas amanha.
- Nao, agora. Espero voce em uma hora em frente ao bar Oxxo, que fica na
avenida Quintana Roo - concluiu Barraza, sem esperar resposta.
Os hornens se foram. Os reporteres do La Cronica, como num reflexo, verificaram
seus relogios. Sentiram entao que so lhes restava uma hora de vida. Pensaram
em telefonar a dois de seus amigos e dizer-lhes que, se ern uma hora nao se
comunicassem corn eles, ligassein para o jornal, para todas as entidades possiveis
e fizessem muito escandalo. "E a Unica coisa que podemos dizer", disseram aos
amigos que contataram.
Foram ate o local indicado por Barraza. Esperaram 10 minutos ate que apareccram
duas caminhonetes, as quais se somaram duas motocicletas. Fizeram sinal para que
se integrassem ao grupo. 0 carro do reporter ficou no meio das caminhonetes,
tendo ao lado as motocicletas. Urn cortejo digno de uma celebridade. Cruzaram o
centro da cidade e chegaram ao estacionamento de uma sinuca.
O lugar tinha pouca luz. Os carros parararn; dava para ver seus respectivos
motoristas apoiados sobre o volante. Barraza saltou do carro.
- Voce vai ficar aqui - disse, apontando para o fotografo. - E voce, - referindo-
se a Blanco — vai entrar nesse carro (que parecia Grand Marquis ou o Crown
Victoria), ao lado do motorista.
"Estou perdido", pensou Marco Vinicio, supondo que o levariam para mate-lo.
Ainda assirn seguiu as indicaedes e entrou no carro, cujo interior estava pouco
iluminado. Percebeu que ali dentro estava um homem que devia ser o chefe.
- Sou Gilberto Higuera - ele se apresentou, corn voz grave.
- Marco Vinicio Blanco, senhor Higuera - respondeu.
SOCIEDADE INTERAMERICA NA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 37
- Este idiota foi ameaca-lo - adiantou-se Higuera - mas nao, nao se trata disso.
Era so para fazer onda corn voce, saber se tinha algo pessoal contra mini, se estava
sendo pago para me pegar.
-Nao, e so trabalho - respondeu Blanco, imediatamente — So fazemos publicar
as intOrmacOes que recebernos.
- 0 que acontece e que, em muitas ocasiOes - relatou Higuera — Os inimigos
nos rnetem em encrencas e nos nao tcmos nada a ver corn elas. Nesse assunto (de
"La Ahumadita") eu dei urn jeito no garoto, me encarreguci que o levassem sem
nenhum problema, mas nao tive nada a ver corn esse tiroteio, nem nada disso...
Marco Vinicio escutava corn atencao. Pelo modo como Higuera falava corn ele,
concluiu que nao o matariam, pelo menos nao naquele dia. Seu medo comeeou a
diminuir.
- Eu sou dos bons, nos trabalham.os corn a autoridade — garantiu Higuera. E
con tin LOU.
- Sequestraram recenternente urn cambista. Quem voce acha que o resgatou?
NOs, os plebens, e o entregamos a policia e eles ficaram corn os louros. Somos
ajudantes, Cu nao me meto aqui, nab passo dos limites, nao mato, nem nada disso,
mas nada mais, para que deixem que en faca o rneu trabalho...
Passaram-se 45 minutos. Despediram-se amigavelmente e, antes de sair do carro,
Higuera the den urn nnmero de urn celular:
- Quando fiver algo que me envolva, tale comigo, eu the digo se e verdade ou
nao; se for, digo, e se nao, digo mais ou menos quern foi.
- Leve este carro de uma vez - concluiu Higuera.
-Nao. Nao posso chegar corn este automOvel - respondeu, sobressaltado, Marco
Vinicio.
-Entao, tome — insistiu, tirando dinheiro de sua carteira.
- Olha, se quer me ajudar de algum maneira, é so me passar informacOes.
- Esta bem.
Os jornalistas foram embora e, a alguns quarteirOes de distiincia, pararam,
respiraram fundo e telefonaram para os amigos para avisa-los que nao fizessem
nada, que "estavam bcin".
Higuera Guerrero cumpriu sua palavra. Sernanas depois, enviou a redaeao do La
Cronica urn documento sobre o assassinato de Alfredo de la Torre, entao diretor
da policia municipal, informacao que incluia ate fotografias e que so as autoridades
tinham. Urn telefonema em seguida explicou por que havia enviado o pacote:
- Estamos quites, nao? — o reporter escutou, do outro lado da linha. Era "El
Licenciado".
Marco Vinicio nao voltou a se comunicar corn Higuera. Quatro anos depois, em
agosto de 2004, confirmou que era ele o encarregado da praya de Mexicali, o homem
que havia terminado corn os inimigos c concorrentes da regiao. A Secretaria de
Defesa Nacional informou sobre sua prisao e a.presentou sua fotografia. 0 repOrter
comprovou entao que aquele era o homem corn quem havia conversado.
38 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
SINAIS DE MUDANCA
Em Mexicali, corno em toda a fronteira norte do Mexico, o medo muda a forma de
fazer reportagens, impoe urn limite e define qual é o caminho que se quer seguir. 0
caminho escolhido foi„ em sua maioria, o da autocensura.
Existe urn fio que une Os estados mexicanos em que o jornalismo e sinOnimo de
risco, e esse fio d o crime organizado. Entretanto, esse monstro espreita, controla
ou ataca de forma diferente, dependendo do lugar, corn suas matizes e limites; corn
setts proprios codigos e riscos; diante de distintos contextos e realidades que Ihes
fazem Unicos, pois existem lugares em clue se conjuga o "caciquismo" (regime de
"caciques"), em que se enfatiza mais a corrupcao, Os grupos organizados sac) mais
virulentos ou a estrutura social e apatica e ate tolerante.
De qualquer modo, o risco que enfrenta urn jornalista e mais grave sea capacidade
de aplicar a lei é pouca ou nula por parte dos que tern a responsabilidade de faze-lo:
os govemos municipais, estaduais e federal.
Ate agora, nenhum homicidio, atentado ou ameaca sofridos por jornalistas no
territorio mexicano foram investigados a tondo nem todos os envolvidos foram
sentenciados. 0 resultado contra os meios de comunicacao e suas equines de
trabalho vem sendo silencioso, progressivo e contundente: ameacas, atentados e
assassinatos.
OASIS E TEMPESTADE
Viver na Baja California é viver nos extremos, compartilhando a fronteira corn
o pais mais poderoso. Transitarn nessa linha cerca de 180 mil pessoas por dia.
Viver ali e viver corn urn milhao de pessoas que estao de passagem depois de
tentar chegar aos Estados Unidos. Ha centenas de cruzes pregadas na vegetacao da
fronteira, revelando o alto nnmero de mortos entre os que tentaram trabalhar como
"mojados" (mexicanos que atravessam a fronteira). La estao tambem ao alcance da
mac) a majestade do deserto, as dunas e os bosques.
Estee urn dos estados mais jovens do Mexico, criado nos anos 50 por decreto
presidential e corn menos de tres milhOes de habitantes. Tern cinco muni.cipios:
Mexicali, Tijuana, Tecate, Ensenada e Praias de Rosarito. Os tres primeiros se
unem corn a fronteira dos Estados Unidos ao longo de 250 quilometros.
0 local é uma mistura de perdas e ganhos. 0 lado positivo e ser uma passagem
comercial obrigatOria; tern 900 fabricas que permitem que mais de 200 mil pessoas
sobrevivam; exporta grande parte da producao interna; registra um dos indices
mais baixos de desemprego do pais. No lado negativo, a lista e major: 12% da
populacao 6 dependente de alguma droga; o territorio e utilizado para o transporte
de estimulantes, os niveis de violencia e inseguranya continuant crescendo, e
registra-se o mais alto nnmero de delitos denunciados no pais: quase 115 mil.
Baja California é uma terra de passagem, de busca de oportunidades e de
SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALBTAS 39
violencia social. E urn oasis e uma tcmpestade.
Foi por uma decada territorio liberado para os irmaosArellano Felix, considerados
os chefes do cartel de Tijuana, e que eram capazes de vender uma tonelada de
cocaina na California, Estados Unidos. Corromperam autoridades c mantiveram
a regiao sob a tirania do terror, da pistola e da metralhadora. Apesar da morte de
Ramon e da prisao do seu irmao Benjamin, a situacao esta piorando.
TRABALHAR EM MEXICALI
Mexicali é uma cidade pequena, de ruas largas e de pouco transit°, de cor chocolate
por sua terra escura. Chegar la é entrar no vale mais profundo, abaixo do nivel do
mar, em urn oasis depois do desert() que se deve cruzar para chegar ali.
Ha 10 anos era um local tranqiiilo, em comparacao, sobretudo, corn uma cidade
como Tijuana, que luta corn a violencia c a corrupyao. Os relatorios da Procuradoria-
Geral da Repitblica (PGR) afirmam que é uma regiao onde os narcotraficantes
decidiram que suas familias viveriam; mas em meados dos anos 90 comecaram
mudar-se para Ensenada. Entao Mexicali perdeu o bencficio dessa protecao, e seu
impel como lugar de passagem para a droga intensificou-se.
A cidade, que pode ser percorrida em 20 minutos, foi se transformando e
decompondo. Em 2003, ocorreram cerca de 50 execucOes atribuidas ao narcotrafico;
no ano seguinte, foram mais de 70, c ate junho de 2005 ja se contavam 30.
O narcotrafico e seni dirvida o principal risco que enfrentam os jornalistas de
Mexicali. A corrupcao e a impunidade aumentam o perigo.
Marco Vinicio Blanco, agora jomalista do El Mexicana, sabe disso, e desde que
foi ameacado mudou sua visao do jomalismo.
- Sempre flea algo — reflete - Nunca you me esquecer desse sentimento de estar
tao perto da morte. Ainda saio do escritorio e Faso percursos di ferentes todos os dias,
sempre olhando para tras e pensando que poderia haver alguem me esperando.
Blanco tern estatura media, olhos pequenos e um pouco rasgados, é simples e
risonho. Corn 10 anos de cxperiencia profissional, reconhece que sua experiencia
fez refletir, amadurecer e aprender muito. Agora prefere cobrir assuntos da cidade e
somente da apoio a colegas coin os temas de seguranca pUblica.
- Aprendi a pensar duas vezes antes de resolver como abordar a materia a ser
publicada e a perceber sinais que possam per em perigo a vida. Aprendi a tratar os
ternas corn mais seriedade, a buscar sustentacao na inforrnacao. Tambem aprendi
que devia ter muita comunicacao corn Os colegas para saber o que esta acontecendo
no estado ou na cidade e, quando for necessario, encarar os riscos.juntos - explica
Blanco.
la se passaram cinco anos desde que eie e Carlos Lima foram arneacados e outros
riscos se acumularam. 0 mais grave, concordam, é que se romperam os codigos
antes respeitados pelos narcotraficantes. Agora pode acontecer de tudo, mesmo que
um jornalista sign as regras que antes todos acatavam: nao publicar assuntos pessoais
ou familiares dos narcotraficantes, escrever a verdade e nao atacar urn sO grupo.
40 MAPA llE RISCOS PARA JORNAL1STAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Antes nao se vivia corn medo em Mexicali, e era mais facil enfrentar as ameacas
recebidas. Lima conta que em marco de 2000, por exemplo, cinco policiais federais
perseguiam urn bornem que, por acidente, havia Ihes dado urna fechada. Au sentir-
se perseguido, o homern, por seguranca, se dirigiu as instalacOes da policia, mas os
policiais federais chegaram tambem, fizeram-no sair do carro e lhe apontaram uma
arena. Cerca de 30 agentes correram para ver o que estava acontecendo e cercaram
os federais. Apontaram as armas uns para os outros, e estavam prestos a se enfrentar
quando chegaram seus superiores e acalmaram a situacao.
Essa cena foi registrada pelo reporter do La Cronica, ate que os policiais federais
se deram conta de que estavam sendo fotografados.
-Por fazer a foto e a reportagem, por cumprir corn o nosso trabalho, comecaram a
dizer: "Votes vao pagar, nos vamos mata-los'. Essa ameaca foi feita a Alberto de la
011a e a mien. 0 jornal publicou o ocorrido, a PGR abriu uma investigacdo previa e
prestamos depoimento. Nunca aconteceu nada.
- Agora as ameacas, por mais simples que parecam, sao encaradas coin mais
cuidado, considerando que este tipo de crime se tomou mais selvagem — observa
Lima. — E as autoridades nao investigam. Uma ameaca inibe o trabalho cotidiano.
Lima é editor da secao Mexicali do La Cranial. E urn homem de poucas palavras
e de sorriso facil. Ha 16 anos exerce o jornalismo, foi ameacado varias vezes e foi
testemunha da deterioracdo da cidade, do seu estado e da transfortnacao da sua
profissao.
- Em Mexicali — garante Lima — ninguem mais se assusta coin nada. Ha 10 anos
uma execucao aparecia ern uma noticia de oito colunas. Em 2004, houve mais de
70 assassinatos. Destes, pelo menos a metade estava vinculada ao narcotrafico.
Antes, as execticoes eram fora da cidade, no vale de Mexicali, aparecia um corpo
cm uma estrada ou canal. Agora, em uma semana houve oito execucOes e, em alguns
casos, deixaram os cadaveres a alguns quarteirOes do quartel de policia ou de outros
escritorios pnblicos. E ha confrontos ao meio-dia.
-0 mais grave — acrescenta — e que as autoridades justificam as execticoes dizendo
que acontecem entre os Marcos". Ndo investigam por cumplicidade, medo ou
incapacidade.
Segundo Lima, os cidaddos consideram como fato comum que nos arredores da
cidade aterrissem aviOes carregados de droga, que existam pequenas lojas para venda
de cocaina e maconha, e os "picaderos" onde os compradores se injetam heroina ou
fumam crack. A policia sabe de tudo isso c ride) pode erradicar esse mal. As pessoas
preferem se calm-.
E verdade que em Mexicali, como em Tijuana, 6 dificil confiar na policia e, em
geral, nas autoridades. Ha muitos casos de servidores pUblicos acusados penalmente
por sua ligacao corn o crime organizado e outros que foram assassinados por nao
cumprirem seus pactos.
- 0 narcotrafico 6 urn risco recorrente para o jornalismo porque esta crescendo de
maneira ineontrolavel e infiltrou-se na policia — enfatiza Lima.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAYA DE RISCOS PARA JORNALIS'I'AS 41
MENSAGEM EM CHAMAS
Urn pequeno estalido precedeu a imensa chama que engoliu grande pane do
interior do automovel que, a 1h40 da madrugada, estava estacionado em frente
casa do reporter Hector
Alguns policiais que patrulhavam a area e urn motorists de taxi que procurava
passageiros passavam em frente ao carro quando viram o logo. Desceram para
apagar as chamas e acordar o dono da casa, que nada havia escutado.
Era marco de 2004 e, meses antes, Galvan havia recebido ameayas por seu trabalho
de fotografo e jornalista para urn jornal de Mexicali, mas desconhecia os motivos.
Cobria ha mais de 20 anos as fontes policiais e nunca tinha recebido ameayas.
Apesar de ter apresentado uma denUncia para a Procuradoria-Geral de Justica de
Baja California, nunca soube quem foi o responsavel ou por que o assunto nao foi
solucionado. A Unica certeza que teve era de que lhe enviavam uma mensagem sobre
Como ele e sua familia eram vulneraveis.
Comeyou a ter mais cuidado, mas disse que nao mudou sua forma de trabalhar.
"Tenho medo, mas nao deixo que tome conta de min), so o utilizo como uma
proteyao", observa Hector CaIvan.
OS "POLLEROS"
Estas historias sao apenas al t.imas entre as tantas do jornalismo em Mexicali,
onde os salarios para os reporteres de meios impressos ficam entre 3.500 e 12.000
pesos mensais (aproximadamente 350 a 1.200 Mares); em uma cidade onde, para
viver bem, é precis() ter pelo menus 10.000 pesos por mes (1.000 Mares).
Ao cenario de riscos soma-se outro element() que e urn perigo real: os traficantes
de pessoas, tambem chamados de "polleros" (coiotes). Eles sao capazes, conta
Luis Arellano Sarmiento — correspondente do semandrio Zeta, em Mexicali -, de
perseguir fotogralos e cinegrafistas para tirar-Ihes seus equipamentos e ameaca-los
de morte.
- Os que se dedicam ao trafico de pessoas adquiriram muito poder economico;
em geral, nao tern muita educacao e nao sabem o que fazer coin esse dinheiro
acrescenta Marco Vinicio Blanco.
Outro risco mencionado pelos repOrteres de Mexicali sao as intimacOes das
autoridades. Em outro contexto, poderiam nao ser uma ameaya, mas como a
con-upcao e muito grande e os agentes tratam de suprir suas deficiencias corn o
trabalho jornalistico, entao, sim, transforma-se em urn perigo.
Jose Manuel Yepiz, reporter do La Cronica, recebeu 10 intimaybes em quatro
anos por investigay Cies estaduais e federais. Responder a elas, comenta, cria urn
desanimo no trabalho e significa muita perda de tempo. E uma forma de pressao,
"nao avisam por que voce esta indo la e nem para quern voce vai dar o depoimento;
ha desconfianya diante de tudo, voce nao sabe corn quem vai acontecer ou como sera
a corrupyao".
42 IVIAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
Parece estranho que, em uma cidade em que pouco a pouco a violencia se apodera
das ruas e as ameacas sao graves, ate agora nenhum jornalista tenha sido assassinado.
Isso pode acontecer a qualquer momento, sem dilvida, como aconteceu em cidades
vizinhas, a apenas dual horas de distancia de Mexicali: Tijuana e San Luis Rio
Colorado (Sonora), lugares em que o narcotrafico foi capaz de apertar o gatilho.
Uma das explicacOes e que os reporteres e Os meios de comunicayao se impuseram
limites sobre como informar sobre o narcotrafico. Pouco se investiga sobre os poderes
locais destes grupos e, quando isso é feito, omite-se o nome dos reporteres. Os meios
informativos que se aniscam a publicar as investigacOes tratam as reportagens com
cuidado.
- NA° existem condicoes cm Baja California para se envolver nas investigacOes
destes casos — assegura Yepiz — A carga de trabalho cotidiano, o fato de que as
empresas nao interesse que seu pessoal se arrisque, e o proprio repOrter, que prefere
nao fa.zer nada diante do risco que corre, fazem corn que nao se investigue, a nab ser
em pouquissimos casos.
ESQUIVANDO-SE DA MORTE
Durante varias semanas teve que suportar encontrar animals mortos a tiros
deixados na frente da sua casa. Benjamin Flores contou a seu amigo Sergio Haro,
que ficou preocupado corn ere, porque em San Luis Rio Colorado falar de chumbo,
morte, sangue e drogas, de corrupcao e de "polleros" (traficantes de pessoas), e falar
de algo freqtlente demais. Mas publicar e denunciar, isso beira ao suicidio. 0 jornal
La Prensa fez isso durante mais de cinco anos, desde que Flores o fundou.
- Nao tern medo de que o matem? — perguntou Haro a Flores, em uma conversa
pelo telefone.
- Tenho, mas o que you fiver? — respondeu corn certa tranqiiilidade o jornalista,
talvez porque aquela nao fosse a primeira ameaca que recebia, e por ja ter sido
processado varias vezes por di famacao e ate perturbacao da ordem pnblica.
Dias mais tarde, em 15 de julho de 1997, Flores, de apenas 29 anos de idade,
era assassinado quando chegava no seu jornal. Em pleno dia, na presenca de seus
colcgas, dispararam uma rajada de metralhadora AK 47 c tres tiros de uma pistola
calibre 22.
Era impossivel que Flores deixasse de falar de narcotraficantes e de corrupcao em urn
lugar como San Luis Rio Colorado, urn corredor estrategico para os narcotraficantes
que recebem a droga no Golfo da California ou em algum ponto proximo em terra
para para o estado de Arizona ou para a California, nos Estados Unidos.
Existe pouca vigilancia nos dois lados da fronteira e muitos policia.is mexicanos
complementam seus magros salarios corn subornos.
E uma cidade pequena (8.412 km2), sozinha no meio do deserto de Altar, a zona
mais arida do Mexico. Tern pouco mais de 145 mil habitantes, que sobrevivem do
comercio, indrIstria, pesca, agricultura e pecuaria.. No mapa aparece em Sonora, o
lugar mais afastado de Hermosillo, a capital do estado, a oito horas pela estrada.
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DL RISCOS PARA JORNALISTAS 43
Por isso os habitantes se sentem mais perto de Mexicali, ainda que nunca se sintam
"bajocalifomianos". Registram-se diariamente cinco roubos a casas particulares,
delito mais comum, assirn como a detencao de pessoas sem documento que se
esforyam para cruzar para os Estados Unidos.
A major parte das ruas nao esta pavimentada. F urn lugar simples, mas tambem
de estranhos contrastes. Do nada, entre casas modestas e mas empoeiradas, foram
construidas enormes mansoes, muitas delas corn piscina, salks de jogos e decoracao
cara, corn caminhonetes Ultimo modelo. Sobressai a grande quantidade de casas de
cambio sempre abertas, como se a economia da cidade fosse prospera, quando, na
realidade, é apenas suficiente.
Urn dos negocios que mais prosperou foi o dos chamados "picaderos", onde se
vendc e consome droga. Calcula-se que somente em San Luis Rio Colorado existam
5 mil viciados, alem dos estrangeiros que cruzam a fronteira para comprar suas doses
mais baratas nas chamadas lojinhas.
Os habitantes sabem o que ocorre, quem é narcotraficante e quern nao é, ou se
algum funcionario roubou parte do orcamento. No final das contas, o lugar mantem
esse ar de povoado, onde todos se conhecem, sabem de suas histOrias e onde se sabe
quern Sao os estranhos. Mas os "sanluisinos" preferem nao denunciar, porque nao
confiam nas suas autoridades, razao pela qual ha 13 anos o La Prensa faz o papel de
confidente.
Benjamin Flores tinha 24 anos quando fundou o jornal. Vivia intensamente, a
passividade o irritava. Foi repOrter durante algum tempo e depois secretario particular
do governador de Baja California, Ernesto Rufo. Voltou para sua cidade natal para
fundar o jornal que deveria ser critico. Ahaixo do titulo, apostou: "Sem amarras,
como o pensamento".
Uma casa de dois andares que sempre deu a impress5o de urn escritorio improvisado
ou em plena mudanca tern lido, desde entao, a sede de La Prensa. Nas paginas do
jornal ha materias sobre fraudes, pontos de venda de droga, excessos do exercito,
abusos ou atos de corrupyao das corporacOes policiais.
A coluna de Flores, agressiva e de denUncia, chamava-se "Nao confirmado".
Ele Unita fontes excelentes c conseguiu revelar a corrupyao politica e o tecido do
narcotrafico nessa. fronteira none e sua alianca. corn o poder. Em maio de 1997,
publicou, por exemplo, sobre o "desaparecimento" de quase mein tonelada de cocaina
dos escritorios da entao Policia Judicial Federal e divulgou urn processo militar que
envolvia Bustamante Salcido na construcao de pistas para aterrissagem de aviCies
corn drogas. Esse era Benjamin Flores.
0 crime nunca. foi resolvido. A pessoa que disparou contra o jornalista e o autor
intelectual continuum em liberdade, e somente dois cUmplices foram presos e
condenados.
No inicio, varios meios de comunicacao fizeram a cobertura do assassinato, mas as
noticias publicadas foram escasseando e desapareceram. 0 semandrio Siete Dias, de
Mexicali, investigou o caso, questionou as autoridades e publicou materias durante
rneses. Obteve urna resposta:
44 MAPA DE RiSCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
- Voce nao sabe no que se meteu, corno desprezivel. Vai morrer — escutou Sergio
Haro no outro lado da linha, que recebeu outras ameacas em 1997.
Haro nao sabia do que se tratava. Examinaram as puhlicacoes, c a Unica conclusao
Poi de que as ameacas tinham relacao corn o caso de :Benjamin Flores e que poderiam
vir de pessoas proximas a Jaime Gonzalez Gutierrez — identificado como o autor
intelectual do crime. 0 medo que o atingiu como urn raio alterou scu cotidiano, pois
a morte do seu amigo era ma rostra do que eram capazes de fazer.
Haro apresentou uma denUncia penal a Procuradoria-Geral de Justica de Baja
California e recebeu protecao imediatamente, o que so tolerou durante tres meses,
continuando coin seu trabalho, sem paranOias, mas se cuidando.
- Em Hermosillo, acham que San Luis Rio Colorado é muito longe; e cm Mexicali o
consideram como parte do estado de Sonora. Corn o tempo, a sociedade se esqueceu,
e a imprensa tambem, da morte de Flores — garante Haro, urn homem alto, corn cabelo
negro salpicado de fins brancos e que tern um modo de falar preciso e direto. E diretor
de Siete Dias, urn semandrio respeitado por sua veracidade e combatividade. Depois
de mais de duas decadas de experiencia, sabe que é muito arriscado publicar temas
como narcotrafico e violencia, rims esta convencido de que devem ser investigados
e conhecidos. Do contrario, "eu me tornaria cUmplice e, se fosse assim, seria melhor
me dedicar a outra.s coisas", afinna.
- Existem pessoas quo dizem que nao se deve abordar o tema do narcotrafico em
San Luis Rio Colorado - reflete Haro - Nab é que sejam valentes, que nao tenham
consciencia da delicadeza da situac5o; para des é normal, a realidade em quo vivem.
Nesta regiao, esse e o dia-a-dia. Devemos assumir estes riscos.
0 chcfe de informacOes do La Prensa, Humberto Melgoza, afirma que as coisas
nao mudaram desde a morte de Flores, e ate pioraram, porque agora "qualquer
delinquente ameaca se voce faz foto clele ou se publica uma denUncia corn todos Os
dados".
Melgoza recebeu varias ameacas, a maioria sutis: - Tome cuidado, nao se meta
corn isso — disse-lhe uma vez urn "sanluisino" que caminhava pela rua, ou tambem
"0 El Mono disse que, quando sair, primeiro vai to pegar e depois terminar comigo",
comentou ha alguns anos urn policial, depois que aparcceram na imprensa Os
privilegios que tinha esse homem, acusado de varios assassinatos e trafico de drogas.
Mas Melgoza acredita que, quando quiserem rata-lo, nao vao fazer ameacas.
Lima explicacao é a desordem que o narcotrafico e o trafico de pessoas provocaram
na regi5o, subornando as autoridades e impondo a lei do medo atraves das arrnas.
- Os "polleros" (coiotes) — descreve Melgoza — est5o loucos, tem muito dinheiro e
armas; a policia estadual e a mais perigosa, os narcos mataram ate policiais. Qualquer
horn trabalho de denUncia que se publique em um meio de San Luis causa problemas,
e a represalia pode chegar quando menos se espera. Os reporteres tem medo. Existe
urn risco latente.
Reconhece que nao sao muitos os reporteres que se arriscam e, por isso, publicam
entrevistas ou a versa.o oficial. Tambem sao poucos os repOrteres que depois de
terminarem seus estudos cm Mexicali ou Hermosillo pedem trabalho em qualquer
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PAPA JORNALISTAS 45
dos quatro jornais diarios de San Luis Rio Colorado, onde o salario fica em torno de
1.000 pesos semanais (100 dolares) e onde o trabalho é feito sempre corn medo.
Em Mexicali, como en San Luis Rio Colorado e muitas dessas cidades da fronteira,
assegura Haro, "nossa seguranca como jomalistas esta por urn fid".
SOBREVIVER EM TIJUANA
Sdo cerca de 10 da mantra-. AAvenida das Americas fica fechada por varios segundos
enquanto homens vestidos como civis, armados corn metralhadoras, pistolas e coletes
a prova de balas impedem a passagem de outros veiculos ate que urn automovel
blindado estacione na garagem da casa nUmero 4633. Durante a cena, permanecem
em alerta mais de 20 homens, que observam terracos, pessoas caminhando e veiculos
estacionados. Sua missdo é delicada sob o calor que desponta em Tijuana, estado da
Baja California.
Urn homem magro, vestido casualmente corn casaco cor cafe, desce do carro,
atravessa um pequenissimo jardim que o levy a uma porta de vidro, da mais uns
passos e abre outra porta de madeira que sempre esta fechada e que so pode ser
aberta corn autorizacdo. Esse homem sereno, de pele muito clara, corn oculos, cabelo
e barba quase brancos e urn colete a prova de balas que a camisa ndo permite ver,
cumprimenta corn voz amavel todas as pessoas que encontra.
Sobe pelas escadas que o levam a seu escritOrio, um lugar simples e confortavel,
onde sempre ha muitos papeis, urn computador ligado, e o telefone, que toca corn
frequencia. Fora da casa ficam os homens armados, vigiando, atentos.
E assim que comeca o dia do jomalista Jesus Blancornelas no semandrio Zeta do
qual é co-diretor. E urn inicio de dia muitas vezes ja cansativo, apos oito anos vivendo
corn escolta, em alerta. Existe, desde 1997, urn premio para mata-lo, que muitos dos
assassinos de aluguel dos irmdos Arellano Felix esti() dispostos a ganhar.
Blancomelas tornou-se um simbolo de carater e de coragem no jornalismo, de
compromisso corn a informacao e lealdade corn o leitor, e uma mostra da deterioracao
e do fracasso do Estado em materia de seguranca. E tambem, simplesmente, urn
milagre.
Sua historia comecou em meados dos anos 80, quando os irrndos Arellano Felix,
principalmente Benjamin e Ramon, comecaram a tomar conta de Tijuana e das zonas
pr6ximas. Durante quase dugs decadas, controlaram a cidade, cada grab de droga
que por ali circulava, cada delinquente que queria trabalhar e cada autoridade que se
deixava subomar. 0 metodo: corrupcdo e morte.
Na zona norte de Baja California comecou a se notar a atividade do que se
denominaria depois o Cartel de Tijuana. Apareceram os mortos, as caminhonetes
ultimo modelo, e o consumo de drogas cresceu de forma silenciosa e lenta. Na
decada de 90, Tijuana era territOrio de livre transit° e sob dominio absoluto dos
Arellano Felix.
0 semanario Zeta expos insistentemente a situacao da cidade e do estado, e a
metamorfose que sofriam. "0 narcotrafico", recorda Blancornelas, "nos levou para
46 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
frente", como urn tema social que devia ser reconhecido.
Em abril de 1988, foi assassinado, em condicOes nunca esclarecidas, Hector Felix
Miranda — a quern apelidavam "0 Gato Felix" —, co-diretor do jornal.
Apesar da perda, o trabalho continuou. 0 quc era o exercicio do officio jornalistico
foi interpretado pelos chefes do cartel como urn ataque e tuna ofensa. 0 incomodo
passou dos limites quando Zeta divulgou, durante tres semanas seguidas, detalhes
sobre a organizac5o atraves das deelaracOes de um de seus integrantes, Everardo
Paez Martinez; depois pela denimcia de uma ink que relatava como os Arellano
haviam assassinado seu filho, apesar de serem amigos, e pela terceira publicacao,
que falava sobre os que haviam matado dois militares diante de urn tribunal.
- Isso foi suficiente, e dal veio a coragem dessas pessoas — discorre o co-diretor.
As ameacas sutis e as mensagens veladas se fizeram presentes, modo pelo qual
os narcotraficantes pretendiam semear o medo e inibir o trabalho. 0 sernanario e
Blancornelas continuaram. So que corn mais cuidados pessoais.
A violencia em Tijuana era cotidiana. 0 registro de confrontos, execucOes e
desaparecidos continuava corn sua contagem já habitual. Em meados de novembro
de 1997 nada havia mudado para Jesus Blancornelas, que estava, como sempre,
fazendo reportagens e coordenando a edicao. Entretanto, houve algo fora do
normal:
- Voce nao deve andar sozinho — advertiu Luis Valero a Blancornelas.
O conselho nao podia deixar de ser atendido pelo jornalista, pois Valero era urn
respeitado ex-agente da "Policia Judicial" de Baja. California, que havia preferido se
dedicar ao seu negocio de gruas em vez de continuar suportando a corrupedo.
Valero contou que alguns antigos companheiros o haviam chamado para avisar
que se afastasse do jornalista, porque "vai ter festa" — a forma popular de dizer que
havera algo forte.
Valero, sendo amigo de Blancornelas, decidiu oferecer-Ihe seu apoio e trabalho
para "enfrenta-los". Ele e urn outro homem da sua confianca transformaram-se nos
segurancas de Blancornelas.
Mas na manha de 27 de novembro de 1997, foi dificil protege-lo diante de 10
homens muito bem armados. Dispararam contra ele em plena rua. Assassinarain
Valero, mas ele conseguiu matar urn assassin de aluguel contratado pelos Arellano
Felix.
0 jornalista foi atingido por quatro tiros. Por urn milagre nao foram mais, porque
os agressores esvaziaram suas armas e, tambem por milagre sobreviveu, porque os
ferimentos foram muito graves.
Desde enta-o, militares vestidos de civis, armados corn os melhores equipamentos
e muito hem capacitados cuidam dele dia e noite. Blancornelas confia neles, que se
tornaram sua garantia de vida. Enquanto isso, outra equipe se encarrega da seguranca
de sua familia. Tambem desde entao sua vida pessoal mudou, e o medo t'az parte
dela.
Sai pouco, porque os riscos sao muitos. No final do ano passado, soube que Ismael
Higuera Guerrero, "El Mayel", substituto dos Arellano Felix, havia pedido a Jairo
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 47
Sanchez Cristancho — narcotraficante colombiano — que arrumasse tudo para quc a
guerrilha desse pais o sequestrasse e o matasse em uma de suas viagens entre 1999
e 2000. A sorte do jornalista foi que os guerrilheiros nao aceitarain, pois nao tinham
nada contra ele.
Blancornelas teve que assumir em silencio sua Jura realidade para poder continuar
e sobreviver em Tijuana.
0 PODER DESORGANIZADO
Tijuana é uma cidade grande, corn 879 km'. A violencia que cone em suas veias
nao para, ninguem consegue faze-la parar. E a cidade mais perigosa do estado.
A inseguranca se percebe logo, porque, ao entardecer, ha pouco interesse da
populacao em caminhar por suas ruas e avenidas. E para os estranhos e assustador
transitar pela zona do centro e pelos arredores, onde Os "picaderos" e o pequeno
comercio estao quase a vista.
No mapa, e o ponto norte mais distante da Cidade do Mexico, visitada pelos que
nada tern e pretendem cruzar aos Estados Unidos. Concentra 50% da populacao de
todo o estado, coin pouco mais de 1,6 milhao de habitantes. Sua proximidade coin a
California pen-rine essa dualidade ja mencionada entre perdas e ganhos: o comercio,
a ind6stria e os servicos formam a base da economia; o turismo e a criacao de gado
ocupam o segundo lugar; mas as cifras de violencia sao muito altas. Somente em
2004 foram registrados 492 assassinatos, e as autoridades estimam que em torno
de 20% estao relacionados coin o crime organizado. No primeiro semestre de 2005
ocorreram mais de 100 crimes, foram roubados 10.000 automOveis e mais de 4.000
imoveis foram assaltados. Os assaltos afetaram 3 mil pessoas.
- Incapacidade institucional, falta de vontade politica real para atacar o crime
organizado e a violencia exacerbada complicam mais o cenario em Tijuana - adverte
Raul Ruiz, subdiretor editorial do jornal Frontera.
- Ficavamos apavorados quando chegamos aqui. Executavam pessoas na ma, na
frente de todo mundo, mas isso deixou de nos espantar. Depois fica.mos assustados
corn o nivel de sadismo corn o qual se mata, estrangula, assassina, colocando as
pessoas em barris e diluindo sews corpos em acid°. Muitos crimes sao nitidamente
cometidos por pessoas corn desequilibrios mentais. Agora nada disso nos assusta; o
nivel de violencia vai se sofisticando c as pessoas vao so se perguntado: o que vird
depois? — relata Ruiz.
Blancornelas tern uma teoria: pensa que nos Estados Unidos nab se sabe quem sao
os narcotraficantes, mas os reporteres, sim, conhecem Mayo, Azul, ou Os Arellano.
Acrescenta que isso ocorre porque nos Estados Unidos o crime é organizado e,
no Mexico, desorganizado. "La trabaiham calmamente, sem problemas, nao ha
execucCies nem nada; aqui qualquer pessoa se sente corn poder porque tern uma
pistola, uma metralhadora, e faz o que quer."
- Se la um jornalista diz que "fulano de tale traficante de drogas"— descreve - esse
fulano vai entrar na Justica para que provem essa declaracao. Aqui se pode dizer
48 MAPA DL RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
"fulano de tal e traficante de drogas", e essa pcssoa flea calada porque tern medo.
Ha uma grande diferenca. Nos temos muita liberdade para mencionar os nomes,
mas, ao menciona-los, o poder desorganizado se volta contra nos.
TRES t DEMAIS
Francisco Ortiz Franco investigava para Zeta assuntos interessantes dessa
irascivel Tijuana sobre julgamentos, leis e tribunais e, de vez em quando, temas
de narcotrafico. Ha algum tempo era urn dos editores do semandrio. Em 22 de
junho de 2004 nao estava acompanhado de sua escolta porque nao precisava dela,
acompanhado simplcsmente dos filhos. Erarn 11h30, cm uma zona central da
cidade, a alguns quarteirOes dos postos de policia.
Ortiz entrou em seu carro e estava colocando o cinto de seguranca quando
urn homem encapuzado desceu de urn jipe Cherokee e, em segundos, disparou
quatro tipos de sua pistola. Uni profissional. As balas foram muito precisas, e as
quatro feridas, mortals. Nunca havia recebi.do ameacas, apenas urn aviso em que
diziam que Arturo Villareal, o "Nalgon", identificado pela PGR como chefe dos
assassinos de aluguel do cartel dos innaos Arellano Felix, estava muito aborrecido
pela sua materia mais recente.
Em sua reportagem publicada em 14 de maio de 2004, Ortiz relatava como
integrantes do cartel dos Arellano Felix haviam pago 70.000 &fares a funcionarios
da Procuradoria-Geral de Justica da Baja California para que Ihes entregassem
suas credenciais. Revelou nomes e publicou fotografias. A informacdo ]he custou
a vida.
0 crime ainda nao foi esclarecido. Duas pessoas foram detidas, mas apenas
por acaso. A Procuradoria-Geral da RepUblica continua investigando a morte. 0
semandrio se adiantou, invcstigou e expos em suas paginas os responsaveis. Mas
a.inda nao ha resultados.
Ortiz é o terceiro morto que o semandrio Zeta soma na luta por investigar, por
denunciar, por fazer jomalismo. "E uma equacdo dificil e que, em retrospectiva",
diz Blancornelas, "faz parecer que a aposta nao valeu a pena quando tres colegas
foram mortos. Mas estamos nisto e temos a fe e a conviccdo de falar sobre o
assunto ate que os crimes se resolvam", analisa.
Desde ent5.o, o co-diretor de Zeta deu uma ordem na sala de redac5o: ninguem
deve investigar assuntos relacionados corn o narcotrafico, so ele o faz e publica
algo corn a sua assinatura. E isso porque e o (ink° que tem uma escolta capaz
de protege-1o. Ate agora, essa tern sido a Unica forma de cuidar de sua equipe
jornalistica.
Blancornelas e sua gente seguem em frente, "cumprindo urn clever moral",
afirma, "diante da falta de vontade politica que demonstraram as autoridades". As
vezes parece que o Zeta ficou sozinho nessa luta.
- Ndo ha solidariedade — relata — Quando mataram Ortiz Franco, urn jomal de
Tijuana publicou que eu gostava que matassem meus colegas porque isso lazia
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAI'A DE RISCOS PARA JORNALISTAS 49
aumentar a circulacao do jornal. A falta de solidariedade faz corn que os casos (de
ataques a jornalistas) acabem esquecidos e depois nem nos mesmos nos lembramos
del es.
Mas ele ja se acoshimou as desqualificacOes e as desventuras que seu trabalho
acarreta.
- 0 importante — garante — é que tenho a liberdade, apesar de estar fisicamente
impedido (por seguranca), mas tenho a liberdade de trabalhar. Busco a informayao e
nao me sinto atado. Quando nao tiver mais protecao, isso significard que ja nao corro
perigo.
A CREDIBILIDADE
Alguns meses se passaram e, depois do atentado contra Blancornelas e a morte de
Ortiz, novas ameacas foram feitas por correio eletronico e em telefonemas. A mais
recente aconteceu entre julho e agosto de 2004:
- Contrataram urn recem-saido da penitenciaria. Nao tem nada a perder e vai se
lancar como urn suicida contra a escolta que o protege. Trata-se do meu primo "El
Nino". Publique isso para impedi-lo, disse uma voz masculina no telefone.
- Sim, you publicar, mas identifique-se — pediu Blancornelas.
- Nos vemos... — desligou o mensageiro.
O co-diretor de Zeta nao publicou a mensagem, considerando que isso seria um
escandalo, e nem sequer tinha certeza de que fosse verdade. Se nao fosse, perderia
credibilidade, algo que nao estava disposto a sacrificar. "Mail vale perder a noticia
que perder a credibilidade", é o seu lema, escrito na parede do semanario para que
todos se lembrem dole.
Em 14 de outubro de 2004, veio um novo telefonema:
- Mataram aquele que haviam contratado — falou a mesma voz.
-Quando? — perguntou, surpreso.
- 0 que apareceu no sabado (9 de outubro) em uma caminhonete queimada na
colonia Lomas del Sol era meu primo, "El Nino" — foi a Ultima coisa que falou.
0 cadaver dessa vez foi registrado como desconhecido. 0 jornalista verificou a
informacao e conseguiu confirmar que se tratava de Jorge Eduardo Ronquillo,
conhecido como "El Nino". Talvez o mais recente pistoleiro contratado para mata-lo
e que tambem, segundo parece, havia participado da morte de Francisco Ortiz.
E assim que vive Jesus Blancornelas, o homem que sempre fala corn entusiasmo.
De jeito simples, humor seco e muito trabalhador. Corn sua equipe, que nao passa
de 50 pessoas, conseguiu que, as sextas-feiras, quando o Zeta sai para as ruas, venda
quase 60.000 exemplares, nUmero que daria inveja a muitos jornais.
Corn o passar dos anos e corn tanta historia acumulada, esta convencido de que os
narcotraficantes nao terao oportunidade de mata-lo. "Depois do atentado, sim, tinha
muito medo, agora lido", declara.
50 MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
AMEACAS E GATILHOS
Entre 1999 e 2000, um esquadrao de morte apareceu em Tijuana corn o proposito
de acabar corn urn grupo de narcotraficantes. A cidade foi palco de uma serie de
execucOes, resultado do confronto entre faccOes.
O entusiasmo dos repOrteres que integravam as filar do recem-fundado jornal
Frontera levou-os a publicar detalhes destas execucOes. Nomes, datas e lugares,
muitas informacees que nenhum outro meio de comunicacao possuia. "Parem de
publicar isso, ou V50 se dar mal...", advertiram varias vezes diferentes vozes pelo
teletbne.
Ao analisar o que fariam, pensaram que ser ameacado em Tijuana é urn assunto
que deve ser levado a seri°, e é muito dificil acreditar que as autoridades investigarao.
Decidiram deixar de publicar as historias por algum tempo, para que "as coisas
esfriassem", lembra o subdiretor, Raul Ruiz.
Os telefonemas foram a primeira experiencia que viveria o jornal Frontera. Em
pouco tempo, aprenderiam que nessa cidade, para dissimular a verdade ou tentar
desmentir uma noticia, os narcotraficantes recorrem as ameacas ou ao gatilho de
suas Ak-47.
Receberam outros telefonemas coin ameacas, e em 2002 receberam a visita na
redacao de tres homens bebados e armados que queriam entrar e falar corn o diretor
porque seus nomes haviam aparecido em reportagens. Os segurancas do jornal nao
pennitiram que eles entrassem e os desconhecidos se retiraram.
Os executivos do jornal apresentaram uma denuncia na Justica, e depois de tres
anos as autoridades nao conseguiram descobrir nada.
Ruiz tern 18 anos de profissao. Teve protecao durante algum tempo, e para lidar
corn esses telefonemas anonimos corn ameacas de morte aprendeu a cuidar de si e
de sua familia, e a exigir o mcsmo da sua equipe de trabalho. Teve que aprender a
coordenar urn jornal em urn campo onde existe uma guerra, que é surda e sangrenta,
que nunca quis ser reconhecida.
Como saber o que publicar ou nao, ou como tratar a informacao para que os
narcotraficantes nao se enfurecam; como se controlar diante de uma exclusiva, um
dado, uma revelacao; o que fazer quando se trabalha intensamente para conseguir a
noticia, mas esta nunca chega a ser impressa, ficando esquecida como uma pasta a
mais no arquivo do reporter? Dificil saber tudo isso, ainda mais quando uma linha
publicada pode ser assunto de vida ou morte.
PSICOSE DO MEDO
Ao chegar a redacao doFrontera, em 7 de j unho de 2004, Ernesto Alvarez, reporter
da secao policial, recebeu uma mensagem de um colega da televisao avisando que
haviam deixado no estacionamento uma caminhonete cheia de drogas.
- Primeiro achei que se tratava de uma brincadeira — relata Alvarez, mas ao
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 51
perceber a seriedade de Joel Galeana, da Televisa, que havia passado o aviso,
desceu, corn outro reporter e urn editor para verificar do que se tratava. Encontraram
no estacionamento uma ca.minhonete corn vidros polarizados, e atraves do para-brisa
puderam ver varios pacotes abertos que pareciam conter maconha.
Vieram a policia e o Exercito. Fcchara.m varias ruas adjacentes ao jornal.
Descobriram que havia mais de 780 quilos de droga de segunda, porque estava
molhada, e seu preco no mercado seria muito baixo.
Depois dessc dia, em que o jornal saiu corn dificuldade devido ao alvoroco,
foi inevitavel questionar quem tinha feito aquilo, como c por que. Examinaram
os jornais para saber que noticias poderiam ter provocado sem.elhante reacdo dos
narcotraficantes, mas nao puderam saber corn certeza. Entenderam, sim, que era uma
advertencia muito perigosa e que havia lhes mostrado quao fragil podiam ser.
- Os reportercs ficaram assustados. Fizemos uma enquetc no tra.balho - explica
Ruiz - para saber como estava a motivacdo e o animo das pessoas, e ficou evidcnte
que todos se sentiam inseguros. Tinharn medo que atacassem o edificio a tiros e
pudessem matar alguem. Trabalhar assim é muito complicado, gera uma psicose
desnecessaria.
A experiencia. da vulnerabilidade levou os diretores de Frontera a repensar
a seguranca dos funcionarios c da empresa. Aumentaram a seguranca do predio,
colocando ciimaras de video de Inuit° boa qualidade; aumentaram o nUmero de
segurancas; colocaram identificadores de chamadas ern todos os aparelhos de telefone
e gravadores de conversas de todos os telefonemas recebidos. Os funcionarios foram
treinados para lidar corn ameacas por telefone. 0 Frontera se tomou o Ulna) jornal
do Mexico a ter essas medidas de seguranca.
Nem mesmo tudo isso acabou corn os telefonemas de ameacas. Em 22 de junho de
2004, no dia em que mataram Ortiz Franco, o telefone de novo tocou e a mensagem
ficou gravada: "Ja nos livramos de urn de Zeta, c outros jornalistas virdo".
ATE A POLICIA
A agressdo pode vir de qualquer lugar, inclusive por causa de uma fotografia.
- Nao pode fazer fotos — avisou duramente urn agente policial vestido de preto.
- Claro que sim, voces estao na rua, isso é uma acao publica — respondeu Jose Luis
Camarillo, fotografo do El Sol, de Tijuana.
- Mao pode, e saia daqui se nao quiser ter problemas — repetiu, mais energico,
agente federal, muito incomodado e utilizando palavras fortes.
O reporter fotografico insistiu, nao se importou, sabia. que se tratava de uma
operacdo policial importante porque havia 30 agentes vindos do Distrito Federal e
que, corn certeza, haviam prendido um narcotraficante. Queria ter a noticia exclusiva
e nao cederia. Mas telefonou para o reporter de seu jornal, Juan Manuel Cordero.
Urn grupo de policiais federais da PGR o cercou, e o agente the disse novamente que
se retirasse; o fotografo se negou. Mediante a forca, levaram-no a uma caminhonete
onde o puseram de brucos, confiscaram seu equipamento de trabalho, o ameaearam
52 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
e apontaram a arma para ele.
Em 20 anos de experiencia como fotografo, Camarillo nunca havia vivido algo
assim. Teve medo, nao havia colegas que pudessem auxilia-lo e nem sequer sabia nas
maos de quem estava. caso the dessem urn sumico.
Por sorte, nessa segunda-feira, 12 de julho de 2004, a noticia da operacao circulou
entre os reporteres, que foram chegando ao aeroporto de Tijuana, onde estavam
Os policiais. Derain-se conta de que tinham pegado Camarillo e pediram que o
libertassem. Ele saiu corn a camara quebrada, sem cartao e sem celular, descobriu
que ate seu carro haviam revistado, e que Ih.e faltavam filmes, um gravador e outro
telefone celular.
No dia seguinte, a noticia foi publicada na maioria dos meios locais. Camarillo
apresentou uma queixa diante da Comissao Nacional de Direitos Humanos, para a
qual nao houve seguimento.
Camarillo relata que depois de dois meses conseguiu falar corn Jose Luis
Santiago Vasconcelos, subprocurador de investigacOe Especializadas sobre o Crime
Organizado da PGR, que se comprometeu a investigar o incidente e a ressarcir os
danos causados. Nada aconteceu.
0 que aconteceu foi que Camarillo nunca mais vai sozinho em operacOes policiais.
Agora sempre avisa a seas colegas para que todos se protejam.
A BATALHA PERDIDA
Entao, em Tijuana, o que protege ou salva urn jornalista ou todo urn meio de
comunicacao da pressao e do medo exercidos pelo crime organizado?
- Fomos aprendendo pouco a pouco, e isso é muito arriscado — observa Rai11 Ruiz
— porque e tentative e erro, nao se sabe se o que se fez foi adequado, como vao reagir.
Antes havia urn codigo compreensivel sobre coin que coisas nao se meter ou, como
reporter, voce sabia o que nao publicar porque representava urn risco real. Agora nao
se sabe ate onde vao estes limites, perdeu-se a nocao.
Ele acrescenta que "o medo faz considerar desnecessario correr tantos riscos.
Alguns reporteres e editores abandonaram o norte do pais porque nab podem viver
e trabalhar corn medo... Concordo corn o que dizia Carlos Monsivais: mais vale
um jomalista vivo que um jomalista morto. Quando nao sao causas que nos levem a
solucionar um problema, acredito que vale mais cuidar da integridade dos reporteres,
porque acho que somos feitos para causas maiores".
Nao se pode deixar de informar sob este cenario de risco que tende a piorar:
- Uma proposta poderia ser conseguir a tmido entre jornalistas para investigar
certos temas ate que se esclarecam - observa Ruiz - E muito importante saber corno
os meios vao tratar o terra do crime organizado, porque ate agora 6 uma batalha
perdida e urn assunto de muito risco na fronteira.
Blancomelas explica que "o mais importante e escrever sempre a verdade sobre as
pessoas vinculadas ao crime organizado. Deve-se comecar a discutir o quo acontece
no jomalismo no Mexico, sua situacao e os riscos que enfrenta, e tambem devem-se
SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS 53
tipificar como delito federal as agressOes a jornalistas".
Alguns reporteres sao taxativos. "A autocensura como medida de protecao
significa so publicar informaciies oficiais", recomenda urn correspondente de urn
jornal nacional, que garante que essa é uma pratica comum ern Baja California.
Outro afirma que "basta ter cuidado corn a fonte da informacao, o modo como a
noticia é publicada, sempre corn as fontes".
Nenhuma medida adotada garante que os jornalistas estarao mais seguros e
tampouco que as coisas mudarao.
Tijuana continua se transformando, o crime assume novas formas e mecanismos,
tern uma capacidade especial camaleonica que Ihe permite desaparecer e depois
su►gir corn um novo rosto. 0 contexto politico do municipio dificulta. ainda mais a
situacao. 0 cenario a media prazo nao se apresenta diferente, muito menos melhor.
Precaucao. Soma de riscos que reduzem a liberdade. As cidades da fronteira
norte do Mexico sao pedacos do pais em que a prudencia e uma virtude que permite
suportar o trabalho. Ser reporter nesses lugares muitas vezes significa estar sozinho,
ouvir mas nao escutar, olhar mas nao observar. E calar para nao morrer.
Em Nogales e Agua Prieta, no estado de Sonora; cm Ciudad Juarez, Chihuahua,
e em Ciudad Actifia e Pedras Negras, no estado de Coahuila, o maior risco para
os _jornalistas e investigar temas de corrupyao e as organizacOes criminosas, sejam
narcotraficantes, "polleros" (traficantes de pessoas) ou traficantes de armas.
Em ‘'arias dessas cidades fronteiricas, em que o calor é intenso e a terra é
quebradica, nao existem autoridades, ja que essas se toma.ram cr'►mplices do crime
ou o medo fez corn que tomassem outro rumo. Eles, os criminosos, assumirarn o
poder, as funcOes que ficaram vagas. Nao existe lei, muito menos justica. Sua pistola
é a garantia do controle e do poder que, apesar do exercito e da policia federal, nao
deixam de exercer.
E o que dizer de Nuevo Laredo, Reynosa, Miguel Aleman, Matamoros ou Ciudad
Victoria, no estado de Tamaulipas, lugares de sangue e de medo? Nesses rincoes do
noroeste do Mexico os reporteres ficaram, literalmente, no fogo cruzado. E ai que
mais jornalistas foram assassinados por seu trabalho nos Ultimos anos, onde mais
vezes foram ameacados e onde nao sabein o que fazer.
Os que buscam as noticias, as que informam, os que investigam, os que acreditam
que o jornalismo é urn servico, sac) refens dos que exercem o poder e controlam
tudo, ja nao so corn metralhadoras ou pistolas, mas tambem corn lanca-granadas
e bazucas. Todos os dias acontece uma guerra desmesurada entre dois grupos que
escolheram Tamaulipas como campo de batal.ha, principalmente Nuevo Laredo,
ainda que estendarn a linha de sangue e chumbo a qualquer outra cidade do Estado,
se for necessario.
A equacao resultants 6 simples na fronteira norte: autocensura e autoprotecao,
concordam os reporteres. Essa e a Unica forma de subsistir.
0 crime organizado conseguiu, pelo menos por enquanto, se impor. Ha silencio e
medo.
54 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIF.DADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
0 ENIGMA DA AUSENCIA
Passavam das 19 horas do sabado, 2 de abril de 2005. Apesar de ser cedo, ele ja
estava no seu apartamento, depois de concluir um dia normal de trabalho. Como
Alfredo Jimenez Mota era urn viciado em trabalho, continuava ouvindo a trequencia
de radio da policia, para ver se trazia alguma informacao que interessasse ao jorna]
El Imparcial, de Hermosillo, do qual era reporter ha seis meses.
Uma de suas melhores amigas no jornal chamou-o para tomar uma cerveja, ja que
no dia seguinte nao trabalhariam. Combinaram o encontro para algumas horas mais
tarde, porque Mota tinha que encontrar "urn contato que estava nervoso", segundo
the contou.
Tomou urn banho e trocou de roupa. Minutos antes das 20 horas estava pronto para
encontrar-se corn urn desses "contatos". Tratava-se de Andres Montoya Garcia,
diretor do presidio estadual, corn quem conversou durante mais de meia hora sobre
um preso muito perigoso que apelidavam de "El Estudiante" (o estudante) e que
havia sido recentemente libertado. Ficaram dentro da caminhonete do funcionario,
dando voltas por diferentes avenidas, ate que se despediram as 21 horas, porque
Alfredo, como the disse, veria "outro contato'.
Nin2trem sabe o que aconteceu depois disso. As autoridades tern apenas o registro
de urn telefonema que Alfredo recebeu as 23h04, do subdelegado da PGR, Raid
Fernando Rojas Galvin, uma de suas principais fontes de informacao.
Alfredo desapareceu. A noite encobriu seus rastros e os daqueles que o levaram.
Primeiro, a Procuradoria-Geral de Justica de Sonora investigou o caso sem
resultados. Corn o passar dos dias, a PGR preparou o expediente e colocou a frente
das buscas os "mais experientes e ousados" investigadores, segundo disseram, que
duraram apenas algumas semanas. Foram substituidos por outros "excelentcs-
investigadores.
Nada aconteceu. As investigacOes ficaram ern urn terreno lamacento e dali nao
sairam. Existem muitos suspeitos, a maioria narcotraficantes e servidores pilblicos
aliados das mafias, mas ninguem foi preso. Os meses se passaram e o quebra-cabecas
continua incompleto, sem presos. 0 paradeiro de Jimenez Mota continua sendo urn
enigma.
Onde esta? 0 quc the aconteceu? Esta vivo? Por que sumiram corn ele? E provavel
que a resposta esteja nas noticias e reportagens que publicou. Investigava temas
policiais, revelou nomes de narcotraficantes, suas formas de operar e estnttura.
Sua ausencia causou urn impacto na redayao do El Imparcial e alterou sua rotina.
Os jornalistas se uniram, denunciaram, manifestaram-se em pUblico, buscaram-no
nas rias e no deserto, ficaram alertas a telefonemas, a pistas e informacOes. Nada,
somente a ausencia que pesa mais que a morte, porque permite tudo imaginar e nao
ter certeza de nada.
Hermosillo, capital do estado de Sonora, é uma cidade simpatica, tram:Oita
e pequena, que ocupa 14.880 km'. 0 calor pode ser um grande incomodo em
algumas epocas do ano, e o frio pode penetrar nos ossos, porque a cidade fica no
SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 55
mcio do deserto. Seus cerca de 700.000 habitantes sao pessoas simples, estbrcadas e
trabalhadoras, que vivem da agricultura, indUstria, pecuaria e comercio.
Mas Sonora é uma regiao corn extremos. E parte de uma das zonas de agricultura
comercial mais importantes do pais e, urn dos oito estados responsaveis por quase
50% do valor do PIB nacional nesse setor e no de criacdo de gado. Mas quando
se fala das condicOes dos sonorenses, que somam 2.200.000 habitantes, as cifras
do Instituto Nacional de Estatistica, Geografia e Informatica (INEG1) mosiram que
entre 50 e 70% deles tern uma receita "que nao lhes pennite ter uma alimentacdo
adequada".
Hermosillo manteve um ritmo de crescimento, transformando-se pouco a pouco.
A partir de 2002, teve inicio a construed() de mansOes de pessoas de fora, surgirarn
carros das marcas mais luxuosas e, o pion, comecaram as execucOes de pessoas na
periferia da cidade, cujos cadaveres depois apareceram nas ruas da capital.
Em Sonora, sabia-se que no nortc, nos locais fronteiricos e naqueles mais
proximos ao estado de Sinaloa, como Navojoa, Ciudad Obregon e ate Guaymas, os
narcotraficantes atuavam. Nao era segredo que a serra era urn campo fella para o
plantio de maconha, sendo inclusive Sonora parte do chamado "triangulo dourado",
formado tambem por Chihuahua e Sinaloa, onde muito raramente chegam as
autoridades porque é terra de cultivo e balas. Somente o exercito pode entrar c, para
conseguir isso, e necessario que batalhOes completos se armem com os mclhores
equipamentos.
Tudo isso parecia estar longe de Hermosillo. Os jornais da cidade comecaram a
informar sobre os mortos e os confrontos que ocorriam nos arredores. Pouco a pouco
as noticias foram ganhando a primeira pagina.
Neste cenario, usou-sc de pindencia. Muitos jornais pararam de colocar assinatura
nas reportagens investigativas para proteger seus repOrteres. Muitos meios eletronicos
e impressos decidiram so publicar informacOes oficiais e os fatos, e rid° it alem
para nao ter problemas. Era o exemplo a seguir de outros estados, mas tambem dos
municipios sonorenses, como Ciudad Obregon, Navojoa ou Nogales, onde o terra
perigoso de abordar e "so é abordado por alto, ou sobre o qual nem se escreve", conta
Jose Manuel Yepiz, que trahalhou durante cinco anos como reporter em Sonora e
agora trabalha em Mexicali. NA° se escreve para nab sofrer as consequencias ou
porque alguns infonnadores estao associados aos criminosos. Nesses lugares, Os
moradores sabcm quem e quem, o que fazem e o que sao capazes de fazer.
Logo descobriram em Hermosillo que a morte de seis pessoas executadas em 2004
era resultado de uma luta entre grupos que a prisdo de Benjamin Arellano Felix havia
deixado sem lider. Esses mafiosos adquiriram poder e comecaram a querer dominar
a praca.
Jimenez havia chegado a Hermosillo procedente de Culiacan, Sinaloa, urn lugar
onde o narcotrafico produz mais de 500 mortos por ano.
Cansado c sentindo-se em perigo ali, conseguiu colocar-se no El Imparcial gracas
sua impecavel trajetoria profissional. E um jovem entusiasta e impulsivo, que queria
muito se sobressair e que, por isso, exigiu que assinassem suas materias "porque
56 MAPA DE DISCOS PARA JORNAL1STAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
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Riscos para jornalistas no Brasil, Colômbia e México

  • 1. MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS BRASIL - COLOMBIA - MEXICO Sociedade Interamericana de Imprensa
  • 2. MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS BRASIL - COLOMBIA - MEXICO SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 3
  • 3. CREDITOS Editor jornalistico: Producao: Assistente editorial: Traducao : Ilustracoes: Impresso por: Ricardo Trotti Clarinha Glock, Brasil Diana CalderOn, Colombia Idalia G6mez, Mexico Mauricio Montaldo Horatio Ruiz Melba Jimenez Lucia Ledo Ramon Fontanais (Capa) Haik Khatchirian (Mapa do Brasil) Andres Carrasco (Mapa da Colombia) Humberto Dijard (Mapa do Mexico) Colonial Press International, Inc 3690 NW 50 Street Miami, Florida 33142 Diretor do projeto: Autores/Investigadores: Sociedade Interamericana de Imprensa. Todos os direitos reservados. 4 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 4. Em agradecimento a John S. and James L. Knight Foundation por seu apoio sempre generoso a realizacdo e a continuacao do projeto. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • HAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 5
  • 5. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP) Presidente Honorario Scott C. Schurz, Herald-Times, Bloomington, Indiana Presidente Diana Daniels, The Washington Post Company, Washington D.C. 1° Vice-presidente Rafael Molina, El Nacional, Santo Domingo, Reptiblica Dominicana Vice-presidente Earl Maucker, Sun-Sentinel, Fort Lauderdale, FlOrida Tesoureiro William E. Casey, Dow Jones & Co., Nova York, Nova York Secretario Juan Luis Correa, La Prensa, Cidade do Panama, Panama Diretor Executivo Julio E. Munoz, SIP, Miami, FlOrida COMISS -AO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E INFORMAcA0 Presidente Honor6rio Danilo Arbilla, Btisqueda, Montevideo, Uruguai Presidente Gonzalo Marroquin, Prensa Libre, Cidade da Guatemala, Guatemala Vice-presidentes Andre Jungblut, Gaeta do Sul, Santa Cruz do Sul, Brasil Andres Mata Osorio, El Universal, Caracas, Venezuela Aldo Zuccolillo, Diario ABC Color, Assuncao, Paraguai Luis Alberto Ferre, El Nuevo Dia, San Juan, Porto Rico SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DF RTSCOS PARA JORNALISTAS 7
  • 6. SIP (coNTINuAcAo) COMISSAO DE IMPUNIDADE: Presidente Honorario Rail! Kraiselburd, El I) la, La Plata, Argentina Presidente Enrique Santos Calderon, El Tempo, Bogota, Colombia Vice-presidentes Juan Fernando Healy, El hnparcial, Hermosillo, Sonora, Mexico Roberto Rock, El Universal, Cidade do Mexico, Mexico Membros Fabricio Altamirano, El Diario de Hov, San Salvador, El Salvador Alejandro Dominguez, Diario La NaciOn, Assuncao, Paraguai Miguel Henrique Otero, El Nacional, Caracas, Venezuela Louis M. "Skip" Perez, The Ledger, Lakeland, Florida Carlos Schaerer, El Mercurio, Santiago, Chile Clemente Vivanco Salvador, Diario La Horn, Quito, Equador John Yearwood, The Miami Herald, Miami, Florida Enrique Zileri, Revista Caretas, Lima, Peru 8 MAPA OS RtSCOS PARA JORNAL1S'cAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 7. INDICE Prefacios. 11 i)Diana Daniels 13 ii)Gonzalo Marroquin 15 iii)Enrique Santos 17 iv) Julio Munoz 19 Prolog° 21 Mexico 29 Mapa e Introducao 30 i)Guerra conhecida, Baja California e arredores 35 ii)Poder politico e narcotrcifico: soma de esforcos 65 iii)Regido Sudeste: regido de medo 79 Colombia 99 Mapa e Introduccio 100 i) Regido Norte 109 ii)Regido Andina e Regido Central 117 iii)Regiao Pacifica 127 iv) Regiao da Orinoquia 133 v) Regic5o da AmazOnia 737 Brasil 143 Mapa e Introducer- o 144 i) Regiao Norte 157 ii)Regido Nordeste 165 iii)Regiao Centro-Oeste 171 iv) Regiao Sul 175 v) Regido Sudeste 179 SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JOIZNALMAS 9
  • 8. INDICE (CONTINUAc 'AO) Como se proteger em missoes perigosas Guia Pratico para Jornalistas 193 Documentos essenciais contra a impunidade promovidos pela SIP 197 i)ConclusOes da Conferencia Hemisferica sobre Crimes sem Punicao contra Jornalistas 199 ii) Resolucao oficial adotada pela UNESCO 207 iii) Resoluca- 0 adotada pela Organizacao dos Estados Americanos (OEA) 211 iv) Declaracao de Hermosillo 215 v)Declaracdo de Pucallpa 219 vi) Conclusoes de Nuevo Laredo 223 10 [MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 9. Prefcicios SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 11
  • 10. Nosso objetivo A o publicacao deste Mapa de riscos para ,jornalistas tern doffs bjetivos fundamentais. 0 primeiro 6 documentar a violencia ontra jornalistas, analisar quem sao os responsaveis por ela e sua influencia no trabalho diario dos jornalistas. 0 segundo é alertar e educar os jornalistas locais e correspondences estrangeiros sobre os perigos da cobertura noticiosa para que adotem medidas preventivas para eliminar ou pelo menos diminuir esses riscos. Nenhum .jornalista deve arriscar sua vida para conseguir uma notIcia. Este 6 o quarto livro que publicamos na SIP dentro do Projeto contra a impunidade „gaps ao apoio da 1--,'unclacdo James L. e John S. Knight. Os projetos anteriores ahordavam procedimentos investigativos ineficazes ou falta de investigacCies de centenas de assassinatos de jornalistas cujos cases nao foram solucionados, o que nos levou a defender mudancas juridicas e legais atraves de organs intergovernamentais e governos para combater essa impunidade. Nos tiltimos anos, a violencia contra os jornalistas na America Latina nao diminuiu, mas houve mudancas em termos dos responsaveis e dos locais onde a violencia ocorre. Em 1984, a SIP publicou um folheto chamado "Surviving Dangerous Assignments" ("Como sobreviver a coherturas perigosas") para responder a violencia resultante dos conflitos politicos em varios paises da America Central e dos incipientes processos democraticos na America do Sul. Atualmente, apos esse periodo de instabilidade, as maiores fortes de violencia sao o crime organizado e a corrupcao em varios niveis dos governos. As estatisticas mais recentes de assassinatos de jornalistas revelam que ha certas "terras de ninguem", lugares praticamente sem lei, onde nao ha administracao da justica e onde o trabalho dos jornalistas é extremamente restrito. Esse 6 o caso da fronteira norte do Mexico corn os Estados Unidos, a fronteira do Brasil corn o Paraguai e os territdrios dominados pela guerrilha e pelos paramilitares na Colombia. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 13
  • 11. Noss() objetivo é fazer urn diagnostic() e sugerir medidas preventivas, mas tambern fazer um apelo a comunidade internacional para a criacao e implementacao de instrumentos que permitam combater a impunidade e a violencia contra os jornalistas. Alem da protecdo para urn jornalista ou para uma pessoa comum para que possam exercer sua liberdade de expressao, defendemos e promovemos o direito do 'Abbe° de receber informacOes sem restriciies. u Diana Daniels Presidente (2005 — 2006) Vice-presidente, conselheira-geral e secretaria da The Washington Post Company Washington, D.C. 14 MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 12. Tolerancia zero A o existencia da Sociedade Interamericana de Imprensa. e de utras organizacOes semelhantes demonstra que a defesa a liberdade de imprensa e da liberdade de expressao é urn processo continuo, necessario, e que exige urn grande esforco. Existem muitas ameacas, provenientes de varios lugares. Nenhum pais respeita plenamente a liberdade de imprensa e em nenhum existe uma tolerancia ilimitada corn os meios de comunicacao e Os jornalistas. PressOes politicas, sancoes economicas, artificios legais, represdlias juridicas. e ameacas de prisao sao apenas algumas formas de tentar manipular as informacoes ou impedir sua divulgacao. Mas tudo isso é toleravel. 0 que nao e tolerdvel e que se tente eliminar o mensageiro para impedir a divulgacao das inforrnacCies. Para isso, a SIP pede tolerancia zero. A violencia contra jornalistas 6 a maior agressao a liberdade de imprensa, nao so pela agressao concreta, mas porque o agressor sabe que sua actio pode se ampliar e afetar outros jornalistas e meios de comunicacao. Este Mapa de riscos para jornalistas pretende apresentar, atraves de entrevistas corn reporteres, editores e diretores de meios, a principal conseqiiencia da violencia: a autocensura. Este problema exige um esforco maior por parte das autoridades do governo e da justica para que descubram Os responsaveis. Acabar corn a impunidade e castigar os culpados é justamente romper esse circulo vicioso que al imenta a violencia. SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MA PA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 15
  • 13. Mas a morte do jornalista nfio acontece apenas como represafia por suas opiniaes, criticas ou dentincias. As vezes os reporteres — e seas editores — sao negligentes, nao tomam os cuidados nem as medidas de seguranca necessarias para fazer urn trabalho corn menos riscos, mas ainda de boa qualidade. Este Mapa de riscos para jornalistas mostra as falhas externas e internas da profissao. E justifica plenamente os esforcos e a fideranca da SIP em termos de defesa da profissdo defendendo os direitos e garantias dos jornalistas, seu treinamento e a educacao do ptiblieo. Gonzalo Marroquin Presidente Comissiio de Liberdade de Imprensa e Informacao Diretor do Prensa Libre Cidade da Guatemala, Guatemala 16 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 14. Ate onde vamos A p publicacdo deste Mapa de riscos para jornalistas é mais urn asso significativo do nosso Projeto contra a impunidade e comeco de uma nova etapa que exigird de nos mais esforco e eficiencia. Em 1995, iniciamos o projeto Crimes sem punicAo contra jornalistas, investigando seis assassinatos. Era a primeira vez que se fazia urn estudo profundo sabre as causas e conseqnencias da impunidade, e essa tarefa parecia uma aventura herctilea e talvez utopica. Mas desde entdo, e apOs 60 casos investigados, aprendemos, evolunnos e aperfeicoamos nossa luta contra o absurd() fen6meno dos assassinatos sem punicdo de jornalistas no hemisferio. Fortalecemos nosso trabalho atraves de Orados tais como a Comissdo Interamericana de Direitos Humanos, o que nos permitiu atuar junto aos estados americanos. Corn o nosso trabalho, conseguimos reabrir em alguns paises investigagOes de casos que estavam quase prescrevendo, c conseguimos tambem que fossem criadas promotorias especiais para tratar dos crimes contra jornalistas. Foram criadas promotorias para reforms juridicas que aumentassem a pena dos agressores, que trouxessem mudancas de jurisdicao de alguns casos e para que os familiares das vitimas obtivessem recompensas morais e economicas. Ajudamos Orgdos intergovernamentais tais como a UNESCO e a OEA a criar instrumentos contra a impunidade e fortalecemos os Tacos entre jornalistas e editores mexicanos e peruanos, que se comprometeram a trabalhar juntos para combater a impunidade. Nos riltimos anos, corn o generoso e incondicional apoio da Funclactio John S. e .fames L. Knight, assumimos outra importante tarefa: as investigacOes e o treinamento de jornalistas. Fizemos uma carnpanha SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RESCOS PARA JORNALISTAS 17
  • 15. pUblica de alucacao que convida os cidadaos a protestarem junto a governos de diversos paises. Porque, como falou Rigoberta Menclui, premio Nobel da Paz, em uma de nossas reuniOes, "a luta contra a impunidade é responsabilidade de todos". Ate onde vamos? Nao podemos abandonar nenhuma frente de luta. Investigagoes junto aos poderes judiciais, noes perante orgaos intergovernamentais e governamentais, treinamento para jomalistas, campanhas macicas de educacao e pressao constante junto aos poderes judiciais. Aprendemos que para isso precisamos envoi ver legisladores, j ufzes, desembargadores, advogados, promotores e procuradores. Porque hoje nao temos dtivida de que o melhor antidoto disponivel para combater a impunidade e uma administracao de justica eficaz. u Enrique Santos Calderon Presidente Comissao Contra a Impunidade Diretor do El Tiempo Bogota, Colombia 18 MAPA DE RISCOS PARA ,JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 16. Nosso apoio U m fator decisivo para o sucesso do Programa de Liberdade de Imprensa c, em particular, seu Projeto contra a impunidade, é o apoio generoso e ilimitado que a SW recebe ininterruptamente desde 1992 da Fandacdo John S. e James L. Knight. Esta Fundacao foi sempre composta por grandes visionarios e jornalistas que abracaram a luta pela liberdade de imprensa e contra a impunidade, desde Lee Hills e depois dole Os presidentes da Fundacao, Creed C. Black, Hodding Carter III. Nessa nova etapa contamos especialmente corn Alberto Ibargiien, que nos ofereceu sua lideranca e visa() acompanhando a SIP em sua luta pela defesa e promoca-O da liberdade de imprensa e de expressao no hemisferio ocidental. Devemos mencionar tambem o compromisso de diretores do Programa de Jornalismo, tais como Del Brinkman e Eric Newton. 0 micleo desse projeto é ser uma complementacdo dos princfpios da SIP, que sao a base dos servicos que a Sociedade oferece. Esse apoio se materializou, desde o final de 1992 ate fevereiro de 2006, corn uma contribuicao de US$ 4.941.155. Akin do extraordinario apoio da Fundacao Knight, devemos destacar que nenhum programa da nossa organizac5o e muito menos os de Liberdade de Imprensa e o Projeto contra impunidade teriam tido a relevancia de que gozam hoje se tido fosse pelo apoio e compromisso de cada urn dos membros da SIP. Deve- se destacar tambern que a iniciativa comecou na SIP e expandiu-se para praticarnente todas as organizacOes de imprensa do mundo. A contribuiclio dos membros da organizacdo, medi ante a representacao da SIP em foruns, confer'encias e missOes de delegacOes internacionais varias vezes ao ano, chega a urn total aproximado de US$3.000.000. A esse valor devemos acrescentar US$3.42.5.314 anuais com os quais SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 19
  • 17. nos Ultimos tres anos mais de 330 publicacOes da SIP contribufram no espaco gratuito utilizado todos os meses para a campanha publicitaria "Vamos acabar corn a impunidade". Todos csses esforcos generosos reunidos permitem concretizar as cstrategias de trabalho tracadas e necessdrias para manter viva a miss5o da SIP. 0 Julio E. Mulioz Diretor executivo 20 MAYA DE RISCOS PAPA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 18. Prólogo SO CIEDADE INTER A MERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 21
  • 19. A violencia silenciosa A profissdo de jornalista nas Americas 6 uma profissdo de alto risco. Em todas as atividades da SIP, os reporteres pedem que eu informe o mimero de colegas assassinados, para corn isso validar e destacar a seriedade da frase anterior. Pergunto-me se informar que 290 jornalistas foram assassinados nas Americas nos altimos 17 anos, especificando em que pais ocorreram mais assassinatos e o dado mais adequado para demonstrar a alga periculosidade da profissdo. 0 ndmero parece mentiroso e parece ser so a ponta de urn iceberg porque mostra apenas a violencia palpavel, tangivel. Mas ha outro tipo de violencia, igualmente perversa e mais rasteira. Essa e uma violencia sutil e criativa, feita de ameacas, mascarada em uma chamada anonima, urn envio de uma coroa de times para defuntos a uma sala de redacdo, a inclusdo do nome do repOrter numa "lista negra" dos que serdo julgados on que sdo considerados como "alvo militar". As vezes, as formas tido sdo tao sutis, mas arrogantes e diretas, concretizadas atraves de um empurrao em plena rua ou em uma simples advertencia corn o dedo em riste, e provocador: "Se voce denunciar on publicar alguma coisa... sabemos que escola seus filhos freqUentam". E urn tipo de violencia silenciosa e ainda mais eficaz que o assassinato dos jornalistas. E dificil quantificar esse tipo de violencia porque e pouco denunciado ou porque as organizacoes ndo conseguem monitory-la. Alguns jornalistas nao a levant a serio porque estdo acostumados a conviver corn ela, outros nab a denunciam porque acabam sendo vitimas, e alguns rid.° encontram o apoio necessario. Calam sobre as ameacas que recebem e, o que é pior ainda, calam suas votes. E impossivel impedir que se afastem. Muitos ameacados de morte e corn 22 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 20. medo mudam-se para outros paises, e outros, frustrados e corn seus sonhos destrufdos, procuram profissOes mais seguras. Essa violencia é urn tipo de Berme que corr6i as bases de urn meio e da sua redacdo, enfraquece a auto-estima profissional e provoca reacoes viscerais nas quais o mais importante e o mecanismo de autoprotecdo, o qual cria outro tipo de violencia, mais profunda, social, e que afeta diretamente o fluxo informativo: a autocensura. Essa autocensura foi admitida por varios meios e jornalistas na cidade de Nuevo Laredo, Mexico, durante urn semindrio organizado pela SIP no final de janeiro de 2006 para analisar estrategias para enfrentar a violencia resultante do narcotrafico. Na fronteira norte do Mexico corn os Estados Unidos, onde o crime organizado penetrou e se apoderou de vat-las atividades, inclusive das instituicOes do Estado e do prOprio jornalismo, todos se sentem indefesos e desamparados. 0 inedo é sentido em letras rnaidsculas e sobreviver significa nao investigar, nao denunciar, nem mesmo publican O que fazer? Como enfrentar o narcotrdfico? Mas como? Para que? "Vejam o que aconteceu corn o El Espectador na Colombia", justificou-se um panelista, e todos se lembraram de como o nareotrafico terminou destruindo urn dos melhores jornais do mundo que enfrentou Pablo Escobar e seus comparsas. Foi uma luta desigual, na qual a forca da escrita enfrentou armas e bombas. 0 resultado foi catastrofico para o jornal. Seu diretor, varios jornalistas, gerentes e distribuidores foram assassinados, o predio do jornal foi completamente destruldo e sua vida foi se apagando. Outros meios tiverarn a mesma trajetoria do El Espectador. Depois de varios atentados corn dinamites, centenas de antenas de radio e televisao derruhadas e mais de cem jornalistas assassinados, centenas de exilados e milhares de pessoas ameacadas, muitos meios e jornalistas colombianos optaram pelo silencio. Jesus Blancornelas, diretor do semandrio Zeta de Tijuana, que sofreu urn atentado em 1999 no qual seus principais editores foram assassinados — Hector Felix Miranda e Francisco Ortiz Franco — disse que nas primeiras semanas de 2006 seis jornais mexicanos decidiram nao publicar mais nada sobre o narcotrdfico. "Nat posso dizer quais foram os jornais, muito menus revelar os nomes dos editores. Eu os comprometeria mais e talvez ate de forma fatal." SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS EARA JORNALISTAS 23
  • 21. Os jornalistas ndo se autocensuram so quando precisam difundir informacOes, mas tambem quando precisam denunciar as ameacas de que sao vitimas. Esse foi o ponto mais interessante que surgiu durante a realizavao deste livro. Em grande parte das quare 400 entrevistas corn jornalistas, os entrevistados preferiram licar no anonimato por causa do medo de represalias. EM BUSCA DE RESPOSTAS A SIP resolveu criar urn Mapa de riscos para jornalistas que abordasse os obstacuros mais comuns enfrentados pelos jornalistas nas regiOes mais perigosas para exercer o jornalismo na America Latina, buscando respostas para o problema de como a violencia afeta o exercicio do jornalistno. Entre outros objetivos, a intencao é que este trabalho permita que a SIP e os jornalistas criem estrategias de trabalho para lidar corn a violencia, corn a impunidade, e que esse mapeamento sirva tambem para exercer pressab sobre os paises para que sejam criadas politicas que garantarn a liberdade de imprensa e o exercicio do jornalismo. Foi por isso que desde o final de 2004 e durante 2005 a SIP encarregou Os integrantes da sua Unidade de Resposta Rapida (URR) de fazer esse trabalho. Eles visitaram varios locals, alguns muito distantes, em que o exercicio do jornalismo representa urn alto risco e onde os que exercem a. violencia se nutrem da impunidade: regiOes do Brasil, Colombia e Mexico. Nesse period°, os jornalistas integrantes da URR, Maria Idalia Gomez, radicada no Mexico; Diana Calderon, da Colombia; Clarinha Clock, do Brasil, e Jorge Elias, da Argentina, realizaram 400 entrevistas corn jornalistas, fotografos, editores, diretores de meios, e autoridades dos tres poderes do Estado. Para isso, visitaram 73 cidades ern 48 estados, provincias ou departamentos nos tres paises mencionados. Outra parte importante dessa obra foi o trabalho de Jorge Elias, que se concentrou em outras areas que apresentam dificuldades para o exercicio do jornalismo. Esse trabalho sera incluiclo apenas na versa() eletronica do Mapa de riscos para ,jornalistas. Alem do trabalho para este livro, a URR teve como principal responsabilidade desde sua cria0o, em 2000, real izar investigagoes de crimes contra jornalistas para identificar se foram cometidos por mod vos profissionais e investigar os 24 MAPA DE RTSCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 22. casos de assassinatos que continuam seen puttied°. Ate o momento, a URR investigou 57 casos. Clarinha Glork visitou 32 cidades: Porto Alegre, Foz do Iguaytt, Londrina, Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, Presidente Prudente, Rio de Janeiro, Niteroi, Sao Goncalo, Vitoria, Belo Horizonte, Brasilia, Cuiaba, Campo Grande, Ponta Pord, Salvador, Itabuna, EumipoI is, Santana do Ipanema, Macei6, Fortaleza, Limoeiro do Norte, Recife, Timbadba, Teresina, Sao Luis, Timon, Belem, Maraba, Rio Branco, Porto Velho, Manaus. Essas cidades estao localizadas em 19 estados: Rio Grande do Sul, Parana, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Minas Gerais, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Bahia, Ceara, Pernambuco, Piaui, Maranhao, Para, Acre, Rondonia e Amazonas. Maria Idalia Gomez viajou a 15 cidades em seis estados: Tuxtla Gutierrez, San Cristobal de las Casas. Tapachula, Acapulco, Chilpancingo, Atoyac de Alvarez, Tijuana, Mexicali, Mazatlan, Culiacan, Los Mochis, Hermosillo, San Luis Rio Colorado, Chihuahua e Ciudad Juarez, localizadas nos estados de Chiapas, Guerrero, Baja California, Sinaloa, Sonora e Chihuahua. Diana Calderon visitou 13 cidades em 12 departamentos on provIncias. As cidades visitadas foram: Valledupar, San Vicente del Caguan e Florencia, Cali Armenia Barranquilla, Neiva Santa Marta Cartagena, Ibague, Bucaramanga, Tunja e Cticuta, localizadas nos departamentos de Cesar, Caqueta, Valle del Cauca, Quindlo, Atlantic°, Huila, Magdalena, Bolivar, Tolima, Santander, Boyaca e Norte de Santander. ,Jorge Elias visitou 13 cidades em cinco pafses da America do Sul: La Paz, El Alto, Catavi, e Santa Cruz de la Sierra, na Bolivia; Trelew e Mar del Plata, na Argentina; Assuncao, Capibary, Ybu Yad e Pedro Juan Caballero, no Paraguai; Santiago do Chile e Montevideo c Baltasar Brum no Uruguai. Durante suas viagens, os jornalistas da URR enfrentaram alguns perigos aos quaffs seus colegas estao submetidos. Maria Idalia Gomez comentou que em sua viagem a Acapulco, no estado de Guerrero — ponto de encontro para grupos politicos, econilmicos, sociais e ate do crime organizado — percebeu que estava sendo vigiada. "Dois reporteres me disseram que eu trazia 'cola', termo usado pela vigilancia; urn deles, a pedido SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 25
  • 23. meu, perguntou mais e descobrimos que cram militares do setor da inteligencia. Eu estava sendo vigiada porque acreditavam que eu era estrangeira e estava investigando temas de direitos humanos. Entrei em contato corn algumas fontes das Forcas Armadas para verificar o equivoco e para lidar corn o medo que eu sentia. Admitiram o erro e se desculparam, mas disseram que continuariam me vigiando para me 'proteger'. Tive medo porque em Gerrero ha caciques, guerrilha e narcotrafico; mas tambem terrlveis violacCies aos direitos humanos, cometidas principalmente pelo Exercito, por isso era essencial esclarecer situacdo antes que urn mal-entendido resultasse em algo grave." Diana Calderon comentou que alern das ameacas, seus entrevistados falaram sobre os riscos que enfrentam quando trabalham em areas rurais, algo que ela mesma pode confirmar. "Senti tambem nos departamentos de Caqueta e Magdalena uma sensaciio de medo constante devido a presenca de paramilitares e guerrilheiros nessas areas e, principalmente, porque se sabe que pessoas comuns, taxistas, lojistas, e ate alguns entrevistados sao informantes diretos dos grupos marginal s." Jorge Elias tambem teve amostras dos perigos. No norte do Paraguai, enquanto investigava os assassinatos dos jornalistas Benito Ramon Jara e Salvador Medina Velasquez, soube que nao era conveniente passar a noite naquele local. "Quando voltei a Assuncao, por uma estrada esburacada, tive como escolta uma caminhonete na qual homens mal encarados e corn bigodes espessos nao se afastaram do carro em que eu estava ate que chegasse ao meu destino." "Por mais de uma vez fingi ser um Parente distante ou medico de algumas das vitimas da violencia contra jornalistas para poder entrar em prisOes ou poder obter custOdias policiais. Em outras, a tarefa tornou-se perigosa pelo simples fato de eu ser um estrangeiro em vilarejos distantes nos quais a minha presenca despertava suspeitas", acrescentou Jorge Elias. Dentro desse clima de incertezas, este trabalho revelou um alto Indice de indiferenca entre varios jornalistas sobre a violencia que Os afeta e demonstrou que muitos nem sequer conseguem identificar os fatores de risco aos quais estao submetidos. Alguns, inclusive, nao consideram o narcotrafico entre esses fatores, ja" que ha anon optaram por nab informar sobre esses fatos, conseguindo assim urn pouco de tranquilidade. Outros reconheceram alguns riscos, como, por exemplo, constantes intimacOes judiciais ou pressOes 26 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 24. governamentais, depois que foram interrogados pelos entrevistadores e refletiram urn pouco mais sobre o terra. A criacalo deste Mapa de risco para jornalistas foi tambem uma oportunidade para jornalistas que pela primeira vez puderam falar sobre os seus problemas, as ameacas e os riscos aos quais se expOem. "Muitos reporteres, depois de conversas demoradas, terminavam me dizendo que tinham varias coisas para contar e que ninguern os tinha escutado antes. Suas experiencias perigosas, seus medos cotidianos e ate suas condicOes de trabalho, tanto para enfrentar o risco quanto para seu desenvolvimento pessoal, cram os temas que mais queriam abordar", observou Maria Idalia Gomez. OBRIGACAO DE TODOS Este Mapa de riscos para jornalistas serve como urn diagn6stico. Revela o cfrculo vicioso e dinamico em que proliferam a violencia, a impunidade e a autocensura. Todos os setores envolvidos sao forcados a buscar e apontar solucOes para a seguranya dos jornalistas e para a defesa da liberdade de imprensa e de expressao. Esse e um problema de todos nos. O Estado, e seus governos, e quern deve velar pelas garantias constitucionais e garantir que a lei e a administracao da justica imponham a ordem necessaria. 0 crime organizado e a corrupcdo sao fonte e estimulantes da violencia e da intolerancia contra a imprensa e Os jornalistas. Sem lei nem justica nao estrategia valida para combater a impunidade. Os meios nao podem se contentar em usar a autocensura como sua principal medida para lidar corn a violencia. Tema frente o desafio e a responsabilidade de analisar e apresentar estrategias jornallsticas que lhes permitam informar corn criatividade e coragem, assim como fornecer seguranca e treinamento necessarios para seus funcionarios. Os jornalistas tampouco podem ser agentes passivos no processo. Alem do seu compromisso corn os seus meios, tern a obrigacao de elaborar seus proprios pianos de treinamento e de protecao pessoal para distinguir e classificar os perigos corn mais facilidade durante seu exercfcio profissional. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 27
  • 25. E obrigacito das instituicoes que se dedicam a liberdade de imprensa manter sua vigilancia e Iideranca para garantir o livre e seguro exercfcio do jornalismo, assim como motivar uma consciencia social sobre a profissao como valor essencial da liberdade de expressao, da vida democratica e do bem comum. ANEXOS DESTE LIVRO Na luta contra a impunidade, as cidades de Guatemala, Hermosillo, Margarita, Nuevo Laredo, Paris, Pucallpa e Tegucigalpa tern algo em comum. Nelas, a SIP promoveu e ajudou a criar documentos que oferecem urn enfoque melhor para lutar contra a violencia que cerca a imprensa e os jornalistas. Estes documentos estao inclufdos no final deste livro e defendem medidas que deveriam ser adotadas em varias posicOes e perspectivas: desde governor, orgaos intergovernamentais e organizacOes nae governamentais, ate associacoes de imprensa, sindicatos de jornalistas, meios de comunicacao e faculdades de comunicacao. 0 primeiro deles foi criado em 1997, dentro da SIP, depois da sua Conferencia Hemisferica sobre Crimes sem Pun icao contra Jornalistas realizada na Guatemala. No final desse mesmo ano, a UNESCO adotou na sua sede em Paris a resolucao 120 e, em 1998, a preocupacao corn a impunidade refletiu-se em uma resoluyao da Organizacao dos Estados Americanos durante sua assembleia geral na ilha de Margarita, na Venezuela. Esses documentos foram essenciais para que a OEA decidisse criar uma relatoria especial sobre liberdade de expressao dentro da Comissao Interamericana de Direitos Humanos, pedido que a SIP corroborou desde o documento da Guatemala. Mais recentemente, em 2005, a solidariedade e unido dos editores e diretores de meios do Mexico e do Peru foram expressas nas declaracoes de Hermosillo e Pucallpa, que apresentam pianos de acao imediata para combater a impunidade. Em janeiro e fevereiro de 2006, as conclusifies dos seminarios e conferencias em Nuevo Laredo e Tegucigalpa solicitaram, tambem, medidas para a protecao dos jornalistas e a reduyao dos riscos nas coberturas noticiosas. u Ricardo Trotti Diretor de Liberdade de Imprensa e do Institute de Imprensa 28 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 26. Mexico Por Maria Idalia Gomez* * Maria Mafia Gomez Silva é jornalista freelancer no Mexico especializada em temas de seguranca nacional, justica c direitos humanos. Colabora corn o jornal El Universal, diversas revistas e corn a XEW- RADIO, tanto no seu pais quanto no exterior. Trabalhou na Agencia Detras de la Noticia, no Milenio Diario e Milenio ,S'emcmal, nos jornais El Independente, El Economista, Reforma, El Norte e El Universal. Formou-se em comunicacao e jornalismo pela Universidade Autonoma do Mexico. Suas materias foram publicadas em livros da Comissao de Direitos Humanos da Cidade do Mexico. Em 1998, recebeu o premio por "Excelencia" do jornal El Universal. E co-autora do livro Con la muerte en el bolsillo, seis desaforadas historian del nareotrdfico en Mexico, publicado em 2005 no Mexico e na Argentina pela Editorial Planeta. 0 livro ganhou o Primeiro Prernio Planeta de jornalismo 2005. E investigadora da Unidade de Resposta Rapida da SIP no Mexico desde agosto de 2004. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 29
  • 27. BAJA CALIFORNIA SON ORA, CHIHUAHUA EX arcotrafico UERREit0 , • Pressoes ou",ameacas dos politicos ou governos Policiais involvidos em ameaçasou. assasSinatos de Jornalistas ensura arcada rime or Autocen meios i sobre te ao nano
  • 29. Introduce/do SOCIEDADE INTERAMEIDEANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 33
  • 30. p aira hoje sobre o Mexico uma grave ameaca ao exercicio livre do jornalismo. 0 crime organizado transformou-se, em diferentes regiCies do pais, em censor e guardiao desse officio, sempre defendendo seus interesses. Em alguns lugares, a evidencia é palpavel, em outros mais di-ail de identificar porque sua presenca 6 disfarcada. A grande maioria dos reporteres optaram pela autocensura, nao fazem mais investigacOes e nem sequer materias sobre as mafias e seus tentaculos. Nas cidades ou regiOes onde os jornalistas enfrentam o desatio, os resultados sao ameacas, press-6es, perseguicOes e, na pior das hipOteses, a morte. No norte do pais, principalmente nas cidades proximas as fronteiras e no sul do territorio, sao comuns as ameacas, as "abordagens" (levantes) e os assassinatos de jornalistas mexicanos. A situacao so nao e mais grave devido a autocensura que existe nessas regioes "Nao queremos ser herois e tampouco vitimas", conta Gregorio Medina, diretor do jornal El Debate de Mazaticin, mas isso esta acontecendo porque as autoridades nao estao fazendo seu trabalho. Nao é facil conviver corn o medo c corn a morte diariamente, como ocorre em Chiapas, Guerrero, Tamaulipas, Sinaloa ou em Baja California, por exemplo. Denunciar a coi-rupcao e os traficantes nao traz nenhum saldo positivo, muito polo contrario. As pessoas dizem "que nab valeu a pena", afirma Jesus Blancornelas, cuja cabeca foi posta a premio. Este perigo que espreita permanentemente Os jornalistas das fronteiras do pais nao encontra eco no centro do territorio. Sao poucas as vozes que se solidarizarn e divulgam o que ocorre, por desconfianca ou desconhecimento. A SIP percorreu alguns dos Estados da Repiiblica Mexicana em que as estatisticas mostram maiores riscos para jornalistas, corn enfase nos que ficam nas fronteiras norte e sul do pais, onde os conflitos sao mais acentuados. Chiapas, Guerrero, Baja California, Oaxaca, Sinaloa, Tamaulipas, Chihuahua sao algumas dessas localidades. 0 Mapa de Riscos do Mexico é urn mosaico de historias que revelam a intolerancia, a impunidade, o poder politico, o medo e a resignacao diante dos perigos que enfrentam os jornalistas no Mexico. Sao historias contadas pelos que vivem na pele esses perigos. 0 mapa mostra tambem que nao se conhecem a fundo, no Mexico, as ameacas que existent nessa profissao e que influem direta ou indiretamente no trabalho cotidiano. A vulnerabilidade talvez seja maior porque essas ameacas nao sao discutidas. A situa.cao atual do Mexico, no que diz respeito ao exercicio livre do jornalismo, aos riscos que poderiam poi- em perigo a vida dos jornalistas, pode ser classificada da seguinte forma: Zonas de risco muito alto: Tamaulipas; Baja California e Sinaloa - Zonas de alto risco: Sonora, Chihuahua e Guerrero - Zonas de risco: Veracruz, Mexico, Nuevo Leon, Coahuila, Chiapas, Michoacan e Oaxaca - Zonas perigosas ou dificeis: Distrito Federal, Jalisco, Morelos, Campeche e Yucatan. No resto do pais, parece que o nivel de risco é normal. u 34 MAPA DF, RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA
  • 31. I Guerra conhecida, Baja California e arredores SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 35
  • 32. E ra uma tarde tranquila de mare() de 2000. A festa de aniversario de uma jornalista do La C'ronica, na Baja California, garantia uma noitada divertida na pequena e quente cidade de Mexicali. Para Marco Vinicio Blanco e seu colega fotografo, era uma sorte nao ter que cobrir algum furo informativo, porque ha dois anos cram responsaveis por temas de seguranca pnblica, e isso se traduzia em joma.das de trabalho que podiam se estender ate a madrugada. Para urn estranho, poderia parecer urn paradoxo numa cidade tao jovem (fundada. em 1903), corn cerca de 764 mil habitantes e 13.000 km2 de territorio ter tantos problemas de seguranya. Mas assim era., em Mexicali era possivel ocorrer uma execucao em plena rua ao entardecer, urn confronto armado entre gangues ou contra policiais, roubos nas rims ou a compra e venda de drogas em alguns dos 500 locais disfarcados onde se podia encontrar cocaina, maconha e, cada vez mais, drogas sinteticas. Por isso, como reporteres, sempre tinham que estar perto do telefone e do radio que transmite constantemente a frequencia da policia. Mas nesse dia de marco fit& parecia calmo. Algumas horas se passaram, e as bebidas e os refrigerantes estavam quase terminando, o que ameacava acabar corn a festa. Marco Vinicio e seu companheiro de guerra se ofereccram para comprar o necessario. Encontraram um bar a alguns quarteirOes e entraram para fazer o pedido. Ap6s alguns minutos, dims caminhonetes estacionaram na frente do local. Urn homem seri° e hem vestido desceu do carro apressado, escoltado por outros corn ar malicioso. Caminhou diretamentc para Os jornalistas e se apresentou como um tal de Barraza. - Soube que voce recebeu uma informacao equivocada — provocou o desconheci do . 0 homem e sua declaracao pegaram Blanco de surpresa, c ele respondeu apenas corn uma expressao interrogativa. - Sim, — confirmou Barraza - parece que o agente interpretou mal a intencao da mensagem e ehegou ao extrcmo de ameaca-lo... "El Licenciado" quer conversar coin voce para esciarecer as coisas, porque nao era assim o assunto, era como amigos. 0 assombro dos jornalistas aumentou e, pouco a pouco, o medo tambem. Lembraram-se de que o homem se referia ao encontro que haviam tido algumas semanas antes no hotel Luccrna corn urn policial que Blanco conhecia, mas que, naquela ocasiao, fazia o papel de mensageiro. - "El Licenciado" me chamou e me disse que, como eu o conhecia, achava que era o melhor caminho para the mandar uma mensagem, que tern E duas partes: a boa e a ma. A ma é que voce deve retirar a informacao on morre. alguma coisa pessoal? A boa é: quanto voce quer? 0 episodio havia ocorrido no final de fevereiro. 0 jornalista havia investigado e publicado varias materias exclusivas sobre o confronto entre dois grupos de narcotraficantes em "La Ahumadita", urn povoado a 10 quilometros de Mexicali, onde agentes da policia estadual haviam bloqueado a passagem e escoltado Israel 36 MAPA DE RISCOS PAPA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 33. Coronado, urn dos feridos, ate uma clinica, onde o deixaram corn dinheiro e foram embora. Horas mais tarde, sua. familia o pegou e o levou a San Diego. Esse jovem era sobrinho de urn ex-comandante da policia e trabalhava para Gilberto Higuera Guerrero, suposto integrante do cartel de Tijuana, embora ainda fosse urn quase desconhecido, pois nao se sabia do papel tao importante que desempenhava dentro da organizacdo dos irmaos Arellano Felix. E Blanco, sem saber, estava descobrindo isso tudo. Depois de reccber as informacOes do agente, Marco Vinicio pediu que lhe dense urn dia para falar sobre o assunto no jornal, porque a publicaeao da informacao nao dependia dele, e a ameaca se estendia aos diretores e tambem ao rep6rter Carlos Lima. Na redacdo do La Cronica, os diretores, o chefe de in fOrmacOes, Marco Vinicio e Carlos discutiram muito sobre o que fazer e concluiram que "nenhuma informac5o merece por em risco a vida". Nada mais foi publicado sobre esse caso. Blanco acreditava que o assunto tivesse sido encerrado e que nao teria mais problemas. Mas ali estava, diante de urn desconhecido escoltado por alguns mal- encarados, e que the dizia que "El Licenciado" queria converser corn ele. Tentando nab mostrar a agitacao que lhe fazia palpitar o coracao e querendo se safar da melhor forma possivel, tentou ser amavel e mostrar tranquilidade: - Sim, corn grazer converso corn eles, mas amanha. - Nao, agora. Espero voce em uma hora em frente ao bar Oxxo, que fica na avenida Quintana Roo - concluiu Barraza, sem esperar resposta. Os hornens se foram. Os reporteres do La Cronica, como num reflexo, verificaram seus relogios. Sentiram entao que so lhes restava uma hora de vida. Pensaram em telefonar a dois de seus amigos e dizer-lhes que, se ern uma hora nao se comunicassem corn eles, ligassein para o jornal, para todas as entidades possiveis e fizessem muito escandalo. "E a Unica coisa que podemos dizer", disseram aos amigos que contataram. Foram ate o local indicado por Barraza. Esperaram 10 minutos ate que apareccram duas caminhonetes, as quais se somaram duas motocicletas. Fizeram sinal para que se integrassem ao grupo. 0 carro do reporter ficou no meio das caminhonetes, tendo ao lado as motocicletas. Urn cortejo digno de uma celebridade. Cruzaram o centro da cidade e chegaram ao estacionamento de uma sinuca. O lugar tinha pouca luz. Os carros parararn; dava para ver seus respectivos motoristas apoiados sobre o volante. Barraza saltou do carro. - Voce vai ficar aqui - disse, apontando para o fotografo. - E voce, - referindo- se a Blanco — vai entrar nesse carro (que parecia Grand Marquis ou o Crown Victoria), ao lado do motorista. "Estou perdido", pensou Marco Vinicio, supondo que o levariam para mate-lo. Ainda assirn seguiu as indicaedes e entrou no carro, cujo interior estava pouco iluminado. Percebeu que ali dentro estava um homem que devia ser o chefe. - Sou Gilberto Higuera - ele se apresentou, corn voz grave. - Marco Vinicio Blanco, senhor Higuera - respondeu. SOCIEDADE INTERAMERICA NA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 37
  • 34. - Este idiota foi ameaca-lo - adiantou-se Higuera - mas nao, nao se trata disso. Era so para fazer onda corn voce, saber se tinha algo pessoal contra mini, se estava sendo pago para me pegar. -Nao, e so trabalho - respondeu Blanco, imediatamente — So fazemos publicar as intOrmacOes que recebernos. - 0 que acontece e que, em muitas ocasiOes - relatou Higuera — Os inimigos nos rnetem em encrencas e nos nao tcmos nada a ver corn elas. Nesse assunto (de "La Ahumadita") eu dei urn jeito no garoto, me encarreguci que o levassem sem nenhum problema, mas nao tive nada a ver corn esse tiroteio, nem nada disso... Marco Vinicio escutava corn atencao. Pelo modo como Higuera falava corn ele, concluiu que nao o matariam, pelo menos nao naquele dia. Seu medo comeeou a diminuir. - Eu sou dos bons, nos trabalham.os corn a autoridade — garantiu Higuera. E con tin LOU. - Sequestraram recenternente urn cambista. Quem voce acha que o resgatou? NOs, os plebens, e o entregamos a policia e eles ficaram corn os louros. Somos ajudantes, Cu nao me meto aqui, nab passo dos limites, nao mato, nem nada disso, mas nada mais, para que deixem que en faca o rneu trabalho... Passaram-se 45 minutos. Despediram-se amigavelmente e, antes de sair do carro, Higuera the den urn nnmero de urn celular: - Quando fiver algo que me envolva, tale comigo, eu the digo se e verdade ou nao; se for, digo, e se nao, digo mais ou menos quern foi. - Leve este carro de uma vez - concluiu Higuera. -Nao. Nao posso chegar corn este automOvel - respondeu, sobressaltado, Marco Vinicio. -Entao, tome — insistiu, tirando dinheiro de sua carteira. - Olha, se quer me ajudar de algum maneira, é so me passar informacOes. - Esta bem. Os jornalistas foram embora e, a alguns quarteirOes de distiincia, pararam, respiraram fundo e telefonaram para os amigos para avisa-los que nao fizessem nada, que "estavam bcin". Higuera Guerrero cumpriu sua palavra. Sernanas depois, enviou a redaeao do La Cronica urn documento sobre o assassinato de Alfredo de la Torre, entao diretor da policia municipal, informacao que incluia ate fotografias e que so as autoridades tinham. Urn telefonema em seguida explicou por que havia enviado o pacote: - Estamos quites, nao? — o reporter escutou, do outro lado da linha. Era "El Licenciado". Marco Vinicio nao voltou a se comunicar corn Higuera. Quatro anos depois, em agosto de 2004, confirmou que era ele o encarregado da praya de Mexicali, o homem que havia terminado corn os inimigos c concorrentes da regiao. A Secretaria de Defesa Nacional informou sobre sua prisao e a.presentou sua fotografia. 0 repOrter comprovou entao que aquele era o homem corn quem havia conversado. 38 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 35. SINAIS DE MUDANCA Em Mexicali, corno em toda a fronteira norte do Mexico, o medo muda a forma de fazer reportagens, impoe urn limite e define qual é o caminho que se quer seguir. 0 caminho escolhido foi„ em sua maioria, o da autocensura. Existe urn fio que une Os estados mexicanos em que o jornalismo e sinOnimo de risco, e esse fio d o crime organizado. Entretanto, esse monstro espreita, controla ou ataca de forma diferente, dependendo do lugar, corn suas matizes e limites; corn setts proprios codigos e riscos; diante de distintos contextos e realidades que Ihes fazem Unicos, pois existem lugares em clue se conjuga o "caciquismo" (regime de "caciques"), em que se enfatiza mais a corrupcao, Os grupos organizados sac) mais virulentos ou a estrutura social e apatica e ate tolerante. De qualquer modo, o risco que enfrenta urn jornalista e mais grave sea capacidade de aplicar a lei é pouca ou nula por parte dos que tern a responsabilidade de faze-lo: os govemos municipais, estaduais e federal. Ate agora, nenhum homicidio, atentado ou ameaca sofridos por jornalistas no territorio mexicano foram investigados a tondo nem todos os envolvidos foram sentenciados. 0 resultado contra os meios de comunicacao e suas equines de trabalho vem sendo silencioso, progressivo e contundente: ameacas, atentados e assassinatos. OASIS E TEMPESTADE Viver na Baja California é viver nos extremos, compartilhando a fronteira corn o pais mais poderoso. Transitarn nessa linha cerca de 180 mil pessoas por dia. Viver ali e viver corn urn milhao de pessoas que estao de passagem depois de tentar chegar aos Estados Unidos. Ha centenas de cruzes pregadas na vegetacao da fronteira, revelando o alto nnmero de mortos entre os que tentaram trabalhar como "mojados" (mexicanos que atravessam a fronteira). La estao tambem ao alcance da mac) a majestade do deserto, as dunas e os bosques. Estee urn dos estados mais jovens do Mexico, criado nos anos 50 por decreto presidential e corn menos de tres milhOes de habitantes. Tern cinco muni.cipios: Mexicali, Tijuana, Tecate, Ensenada e Praias de Rosarito. Os tres primeiros se unem corn a fronteira dos Estados Unidos ao longo de 250 quilometros. 0 local é uma mistura de perdas e ganhos. 0 lado positivo e ser uma passagem comercial obrigatOria; tern 900 fabricas que permitem que mais de 200 mil pessoas sobrevivam; exporta grande parte da producao interna; registra um dos indices mais baixos de desemprego do pais. No lado negativo, a lista e major: 12% da populacao 6 dependente de alguma droga; o territorio e utilizado para o transporte de estimulantes, os niveis de violencia e inseguranya continuant crescendo, e registra-se o mais alto nnmero de delitos denunciados no pais: quase 115 mil. Baja California é uma terra de passagem, de busca de oportunidades e de SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALBTAS 39
  • 36. violencia social. E urn oasis e uma tcmpestade. Foi por uma decada territorio liberado para os irmaosArellano Felix, considerados os chefes do cartel de Tijuana, e que eram capazes de vender uma tonelada de cocaina na California, Estados Unidos. Corromperam autoridades c mantiveram a regiao sob a tirania do terror, da pistola e da metralhadora. Apesar da morte de Ramon e da prisao do seu irmao Benjamin, a situacao esta piorando. TRABALHAR EM MEXICALI Mexicali é uma cidade pequena, de ruas largas e de pouco transit°, de cor chocolate por sua terra escura. Chegar la é entrar no vale mais profundo, abaixo do nivel do mar, em urn oasis depois do desert() que se deve cruzar para chegar ali. Ha 10 anos era um local tranqiiilo, em comparacao, sobretudo, corn uma cidade como Tijuana, que luta corn a violencia c a corrupyao. Os relatorios da Procuradoria- Geral da Repitblica (PGR) afirmam que é uma regiao onde os narcotraficantes decidiram que suas familias viveriam; mas em meados dos anos 90 comecaram mudar-se para Ensenada. Entao Mexicali perdeu o bencficio dessa protecao, e seu impel como lugar de passagem para a droga intensificou-se. A cidade, que pode ser percorrida em 20 minutos, foi se transformando e decompondo. Em 2003, ocorreram cerca de 50 execucOes atribuidas ao narcotrafico; no ano seguinte, foram mais de 70, c ate junho de 2005 ja se contavam 30. O narcotrafico e seni dirvida o principal risco que enfrentam os jornalistas de Mexicali. A corrupcao e a impunidade aumentam o perigo. Marco Vinicio Blanco, agora jomalista do El Mexicana, sabe disso, e desde que foi ameacado mudou sua visao do jomalismo. - Sempre flea algo — reflete - Nunca you me esquecer desse sentimento de estar tao perto da morte. Ainda saio do escritorio e Faso percursos di ferentes todos os dias, sempre olhando para tras e pensando que poderia haver alguem me esperando. Blanco tern estatura media, olhos pequenos e um pouco rasgados, é simples e risonho. Corn 10 anos de cxperiencia profissional, reconhece que sua experiencia fez refletir, amadurecer e aprender muito. Agora prefere cobrir assuntos da cidade e somente da apoio a colegas coin os temas de seguranca pUblica. - Aprendi a pensar duas vezes antes de resolver como abordar a materia a ser publicada e a perceber sinais que possam per em perigo a vida. Aprendi a tratar os ternas corn mais seriedade, a buscar sustentacao na inforrnacao. Tambem aprendi que devia ter muita comunicacao corn Os colegas para saber o que esta acontecendo no estado ou na cidade e, quando for necessario, encarar os riscos.juntos - explica Blanco. la se passaram cinco anos desde que eie e Carlos Lima foram arneacados e outros riscos se acumularam. 0 mais grave, concordam, é que se romperam os codigos antes respeitados pelos narcotraficantes. Agora pode acontecer de tudo, mesmo que um jornalista sign as regras que antes todos acatavam: nao publicar assuntos pessoais ou familiares dos narcotraficantes, escrever a verdade e nao atacar urn sO grupo. 40 MAPA llE RISCOS PARA JORNAL1STAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 37. Antes nao se vivia corn medo em Mexicali, e era mais facil enfrentar as ameacas recebidas. Lima conta que em marco de 2000, por exemplo, cinco policiais federais perseguiam urn bornem que, por acidente, havia Ihes dado urna fechada. Au sentir- se perseguido, o homern, por seguranca, se dirigiu as instalacOes da policia, mas os policiais federais chegaram tambem, fizeram-no sair do carro e lhe apontaram uma arena. Cerca de 30 agentes correram para ver o que estava acontecendo e cercaram os federais. Apontaram as armas uns para os outros, e estavam prestos a se enfrentar quando chegaram seus superiores e acalmaram a situacao. Essa cena foi registrada pelo reporter do La Cronica, ate que os policiais federais se deram conta de que estavam sendo fotografados. -Por fazer a foto e a reportagem, por cumprir corn o nosso trabalho, comecaram a dizer: "Votes vao pagar, nos vamos mata-los'. Essa ameaca foi feita a Alberto de la 011a e a mien. 0 jornal publicou o ocorrido, a PGR abriu uma investigacdo previa e prestamos depoimento. Nunca aconteceu nada. - Agora as ameacas, por mais simples que parecam, sao encaradas coin mais cuidado, considerando que este tipo de crime se tomou mais selvagem — observa Lima. — E as autoridades nao investigam. Uma ameaca inibe o trabalho cotidiano. Lima é editor da secao Mexicali do La Cranial. E urn homem de poucas palavras e de sorriso facil. Ha 16 anos exerce o jornalismo, foi ameacado varias vezes e foi testemunha da deterioracdo da cidade, do seu estado e da transfortnacao da sua profissao. - Em Mexicali — garante Lima — ninguem mais se assusta coin nada. Ha 10 anos uma execucao aparecia ern uma noticia de oito colunas. Em 2004, houve mais de 70 assassinatos. Destes, pelo menos a metade estava vinculada ao narcotrafico. Antes, as execticoes eram fora da cidade, no vale de Mexicali, aparecia um corpo cm uma estrada ou canal. Agora, em uma semana houve oito execucOes e, em alguns casos, deixaram os cadaveres a alguns quarteirOes do quartel de policia ou de outros escritorios pnblicos. E ha confrontos ao meio-dia. -0 mais grave — acrescenta — e que as autoridades justificam as execticoes dizendo que acontecem entre os Marcos". Ndo investigam por cumplicidade, medo ou incapacidade. Segundo Lima, os cidaddos consideram como fato comum que nos arredores da cidade aterrissem aviOes carregados de droga, que existam pequenas lojas para venda de cocaina e maconha, e os "picaderos" onde os compradores se injetam heroina ou fumam crack. A policia sabe de tudo isso c ride) pode erradicar esse mal. As pessoas preferem se calm-. E verdade que em Mexicali, como em Tijuana, 6 dificil confiar na policia e, em geral, nas autoridades. Ha muitos casos de servidores pUblicos acusados penalmente por sua ligacao corn o crime organizado e outros que foram assassinados por nao cumprirem seus pactos. - 0 narcotrafico 6 urn risco recorrente para o jornalismo porque esta crescendo de maneira ineontrolavel e infiltrou-se na policia — enfatiza Lima. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAYA DE RISCOS PARA JORNALIS'I'AS 41
  • 38. MENSAGEM EM CHAMAS Urn pequeno estalido precedeu a imensa chama que engoliu grande pane do interior do automovel que, a 1h40 da madrugada, estava estacionado em frente casa do reporter Hector Alguns policiais que patrulhavam a area e urn motorists de taxi que procurava passageiros passavam em frente ao carro quando viram o logo. Desceram para apagar as chamas e acordar o dono da casa, que nada havia escutado. Era marco de 2004 e, meses antes, Galvan havia recebido ameayas por seu trabalho de fotografo e jornalista para urn jornal de Mexicali, mas desconhecia os motivos. Cobria ha mais de 20 anos as fontes policiais e nunca tinha recebido ameayas. Apesar de ter apresentado uma denUncia para a Procuradoria-Geral de Justica de Baja California, nunca soube quem foi o responsavel ou por que o assunto nao foi solucionado. A Unica certeza que teve era de que lhe enviavam uma mensagem sobre Como ele e sua familia eram vulneraveis. Comeyou a ter mais cuidado, mas disse que nao mudou sua forma de trabalhar. "Tenho medo, mas nao deixo que tome conta de min), so o utilizo como uma proteyao", observa Hector CaIvan. OS "POLLEROS" Estas historias sao apenas al t.imas entre as tantas do jornalismo em Mexicali, onde os salarios para os reporteres de meios impressos ficam entre 3.500 e 12.000 pesos mensais (aproximadamente 350 a 1.200 Mares); em uma cidade onde, para viver bem, é precis() ter pelo menus 10.000 pesos por mes (1.000 Mares). Ao cenario de riscos soma-se outro element() que e urn perigo real: os traficantes de pessoas, tambem chamados de "polleros" (coiotes). Eles sao capazes, conta Luis Arellano Sarmiento — correspondente do semandrio Zeta, em Mexicali -, de perseguir fotogralos e cinegrafistas para tirar-Ihes seus equipamentos e ameaca-los de morte. - Os que se dedicam ao trafico de pessoas adquiriram muito poder economico; em geral, nao tern muita educacao e nao sabem o que fazer coin esse dinheiro acrescenta Marco Vinicio Blanco. Outro risco mencionado pelos repOrteres de Mexicali sao as intimacOes das autoridades. Em outro contexto, poderiam nao ser uma ameaya, mas como a con-upcao e muito grande e os agentes tratam de suprir suas deficiencias corn o trabalho jornalistico, entao, sim, transforma-se em urn perigo. Jose Manuel Yepiz, reporter do La Cronica, recebeu 10 intimaybes em quatro anos por investigay Cies estaduais e federais. Responder a elas, comenta, cria urn desanimo no trabalho e significa muita perda de tempo. E uma forma de pressao, "nao avisam por que voce esta indo la e nem para quern voce vai dar o depoimento; ha desconfianya diante de tudo, voce nao sabe corn quem vai acontecer ou como sera a corrupyao". 42 IVIAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 39. Parece estranho que, em uma cidade em que pouco a pouco a violencia se apodera das ruas e as ameacas sao graves, ate agora nenhum jornalista tenha sido assassinado. Isso pode acontecer a qualquer momento, sem dilvida, como aconteceu em cidades vizinhas, a apenas dual horas de distancia de Mexicali: Tijuana e San Luis Rio Colorado (Sonora), lugares em que o narcotrafico foi capaz de apertar o gatilho. Uma das explicacOes e que os reporteres e Os meios de comunicayao se impuseram limites sobre como informar sobre o narcotrafico. Pouco se investiga sobre os poderes locais destes grupos e, quando isso é feito, omite-se o nome dos reporteres. Os meios informativos que se aniscam a publicar as investigacOes tratam as reportagens com cuidado. - NA° existem condicoes cm Baja California para se envolver nas investigacOes destes casos — assegura Yepiz — A carga de trabalho cotidiano, o fato de que as empresas nao interesse que seu pessoal se arrisque, e o proprio repOrter, que prefere nao fa.zer nada diante do risco que corre, fazem corn que nao se investigue, a nab ser em pouquissimos casos. ESQUIVANDO-SE DA MORTE Durante varias semanas teve que suportar encontrar animals mortos a tiros deixados na frente da sua casa. Benjamin Flores contou a seu amigo Sergio Haro, que ficou preocupado corn ere, porque em San Luis Rio Colorado falar de chumbo, morte, sangue e drogas, de corrupcao e de "polleros" (traficantes de pessoas), e falar de algo freqtlente demais. Mas publicar e denunciar, isso beira ao suicidio. 0 jornal La Prensa fez isso durante mais de cinco anos, desde que Flores o fundou. - Nao tern medo de que o matem? — perguntou Haro a Flores, em uma conversa pelo telefone. - Tenho, mas o que you fiver? — respondeu corn certa tranqiiilidade o jornalista, talvez porque aquela nao fosse a primeira ameaca que recebia, e por ja ter sido processado varias vezes por di famacao e ate perturbacao da ordem pnblica. Dias mais tarde, em 15 de julho de 1997, Flores, de apenas 29 anos de idade, era assassinado quando chegava no seu jornal. Em pleno dia, na presenca de seus colcgas, dispararam uma rajada de metralhadora AK 47 c tres tiros de uma pistola calibre 22. Era impossivel que Flores deixasse de falar de narcotraficantes e de corrupcao em urn lugar como San Luis Rio Colorado, urn corredor estrategico para os narcotraficantes que recebem a droga no Golfo da California ou em algum ponto proximo em terra para para o estado de Arizona ou para a California, nos Estados Unidos. Existe pouca vigilancia nos dois lados da fronteira e muitos policia.is mexicanos complementam seus magros salarios corn subornos. E uma cidade pequena (8.412 km2), sozinha no meio do deserto de Altar, a zona mais arida do Mexico. Tern pouco mais de 145 mil habitantes, que sobrevivem do comercio, indrIstria, pesca, agricultura e pecuaria.. No mapa aparece em Sonora, o lugar mais afastado de Hermosillo, a capital do estado, a oito horas pela estrada. SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DL RISCOS PARA JORNALISTAS 43
  • 40. Por isso os habitantes se sentem mais perto de Mexicali, ainda que nunca se sintam "bajocalifomianos". Registram-se diariamente cinco roubos a casas particulares, delito mais comum, assirn como a detencao de pessoas sem documento que se esforyam para cruzar para os Estados Unidos. A major parte das ruas nao esta pavimentada. F urn lugar simples, mas tambem de estranhos contrastes. Do nada, entre casas modestas e mas empoeiradas, foram construidas enormes mansoes, muitas delas corn piscina, salks de jogos e decoracao cara, corn caminhonetes Ultimo modelo. Sobressai a grande quantidade de casas de cambio sempre abertas, como se a economia da cidade fosse prospera, quando, na realidade, é apenas suficiente. Urn dos negocios que mais prosperou foi o dos chamados "picaderos", onde se vendc e consome droga. Calcula-se que somente em San Luis Rio Colorado existam 5 mil viciados, alem dos estrangeiros que cruzam a fronteira para comprar suas doses mais baratas nas chamadas lojinhas. Os habitantes sabem o que ocorre, quem é narcotraficante e quern nao é, ou se algum funcionario roubou parte do orcamento. No final das contas, o lugar mantem esse ar de povoado, onde todos se conhecem, sabem de suas histOrias e onde se sabe quern Sao os estranhos. Mas os "sanluisinos" preferem nao denunciar, porque nao confiam nas suas autoridades, razao pela qual ha 13 anos o La Prensa faz o papel de confidente. Benjamin Flores tinha 24 anos quando fundou o jornal. Vivia intensamente, a passividade o irritava. Foi repOrter durante algum tempo e depois secretario particular do governador de Baja California, Ernesto Rufo. Voltou para sua cidade natal para fundar o jornal que deveria ser critico. Ahaixo do titulo, apostou: "Sem amarras, como o pensamento". Uma casa de dois andares que sempre deu a impress5o de urn escritorio improvisado ou em plena mudanca tern lido, desde entao, a sede de La Prensa. Nas paginas do jornal ha materias sobre fraudes, pontos de venda de droga, excessos do exercito, abusos ou atos de corrupyao das corporacOes policiais. A coluna de Flores, agressiva e de denUncia, chamava-se "Nao confirmado". Ele Unita fontes excelentes c conseguiu revelar a corrupyao politica e o tecido do narcotrafico nessa. fronteira none e sua alianca. corn o poder. Em maio de 1997, publicou, por exemplo, sobre o "desaparecimento" de quase mein tonelada de cocaina dos escritorios da entao Policia Judicial Federal e divulgou urn processo militar que envolvia Bustamante Salcido na construcao de pistas para aterrissagem de aviCies corn drogas. Esse era Benjamin Flores. 0 crime nunca. foi resolvido. A pessoa que disparou contra o jornalista e o autor intelectual continuum em liberdade, e somente dois cUmplices foram presos e condenados. No inicio, varios meios de comunicacao fizeram a cobertura do assassinato, mas as noticias publicadas foram escasseando e desapareceram. 0 semandrio Siete Dias, de Mexicali, investigou o caso, questionou as autoridades e publicou materias durante rneses. Obteve urna resposta: 44 MAPA DE RiSCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 41. - Voce nao sabe no que se meteu, corno desprezivel. Vai morrer — escutou Sergio Haro no outro lado da linha, que recebeu outras ameacas em 1997. Haro nao sabia do que se tratava. Examinaram as puhlicacoes, c a Unica conclusao Poi de que as ameacas tinham relacao corn o caso de :Benjamin Flores e que poderiam vir de pessoas proximas a Jaime Gonzalez Gutierrez — identificado como o autor intelectual do crime. 0 medo que o atingiu como urn raio alterou scu cotidiano, pois a morte do seu amigo era ma rostra do que eram capazes de fazer. Haro apresentou uma denUncia penal a Procuradoria-Geral de Justica de Baja California e recebeu protecao imediatamente, o que so tolerou durante tres meses, continuando coin seu trabalho, sem paranOias, mas se cuidando. - Em Hermosillo, acham que San Luis Rio Colorado é muito longe; e cm Mexicali o consideram como parte do estado de Sonora. Corn o tempo, a sociedade se esqueceu, e a imprensa tambem, da morte de Flores — garante Haro, urn homem alto, corn cabelo negro salpicado de fins brancos e que tern um modo de falar preciso e direto. E diretor de Siete Dias, urn semandrio respeitado por sua veracidade e combatividade. Depois de mais de duas decadas de experiencia, sabe que é muito arriscado publicar temas como narcotrafico e violencia, rims esta convencido de que devem ser investigados e conhecidos. Do contrario, "eu me tornaria cUmplice e, se fosse assim, seria melhor me dedicar a outra.s coisas", afinna. - Existem pessoas quo dizem que nao se deve abordar o tema do narcotrafico em San Luis Rio Colorado - reflete Haro - Nab é que sejam valentes, que nao tenham consciencia da delicadeza da situac5o; para des é normal, a realidade em quo vivem. Nesta regiao, esse e o dia-a-dia. Devemos assumir estes riscos. 0 chcfe de informacOes do La Prensa, Humberto Melgoza, afirma que as coisas nao mudaram desde a morte de Flores, e ate pioraram, porque agora "qualquer delinquente ameaca se voce faz foto clele ou se publica uma denUncia corn todos Os dados". Melgoza recebeu varias ameacas, a maioria sutis: - Tome cuidado, nao se meta corn isso — disse-lhe uma vez urn "sanluisino" que caminhava pela rua, ou tambem "0 El Mono disse que, quando sair, primeiro vai to pegar e depois terminar comigo", comentou ha alguns anos urn policial, depois que aparcceram na imprensa Os privilegios que tinha esse homem, acusado de varios assassinatos e trafico de drogas. Mas Melgoza acredita que, quando quiserem rata-lo, nao vao fazer ameacas. Lima explicacao é a desordem que o narcotrafico e o trafico de pessoas provocaram na regi5o, subornando as autoridades e impondo a lei do medo atraves das arrnas. - Os "polleros" (coiotes) — descreve Melgoza — est5o loucos, tem muito dinheiro e armas; a policia estadual e a mais perigosa, os narcos mataram ate policiais. Qualquer horn trabalho de denUncia que se publique em um meio de San Luis causa problemas, e a represalia pode chegar quando menos se espera. Os reporteres tem medo. Existe urn risco latente. Reconhece que nao sao muitos os reporteres que se arriscam e, por isso, publicam entrevistas ou a versa.o oficial. Tambem sao poucos os repOrteres que depois de terminarem seus estudos cm Mexicali ou Hermosillo pedem trabalho em qualquer SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PAPA JORNALISTAS 45
  • 42. dos quatro jornais diarios de San Luis Rio Colorado, onde o salario fica em torno de 1.000 pesos semanais (100 dolares) e onde o trabalho é feito sempre corn medo. Em Mexicali, como en San Luis Rio Colorado e muitas dessas cidades da fronteira, assegura Haro, "nossa seguranca como jomalistas esta por urn fid". SOBREVIVER EM TIJUANA Sdo cerca de 10 da mantra-. AAvenida das Americas fica fechada por varios segundos enquanto homens vestidos como civis, armados corn metralhadoras, pistolas e coletes a prova de balas impedem a passagem de outros veiculos ate que urn automovel blindado estacione na garagem da casa nUmero 4633. Durante a cena, permanecem em alerta mais de 20 homens, que observam terracos, pessoas caminhando e veiculos estacionados. Sua missdo é delicada sob o calor que desponta em Tijuana, estado da Baja California. Urn homem magro, vestido casualmente corn casaco cor cafe, desce do carro, atravessa um pequenissimo jardim que o levy a uma porta de vidro, da mais uns passos e abre outra porta de madeira que sempre esta fechada e que so pode ser aberta corn autorizacdo. Esse homem sereno, de pele muito clara, corn oculos, cabelo e barba quase brancos e urn colete a prova de balas que a camisa ndo permite ver, cumprimenta corn voz amavel todas as pessoas que encontra. Sobe pelas escadas que o levam a seu escritOrio, um lugar simples e confortavel, onde sempre ha muitos papeis, urn computador ligado, e o telefone, que toca corn frequencia. Fora da casa ficam os homens armados, vigiando, atentos. E assim que comeca o dia do jomalista Jesus Blancornelas no semandrio Zeta do qual é co-diretor. E urn inicio de dia muitas vezes ja cansativo, apos oito anos vivendo corn escolta, em alerta. Existe, desde 1997, urn premio para mata-lo, que muitos dos assassinos de aluguel dos irmdos Arellano Felix esti() dispostos a ganhar. Blancomelas tornou-se um simbolo de carater e de coragem no jornalismo, de compromisso corn a informacao e lealdade corn o leitor, e uma mostra da deterioracao e do fracasso do Estado em materia de seguranca. E tambem, simplesmente, urn milagre. Sua historia comecou em meados dos anos 80, quando os irrndos Arellano Felix, principalmente Benjamin e Ramon, comecaram a tomar conta de Tijuana e das zonas pr6ximas. Durante quase dugs decadas, controlaram a cidade, cada grab de droga que por ali circulava, cada delinquente que queria trabalhar e cada autoridade que se deixava subomar. 0 metodo: corrupcdo e morte. Na zona norte de Baja California comecou a se notar a atividade do que se denominaria depois o Cartel de Tijuana. Apareceram os mortos, as caminhonetes ultimo modelo, e o consumo de drogas cresceu de forma silenciosa e lenta. Na decada de 90, Tijuana era territOrio de livre transit° e sob dominio absoluto dos Arellano Felix. 0 semanario Zeta expos insistentemente a situacao da cidade e do estado, e a metamorfose que sofriam. "0 narcotrafico", recorda Blancornelas, "nos levou para 46 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 43. frente", como urn tema social que devia ser reconhecido. Em abril de 1988, foi assassinado, em condicOes nunca esclarecidas, Hector Felix Miranda — a quern apelidavam "0 Gato Felix" —, co-diretor do jornal. Apesar da perda, o trabalho continuou. 0 quc era o exercicio do officio jornalistico foi interpretado pelos chefes do cartel como urn ataque e tuna ofensa. 0 incomodo passou dos limites quando Zeta divulgou, durante tres semanas seguidas, detalhes sobre a organizac5o atraves das deelaracOes de um de seus integrantes, Everardo Paez Martinez; depois pela denimcia de uma ink que relatava como os Arellano haviam assassinado seu filho, apesar de serem amigos, e pela terceira publicacao, que falava sobre os que haviam matado dois militares diante de urn tribunal. - Isso foi suficiente, e dal veio a coragem dessas pessoas — discorre o co-diretor. As ameacas sutis e as mensagens veladas se fizeram presentes, modo pelo qual os narcotraficantes pretendiam semear o medo e inibir o trabalho. 0 sernanario e Blancornelas continuaram. So que corn mais cuidados pessoais. A violencia em Tijuana era cotidiana. 0 registro de confrontos, execucOes e desaparecidos continuava corn sua contagem já habitual. Em meados de novembro de 1997 nada havia mudado para Jesus Blancornelas, que estava, como sempre, fazendo reportagens e coordenando a edicao. Entretanto, houve algo fora do normal: - Voce nao deve andar sozinho — advertiu Luis Valero a Blancornelas. O conselho nao podia deixar de ser atendido pelo jornalista, pois Valero era urn respeitado ex-agente da "Policia Judicial" de Baja. California, que havia preferido se dedicar ao seu negocio de gruas em vez de continuar suportando a corrupedo. Valero contou que alguns antigos companheiros o haviam chamado para avisar que se afastasse do jornalista, porque "vai ter festa" — a forma popular de dizer que havera algo forte. Valero, sendo amigo de Blancornelas, decidiu oferecer-Ihe seu apoio e trabalho para "enfrenta-los". Ele e urn outro homem da sua confianca transformaram-se nos segurancas de Blancornelas. Mas na manha de 27 de novembro de 1997, foi dificil protege-lo diante de 10 homens muito bem armados. Dispararam contra ele em plena rua. Assassinarain Valero, mas ele conseguiu matar urn assassin de aluguel contratado pelos Arellano Felix. 0 jornalista foi atingido por quatro tiros. Por urn milagre nao foram mais, porque os agressores esvaziaram suas armas e, tambem por milagre sobreviveu, porque os ferimentos foram muito graves. Desde enta-o, militares vestidos de civis, armados corn os melhores equipamentos e muito hem capacitados cuidam dele dia e noite. Blancornelas confia neles, que se tornaram sua garantia de vida. Enquanto isso, outra equipe se encarrega da seguranca de sua familia. Tambem desde entao sua vida pessoal mudou, e o medo t'az parte dela. Sai pouco, porque os riscos sao muitos. No final do ano passado, soube que Ismael Higuera Guerrero, "El Mayel", substituto dos Arellano Felix, havia pedido a Jairo SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 47
  • 44. Sanchez Cristancho — narcotraficante colombiano — que arrumasse tudo para quc a guerrilha desse pais o sequestrasse e o matasse em uma de suas viagens entre 1999 e 2000. A sorte do jornalista foi que os guerrilheiros nao aceitarain, pois nao tinham nada contra ele. Blancornelas teve que assumir em silencio sua Jura realidade para poder continuar e sobreviver em Tijuana. 0 PODER DESORGANIZADO Tijuana é uma cidade grande, corn 879 km'. A violencia que cone em suas veias nao para, ninguem consegue faze-la parar. E a cidade mais perigosa do estado. A inseguranca se percebe logo, porque, ao entardecer, ha pouco interesse da populacao em caminhar por suas ruas e avenidas. E para os estranhos e assustador transitar pela zona do centro e pelos arredores, onde Os "picaderos" e o pequeno comercio estao quase a vista. No mapa, e o ponto norte mais distante da Cidade do Mexico, visitada pelos que nada tern e pretendem cruzar aos Estados Unidos. Concentra 50% da populacao de todo o estado, coin pouco mais de 1,6 milhao de habitantes. Sua proximidade coin a California pen-rine essa dualidade ja mencionada entre perdas e ganhos: o comercio, a ind6stria e os servicos formam a base da economia; o turismo e a criacao de gado ocupam o segundo lugar; mas as cifras de violencia sao muito altas. Somente em 2004 foram registrados 492 assassinatos, e as autoridades estimam que em torno de 20% estao relacionados coin o crime organizado. No primeiro semestre de 2005 ocorreram mais de 100 crimes, foram roubados 10.000 automOveis e mais de 4.000 imoveis foram assaltados. Os assaltos afetaram 3 mil pessoas. - Incapacidade institucional, falta de vontade politica real para atacar o crime organizado e a violencia exacerbada complicam mais o cenario em Tijuana - adverte Raul Ruiz, subdiretor editorial do jornal Frontera. - Ficavamos apavorados quando chegamos aqui. Executavam pessoas na ma, na frente de todo mundo, mas isso deixou de nos espantar. Depois fica.mos assustados corn o nivel de sadismo corn o qual se mata, estrangula, assassina, colocando as pessoas em barris e diluindo sews corpos em acid°. Muitos crimes sao nitidamente cometidos por pessoas corn desequilibrios mentais. Agora nada disso nos assusta; o nivel de violencia vai se sofisticando c as pessoas vao so se perguntado: o que vird depois? — relata Ruiz. Blancornelas tern uma teoria: pensa que nos Estados Unidos nab se sabe quem sao os narcotraficantes, mas os reporteres, sim, conhecem Mayo, Azul, ou Os Arellano. Acrescenta que isso ocorre porque nos Estados Unidos o crime é organizado e, no Mexico, desorganizado. "La trabaiham calmamente, sem problemas, nao ha execucCies nem nada; aqui qualquer pessoa se sente corn poder porque tern uma pistola, uma metralhadora, e faz o que quer." - Se la um jornalista diz que "fulano de tale traficante de drogas"— descreve - esse fulano vai entrar na Justica para que provem essa declaracao. Aqui se pode dizer 48 MAPA DL RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 45. "fulano de tal e traficante de drogas", e essa pcssoa flea calada porque tern medo. Ha uma grande diferenca. Nos temos muita liberdade para mencionar os nomes, mas, ao menciona-los, o poder desorganizado se volta contra nos. TRES t DEMAIS Francisco Ortiz Franco investigava para Zeta assuntos interessantes dessa irascivel Tijuana sobre julgamentos, leis e tribunais e, de vez em quando, temas de narcotrafico. Ha algum tempo era urn dos editores do semandrio. Em 22 de junho de 2004 nao estava acompanhado de sua escolta porque nao precisava dela, acompanhado simplcsmente dos filhos. Erarn 11h30, cm uma zona central da cidade, a alguns quarteirOes dos postos de policia. Ortiz entrou em seu carro e estava colocando o cinto de seguranca quando urn homem encapuzado desceu de urn jipe Cherokee e, em segundos, disparou quatro tipos de sua pistola. Uni profissional. As balas foram muito precisas, e as quatro feridas, mortals. Nunca havia recebi.do ameacas, apenas urn aviso em que diziam que Arturo Villareal, o "Nalgon", identificado pela PGR como chefe dos assassinos de aluguel do cartel dos innaos Arellano Felix, estava muito aborrecido pela sua materia mais recente. Em sua reportagem publicada em 14 de maio de 2004, Ortiz relatava como integrantes do cartel dos Arellano Felix haviam pago 70.000 &fares a funcionarios da Procuradoria-Geral de Justica da Baja California para que Ihes entregassem suas credenciais. Revelou nomes e publicou fotografias. A informacdo ]he custou a vida. 0 crime ainda nao foi esclarecido. Duas pessoas foram detidas, mas apenas por acaso. A Procuradoria-Geral da RepUblica continua investigando a morte. 0 semandrio se adiantou, invcstigou e expos em suas paginas os responsaveis. Mas a.inda nao ha resultados. Ortiz é o terceiro morto que o semandrio Zeta soma na luta por investigar, por denunciar, por fazer jomalismo. "E uma equacdo dificil e que, em retrospectiva", diz Blancornelas, "faz parecer que a aposta nao valeu a pena quando tres colegas foram mortos. Mas estamos nisto e temos a fe e a conviccdo de falar sobre o assunto ate que os crimes se resolvam", analisa. Desde ent5.o, o co-diretor de Zeta deu uma ordem na sala de redac5o: ninguem deve investigar assuntos relacionados corn o narcotrafico, so ele o faz e publica algo corn a sua assinatura. E isso porque e o (ink° que tem uma escolta capaz de protege-1o. Ate agora, essa tern sido a Unica forma de cuidar de sua equipe jornalistica. Blancornelas e sua gente seguem em frente, "cumprindo urn clever moral", afirma, "diante da falta de vontade politica que demonstraram as autoridades". As vezes parece que o Zeta ficou sozinho nessa luta. - Ndo ha solidariedade — relata — Quando mataram Ortiz Franco, urn jomal de Tijuana publicou que eu gostava que matassem meus colegas porque isso lazia SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAI'A DE RISCOS PARA JORNALISTAS 49
  • 46. aumentar a circulacao do jornal. A falta de solidariedade faz corn que os casos (de ataques a jornalistas) acabem esquecidos e depois nem nos mesmos nos lembramos del es. Mas ele ja se acoshimou as desqualificacOes e as desventuras que seu trabalho acarreta. - 0 importante — garante — é que tenho a liberdade, apesar de estar fisicamente impedido (por seguranca), mas tenho a liberdade de trabalhar. Busco a informayao e nao me sinto atado. Quando nao tiver mais protecao, isso significard que ja nao corro perigo. A CREDIBILIDADE Alguns meses se passaram e, depois do atentado contra Blancornelas e a morte de Ortiz, novas ameacas foram feitas por correio eletronico e em telefonemas. A mais recente aconteceu entre julho e agosto de 2004: - Contrataram urn recem-saido da penitenciaria. Nao tem nada a perder e vai se lancar como urn suicida contra a escolta que o protege. Trata-se do meu primo "El Nino". Publique isso para impedi-lo, disse uma voz masculina no telefone. - Sim, you publicar, mas identifique-se — pediu Blancornelas. - Nos vemos... — desligou o mensageiro. O co-diretor de Zeta nao publicou a mensagem, considerando que isso seria um escandalo, e nem sequer tinha certeza de que fosse verdade. Se nao fosse, perderia credibilidade, algo que nao estava disposto a sacrificar. "Mail vale perder a noticia que perder a credibilidade", é o seu lema, escrito na parede do semanario para que todos se lembrem dole. Em 14 de outubro de 2004, veio um novo telefonema: - Mataram aquele que haviam contratado — falou a mesma voz. -Quando? — perguntou, surpreso. - 0 que apareceu no sabado (9 de outubro) em uma caminhonete queimada na colonia Lomas del Sol era meu primo, "El Nino" — foi a Ultima coisa que falou. 0 cadaver dessa vez foi registrado como desconhecido. 0 jornalista verificou a informacao e conseguiu confirmar que se tratava de Jorge Eduardo Ronquillo, conhecido como "El Nino". Talvez o mais recente pistoleiro contratado para mata-lo e que tambem, segundo parece, havia participado da morte de Francisco Ortiz. E assim que vive Jesus Blancornelas, o homem que sempre fala corn entusiasmo. De jeito simples, humor seco e muito trabalhador. Corn sua equipe, que nao passa de 50 pessoas, conseguiu que, as sextas-feiras, quando o Zeta sai para as ruas, venda quase 60.000 exemplares, nUmero que daria inveja a muitos jornais. Corn o passar dos anos e corn tanta historia acumulada, esta convencido de que os narcotraficantes nao terao oportunidade de mata-lo. "Depois do atentado, sim, tinha muito medo, agora lido", declara. 50 MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 47. AMEACAS E GATILHOS Entre 1999 e 2000, um esquadrao de morte apareceu em Tijuana corn o proposito de acabar corn urn grupo de narcotraficantes. A cidade foi palco de uma serie de execucOes, resultado do confronto entre faccOes. O entusiasmo dos repOrteres que integravam as filar do recem-fundado jornal Frontera levou-os a publicar detalhes destas execucOes. Nomes, datas e lugares, muitas informacees que nenhum outro meio de comunicacao possuia. "Parem de publicar isso, ou V50 se dar mal...", advertiram varias vezes diferentes vozes pelo teletbne. Ao analisar o que fariam, pensaram que ser ameacado em Tijuana é urn assunto que deve ser levado a seri°, e é muito dificil acreditar que as autoridades investigarao. Decidiram deixar de publicar as historias por algum tempo, para que "as coisas esfriassem", lembra o subdiretor, Raul Ruiz. Os telefonemas foram a primeira experiencia que viveria o jornal Frontera. Em pouco tempo, aprenderiam que nessa cidade, para dissimular a verdade ou tentar desmentir uma noticia, os narcotraficantes recorrem as ameacas ou ao gatilho de suas Ak-47. Receberam outros telefonemas coin ameacas, e em 2002 receberam a visita na redacao de tres homens bebados e armados que queriam entrar e falar corn o diretor porque seus nomes haviam aparecido em reportagens. Os segurancas do jornal nao pennitiram que eles entrassem e os desconhecidos se retiraram. Os executivos do jornal apresentaram uma denuncia na Justica, e depois de tres anos as autoridades nao conseguiram descobrir nada. Ruiz tern 18 anos de profissao. Teve protecao durante algum tempo, e para lidar corn esses telefonemas anonimos corn ameacas de morte aprendeu a cuidar de si e de sua familia, e a exigir o mcsmo da sua equipe de trabalho. Teve que aprender a coordenar urn jornal em urn campo onde existe uma guerra, que é surda e sangrenta, que nunca quis ser reconhecida. Como saber o que publicar ou nao, ou como tratar a informacao para que os narcotraficantes nao se enfurecam; como se controlar diante de uma exclusiva, um dado, uma revelacao; o que fazer quando se trabalha intensamente para conseguir a noticia, mas esta nunca chega a ser impressa, ficando esquecida como uma pasta a mais no arquivo do reporter? Dificil saber tudo isso, ainda mais quando uma linha publicada pode ser assunto de vida ou morte. PSICOSE DO MEDO Ao chegar a redacao doFrontera, em 7 de j unho de 2004, Ernesto Alvarez, reporter da secao policial, recebeu uma mensagem de um colega da televisao avisando que haviam deixado no estacionamento uma caminhonete cheia de drogas. - Primeiro achei que se tratava de uma brincadeira — relata Alvarez, mas ao SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE DISCOS PARA JORNALISTAS 51
  • 48. perceber a seriedade de Joel Galeana, da Televisa, que havia passado o aviso, desceu, corn outro reporter e urn editor para verificar do que se tratava. Encontraram no estacionamento uma ca.minhonete corn vidros polarizados, e atraves do para-brisa puderam ver varios pacotes abertos que pareciam conter maconha. Vieram a policia e o Exercito. Fcchara.m varias ruas adjacentes ao jornal. Descobriram que havia mais de 780 quilos de droga de segunda, porque estava molhada, e seu preco no mercado seria muito baixo. Depois dessc dia, em que o jornal saiu corn dificuldade devido ao alvoroco, foi inevitavel questionar quem tinha feito aquilo, como c por que. Examinaram os jornais para saber que noticias poderiam ter provocado sem.elhante reacdo dos narcotraficantes, mas nao puderam saber corn certeza. Entenderam, sim, que era uma advertencia muito perigosa e que havia lhes mostrado quao fragil podiam ser. - Os reportercs ficaram assustados. Fizemos uma enquetc no tra.balho - explica Ruiz - para saber como estava a motivacdo e o animo das pessoas, e ficou evidcnte que todos se sentiam inseguros. Tinharn medo que atacassem o edificio a tiros e pudessem matar alguem. Trabalhar assim é muito complicado, gera uma psicose desnecessaria. A experiencia. da vulnerabilidade levou os diretores de Frontera a repensar a seguranca dos funcionarios c da empresa. Aumentaram a seguranca do predio, colocando ciimaras de video de Inuit° boa qualidade; aumentaram o nUmero de segurancas; colocaram identificadores de chamadas ern todos os aparelhos de telefone e gravadores de conversas de todos os telefonemas recebidos. Os funcionarios foram treinados para lidar corn ameacas por telefone. 0 Frontera se tomou o Ulna) jornal do Mexico a ter essas medidas de seguranca. Nem mesmo tudo isso acabou corn os telefonemas de ameacas. Em 22 de junho de 2004, no dia em que mataram Ortiz Franco, o telefone de novo tocou e a mensagem ficou gravada: "Ja nos livramos de urn de Zeta, c outros jornalistas virdo". ATE A POLICIA A agressdo pode vir de qualquer lugar, inclusive por causa de uma fotografia. - Nao pode fazer fotos — avisou duramente urn agente policial vestido de preto. - Claro que sim, voces estao na rua, isso é uma acao publica — respondeu Jose Luis Camarillo, fotografo do El Sol, de Tijuana. - Mao pode, e saia daqui se nao quiser ter problemas — repetiu, mais energico, agente federal, muito incomodado e utilizando palavras fortes. O reporter fotografico insistiu, nao se importou, sabia. que se tratava de uma operacdo policial importante porque havia 30 agentes vindos do Distrito Federal e que, corn certeza, haviam prendido um narcotraficante. Queria ter a noticia exclusiva e nao cederia. Mas telefonou para o reporter de seu jornal, Juan Manuel Cordero. Urn grupo de policiais federais da PGR o cercou, e o agente the disse novamente que se retirasse; o fotografo se negou. Mediante a forca, levaram-no a uma caminhonete onde o puseram de brucos, confiscaram seu equipamento de trabalho, o ameaearam 52 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 49. e apontaram a arma para ele. Em 20 anos de experiencia como fotografo, Camarillo nunca havia vivido algo assim. Teve medo, nao havia colegas que pudessem auxilia-lo e nem sequer sabia nas maos de quem estava. caso the dessem urn sumico. Por sorte, nessa segunda-feira, 12 de julho de 2004, a noticia da operacao circulou entre os reporteres, que foram chegando ao aeroporto de Tijuana, onde estavam Os policiais. Derain-se conta de que tinham pegado Camarillo e pediram que o libertassem. Ele saiu corn a camara quebrada, sem cartao e sem celular, descobriu que ate seu carro haviam revistado, e que Ih.e faltavam filmes, um gravador e outro telefone celular. No dia seguinte, a noticia foi publicada na maioria dos meios locais. Camarillo apresentou uma queixa diante da Comissao Nacional de Direitos Humanos, para a qual nao houve seguimento. Camarillo relata que depois de dois meses conseguiu falar corn Jose Luis Santiago Vasconcelos, subprocurador de investigacOe Especializadas sobre o Crime Organizado da PGR, que se comprometeu a investigar o incidente e a ressarcir os danos causados. Nada aconteceu. 0 que aconteceu foi que Camarillo nunca mais vai sozinho em operacOes policiais. Agora sempre avisa a seas colegas para que todos se protejam. A BATALHA PERDIDA Entao, em Tijuana, o que protege ou salva urn jornalista ou todo urn meio de comunicacao da pressao e do medo exercidos pelo crime organizado? - Fomos aprendendo pouco a pouco, e isso é muito arriscado — observa Rai11 Ruiz — porque e tentative e erro, nao se sabe se o que se fez foi adequado, como vao reagir. Antes havia urn codigo compreensivel sobre coin que coisas nao se meter ou, como reporter, voce sabia o que nao publicar porque representava urn risco real. Agora nao se sabe ate onde vao estes limites, perdeu-se a nocao. Ele acrescenta que "o medo faz considerar desnecessario correr tantos riscos. Alguns reporteres e editores abandonaram o norte do pais porque nab podem viver e trabalhar corn medo... Concordo corn o que dizia Carlos Monsivais: mais vale um jomalista vivo que um jomalista morto. Quando nao sao causas que nos levem a solucionar um problema, acredito que vale mais cuidar da integridade dos reporteres, porque acho que somos feitos para causas maiores". Nao se pode deixar de informar sob este cenario de risco que tende a piorar: - Uma proposta poderia ser conseguir a tmido entre jornalistas para investigar certos temas ate que se esclarecam - observa Ruiz - E muito importante saber corno os meios vao tratar o terra do crime organizado, porque ate agora 6 uma batalha perdida e urn assunto de muito risco na fronteira. Blancomelas explica que "o mais importante e escrever sempre a verdade sobre as pessoas vinculadas ao crime organizado. Deve-se comecar a discutir o quo acontece no jomalismo no Mexico, sua situacao e os riscos que enfrenta, e tambem devem-se SOCIEDADE INTER AMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE R1SCOS PARA JORNALISTAS 53
  • 50. tipificar como delito federal as agressOes a jornalistas". Alguns reporteres sao taxativos. "A autocensura como medida de protecao significa so publicar informaciies oficiais", recomenda urn correspondente de urn jornal nacional, que garante que essa é uma pratica comum ern Baja California. Outro afirma que "basta ter cuidado corn a fonte da informacao, o modo como a noticia é publicada, sempre corn as fontes". Nenhuma medida adotada garante que os jornalistas estarao mais seguros e tampouco que as coisas mudarao. Tijuana continua se transformando, o crime assume novas formas e mecanismos, tern uma capacidade especial camaleonica que Ihe permite desaparecer e depois su►gir corn um novo rosto. 0 contexto politico do municipio dificulta. ainda mais a situacao. 0 cenario a media prazo nao se apresenta diferente, muito menos melhor. Precaucao. Soma de riscos que reduzem a liberdade. As cidades da fronteira norte do Mexico sao pedacos do pais em que a prudencia e uma virtude que permite suportar o trabalho. Ser reporter nesses lugares muitas vezes significa estar sozinho, ouvir mas nao escutar, olhar mas nao observar. E calar para nao morrer. Em Nogales e Agua Prieta, no estado de Sonora; cm Ciudad Juarez, Chihuahua, e em Ciudad Actifia e Pedras Negras, no estado de Coahuila, o maior risco para os _jornalistas e investigar temas de corrupyao e as organizacOes criminosas, sejam narcotraficantes, "polleros" (traficantes de pessoas) ou traficantes de armas. Em ‘'arias dessas cidades fronteiricas, em que o calor é intenso e a terra é quebradica, nao existem autoridades, ja que essas se toma.ram cr'►mplices do crime ou o medo fez corn que tomassem outro rumo. Eles, os criminosos, assumirarn o poder, as funcOes que ficaram vagas. Nao existe lei, muito menos justica. Sua pistola é a garantia do controle e do poder que, apesar do exercito e da policia federal, nao deixam de exercer. E o que dizer de Nuevo Laredo, Reynosa, Miguel Aleman, Matamoros ou Ciudad Victoria, no estado de Tamaulipas, lugares de sangue e de medo? Nesses rincoes do noroeste do Mexico os reporteres ficaram, literalmente, no fogo cruzado. E ai que mais jornalistas foram assassinados por seu trabalho nos Ultimos anos, onde mais vezes foram ameacados e onde nao sabein o que fazer. Os que buscam as noticias, as que informam, os que investigam, os que acreditam que o jornalismo é urn servico, sac) refens dos que exercem o poder e controlam tudo, ja nao so corn metralhadoras ou pistolas, mas tambem corn lanca-granadas e bazucas. Todos os dias acontece uma guerra desmesurada entre dois grupos que escolheram Tamaulipas como campo de batal.ha, principalmente Nuevo Laredo, ainda que estendarn a linha de sangue e chumbo a qualquer outra cidade do Estado, se for necessario. A equacao resultants 6 simples na fronteira norte: autocensura e autoprotecao, concordam os reporteres. Essa e a Unica forma de subsistir. 0 crime organizado conseguiu, pelo menos por enquanto, se impor. Ha silencio e medo. 54 MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS • SOCIF.DADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA
  • 51. 0 ENIGMA DA AUSENCIA Passavam das 19 horas do sabado, 2 de abril de 2005. Apesar de ser cedo, ele ja estava no seu apartamento, depois de concluir um dia normal de trabalho. Como Alfredo Jimenez Mota era urn viciado em trabalho, continuava ouvindo a trequencia de radio da policia, para ver se trazia alguma informacao que interessasse ao jorna] El Imparcial, de Hermosillo, do qual era reporter ha seis meses. Uma de suas melhores amigas no jornal chamou-o para tomar uma cerveja, ja que no dia seguinte nao trabalhariam. Combinaram o encontro para algumas horas mais tarde, porque Mota tinha que encontrar "urn contato que estava nervoso", segundo the contou. Tomou urn banho e trocou de roupa. Minutos antes das 20 horas estava pronto para encontrar-se corn urn desses "contatos". Tratava-se de Andres Montoya Garcia, diretor do presidio estadual, corn quem conversou durante mais de meia hora sobre um preso muito perigoso que apelidavam de "El Estudiante" (o estudante) e que havia sido recentemente libertado. Ficaram dentro da caminhonete do funcionario, dando voltas por diferentes avenidas, ate que se despediram as 21 horas, porque Alfredo, como the disse, veria "outro contato'. Nin2trem sabe o que aconteceu depois disso. As autoridades tern apenas o registro de urn telefonema que Alfredo recebeu as 23h04, do subdelegado da PGR, Raid Fernando Rojas Galvin, uma de suas principais fontes de informacao. Alfredo desapareceu. A noite encobriu seus rastros e os daqueles que o levaram. Primeiro, a Procuradoria-Geral de Justica de Sonora investigou o caso sem resultados. Corn o passar dos dias, a PGR preparou o expediente e colocou a frente das buscas os "mais experientes e ousados" investigadores, segundo disseram, que duraram apenas algumas semanas. Foram substituidos por outros "excelentcs- investigadores. Nada aconteceu. As investigacOes ficaram ern urn terreno lamacento e dali nao sairam. Existem muitos suspeitos, a maioria narcotraficantes e servidores pilblicos aliados das mafias, mas ninguem foi preso. Os meses se passaram e o quebra-cabecas continua incompleto, sem presos. 0 paradeiro de Jimenez Mota continua sendo urn enigma. Onde esta? 0 quc the aconteceu? Esta vivo? Por que sumiram corn ele? E provavel que a resposta esteja nas noticias e reportagens que publicou. Investigava temas policiais, revelou nomes de narcotraficantes, suas formas de operar e estnttura. Sua ausencia causou urn impacto na redayao do El Imparcial e alterou sua rotina. Os jornalistas se uniram, denunciaram, manifestaram-se em pUblico, buscaram-no nas rias e no deserto, ficaram alertas a telefonemas, a pistas e informacOes. Nada, somente a ausencia que pesa mais que a morte, porque permite tudo imaginar e nao ter certeza de nada. Hermosillo, capital do estado de Sonora, é uma cidade simpatica, tram:Oita e pequena, que ocupa 14.880 km'. 0 calor pode ser um grande incomodo em algumas epocas do ano, e o frio pode penetrar nos ossos, porque a cidade fica no SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA • MAPA DE RISCOS PARA JORNALISTAS 55
  • 52. mcio do deserto. Seus cerca de 700.000 habitantes sao pessoas simples, estbrcadas e trabalhadoras, que vivem da agricultura, indUstria, pecuaria e comercio. Mas Sonora é uma regiao corn extremos. E parte de uma das zonas de agricultura comercial mais importantes do pais e, urn dos oito estados responsaveis por quase 50% do valor do PIB nacional nesse setor e no de criacdo de gado. Mas quando se fala das condicOes dos sonorenses, que somam 2.200.000 habitantes, as cifras do Instituto Nacional de Estatistica, Geografia e Informatica (INEG1) mosiram que entre 50 e 70% deles tern uma receita "que nao lhes pennite ter uma alimentacdo adequada". Hermosillo manteve um ritmo de crescimento, transformando-se pouco a pouco. A partir de 2002, teve inicio a construed() de mansOes de pessoas de fora, surgirarn carros das marcas mais luxuosas e, o pion, comecaram as execucOes de pessoas na periferia da cidade, cujos cadaveres depois apareceram nas ruas da capital. Em Sonora, sabia-se que no nortc, nos locais fronteiricos e naqueles mais proximos ao estado de Sinaloa, como Navojoa, Ciudad Obregon e ate Guaymas, os narcotraficantes atuavam. Nao era segredo que a serra era urn campo fella para o plantio de maconha, sendo inclusive Sonora parte do chamado "triangulo dourado", formado tambem por Chihuahua e Sinaloa, onde muito raramente chegam as autoridades porque é terra de cultivo e balas. Somente o exercito pode entrar c, para conseguir isso, e necessario que batalhOes completos se armem com os mclhores equipamentos. Tudo isso parecia estar longe de Hermosillo. Os jornais da cidade comecaram a informar sobre os mortos e os confrontos que ocorriam nos arredores. Pouco a pouco as noticias foram ganhando a primeira pagina. Neste cenario, usou-sc de pindencia. Muitos jornais pararam de colocar assinatura nas reportagens investigativas para proteger seus repOrteres. Muitos meios eletronicos e impressos decidiram so publicar informacOes oficiais e os fatos, e rid° it alem para nao ter problemas. Era o exemplo a seguir de outros estados, mas tambem dos municipios sonorenses, como Ciudad Obregon, Navojoa ou Nogales, onde o terra perigoso de abordar e "so é abordado por alto, ou sobre o qual nem se escreve", conta Jose Manuel Yepiz, que trahalhou durante cinco anos como reporter em Sonora e agora trabalha em Mexicali. NA° se escreve para nab sofrer as consequencias ou porque alguns infonnadores estao associados aos criminosos. Nesses lugares, Os moradores sabcm quem e quem, o que fazem e o que sao capazes de fazer. Logo descobriram em Hermosillo que a morte de seis pessoas executadas em 2004 era resultado de uma luta entre grupos que a prisdo de Benjamin Arellano Felix havia deixado sem lider. Esses mafiosos adquiriram poder e comecaram a querer dominar a praca. Jimenez havia chegado a Hermosillo procedente de Culiacan, Sinaloa, urn lugar onde o narcotrafico produz mais de 500 mortos por ano. Cansado c sentindo-se em perigo ali, conseguiu colocar-se no El Imparcial gracas sua impecavel trajetoria profissional. E um jovem entusiasta e impulsivo, que queria muito se sobressair e que, por isso, exigiu que assinassem suas materias "porque 56 MAPA DE DISCOS PARA JORNAL1STAS • SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA