GV-executivo apresenta a entrevista com Pedro Luiz Barreiros Passos, um dos sócios e cofundador da Natura, além do Caderno Especial sobre Sustentabilidade que traz temas como Consumo, Desenvolvimento e Empreendedorismo Sustentáveis; Evolução das Empresas; Impactos dos ecossistemas na gestão; Comércio Internacional; Precificação das Emissões; Investimentos e Governança Territorial.
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
GV-executivo – Vol. 16, n. 5 - 2017
1. VOLUME16-NÚMERO5-SETEMBRO/OUTUBRO2017GVexecutivoFGV-EAESP
fgv.br/gvexecutivo
C O N H E C I M E N TO E I M PA C TO E M G E S TÃ O
VOLUME 16, NÚMERO 5
SETEMBRO/OUTUBRO 2017
GESTÃO DE
CARREIRA EM
UM MUNDO
DE TALENTOS
LÍQUIDOS
ENTREVISTA
PEDRO PASSOS,
DA NATURA:
“CAMINHAMOS
PARA UMA
MUDANÇA
QUE VAI SER
MUITO POSITIVA”
CONSUMO, DESENVOLVIMENTO E EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEIS
| EVOLUÇÃO DAS EMPRESAS | IMPACTOS DOS ECOSSISTEMAS NA GESTÃO
| COMÉRCIO INTERNACIONAL | PRECIFICAÇÃO DAS EMISSÕES
| INVESTIMENTOS | GOVERNANÇA TERRITORIAL
ESPECIAL
SUSTENTABILIDADE
977180689700256100
ISSN1806-8979
R$30,00
5. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 3 |
ARTICULAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Esta edição está totalmente dedicada ao tema da Sustentabilidade, evidentemente uma questão de sobrevivência, já
que, como mencionou o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas Ban Ki Moon, não há plano B por-
que não há planeta B.
Vale a pena relembrar a agenda dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU que, articuladamente, de-
vem ser implementados em todos os países até 2030:
1: Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
2: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.
3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.
4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo
da vida para todos.
5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
6: Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos.
7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.
8: Promover crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho de-
cente para todos.
9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.
11: Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
12: Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
13: Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.
14: Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável.
15: Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as flo-
restas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.
16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça
para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
17: Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Estamos longe de tais objetivos, mas eles deveriam guiar as ações de todos nós. Os diversos artigos apresentados
nesta edição ajudam a compreender a complexidade dessa articulação e também dão sugestões de como podemos cami-
nhar mais próximos desses ideais. Em destaque, a entrevista com Pedro Passos, sócio e cofundador da Natura, fala sobre
tendências em sustentabilidade, inovação, liderança e as perspectivas para o Brasil nos próximos anos. Completam esta
edição as colunas: Fora da Caixa, por Samy Dana; Recursos Humanos, por Marcelo Nobrega; Economia, por Paulo San-
droni; e Sociedade e Gestão , por Edgard Barki.
Boa leitura.
Maria José Tonelli – Editora chefe
Adriana Wilner – Editora adjunta
6. | CONTEÚDO
CADERNO ESPECIAL > SUSTENTABILIDADE
Ouro de tolo
Mario Monzoni
e Mauricio Jerozolimski
18
Da empresa
cowboy à astronauta
Aron Belinky
A nova fonte
de valor econômico
Annelise Vendramini
e Aron Belinky
Empreendedorismo
sustentável
Marcelo Ebert
Gestão saudável
Annelise Vendramini
e Natalia Lutti Hummel
Risco ou oportunidade?
Guarany Osório
e Inaiê Takaes Santos
12
27
37
| 4 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
22
32
7. O papel
do consumo
Luciana Stocco Betiol
42
Pés no chão
Daniela Gomes Pinto
e Lívia Menezes Pagotto
ENTREVISTA > PEDRO LUIZ BARREIROS PASSOS
56 Fora da caixa
Criatividade exige ousadia e ponderação de
riscos - Samy Dana
57 Recursos humanos
Gestão de carreira em um mundo de talentos
líquidos - Marcelo de Freitas Nóbrega
58 Economia
Economia e política descolaram-se? -
Paulo Sandroni
59 Sociedade e gestão
Propósito: um conceito para preencher vazios -
Edgard Barki
COLUNAS
Um outro país
Adriana Wilner e Aline Lilian Dos Santos
6
47
51
Pequenas
que vão longe
Paulo Durval Branco
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 5 |
9. á imaginou a transformação no Brasil se vivêssemos dez anos com
taxas de juros baixas? O consumidor com acesso a bens para o in-
dustrial poder investir, o mercado de capitais com condições de fi-
nanciar a economia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nômico e Social (BNDES) de focar a sua atuação no que é essencial
em termos de infraestrutura e inovação? É outro país”.
O raciocínio otimista vem do empresário Pedro Luiz Barreiros Passos,
um dos sócios e cofundador da Natura. Com o combate à apropriação do
bem comum por interesses particulares de um lado e uma política econômi-
ca com disciplina fiscal do outro, Pedro acredita que surge uma janela para
o desenvolvimento do Brasil.
Nesse cenário, diz, não só as lideranças políticas, mas também as empre-
sariais, terão de se transformar. Para ele, os empresários vão precisar fazer
antes as mudanças “dentro de casa”, alinhando seus negócios com os inte-
resses da sociedade.
Formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universi-
dade de São Paulo, com extensão em Administração de Empresas pela FGV
EAESP, Pedro tomou o primeiro choque de realidade logo ao terminar os
estudos. “A gente sai da escola achando que sabe muita coisa e que vai se
sentar ao lado do presidente, no ar-condicionado”, afirma. “Meu desafio e
grande aprendizado, foi lidar com as pessoas que põem a mão na massa na
fábrica. A solução dos problemas vem de forma mais fácil quando se conse-
gue interagir e estabelecer relação de confiança com o operário”.
Dedicado a diferentes organizações, como Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (IEDI), Fundação SOS Mata Atlântica, Insti-
tuto Semeia, Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), Instituto de Pesqui-
sas Tecnológicas (IPT), Fundação Dom Cabral (FDC), Instituto Empreen-
der Endeavor e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), Pedro mostra, nesta entrevista exclusiva à GV-executivo, sua vi-
são sobre o desenvolvimento do país, sustentabilidade e inovação.
| POR ADRIANA WILNER E ALINE LILIAN DOS SANTOS
UM OUTRO PAÍS
“
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 7 |
10. | ENTREVISTA • PEDRO LUIZ BARREIROS PASSOS
VAMOS TER DE USAR OS RECURSOS DISPONÍVEIS NO PAÍS DE FORMA DIFERENTE DA QUE
ACONTECE HOJE, EM QUE CORPORAÇÕES SE APODERAM E FAZEM UMA ALOCAÇÃO DESIGUAL DELES.
GV-executivo: Recentemente, você
falou que o país vive uma crise de
liderança. Em sua opinião, quais as-
pectos da liderança empresarial es-
tão deixando a desejar?
Pedro: Temos um conjunto de siste-
mas que foram se deteriorando ao lon-
go do tempo. No ambiente político, isso
fica mais evidente. Com essa pulveriza-
ção de partidos e de lideranças, perde-
mos a capacidade orgânica de empurrar
com mais velocidade a agenda do país.
Em termos de liderança empresarial e
do trabalhador, o sistema é antigo. Hoje,
vivemos uma revisão de como são elei-
tos os nossos representantes e quais são
os mecanismos que financiam essas es-
truturas. Há modelos que fragilizam a
constituição de lideranças efetivas que
conquistem as pessoas, em vez de se
tornarem semirreis ou imperadores de
determinados setores.
GV-executivo: Temos lideranças em-
presariais no Brasil, hoje?
Pedro: O Brasil tem sofrido ao longo
das últimas décadas nesse aspecto, seja
por um crescimento econômico menor,
seja pela própria internacionalização de
empresas brasileiras que foram adquiri-
das.Aindústria brasileira diminuiu sua
participação no produto interno bruto
(PIB), e o país perdeu algumas lideran-
ças empresariais importantes. Por outro
lado, um núcleo de novos empreende-
dores vem se formando. Tenho muita
confiança nessas novas empresas, al-
gumas delas ainda fora do radar.
GV-executivo: Em termos de ati-
vismo empresarial, qual é o papel
das lideranças?
Pedro: O primeiro talvez seja en-
tender bem a função da empresa como
agente de transformação. Não adianta
ficar falando do governo se você não
muda dentro de casa.
A primeira lição para o empresário é
construir uma organização que de fato
tenha razão de existir, que a sociedade
respeite e queira e que tenha uma visão
que coloque o país e o brasileiro acima
dos interesses menores, do grupo que o
representa. Isso é mais difícil de aconte-
cer,dependedeumempurrãozinho;mui-
tasvezes,ogovernoprecisadaradireção.
Acho que precisamos adensar uma
classe empresarial com uma visão de
futuro de país, porque isso é essencial
para a sobrevivência do próprio negó-
cio. Essa retração que estamos vivendo
é fruto de uma visão míope do mundo
empresarial, que vem sofrendo as con-
sequênciasdepolíticaspúblicasnãoade-
quadasparaodesenvolvimento.Quando
nãoseinvesteefetivamentenaeducação,
quando se faz excesso de protecionismo
ou quando se buscam financiamentos e
subsídios, no fundo você está tirando do
futuropararesolverumproblemanocur-
to prazo, e isso não se sustenta.
GV-executivo: Hoje existem grupos
de empresários com esse papel?
Pedro: Vejo muita mobilização, mui-
tos grupos falando, mas não vejo isso
institucionalizado.
GV-executivo: Temos visto cada vez
mais empresários em cargos gover-
namentais. Qual é a sua opinião so-
bre isso?
Pedro: Acho que participar, como
todos os outros setores, é bastante
razoável. O único ponto que ressalto
é que, não basta ser empresário, pre-
cisa ser político, porque você lida com
conflitos, diferentes poderes, com o
Congresso, o Judiciário, tem de liderar
movimentos, o que é diferente do mun-
do empresarial, no qual você manda,
controla. É preciso criar consensos e
visão de país. É outro tipo de liderança.
GV-executivo: Grupos empresariais
também vêm apoiando campanhas
de novos candidatos e partidos?
Pedro: O Brasil, principalmente nes-
sa parte política, está tentando se desco-
brir.Assistimos à destruição de pratica-
mente todas as referências partidárias e
estamos em um momento “e agora?”.
O que talvez seja o ponto de convergên-
cia é a consciência de que precisa ser
feito de forma diferente. Caminhamos
para uma mudança muito positiva. Não
estou sendo naive, não acho que será fá-
cil, mas sim que temos uma janela e, se
soubermos conduzir a situação, teremos
oportunidades consistentes.
GV-executivo: O que precisa ser fei-
to de forma diferente?
Pedro: Temos de usar os recursos
disponíveis de forma diferente da que
acontece hoje.Atualmente, as corpora-
ções, sejam privadas, sejam públicas,
apoderam-se de parte dos recursos do
Brasil e fazem uma alocação desigual,
privilegiando a ou b, dependendo da
sua força de influência. E o bem co-
mum fica para o que resta. Então, se de
fato priorizarmos a educação e a saúde
coletivamente, tirarmos as diferenças
de tratamento e as exceções, começa-
remos efetivamente a permitir que os
| 8 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
11. FOTO: DIVULGAÇÃO
RAIO X
Pedro Luiz Barreiros Passos
Nascido em 29/06/1951.
Graduado em Engenharia
de Produção pela Escola
Politécnica da Universidade de
São Paulo, com extensão em
Administração de Empresas
pela FGV EAESP.
Cofundador e copresidente
do Conselho de Administração
da Natura.
Presidente do Conselho de
Administração da Totvs.
Conselheiro do Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (IEDI).
Integra o conselho da
Fundação SOS Mata Atlântica,
do Instituto Empreender
Endeavor, do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT),
da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) e do Instituto
Semeia.
Diretor da Passos Participações.
Diretor da Anima Investimentos.
diferenciais comparativos do país se
tornem vantagens competitivas. Te-
mos recursos culturais, florestas, sol
e água. Assim como o país desenvol-
veu um agronegócio competente com
inovação e alta tecnologia, podemos
fazer mais nesse e em outros setores.
GV-executivo: Têm-se discutido a
questão da desigualdade de renda
e a necessidade de tornar o sistema
tributário mais progressivo, aumen-
tando, por exemplo, impostos sobre
fortunas e de transmissão de heran-
ças. Qual é sua opinião a respeito?
Pedro:OsistematributárionoBrasilé
muito regressivo.Aalta tributação sobre
oconsumofazcomqueolitrodeleitedo
pobre e o do rico tenham a mesma taxa-
ção. Ou seja, proporcionalmente o pobre
pagamuitomaisimpostos.Então,nãohá
dúvidadequeissoprecisamudar.Édifícil
anunciar quais são as melhores formula-
ções, porque muitas vezes determinados
tipos de taxações que são aparentemente
bons, como taxar patrimônio, têm pouca
eficácia,poisoscapitaisrecorremaoutras
alternativas ou vão para outros lugares e
acabam tirando emprego e competitivi-
dade do país. Há um equilíbrio fino aí.
GV-executivo: Em certos países, a
taxação sobre patrimônio é alta e
nem sempre os capitais se movem...
Pedro: Porque oferecem educação,
segurança, saúde, condições de negó-
cios, criam ambientes sem insegurança
jurídica e continuam atraindo capitais.
O que me dá esperança é que a consci-
ência do que precisa mudar está sain-
do de grupos restritos para o domínio
maior da população. Queremos um Es-
tado que ofereça condições iguais, seja
para o cidadão, seja para os negócios.
Parece-me também que os atalhos de
desenvolvimento fácil estão sendo evita-
dos, ou pelo menos discutidos.Abusca
por uma melhor disciplina fiscal é uma
lição de casa dura. Nós nunca vimos no
desenvolvimento desse país um cenário
com inflação e juros baixos. Isso pode
ser extremamente transformador, viabi-
lizador de investimentos em infraestru-
tura, de um mercado de capitais mais
potente e de mais empreendedorismo,
porque será possível tomar riscos em
longo prazo. Não é uma agenda sim-
ples, mexe com interesses. Mas, se a
sociedade der apoio nessa direção, há
a possibilidade de um horizonte.
GV-executivo: O que sua experiência
em diversos papéis, como empresá-
rio, membro de conselho e em orga-
nizações não governamentais (ONGs),
tem a acrescentar nesse caminho
para o desenvolvimento do país?
Pedro: Tentando fazer uma sínte-
se de todas as atividades em que es-
tou envolvido, às vezes me pergunto:
“Poxa, mas são muitos conselhos. Será
que estou alocando meu tempo da for-
ma correta?”. Cheguei à conclusão de
que tenho me dedicado a três áreas que
considero importantes. Primeiramen-
te, a inovação, que é um tema crucial,
com minhas participações no IPT e na
FAPESP. Em segundo lugar, o desen-
volvimento econômico. Acho muito
importante fazer parte do IEDI em
um momento em que a indústria pre-
cisa descobrir novos vetores de cres-
cimento e consolidação. E, terceiro,
a área ambiental. Faço parte da SOS
Mata Atlântica e do Instituto Semeia.
Acho que a gente pode contribuir com
uma atuação mais integrada, saindo do
ativismo puramente ambiental para
entrar em um modelo de desenvolvi-
mento que preserve o meio ambiente
como critério da sua evolução.
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 9 |
12. | ENTREVISTA • PEDRO LUIZ BARREIROS PASSOS
GV-executivo: Com relação à inova-
ção, qual é o cenário no Brasil atu-
almente?
Pedro: O ecossistema de inovação
no país ainda precisa ser aperfeiçoado.
Recursos não faltam, mas existe pro-
dutividade maior a se tirar. Tem muita
pesquisa fragmentada convertendo-se
em pouca inovação efetiva. Precisa-
mos saber quais são as competências
a se desenvolver. Devemos fazer mais
escolhas de caráter tecnológico e me-
nos relacionadas a setores e empresas.
GV-executivo: Qual é a sua opinião
sobre a nova geração de empreen-
dedores?
Pedro: Existe uma tendência da nova
geração de buscar o empreendedorismo
comoplanodevida,deconstruirseupró-
prio resultado. São jovens estimulados
pelosexemplosquevêmdefora.Atépor
isso,insistoquenossaeducaçãoeecono-
mia precisam ser integradas ao mundo.
O português não é uma língua óbvia, é
quaseumcódigo.Temosdefazergrande
esforço no aspecto da língua para colo-
car nosso povo no patamar do indiano.
Mas a nova geração já nasce com uma
cabeça mais internacional. É interessan-
te como muitas startups desenham seus
negócios para ter atuação além das fron-
teiras nacionais.
GV-executivo: Com relação à área
ambiental, qual é o próximo desafio
para as empresas?
Pedro: As empresas muitas vezes
são organizações burocráticas, lentas e
conservadoras demais para compreen-
der a necessidade da mudança – e até
para entender o risco de não aceitar os
novos cenários. Propostas inovadoras
virão para atender às novas deman-
das, com chance de ruptura em várias
estruturas existentes. Ícones globais
perdem valor e sentem-se ameaçados
por empresas relativamente novas que
estão mais antenadas e alinhadas com
essa tendência. Há uma mudança até
de hábitos dos consumidores. Hoje,
os jovens têm outra relação com de-
terminados bens que minha geração
tinha como símbolo de status, por
exemplo, os automóveis. Hoje nin-
guém quer essa tranqueira dentro de
casa, prefere andar de Uber. Preci-
samos ver como o Brasil se encaixa
nesse cenário e como podemos buscar
um modelo de desenvolvimento que
escapa do tradicional.
GV-executivo: Juntando sua visão ma-
cro acerca das questões ambientais
com a visão micro de visitas a comuni-
dades fornecedoras de matéria-prima,
o que chama a sua atenção?
Pedro: Como integrar as cadeias
produtivas de forma sustentável.
Por exemplo, se a Natura vai a um lo-
cal e compra uma quantidade muito
grande de ingredientes, pode estar pro-
vocando danos àquela comunidade ou
área geográfica. É preciso encontrar um
equilíbrio que permita o ganho para a
empresa e a remuneração para as po-
pulações; por vezes, até do direito de
imagem do conhecimento tradicional.
Caso contrário, a ação pode ser preju-
dicial não só ao ambiente, mas tam-
bém à cultura local. É um aprendiza-
do delicado. Você precisa estar muito
próximo e avaliar constantemente o
que está acontecendo. Estamos acos-
tumados com o fornecedor tradicional,
para quem basta mandar um e-mail e
ele faz a entrega. No caso das cadeias
sustentáveis, não funciona assim. Res-
peitando o ciclo da floresta, às vezes,
o ingrediente só vai estar disponível
daqui a um ano.
GV-executivo: Muitos especialis-
tas em gestão para a sustentabi-
lidade sinalizam que as equações
econômicas tradicionais devem ser
revisitadas, pois partem do princípio
de que é possível produzir ilimitada-
mente. O que você pensa sobre isso?
Pedro: Acho que não devemos ter
uma visão romântica do que é a eco-
nomia da floresta, senão ficamos li-
mitados ao potencial de desenvol-
vimento. A biodiversidade é uma
grande biblioteca de conhecimento.
Em muitos casos, o ingrediente natu-
ral é a inspiração para você dar o se-
gundo passo, transformá-lo por meio
de biotecnologias, de forma a conse-
guir escala sem impacto ambiental.
Muitas vezes, o ganho de eficiência
é a melhor coisa que podemos fazer
pela natureza. Em uma agricultura de
alta eficiência, por exemplo, evita-se
ter de ampliar áreas para aumentar a
produção. Agora, no contexto micro,
acredito que as empresas devem to-
mar cuidado para não ter impactos
ambientais negativos.
GV-executivo: O que você recomen-
da aos jovens que estudam para ser
gestores ou empreendedores?
Pedro: Baseado na minha experi-
ência pessoal: em primeiro lugar, pre-
cisa trabalhar muito; não tem jeito.
Segundo, precisa estudar e se atua-
lizar, porque a velocidade das trans-
formações hoje é grande. Terminar a
faculdade é apenas um momento; é
preciso pensar no próximo aprendiza-
do necessário. Também deve respeitar
muito os outros. Temos de aprender
com as pessoas no dia a dia. Então,
saber ouvir é importante. E sonhar.
Juntar ideias, amigos, desenhar pro-
jetos, empresariais ou não. O em-
preendedorismo social está aí para
fazermos grandes coisas.
ADRIANA WILNER > Editora adjunta da GV-executivo >
adrianawilner@gmail.com
ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo >
aline.lilian@fgv.br
| 10 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
13. | CADERNO ESPECIAL • SUSTENTABILIDADE
CE
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 11 |
12
Ouro
de tolo
37
Empreendedorismo
sustentável
42
Pés
no chão
47
O papel
do consumo
51
Pequenas
que vão longe
22
Gestão
saudável
27
A nova fonte
de valor econômico
32
Risco ou
oportunidade?
18
Da empresa
cowboy à astronauta
14. | 12 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
CE | SUSTENTABILIDADE • OURO DE TOLO
15. OURO DE TOLO
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 13 |
| POR MARIO MONZONI E MAURICIO JEROZOLIMSKI
O
que é desenvolvimento? Como medi-lo?
O debate efetivo sobre a inclusão de va-
riáveis sociais no conceito de desenvolvi-
mento surgiu no rescaldo do pós-guerra, ao
longo das décadas de 1950 e 60.Até então,
a concepção vigente correlacionava o tema
com o grau de industrialização das econo-
mias e o media pelo produto interno bruto (PIB) per capita.
Esse período foi marcado também pela negação das ques-
tões ambientais como um problema da sociedade: a fumaça
lançada pelas chaminés das fábricas era sinal de progresso.
No entanto, em alguns países em desenvolvimento, a in-
fante industrialização da década de 1960 não trouxe a contra-
partida esperada, especialmente nos indicadores de educação
e saúde. Esse fato lançou desconfiança sobre a percepção
dominante, que passou a ser questionada por economistas
desses países, com especial destaque para os estudos rea-
lizados pela Comissão Econômica para a América Latina
(Cepal) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao longo da década de 1970, floresceu o debate interna-
cional sobre a busca por modelos de desenvolvimento que
conciliassem o crescimento econômico, a justiça social e,
embora ainda timidamente, a conservação e o uso sustentá-
vel de recursos naturais. Essa tendência cresceu a despeito
da difusão de abordagens que apontavam o elevado cres-
cimento populacional de países não desenvolvidos como o
principal motivador dos quadros de pobreza e degradação
ambiental neles percebidos.
Estava dando certo. Atrelar o conceito de crescimento econômico ao
de desenvolvimento parecia uma sacada genial. Só que não.
Essa nova agenda global foi marcada pelo ano de 1972,
quando o Clube de Roma publicou o relatório The Limits
to Growth e a ONU realizou, em Estocolmo, a Conferência
sobre o MeioAmbiente Humano. O ativismo socioambien-
tal teve sua época de ouro, trazendo para a agenda ques-
tões humanas e éticas, como abolição do trabalho escravo,
voto feminino, sindicalismo, Guerra do Vietnã, regime do
apartheid, guerra nuclear e buraco na camada de ozônio.
Também nos anos 1970, o setor público passou a desem-
penhar o papel de regulador do processo de desenvolvi-
mento, enquanto as empresas eram vistas como “inimigas”.
CELSO FURTADO, O MITO DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO, 1974.
“O custo, em termos de depredação
do mundo físico, desse estilo de
vida, é de tal forma elevado que toda
tentativa de generalizá-lo levaria
inexoravelmente ao colapso de toda
uma civilização, pondo em risco as
possibilidades de sobrevivência da
espécie humana”.
16. | SUSTENTABILIDADE • OURO DE TOLO
| 14 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
O único meio de lidar efetivamente com os problemas am-
bientais era “fazê-las pagar” pelos impactos por meio de re-
gulação. Para isso, criou-se um grande volume de normas do
tipo “comando e controle”. De maneira isolada, esse tipo de
regra mostrou-se insuficiente já na década seguinte, quando
ficou claro que prevenir a poluição era mais barato do que
soluções de “fim de tubo”. Emergiram, assim, os conceitos
de ecoeficiência e de produção mais limpa, enquanto no
campo regulatório o uso de instrumentos econômicos e de
incentivos de mercado se tornou mais frequente.
Aomesmotempo,fortaleceram-seduasabordagensmaisam-
plas sobre desenvolvimento, ecoando duas décadas de debate
sobre a necessidade de compreender tal processo para além da
expansão do PIB per capita. Em 1987, o conceito de desenvol-
vimentosustentávelfoioficialmenteapresentadoaomundopor
meio do relatório Nosso Futuro Comum; em 1989, teve início a
produção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), fruto
dacomposiçãodeindicadoresdeexpectativadevidaedeeduca-
ção, considerados adicionalmente ao PIB per capita. Publicado
pela primeira vez em 1990, o IDH rapidamente consolidou-se
como uma alternativa mais adequada para medir a evolução
de diferentes países e passou a ser atualizado anualmente pelo
ProgramadasNaçõesUnidasparaoDesenvolvimento(PNUD).
AConferência das Nações Unidas para o MeioAmbiente
e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92,
consolidou o movimento global por um desenvolvimento
economicamente sustentável, socialmente justo e ambien-
talmente equilibrado. Nessa conferência, foram produzidos
documentos considerados referências para melhorar a go-
vernança e orientar as práticas de uma sociedade global a
partir do fim do século 20, tais como a Declaração do Rio
de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a
Convenção da Diversidade Biológica (CDB), a Convenção
da Mudança Climática e a Agenda 21.
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
EVOLUÇÃO DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB)
GLOBAL (EM PREÇOS CORRENTES), 1960 A 2016
EmUS$trilhões
FONTE: BANCO MUNDIAL, 2017.
ANDRÉ LARA REZENDE, VALOR ECONÔMICO, 2002.
“Atingimos o limite físico do planeta.
[…] Quando falha o sistema de preços,
alguma forma de racionamento se
torna imperativa. Seremos obrigados
a reconhecer o que, apesar das
evidências, nos recusamos a ver: não
há como viabilizar sete bilhões de
pessoas, com o padrão de consumo e as
aspirações do mundo contemporâneo,
nos limites físicos da Terra.”
17. Riqueza total
(% mundial)
33 m
(0,7%)
Patamar de
riqueza
Número de adultos (% da população mundial)
< 10.000 dólares
De 10.000 a 100.000 dólares
De 100.000 a 1 milhão de dólares
> 1 milhão de dólares Riqueza total de 116.6 (45.6%)
Riqueza total de 103.9 (40.6%)
Riqueza total de 29.1 (11.4%)
Riqueza total de 6.1 (2.4%)
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 15 |
Os esforços multilaterais e a imensa geração de riqueza
do pós-guerra aos dias de hoje – em 2008, o PIB mundial
ultrapassou os US$ 60 trilhões – trouxeram consideráveis
benefícios (confira gráfico). Segundo o Banco Mundial, o
crescimento econômico foi responsável pelo aumento de 76%
no PIB per capita de países em desenvolvimento nos últi-
mos 20 anos, a despeito do crescimento populacional. Mais
de 660 milhões de pessoas deixaram a pobreza e progressos
consideráveis foram alcançados em alfabetização, aumento
de expectativa de vida e redução de mortalidade infantil.
É inegável que a ciência e a inovação tecnológica promo-
veram aumento da qualidade de vida por meio de avanços
na produção e no uso da energia, nos modos de transporte,
na modernização das indústrias, em excepcional incremen-
to da produtividade agrícola, sem falar dos novos meios de
comunicação, do advento da internet e da expansão da di-
versidade do entretenimento.
Apesar dos enormes investimentos em infraestrutura e no
capital humano, ainda coexistimos com a extrema pobreza
e a desigualdade de renda no planeta. Mais de 1,1 bilhão de
pessoas não têm acesso à eletricidade, 2,3 bilhões não des-
frutam de acesso a saneamento básico e 665 milhões de seres
humanos ainda sofrem com a falta de água potável. Menos
de 1% dos adultos mais ricos do planeta detêm mais de 45%
da riqueza global, conforme ilustra a pirâmide da riqueza.
Em adição, o atual modo de produção e consumo traz con-
sigo um impacto ao meio ambiente que já o compromete
de maneira significativa e vem evoluindo intensamente nos
últimos anos. Avaliação feita em 2015 mostra que já tería-
mos ultrapassado o limite considerado seguro em relação
às mudanças do clima, à integridade da biosfera – marcada
pela perda da biodiversidade ou diversidade genética –, à
interferência nos ciclos biogeoquímicos globais (de fósfo-
ro e nitrogênio) e às mudanças no uso da terra. Em outros
PIRÂMIDE GLOBAL DA RIQUEZA
FONTE: CREDIT SUISSE GLOBAL WEALTH DATABOOK, 2016.
$
CELSO FURTADO,
O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 1974.
“Não temos dúvidas de que o progresso
técnico – a racionalidade instrumental –
possui um poder de difusão muito maior
do que a criação de valores substantivos...
O gênio inventivo do homem foi canalizado
para a criação técnica... No entanto, o
desenvolvimento deve ser entendido
como um processo de transformação da
sociedade não só em relação aos meios,
mas também aos fins”.
18. | SUSTENTABILIDADE • OURO DE TOLO
| 16 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
MARIO MONZONI > Professor da FGV EAESP e Coordenador do Centro de
Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP > mario.monzoni@fgv.br
MAURICIO JEROZOLIMSKI > Secretário Executivo do Centro de Estudos em
Sustentabilidade da FGV EAESP > mauricio.jerozolimsk@fgv.br
PARA SABER MAIS:
- André Lara Resende. Os limites do possível, Valor Econômico, 23/03/2012
- Celso Furtado. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.
- José Eli da Veiga. Desenvolvimento sustentável: desafio do século XXI, Editora Garamond,
2005.
- Marcos Lisboa. A industrialização conduz à prosperidade?, Folha de S. Paulo, 24/09/2017.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2017/09/1921262-a-
industrializacao-conduz-a-prosperidade.shtml
- Will Steffen, Katherine Richardson, Johan Rockström, Sarah Cornell, Ingo Fetzer, Elena
Bennett, Reinette Biggs, Stephen Carpenter, Wim de Vries, Cynthia de Wit, Carl Folke, Dieter
Gerten, Jens Heinke, Georgina Mace, Linn Persson, Veerabhadran Ramanathan, Belinda
Reyers e Sverker Sörlin. Planetary boundaries: guiding human development on a changing
planet, Science, 13/02/2015.
casos, como o uso de água doce, a acidificação dos ocea-
nos e a depleção de ozônio, estamos aproximando-nos des-
se limite (confira na ilustração). Estamos usando o “cheque
especial” da Terra, tendo como consequência a erosão da
capacidade de resiliência do planeta.
Hoje, a taxa de extinção da vida marinha está entre 100
e 1.000 vezes acima do considerado natural. Estima-se que
até 30% de todas as espécies mamíferas, de pássaros e de
anfíbios estejam ameaçadas de extinção neste século.
As emissões de gases de efeito estufa que provocam o
aquecimento global colocam em risco a qualidade de vida
do planeta e, a continuar a crescer, podem gerar incerte-
zas no campo da atividade econômica. Dados incluídos no
relatório State and Trends of Carbon Pricing, do Banco
Mundial, indicam que, para manter o aquecimento global
em 2ºC, as emissões anuais globais de gases de efeito es-
tufa (da ordem de 54 GtCO2
e em 2012) terão de ser redu-
zidas para 35 GtCO2
e até 2030 e para 22 GtCO2
e até 2050.
Passados 20 anos da Rio-92, o mundo voltou a se reunir
no Rio de Janeiro para avaliar o caminho percorrido e olhar
para frente. Na pauta, está a necessidade de construção de
uma governança global para o desenvolvimento sustentável,
com agenda proposta de uma economia verde e inclusiva.
O desafio é grande. O esforço deve ser universal, porém
diferenciado. Países desenvolvidos, de industrialização e
qualidade de vida consolidadas, têm responsabilidades his-
tóricas e devem prover a maior contribuição.
Um novo modelo é preciso: um modelo que considere, sim,
o capital como fonte de geração de riqueza e de crescimento
(não como fim em si mesmo, mas como meio), particular-
mente para os menos desenvolvidos, para que a economia e
as políticas públicas possam continuar retirando da pobreza
massas expressivas de seres humanos. Mas um modelo que
também distribua a riqueza de maneira justa, estabelecendo
um limite mínimo de dignidade humana, que respeite os li-
mites ambientais do planeta e que, acima de tudo, promova
a criação e propague, em escala, “valores substantivos”.
ESPAÇO SEGURO DE OPERAÇÃO
E ATUAL POSIÇÃO DE NOVE SISTEMAS DO PLANETA
FONTE: PLANETARY BOUNDARIES: GUIDING HUMAN DEVELOPMENT ON A CHANGING PLANET, SCIENCE, 2015.
Mudança do clima
Saturaçãode
aerossolnaatmosfera
Poluiçãoquím
ica
(aindanãoquantificada)
UsodeáguadoceMudançano usodaterra
Acidificação
dos oceanos
Depleção
deozônioCiclo
de
fósforo
Depleçãodeozôniociclosbiogeoquímicosgl
obais
Perdada
biodiversidade
20. | 18 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
CE | SUSTENTABILIDADE • DA EMPRESA COWBOY À ASTRONAUTA
21. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 19 |
| POR ARON BELINKY
E
m 1966, o economista Kenneth Boulding
publicou o ensaio The economics of the
coming spaceship earth, no qual alertava
para as consequências de se operar um
sistema aberto e em expansão (a economia)
dentro de um sistema fechado e limitado
(o planeta Terra). Para ele, uma questão-
chave era a necessidade de mudança de modelo mental:
da economia cowboy para a economia da espaçonave.
Ou seja, de um sistema de produção e consumo que vê
a existência de amplos espaços a serem explorados, para
outro, em que se considerem os limites do crescimento e
a finitude dos recursos existentes.
Em tempos de Guerra Fria, e ainda na euforia dos anos
dourados pós-Segunda Guerra Mundial, não é surpresa
que as repercussões de uma visão tão adiantada tenham
permanecido longe do mainstream da economia e dos ne-
gócios. Em anos recentes, a perspectiva de Boulding vem
ganhando relevância no campo econômico, mas permanece
praticamente ausente nos textos sobre gestão empresarial.
Em breve, prosperarão empresas radicalmente
diferentes das que dominaram a cena anteriormente.
A capacidade de compreender e se posicionar no novo cenário
pode ser a diferença entre prosperar e sobreviver (ou nem isso).
Diante das mudanças radicais que estamos vivendo, per-
gunta-se: uma empresa cowboy poderá prosperar na es-
paçonave Terra?
DA EMPRESA COWBOY
À ASTRONAUTA
Uma empresa cowboy, que conta
com a possibilidade de expansão
ilimitada, não conseguirá operar no
contexto compacto da espaçonave,
assim como uma empresa
astronauta, concebida para uma
economia circular, teria enfrentado
dificuldades para sobreviver no
sertão predominante no século XX.
22. | 20 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
Antes de mergulhar nessa metáfora, é preciso entender que
a transição de um contexto ao outro é bem mais longa do que
o horizonte usual da gestão corporativa. Por outro lado, como
mostra a figura, há indicações de que estamos entrando na fase
final desse processo, e o tempo já começa a ficar apertado tam-
bém para as empresas.
RETOMADA HISTÓRICA
Entre 1903 e 1913, época do início da produção industrial
em massa, foram publicados os primeiros trabalhos sobre ad-
ministração científica: Ford, Taylor e Fayol lançaram as bases
do modelo de gestão empresarial predominante no século XX.
Após seis décadas de sucesso praticamente incontestado des-
se modelo, começou a longa transição que vivemos até hoje.
O período de 1962 a 1972 marcou o surgimento de ques-
tionamentos mais veementes sobre os impactos do explosivo
crescimentodapopulaçãoedaatividadeindustrialnoambiente
natural, bem como seus efeitos indesejados no bem-estar hu-
mano e nos fundamentos da prosperidade econômica em lon-
go prazo. Além do artigo de Boulding, são dessa época, por
exemplo,apublicaçãodePrimaverasilenciosa(estudopioneiro
sobre a contaminação da biosfera pelo diclorodifeniltricloroe-
tano – DDT, em 1962) e do relatório Limites do crescimento,
em 1972. Nesse mesmo ano, foi realizada a primeira confe-
rência ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU)
e criado seu programa para o meio ambiente.
Nas quatro décadas seguintes, observou-se ampla discussão
emtornodessestemas,emescalaplanetária.Foiquandosema-
nifestaram, com cada vez mais clareza, as reações do campo
empresarial, que acabaram se configurando em três grandes
gerações de posicionamento gerencial em relação às questões
da sustentabilidade.
Da primeira geração – que negava os problemas e reagia
pontualmente a questões como as tratadas na Conferência das
Nações Unidas sobre o MeioAmbiente Humano (Estocolmo,
1972) –, a atitude empresarial gradualmente avançou para
a compreensão e o reconhecimento dos fatos denunciados,
criando condições para a construção de agendas especifican-
do as responsabilidades e expectativas de ação das empresas.
Nessecontexto,nosanoslogoapósaConferênciadasNações
Unidas sobre o MeioAmbiente e o Desenvolvimento (Rio de
Janeiro, 1992), nasceu a segunda geração da sustentabilidade
empresarial, caracterizada pela criação de instrumentos como
as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI) e as normas
da série ISO 14000, citando apenas dois exemplos do grande
conjunto de articulações e conhecimentos técnico-científicos
queemergiramnesseperíodo.Foramcriadasagendasdemédio
elongoprazos,minuciosamentenegociadaspormúltiplosatores
e com crescente protagonismo de organizações empresariais.
Com o amadurecimento e a consolidação dessas iniciativas,
as empresas líderes começaram a buscar meios para integrar os
preceitos do desenvolvimento sustentável aos seus produtos e
modelos de negócios. Essa é a característica-chave da terceira
geração da sustentabilidade empresarial, que apareceu clara-
mentenocontextodaRio+20,aConferênciadasNaçõesUnidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro, 2012).
Fechando essa transição multigeracional, temos como refe-
rência as datas assumidas na Agenda 2030 e seus Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, e na Vision
2050,doWorldBusinessCouncilforSustainableDevelopment.
Nesses documentos, concluiu-se que o período entre 2030 e
2050 é o prazo para que seja finalizado o longo processo ini-
ciado nos anos 1960. E não se trata de uma data arbitrária: a
evolução das evidências científicas e das pressões sociais dei-
xam claro que, by design or by disaster, as coisas logo muda-
rão. Ou reorganizamos rapidamente nosso sistema de produ-
ção e consumo, ou teremos de encarar inimagináveis perdas
econômicas, materiais e humanas.
É notável como também apontam para esses objetivos
outros atores de indiscutível relevância, como mostram as
| SUSTENTABILIDADE • DA EMPRESA COWBOY À ASTRONAUTA
DA PRODUÇÃO EM MASSA À PRODUÇÃO E CONSUMO SUSTENTÁVEIS
Marcos, metáforas e gerações da sustentabilidade empresarial na transição socioeconômica em curso
1903-1913
Sertão
Cowboys
1962-1972
1ª geração 2ª geração 3ª geração
1992 2012 2030-2050
Transição
Espaçonave
Astronautas
23. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 21 |
declarações mais recentes do Fórum Econômico Mundial
(FEM), do Financial Stability Board (FSB) e mesmo a encí-
clica Laudato Si, do Papa Francisco. Nessas e em outras ma-
nifestações de líderes do mainstream surge como aspiração
comum e possível o estabelecimento urgente de uma socieda-
de global humanamente equitativa, em equilíbrio com o am-
biente natural e capaz de se manter assim ao longo do tempo.
Evidentemente, as empresas são peças-chave para esse plano.
Mas quais empresas?
TRANSIÇÃO NAS EMPRESAS
Como mostrou Gareth Morgan em seu clássico Imagens da
organização, de 1986, o uso de metáforas é um poderoso meio
para compreender empresas (sempre cuidando para evitar exa-
geros e lembrando que a identidade entre empresa e objeto de
comparação é limitada e seletiva). O quadro resume aspectos
que parecem essenciais na distinção entre as empresas cow-
boys, bem adaptadas ao contexto pré-transição, e as astronau-
tas, que terão mais chances de sucesso no futuro emergente.
Nessacomparação,éimportanteevitarumavisãodualista,de
mocinhos e bandidos. Não se trata aqui de um julgamento, de
apontar bons ou maus modelos. O que se destaca é que as atitu-
des e os comportamentos necessários ao cumprimento do pro-
pósito empresarial mudam conforme o contexto. O que funcio-
na em uma situação pode não funcionar em outra e vice-versa.
Sobre propósito empresarial, é importante lembrar aqui que,
antes de mais nada, empresas podem ser entendidas como for-
mas de organização autorizadas pela sociedade para o melhor
atendimento de suas necessidades. Seu propósito, portanto, é
gerar benefícios líquidos (mais vantagens do que problemas)
para a sociedade que as abriga. Historicamente e do ponto de
vista teórico, prover resultados aos acionistas e dirigentes não
é a razão de ser das empresas, mas sim uma forma de mobilizar
pessoas, capitais e outros recursos para que criem organizações
destinadas a produzir bens e serviços de interesse da socieda-
de. Mesmo que na prática essa situação se inverta, é essencial
ter isso em mente ao pensar no propósito de uma empresa no
contexto da espaçonave. Em nossa sociedade globalizada e hi-
perconectada, cabe perguntar: a que demandas da sociedade a
empresa atende e como faz isso? Que alternativas podem ser
criadasparaessemesmofim?Comqueelementosdoambiente
social e natural a empresa conta para operar? Quais as impli-
cações dessa operação para o ambiente em que está inserida?
Abuscaporrespostasaessasindagações–sobosprismasso-
cial,ambiental,econômicoeético–tempotencialparaajudarno
entendimento do que representa para cada empresa a transfor-
mação em curso e que efeitos isso pode ter sobre suas chances
de prosperar. Uma empresa cowboy, operando no contexto da
espaçonave, sofrerá resistências, assim como uma empresa as-
tronautaenfrentariasériasdificuldadesparasobrevivernosertão
da primeira metade do século XX. O desafio para os dirigentes
empresariais, aqui e agora, é reconhecer sua corporação nessas
imagens e encontrar o caminho para a sua transição.
ARON BELINKY > Professor da FGV EAESP e Coordenador do Programa de
Produção e Consumo Sustentáveis do GVces, da FGV EAESP > aron.belinky@fgv.br
PARA SABER MAIS:
- Overview. weareplanetary.com/overview-short-film
- Kenneth Boulding. The economics of the coming spaceship earth, 1966. Disponível em:
zo.utexas.edu/courses/thoc/Boulding_SpaceshipEarth.pdf
- Aron Belinky. A Terceira Geração da Sustentabilidade Empresarial. Revista GV-executivo,
vol. 15, n. 2, 2016. Disponível em: rae.fgv.br/gv-executivo/vol15-num2-2016/terceira-
geracao-sustentabilidade-empresarial
- Organização das Nações Unidas. Agenda 2030, 2015. Disponível em: nacoesunidas.org/
pos2015/agenda2030/
- World Business Council for Sustainable Development. Vision 2050, 2010. Disponível em:
wbcsd.org/Overview/About-us/Vision2050
- Estratégia ODS: estrategiaods.org.br
ASPECTO EMPRESA COWBOY EMPRESA ASTRONAUTA
Percepção de limites Ausente, pouco relevante Imperativa, crítica
Expansão da base de recursos Desejável e viável Quase impossível
Visão da economia Sistema aberto, linear Sistema fechado, circular
Integração às estruturas sociais Baixa integração, grande autonomia Alta integração, interdependência
Cooperação para a produção Baixa, eventual, fortuita Alta, permanente, estrutural
Perspectiva predominante Individual, foco em si mesma Coletiva, foco nas redes e sistemas
Regulação legal e autorregulação Fraca e ocasional, empresa reativa Alta e contínua, empresa proativa
Sofisticação tecnológica Baixa, pouco essencial à empresa Alta, muito essencial à empresa
Padrão de relacionamento Efêmero, unilateral, violento Duradouro, recíproco, cuidadoso
DISTINÇÕES DAS EMPRESAS NOS CONTEXTOS PRÉ E PÓS-TRANSIÇÃO
24. | 22 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
CE | SUSTENTABILIDADE • GESTÃO SAUDÁVEL
25. GESTÃO SAUDÁVEL
O futuro será distinto do passado,
em razão dos cenários de aumento
da pressão sobre os ecossistemas.
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 23 |
| POR ANNELISE VENDRAMINI E NATALIA LUTTI HUMMEL
E
m uma fazenda de macieiras no Paraná, ao
avaliar o resultado da safra, o Sr. João, pro-
dutor rural de maçãs gala e fuji, percebeu
queda na produtividade em torno de 30%
em relação à safra anterior. Ao analisar as
razões que levaram a esse resultado, a falta
de abelhas na região apareceu como um dos
principais motivos. A solução do Sr. João foi alugar caixas
com abelhas vindas de outras regiões do país, para aumen-
tar a polinização das flores de maçã. Com o aluguel das
abelhas e o reforço da polinização, o resultado no aumento
da produtividade já pôde ser observado na safra seguinte.
RISCOS PARA O NEGÓCIO
O caso do Sr. João ilustra um conceito-chave nas discus-
sões de sustentabilidade: a importância dos serviços ecos-
sistêmicos para a gestão. O bem-estar humano depende
da qualidade dos ecossistemas e dos serviços que eles nos
prestam. Os serviços ecossistêmicos incluem, entre outros:
formação de solos; provisão de alimentos, madeira e água;
regulação climática; purificação e provisão de água; controle
As organizações precisam reconhecer e mensurar os riscos e as
oportunidades que os ecossistemas oferecem, para tomar decisões
estratégicas e que tragam benefícios no médio e longo prazos.
de doenças; e beleza cênica. Por outro lado, a qualidade dos
ecossistemas é impactada por: mudanças no uso do solo;
transformações de crenças, valores e padrão de consumo;
uso de fertilizantes e pesticidas; irrigação etc.
Nos últimos 50 anos, as mudanças causadas pela espécie
humana nos ecossistemas para o atendimento das deman-
das crescentes por alimentos, água, madeira, fibras e com-
bustíveis foram maiores do que em qualquer período da
26. | SUSTENTABILIDADE • GESTÃO SAUDÁVEL
| 24 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
história. Essa exploração foi conduzida com o objetivo de
gerar bem-estar e desenvolvimento econômico (ainda que
distribuídos de maneira desigual), sem levar em conta os
impactos das decisões no longo prazo sobre a manutenção
da capacidade dos ecossistemas e suas implicações para as
gerações atuais e futuras.
No período de 2000 a 2005, a Organização das Nações
Unidas (ONU) reuniu um grupo de 1.360 especialistas,
distribuídos em 95 países, com o objetivo de levantar da-
dos primários e secundários a respeito das consequências
dessas mudanças sobre o bem-estar humano. Conhecido
como The Millennium Ecosystem Assessment, o relatório
desse esforço global de fôlego tornou-se uma das princi-
pais referências sobre a qualidade dos ecossistemas glo-
bais. Desde então, outras iniciativas surgiram. A questão
da degradação dos ecossistemas é tão relevante que, no
início dos anos 2000, uma nova era geológica foi identi-
ficada: o Antropoceno, um reconhecimento da ciência de
que diversos processos naturais foram interrompidos, mo-
dificados e acelerados em relação à velocidade geológica
pelas atividades humanas.
As séries históricas foram tradicionalmente um apoio im-
portante para a tomada de decisão dos gestores, mas agora
é preciso considerar que o futuro será distinto do passa-
do, em razão dos cenários de aumento da pressão sobre os
ecossistemas, mudanças climáticas, novas regulamentações
e avanço de instrumentos econômicos, tais como cobrança
pelo uso da água e precificação de carbono.
Reconhecendo essa complexidade, o relatório World
Economic Forum (WEF), de 2016, aponta que os riscos
globais mais preocupantes para os próximos dez anos estão
intimamente relacionados ao capital natural: crise hídrica,
fracasso na mitigação e adaptação às mudanças do clima e
eventos extremos climáticos.
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS NA GESTÃO
O Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP
(GVces), motivado por tornar tangível a abordagem de servi-
ços ecossistêmicos para a gestão empresarial, promove, desde
2013, a iniciativa Tendências em Serviços Ecossistêmicos
(TeSE), que reúne em uma comunidade de prática cerca de
30 empresas para formular estratégias e ferramentas desti-
nadas à gestão empresarial de oportunidades e riscos rela-
cionados ao tema. O olhar parte da interação entre empre-
sa e ecossistemas (ver figura Dependências e impacto das
empresas em relação aos ecossistemas): se por um lado as
Crise hídrica
Fracasso na mitigação e adaptação à mudança do clima
Eventos climáticos extremos
Crise de alimentos
Profunda instabilidade social
PARA OS PRÓXIMOS 18 MESES
Migração involuntária em larga escala
Colapso ou crise do Estado
Conflito interestatal
Desemprego ou subemprego
Fracasso na governança nacional
PARA OS PRÓXIMOS 10 ANOS
39,8%
36,7%
26,5%
25,2%
23,3%
52,0%
27,9%
26,3%
26,0%
25,2%
0% 10% 20% 40% 60%30% 50%
0% 10% 20% 40% 60%30% 50%
RISCOS GLOBAIS MAIS PREOCUPANTES
FONTE: WEF, 2016.
27. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 25 |
empresas dependem do fluxo de benefícios provido pelos
ecossistemas; por outro, geram externalidades (efeitos ad-
versos sobre terceiros), já que suas atividades influenciam,
positiva ou negativamente, os ecossistemas e outros usuários.
A principal ferramenta da TeSE é a valoração econômi-
ca, que tem como objetivo demonstrar o valor (aqui usado
como sinônimo de importância) dos benefícios provindos
dos ecossistemas – e os custos da falta destes – para as em-
presas e a sociedade.
Embora a discussão do conceito de serviços ecossistêmi-
cos por parte da academia exista desde a década de 1970, foi
a partir de 2010, com o lançamento do estudo The econo-
mics of ecosystems and biodiversity (TEEB) pelo Programa
de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP, na sigla em
inglês), e 2011, com o famoso estudo de Environmental
profit & loss da empresa de artigos esportivos Puma, que a
abordagem de valoração de serviços ecossistêmicos conec-
tou-se com o ambiente empresarial. Ao incorporar valores
monetários para aspectos ambientais, essa abordagem tem
favorecido a discussão sobre ganhos e perdas ambientais nos
processos tradicionais de tomada de decisão nas empresas.
Os passos para a inserção dos serviços ecossistêmicos
(SE) na gestão são:
1. Reconhecer o valor dos serviços ecossistêmicos para a
organização;
2. Demonstrar seu valor por meio da quantificação e/ou
monetização, com o objetivo de facilitar a comparação
com outras decisões corporativas;
3. Capturar valor com a inclusão em processos empresa-
riais e análises de custos.
Com a finalidade de facilitar a valoração de SE para a to-
mada de decisão empresarial, a TeSE promoveu a coconstru-
ção com as empresas parceiras das Diretrizes Empresariais
de Valoração de Serviços Ecossistêmicos (DEVESE), que
consideram oito serviços ecossistêmicos, em uma ferramenta
de cálculo em Excel. Desde 2014, foram desenvolvidos 30
casos empresariais de valoração de SE por meio da aplica-
ção das Diretrizes. Por exemplo, a Companhia Paranaense
de Energia (Copel), geradora de energia elétrica, avaliou em
termos monetários a contribuição positiva de seu projeto de
restauração vegetal em torno de uma de suas usinas para a
prevenção da erosão. O resultado foi que a empresa evitaria
o custo anual de R$ 6 milhões, ao longo de dez anos. Esse
cálculo ajudou a empresa a comparar os benefícios com o
custo de implantação do projeto, para assim ter resultados
tangíveis de suas ações.
São as contribuições diretas e indiretas dos
ecossistemas ao bem-estar humano
(The Economics of Ecosystems and Biodiversity, 2010)
RELEVÂNCIA
As empresas interagem com os
ecossistemas de duas maneiras
Dependem de
serviços
ecossistêmicos
para seus
processos
produtivos
Geram
externalidades
positivas e
negativas,
contribuindo para
mudanças nos
ecossistemasEmpresa
Provisão
de água
Assimilação
de efluentes
Biomassa
combustível
Turismo
Regulação do
clima globalPolinização
Qualidade
da água
Erosão do solo
Serviços
ecossistêmicos
8serviços
DEPENDÊNCIAS E IMPACTO DAS EMPRESAS
EM RELAÇÃO AOS ECOSSISTEMAS
FONTE: GVCES, 2015.
28. | SUSTENTABILIDADE • GESTÃO SAUDÁVEL
As empresas precisam incluir suas ações sobre ecossistemas
em processos empresariais e de análise de custos e
compará-las com outras decisões corporativas.
| 26 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
ANNELISE VENDRAMINI > Professora e coordenadora do Programa de Finanças
Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP >
annelise.vendramini@fgv.br
NATALIA LUTTI HUMMEL > Pesquisadora do Programa de Finanças Sustentáveis
e gestora do Projeto TeSE, ambos do Centro de Estudos em Sustentabilidade
(GVces) da FGV EAESP > natalia.lutti@fgv.br
PARA SABER MAIS:
- The millennium ecosystem assessment. Disponível em: millenniumassessment.org/en/
index.html
- Joshua Bishop. The economics of ecosystems and biodiversity in business and enterprise,
2012. Disponível em: teebweb.org/our-publications/teeb-study-reports/business-and-enterprise/
- GVces FGV EAESP. Diretrizes empresariais para a valoração econômica de serviços
ecossistêmicos, 2015. Disponível em: http://gvces.com.br/diretrizes-empresariais-para-a-
valoracao-economica-de-servicos-ecossistemicos?locale=pt-br
APRENDIZADOS PARA AS EMPRESAS
Com a experiência de quatro anos da TeSE, alguns
pontos emergem como principais aprendizados em re-
lação à valoração de SE para a gestão empresarial.
Em primeiro lugar, é fundamental o envolvimento
da alta direção e demais stakeholders, particularmen-
te externos, na avaliação dos SE mais materiais para a
organização e para a sociedade. Esse é um tema novo
no mundo empresarial e, portanto, requer o aprendiza-
do da organização.
Em segundo lugar, a organização deve considerar quais
SE são mais materialmente impactados pelas atividades
da empresa e de quais serviços a empresa depende para
que suas operações aconteçam. Recomendamos avaliar
a materialidade de cada um dos SE para os riscos ope-
racionais, financeiros, regulatórios e reputacionais em
determinada unidade de negócio, planta industrial ou
elo da cadeia. Como o levantamento de dados pode ser
uma etapa com razoáveis desafios, é importante que os
recursos investidos nessa tarefa estejam alinhados aos
objetivos estratégicos da organização, como a gestão
de riscos. A análise de materialidade contribui também
nesse sentido. Cabe destacar que o processo de busca
de dados e informações para a valoração de SE con-
tribui para a articulação da empresa com outros atores
nos territórios em que atua, como organizações não go-
vernamentais (ONGs), governos, entre outros. Quando
essa integração é bem-sucedida, influencia positiva-
mente a sua licença social para operar, potencialmente
reduzindo custos.
Em terceiro lugar, é preciso priorizar as “medidas
de não arrependimento”. Considerando as incertezas
em que estão imersos os cenários futuros envolvendo a
saúde de ecossistemas, sugerimos priorizar as decisões
que tragam resultados positivos para a organização.
Recomendamos que cenários envolvendo SE conside-
rem horizonte temporal superior a cinco anos, já que
muitas vezes os impactos da perda de qualidade dos SE
serão sentidos pelas empresas no médio e longo prazos.
Em quarto lugar, apesar de desafiador, comunicar esse
processo interna e externamente é fundamental. A co-
municação interna contribui para o fomento à cultura
de inclusão de SE na tomada de decisão empresarial.
Os SE envolvem indicadores físicos e monetários, re-
querendo levantamento e análise de dados de diversas
naturezas e fontes. Essa não é uma tarefa fácil. Uma im-
portante lição que aprendemos é que os resultados mais
importantes para a gestão empresarial provavelmente
não serão os números em si, mas a evidenciação do pro-
cesso, os dados e suas lacunas, as informações sobre os
impactos e as dependências da empresa a respeito dos
SE e do plano de ação da organização para fazer a ges-
tão desses impactos e dependências. Do ponto de vis-
ta da comunicação externa, esse processo revela uma
organização atenta a novas fontes de risco, mas, mais
importante ainda, conectada com a sociedade e preo-
cupada em dar respostas aos seus desafios ambientais.
Essas são características fundamentais de empresas do
século XXI.
29. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 27 |
CE | SUSTENTABILIDADE • A NOVA FONTE DE VALOR ECONÔMICO
30. | SUSTENTABILIDADE • A NOVA FONTE DE VALOR ECONÔMICO
A NOVA FONTE DE
VALOR ECONÔMICO
| 28 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
| POR ANNELISE VENDRAMINI E ARON BELINKY
E
mpresas bem-sucedidas estão acostuma-
das a lidar com mudanças e incertezas.
Investem em inovação, muitas vezes com
resultados futuros incertos e com sacrifí-
cio de recursos financeiros no curto pra-
zo. Seus gestores são capazes de enxergar
oportunidades para criação e proteção de
valor econômico em um horizonte de tempo mais longo.
Mas vislumbrar o futuro não é fácil. Diversos aspectos
podem dificultar esse processo, como a falta de algum re-
curso ou capacidade e a dependência de escolhas realiza-
das no passado. Há ainda causas sutis que podem dificultar
a leitura de um contexto em transformação. Acreditamos
que, quando o assunto é sustentabilidade, isso acontece
principalmente por causa das origens desse termo.
Sob a complexidade do termo “sustentabilidade” estão
abrigados temas com origens nos anos 1960 e 1970, quando
a ecologia saiu do âmbito acadêmico e se tornou bandeira
de movimentos sociais. Ao longo de décadas, essa agen-
da foi evoluindo e incorporando um novo vocabulário. Ao
Uma gestão que incorpore aspectos socioambientais
será cada vez mais fundamental para criar
e proteger o capital das empresas.
repertório ambientalista do “natural”, “orgânico”, “ecoló-
gico”, “verde”, “biodegradável”, “reciclável” e “renovável”
foram se unindo termos oriundos da responsabilidade social
empresarial, chegando-se ao “sustentável”.
Essa trajetória ─ em que argumentos científicos se mes-
clam com convicções éticas e diferentes visões de mundo
─ faz com que muitos observadores do campo empresa-
rial ainda vejam na sustentabilidade apenas uma bandei-
ra ideológica, descartando-a pelo valor de face. Porém,
independentemente de sua origem, no termo sustentabi-
lidade está contido um conteúdo de extrema relevância
para o futuro (e o presente) dos negócios. Com a susten-
tabilidade, produzir e vender não são mais suficientes.
Não importa apenas ter lucro, mas saber como esse lu-
cro foi gerado. A gestão que incorpora a sustentabilida-
de é, hoje, rota fundamental para a criação e a proteção
de valor econômico.
Esse também é o entendimento de quem ganha a vida
identificando, mensurando, monitorando, reportando,
controlando e mitigando riscos: o sistema financeiro.
31. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 29 |
SISTEMA FINANCEIRO E
SUSTENTABILIDADE
No âmbito global, não é nova a compreensão por parte de
agentes do setor financeiro de que aspectos socioambientais
representam importantes fontes de riscos para atividades
de crédito e investimentos. Essa visão pode ser organizada
em dois grandes momentos, que formam um continuum:
o primeiro, por volta do ano 2000 ─ mas com ações antes
disso ─, é caracterizado pela disseminação de códigos de
conduta voluntários, em que aspectos socioambientais são
considerados elementos importantes na tomada de decisão
por agentes do setor. Já no segundo momento, com a Rio+20
(2012), a discussão de risco socioambiental entra com força
na agenda de supervisores e reguladores do sistema finan-
ceiro, somando-se aos códigos voluntários.
Dois marcos destacam-se como exemplos do primeiro
momento. Um, em 2003, é o surgimento dos Princípios
do Equador, um framework para gestão de risco socio-
ambiental adotado por instituições financeiras voltadas
ao mercado de crédito. Atualmente, 91 instituições fi-
nanceiras em 37 países são signatárias dessa iniciativa.
O outro, em 2006, é o lançamento dos Princípios para
o Investimento Responsável (PRI, na sigla em inglês),
uma iniciativa voltada à comunidade de investidores
sob o guarda-chuva da Organização das Nações Unidas
(ONU). Os signatários do PRI devem, entre outros as-
pectos, comprometer-se a incorporar a análise social,
ambiental e de governança no processo de tomada de de-
cisão, assim como exigir das empresas investidas trans-
parência quanto a esses mesmos atributos. Atualmente,
o PRI possui 1.700 investidores signatários com ativos
sob gestão de cerca de US$ 60 trilhões.
As bolsas de valores são outro exemplo. Desde o sur-
gimento, em 1999, do pioneiro Dow Jones Sustainability
Index (DJSI), foram criados, pelo menos, outros 35 índi-
ces de sustentabilidade relacionados ao mercado de ações.
O Brasil foi um dos pioneiros no campo ao lançar, em 2005,
a quarta iniciativa nessa categoria, por meio de seu Índice
de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que reflete a valori-
zação de uma carteira teórica composta por ações de até 40
empresas, selecionadas anualmente por um amplo conjunto
de critérios relacionados à sustentabilidade. Ao longo dos
12 anos de existência do ISE, 142 empresas buscaram inte-
grar sua carteira, sendo que 72 delas foram selecionadas em
pelo menos um ano. Nesse mesmo período, o ISE apresen-
tou valorização de 173,8%, bem acima dos 121,9% obtidos
pelo Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa),
o indicador do desempenho médio das cotações dos ativos
de maior negociabilidade e representatividade do mercado
de ações brasileiro.
COMPARAÇÃO DE RENTABILIDADE ENTRE O
ÍNDICE DE SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL (ISE) E O
ÍNDICE DA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO (IBOVESPA)
3.000
2.800
2.600
2.400
2.200
2.000
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
800
nov/05
mar/06
jul/06
nov/06
mar/07
jul/07
nov/07
mar/08
jul/08
nov/08
mar/09
jul/09
nov/09
mar/10
jul/10
nov/10
mar/11
jul/11
nov/11
mar/12
jul/12
nov/12
mar/13
jul/13
nov/13
mar/14
jul/14
nov/14
mar/15
jul/15
nov/15
mar/16
jul/16
nov/16
mar/17
jul/17
Pontos
Osc.% no período
ISE = +173,8%
IBOVESPA = 121,9%
FONTE: BOLETIM ISE, AGOSTO 2017.
BASE 1000
PERÍODO: NOVEMBRO DE 2005 A JULHO DE 2017.
32. | SUSTENTABILIDADE • A NOVA FONTE DE VALOR ECONÔMICO
| 30 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
No segundo momento, o maior destaque foi o envolvi-
mento do Financial Stability Board (FSB) em relação à ex-
posição do setor financeiro ao risco climático. O FSB é um
organismo internacional que monitora e faz recomendações
visando à estabilidade e à resiliência do sistema financeiro
global.Alguns dos principais papéis do FSB são identificar
riscos sistêmicos que afetam o sistema financeiro, recomen-
dar políticas públicas que mitiguem tais riscos e supervisio-
nar a implementação dessas políticas. Os membros do FSB
são os bancos centrais, ministérios da fazenda e demais in-
tegrantes do sistema financeiro.
O FSB considera que as mudanças climáticas representam
uma ameaça material para o sistema e, consequentemente,
entende que os investidores precisam ter acesso a informa-
ções ligadas aos riscos climáticos das empresas, para que
seus cálculos incorporem essa nova categoria. Nesse sentido,
o FSB publicou, em junho de 2017, recomendações sobre
os elementos que devem ser observados por investidores,
tanto em relação aos riscos físicos (operações que podem
ser afetadas fisicamente pelas mudanças do clima) quanto
em relação aos riscos associados à transição para uma eco-
nomia de baixo carbono (que incluem mudanças tecnoló-
gicas e impactos de políticas públicas) ─ leia mais detalhes
sobre essas orientações no quadro.
Os objetivos do FSB são, ainda, mapear a concentração
de ativos no sistema financeiro dependentes de altas emis-
sões de carbono (chamados de carbon-related assets) e, por
consequência, avaliar a exposição do sistema financeiro glo-
bal ao risco climático. As recomendações do FSB tendem
a ser rapidamente incorporadas por bancos comerciais e de
investimentos, bem como por seguradoras do mundo todo.
Sua adoção também deverá gerar grande efeito nas empre-
sas não financeiras, que serão chamadas a prestar informa-
ções que hoje desconhecem.
Em nosso país, o Banco Central do Brasil (Bacen) tem
avançado na regulação de temas socioambientais. São três as
Dimensão da gestão Governança Estratégia Gestão de risco Métricas e metas
Análises a serem
realizadas pelos
investidores nas
empresas-alvo de
investimentos ou já
investidas
Análise da governan-
ça da organização em
torno de riscos e opor-
tunidades relacionados
ao clima.
Análise dos impactos reais
e potenciais dos riscos e
oportunidades relacionados
ao clima nos negócios, na
estratégia e no planejamento
financeiro da organização.
Análise de como a orga-
nização identifica, ava-
lia e gerencia os riscos
relacionados ao clima.
Análise das métricas e metas usa-
das pela organização para avaliar
e gerenciar riscos e oportunidades
relevantes relacionados ao clima.
Perguntas a
serem incluídas
nas análises dos
investidores
▶ O conselho de admi-
nistraçãosupervisionaos
riscos e oportunidades
relacionados ao clima?
▶ Qual é o papel da ad-
ministração/dos ges-
tores na avaliação e no
gerenciamento dos ris-
cos e oportunidades?
▶ Quais são os riscos e oportuni-
dades ligados à mudança do cli-
ma que a organização identificou
no curto, médio e longo prazos?
▶ Quais são os impactos dos
riscos e oportunidades ligados
à mudança do clima nos negó-
cios/na estratégia/no planeja-
mento financeiro da empresa?
▶ Considerando diferentes cená-
rios climáticos, quão resiliente
é considerada a estratégia da
organização?
▶ A empresa possui um
processo para identifi-
car e avaliar os riscos
associados à mudança
do clima? E para gerir
esses riscos?
▶ Como se dá esse
processo?
▶ Como o processo para
identificar, avaliar e gerir
tais riscos são integra-
dos na estrutura geral
de gerenciamento de
riscos da organização?
▶ Quais métricas são utilizadas para
avaliar riscos e oportunidades asso-
ciados à mudança do clima? Como
tais métricas estão alinhadas com
a estratégia e o processo de gestão
de riscos da empresa?
▶ Quais são as emissões de gases
de efeito estufa da empresa nos
escopos 1, 2 e 3 do GHG Protocol?
E quais os riscos relacionados?
▶ Quais são as metas utilizadas pela
empresa para gerir esses riscos e
oportunidades? E como tem sido a
performance da empresa em rela-
ção a essas metas?
O QUE OS INVESTIDORES DEVEM ANALISAR
QUANTO AOS RISCOS CLIMÁTICOS DAS EMPRESAS
FONTE: FSB TASK FORCE ON CLIMATE-RELATED FINANCIAL DISCLOSURES (TCFD), 2017.
33. Com a sustentabilidade, produzir e vender não é mais suficiente.
Não importa apenas ter lucro, mas saber como esse lucro foi gerado.
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 31 |
ANNELISE VENDRAMINI > Professora e coordenadora do Programa de Finanças
Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP >
annelise.vendramini@fgv.br
ARON BELINKY > professor e coordenador do Programa de Produção e Consumo
Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV EAESP >
aron.belinky@fgv.br
PARA SABER MAIS:
- GVces e FEBRABAN. O sistema financeiro nacional e a economia verde. Alinhamento
ao desenvolvimento sustentável, 2014. Disponível em: http://gvces.com.br/o-
sistema-financeiro-nacional-e-a-economia-verde-alinhamento-ao-desenvolvimento-
sustentavel?locale=pt-br
- BM&F Bovespa. Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). bmfbovespa.com.br/pt_br/
produtos/indices/indices-de-sustentabilidade/indice-de-sustentabilidade-empresarial-ise.htm
- FSB Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD). Recommendations of the
Task Force on Climate-related Financial Disclosures. 2017. Disponível em: fsb-tcfd.org/
publications/final-recommendations-report/
principais razões para isso: mitigação de riscos, maior inte-
gração do sistema financeiro com as demais políticas públi-
cas socioambientais do país e busca por mais eficiência no
setor. Nesse esforço, duas resoluções do Bacen destacam-se:
1. Resolução n. 4.327, de abril de 2014, que estabelece
que as instituições financeiras devem ter uma política
de responsabilidade socioambiental e observar aspec-
tos materiais para o risco da instituição;
2. Resolução n. 4.557, de fevereiro de 2017, que inclui
riscos socioambientais na estrutura de gestão de riscos
das instituições financeiras.
Também nesse segundo momento, os esforços voluntá-
rios do mercado brasileiro no sentido da sustentabilidade
continuaram avançando. A Federação Brasileira de Bancos
(FEBRABAN), entidade representativa do setor bancário
brasileiro, vem se debruçando sobre a importância eco-
nômica de aspectos socioambientais. Como exemplo de
seus esforços recentes nesse sentido, destaca-se a metodo-
logia desenvolvida em parceria com o Centro de Estudos
em Sustentabilidade (GVces) da Escola de Administração
de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
(FGV EAESP), que é pioneira no mundo e destinada à
criação de uma base de dados sobre o volume de recursos
canalizados para a chamada Economia Verde. Com a sis-
tematização dessa informação, os bancos vão avançar na
gestão de seus riscos socioambientais, identificar oportu-
nidades de negócio ligadas à sustentabilidade, favorecer
análises comparativas com outros países e contribuir para
políticas públicas.
Além disso, em 2014, a FEBRABAN publicou uma nor-
ma autorreguladora que prevê diretrizes e procedimentos
voltados a práticas socioambientais nas instituições financei-
ras. Entre outras discussões promovidas pela FEBRABAN,
estão o financiamento de recomposição florestal, os títulos
verdes e o risco de desmatamento em agropecuárias.
UMA ROTA PARA O FUTURO
Por que o setor financeiro está tão interessado na sus-
tentabilidade? Por duas grandes razões. A primeira tem
foco no momento presente: aspectos socioambientais
podem representar riscos (impactos negativos sobre o
fluxo de caixa) para as empresas que obtêm crédito e/ou
investimentos, como perdas financeiras ou graves danos
reputacionais por envolvimento em casos de corrupção,
trabalho infantil ou análogo ao escravo, multas por não
atendimento à legislação ambiental, entre outros. A se-
gunda razão envolve a perspectiva futura da organização:
a capacidade de a empresa se manter competitiva em um
mundo que passa por profundas transformações. As de-
cisões de investimentos e rotas tecnológicas feitas hoje
terão impacto sobre a competitividade das empresas no
médio e longo prazos. Por essa razão, se não considera-
rem elementos ligados à sustentabilidade ─ como mu-
danças climáticas ─, podem tomar decisões que impac-
tarão sua habilidade em se manter competitivas daqui a
relativamente poucos anos.
Há uma conhecida frase atribuída a Benjamin Franklin que
diz: “Ao falhar na preparação, você está se preparando para
falhar”.Agestão para a sustentabilidade mantém a empresa
conectada com um mundo em transição e contribui para a
melhor gestão de riscos. Na medida em que conhece mais
profundamente impactos e dependências ligados a aspec-
tos socioambientais materiais para seu negócio, mantém-se
conectada às transições em curso, possibilitando inovações
que contribuirão para seu sucesso futuro, com criação e pro-
teção de valor econômico.
34. | 32 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
CE | SUSTENTABILIDADE • RISCO OU OPORTUNIDADE?
35. RISCO OU
OPORTUNIDADE?
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 33 |
| POR GUARANY OSÓRIO E INAIÊ TAKAES SANTOS
N
os últimos anos, observaram-se novos
recordes de temperatura e aumento de
eventos climáticos extremos, como ondas
de calor e tempestades. Tanto indivídu-
os quanto grandes corporações já arcam
com os prejuízos causados pelos impac-
tos das mudanças no clima. Tais custos
estão dispersos entre países, setores econômicos e famílias.
Os que sofrem as consequências desses fenômenos não são
necessariamente os mesmos que contribuem para que eles se
acentuem. Esse descasamento entre quem arca com o custo
e quem se beneficia das emissões faz com que haja um pro-
blema conhecido na economia como externalidade negativa
ou, no contexto específico, como custo social do carbono –
que compreende os custos relacionados a danos provocados
pelas emissões de gases do efeito estufa (GEE) no âmbito
global pelo período em que esses gases permanecerem na
atmosfera, trazidos a valor presente.
O problema pode ser contornado por meio da internaliza-
ção desse custo no sistema de preços da economia para que
as decisões de investimento, produção e consumo passem
Instrumentos para precificar emissões de gases de efeito
estufa avançam no Brasil e no mundo. Falta usar o potencial
nacional de produção industrial de baixa intensidade
carbônica como diferencial competitivo.
a considerá-lo de forma objetiva. Assim, a precificação de
emissões de GEE, ou simplesmente precificação, busca tor-
nar tangíveis os custos das emissões.
A precificação pode se dar por intermédio de uma tribu-
tação ou de um arranjo de mercado envolvendo a comer-
cialização de permissões para emitir GEE, conhecido como
sistemas de comércio de emissões. Em teoria, ambos os
instrumentos são capazes de internalizar o custo social do
carbono de forma efetiva.
TENDÊNCIAS GLOBAIS
A mudança do clima é um fenômeno global e não é sim-
ples promover essa internalização de custos de forma har-
monizada entre todas as nações. Anteriormente a isso, é
preciso mobilizar a vontade política de um número consi-
derável de atores. Nesse sentido, o Acordo de Paris pode
não ter trazido a solução para que a temperatura média
global não aumente mais do que 2ºC em relação aos níveis
pré-industriais, mas estabeleceu um marco legal interna-
cional para coordenar esforços de mitigação de emissões
de GEE de 195 países.
36. | SUSTENTABILIDADE • RISCO OU OPORTUNIDADE?
| 34 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
Uma questão fundamental para as partes signatárias diz
respeito aos meios de implementação de suas contribuições
ao acordo (Nationally Determined Contributions – NDCs).
Para isso, há a possibilidade de transferência de resultados
de mitigação entre países. Um país com custos de mitigação
mais elevados adquiriria resultados de redução de emissões
alcançados por países com custos inferiores, o que poderia
ocorrer por meio de instrumentos de mercado. Mais de 100
países indicaram que planejam ou consideram fazer uso de
instrumentos de precificação, cuja abrangência pode ser
tanto doméstica quanto internacional.
Em muitos países, a mudança do clima e a regulação de
emissões de GEE, particularmente, passaram a constituir
um novo domínio de políticas públicas nas últimas duas
décadas. Embora envolva desafios de natureza institucio-
nal e política, a adoção de instrumentos de precificação
tem se disseminado inclusive entre países em desenvol-
vimento. Atualmente, mais de 40 países e 25 jurisdições
subnacionais adotam algum instrumento de precificação
de carbono, o que corresponde a aproximadamente 15%
das emissões globais. A China, por exemplo, caminha em
direção a um sistema de comércio de emissões de abran-
gência nacional que tem início previsto ainda em 2017,
após cinco anos de operação com programas piloto em
oito cidades e províncias.
No âmbito regional, aAliança do Pacífico fortalece-se para
avançar a implementação de instrumentos de precificação,
pautada pelo objetivo dos governos do Chile, da Colômbia,
do México e do Peru de promover o livre comércio na re-
gião. Na Declaração de Cali, assinada em junho passado,
os presidentes desses quatro países reafirmam sua intenção
de intensificar esforços em termos de mensuração, relato
ALBERTA MANTOBA
ONTARIO
QUÉBEC
TERRA NOVA
e LABRADOR
RGGI
EUROPA
UCRÂNIA
ISLÂNDIA CAZAQUISTÃO
TURQUIA CHINA
TAILÂNDIA
JAPÃO
COREIA
Comércio de emissões
implementado ou previsto
Tributo sobre emissões
implementado ou previsto
Comércio de emissões
ou tributo em análise
Comércio de emissões e tributo
implementado ou previsto
Comércio de emissões implementado
ou previsto, tributo em análise
Tributo sobre emissões implementado
ou previsto, comércio em análise
COREIA
PEQUIM
TIANJIN
HUBEI
CHONG-QING
SHENZHEN
TAIWAN
GUANGDONG
TOKYO
SAITAMA
QUIOTO
SHANGHAI
ÁFRICA DO SUL AUSTRÁLIA
NOVA
ZELÂNDIA
CANADÁ
COLUMBIA
BRITÂNICA
WASHINGTON
OREGON
CALIFÓRNIA
MÉXICO
COLÔMBIA
CHILE
BRASIL
RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
NORUEGA SUÉCIA
FINLÂNDIADINAMARCA
REINO UNIDO
IRLANDA
PORTUGAL
FRANÇA ESLOVÊNIA
SUÍÇA
POLÔNIA
ESTÔNIA
LETÔNIA
RESUMO DE INICIATIVAS DE PRECIFICAÇÃO
DE EMISSÕES IMPLEMENTADAS, PREVISTAS E EM ANÁLISE
(SISTEMAS DE COMÉRCIO DE EMISSÕES E TRIBUTAÇÃO SOBRE EMISSÕES)
FONTE: WORLD BANK; ECOFYS; VIVID ECONOMICS, 2016. TRADUÇÃO DA LEGENDA FEITA PELOS AUTORES.
37. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 35 |
e verificação de emissões de GEE com vistas a identificar
possíveis mecanismos voluntários de mercado na região.
Mundialmente, ainda, os economistas Joseph Stiglitz e
Nicholas Stern, que lideram uma comissão para discutir o
papel da precificação de carbono no enfrentamento do de-
safio climático, publicaram há poucos meses um relatório
que traz uma mensagem bastante difundida nos livros-texto:
a precificação é parte indispensável de qualquer estratégia
que almeje reduzir emissões de forma eficiente. Entretanto
a ênfase é menos na eficiência e mais no potencial que o
instrumento tem de promover o crescimento econômico
duradouro e sustentável, por exemplo, por meio de inves-
timentos em novas tecnologias e infraestruturas relaciona-
das à baixa emissão de GEE.
A novidade está no patamar de preços capaz de direcio-
nar os recursos necessários para atingirmos a neutralidade
de emissões na metade deste século. Valores entre US$ 40
e US$ 80 por tonelada de CO2 em 2020 e algo entre US$
50 e US$ 100 em 2030 seriam condizentes com os objeti-
vos estabelecidos no acordo. Embora seja praticamente im-
possível imaginar um preço global para o carbono, a men-
sagem ecoa a urgência de se incorporar um sinal de preços
nas políticas nacionais de mitigação da mudança do clima.
NO BRASIL
Nacionalmente, a Lei nº 12.187, de 2009, instituiu a
Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), de-
signando um amplo conjunto de ações para atingir redu-
ção entre 36,1 e 38,9% das emissões brasileiras projetadas
até 2020. Ainda que o artigo 9º da referida lei mencione a
criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
(MBRE) para negociar títulos que representem emissões
certificadas evitadas (e não direitos de emissão), até o pre-
sente não foi regulamentado nenhum instrumento que pre-
cifique as emissões de GEE diretamente.
Entretanto, há pelo menos cinco anos, uma equipe do
Ministério da Fazenda vem analisando possíveis alternativas
para apoiar a decisão do país sobre a adoção de um sinal de
preços para as emissões de GEE. Atualmente, essa equipe
coordena um conjunto de análises no âmbito do Projeto
da Partnership for Market Readiness (PMR) no Brasil,
que também conta com o apoio do Centro de Estudos
em Sustentabilidade da FGV EAESP (GVces). A PMR
é uma iniciativa global do Banco Mundial que apoia go-
vernos na formulação de políticas públicas de mitigação
de emissões.
O objetivo da PMR Brasil é avaliar se é desejável que a
PNMC contemple um instrumento de precificação e, em
caso positivo, de que forma. O projeto chama a atenção
para a pertinência de uma avaliação ampla, considerando
a interação entre um conjunto de políticas setoriais e im-
pactos econômicos da precificação no país. Essa avaliação
integrada promove a coerência entre as políticas e o cus-
to versus efetividade das reduções de emissões, evitando a
adoção de medidas setoriais isoladas.
O cenário de restrição fiscal no setor público reforça a ne-
cessidade de identificação das fontes de financiamento para
implementação da NDC do Brasil. Paralelamente, observa-se
um movimento crescente de organizações no setor empre-
sarial engajando-se em iniciativas relacionadas ao tema e
produzindo análises detalhadas.
ATUAÇÃO EMPRESARIAL NO BRASIL
Embora muitas empresas já tenham experimentado eleva-
ção de custos de operação por conta da alteração de padrões
climáticos ou eventos extremos, os custos reais da emissão
de GEE ainda são invisíveis para os balanços financeiros
corporativos. Buscando lidar com essa deficiência, algu-
mas empresas passaram a adotar a precificação interna de
carbono em suas estratégias, visando reduzir risco com in-
vestimento em ativos que podem ficar “encalhados”, já le-
vando em consideração a tendência internacional e a pers-
pectiva da regulação de emissões via precificação se tornar
realidade no Brasil.
Mais de 100 países dizem que planejam ou consideram
fazer uso de instrumentos de precificação, cuja abrangência
pode ser tanto doméstica quanto internacional.
38. | SUSTENTABILIDADE • RISCO OU OPORTUNIDADE?
1. Quais as implicações da precificação de carbono para as empresas?
Os insumos menos intensivos em emissões tornam-se relativamente mais baratos, favorecendo a substituição
de combustíveis fósseis, por exemplo. Além disso, as tecnologias capazes de reduzir emissões ficam mais atra-
tivas do ponto de vista financeiro.
2. Por que diversas empresas estão adotando precificação interna de carbono?
A adoção de um instrumento de precificação pode ser bastante complexa e requerer muita avaliação prévia, no
entanto muitas empresas já consideram que isso será realidade mais cedo ou mais tarde. Para horizontes de pla-
nejamento financeiro e decisões de investimento que consideram anos ou décadas – e não meses –, seria impru-
dente considerar que as emissões de GEE continuarão a ter custo zero.
3. As empresas terão suas vendas reduzidas por conta da precificação?
Assim como ocorre com outras alterações de mercado, é possível que as vendas de determinados segmentos
diminuam e outras aumentem. O resultado dependerá, sobretudo, da capacidade do produtor em substituir insu-
mos e tecnologias e de repassar custos ao consumidor. Em última instância, se o consumidor optar por produtos
alternativos que o satisfazem igualmente, haverá redução no volume de vendas de um lado e aumento de outro.
A precificação favorece a emergência de produtos e tecnologias de baixo carbono, o que significa que é preciso es-
tar atento não apenas para riscos, mas também para oportunidades.
RESPOSTAS ÀS PRINCIPAIS DÚVIDAS
DOS GESTORES SOBRE A PRECIFICAÇÃO DE CARBONO
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GUARANY OSÓRIO > Coordenador do Programa Política e Economia Ambiental
(PEA) do GVces. Doutorando em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP >
guarany.osorio@fgv.br
INAIÊ TAKAES SANTOS > Pesquisadora do PEA/GVces da FGV EAESP >
inaie.santos@fgv.br
PARA SABER MAIS:
- Brasil. Projeto PMR Brasil, 2017. Disponível em: http://www.spe.fazenda.gov.br/pmr_brasil.
- CPD. Embedding a carbon price into business strategy. Disponível em: https://
b8f65cb373b1b7b15feb-c70d8ead6ced550b4d987d7c03fcdd1d.ssl.cf3.rackcdn.com/cms/
reports/documents/000/001/132/original/CDP_Carbon_Price_2016_Report.pdf?1474269757
- GVces. Precificação de carbono, 2017. Disponível em: http://gvces.com.br/precificacao-de-carbono
- IEC. Posicionamento sobre mecanismos de precificação de carbono, 2016. Disponível em:
http://mediadrawer.gvces.com.br/epc/original/posicionamentocarbono-08nov16.pdf
- World Bank. Report of the High-Level Commission on Carbon Prices, 2017. Disponível em:
https://www.carbonpricingleadership.org/report-of-the-highlevel-commission-on-carbon-prices/
- World Bank. State and Trends of Carbon Pricing 2016, 2016. Disponível em: http://documents.
worldbank.org/curated/en/598811476464765822/State-and-trends-of-carbon-pricing
De acordo com o relatório da organização CDP, que nas-
ceu com o nome de Carbon Disclosure Project, em 2016, 47
empresas já adotam um preço interno de carbono ou preten-
dem fazê-lo nos próximos dois anos no Brasil. No ano pas-
sado também, o questionário do Índice de Sustentabilidade
Empresarial (ISE) da bolsa de valores do Brasil (B3) pas-
sou a incorporar a pergunta sobre precificação interna, e a
plataforma Empresas pelo Clima, do GVces, desenvolveu
diretrizes para disseminar essa prática entre as empresas.
Além disso, desde 2012, 35 empresas participam de uma
simulação de sistema de comércio de emissões em con-
junto com o GVces. Todas essas iniciativas apontam que
o setor empresarial vem acumulando conhecimento e já é
capaz de influenciar o debate, o que se reflete em posiciona-
mentos como os publicados pelas Iniciativas Empresariais
em Clima (IEC) e a Associação Brasileira da Indústria
Química (ABIQUIM).
O Brasil tem enorme potencial comparativo de produção
industrial, agrícola e energética com baixa intensidade car-
bônica, que na maior parte ainda não foi traduzido para di-
ferencial competitivo. A precificação de emissões pode ser
tratada pelas empresas como risco regulatório que elevará
os custos de produção, ou como oportunidade para explorar
um diferencial de competitividade. Tal distinção de percep-
ções é crucial para que as empresas influenciem positiva-
mente os processos que deverão definir em que momento
e de que forma será implementado um instrumento de pre-
cificação no país. O desafio central reside em encontrar a
melhor maneira de permitir que nosso potencial de contri-
buição ao acordo – e não apenas o que consta da NDC –
possa ser efetivamente explorado ao mesmo tempo em que
fortalece a economia do país.
39. GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 37 |
CE | SUSTENTABILIDADE • EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEL
40. | SUSTENTABILIDADE • EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEL
EMPREENDEDORISMO
SUSTENTÁVEL
A própria natureza pode servir
de inspiração para encontrar
oportunidades sustentáveis e viáveis
economicamente, por exemplo, com
o uso de ingredientes naturais em
linhas de home e personal care.
| 38 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
| POR MARCELO EBERT
E
mpreendedorismo sustentável, ecológico ou
verde: esses termos traduzem um movimento
ainda tímido, mas que, felizmente, cresce a
cada dia em nossa economia. Em uma épo-
ca na qual o desafio de balancear o ritmo de
utilização dos recursos naturais do planeta
coexiste com um desejo sem precedentes de
construir relações de trabalho diferentes, esse tipo de empre-
endedorismo emerge como uma alternativa que pode conver-
ter tais desafios em oportunidades.
O empreendedor sustentável é alguém que considera os
aspectos ambientais, econômicos e sociais em seu core busi-
ness, que entrega soluções inovadoras para o modo como
bens e serviços são consumidos e que propõe formatos de
negócios que contribuam para a sustentabilidade da econo-
mia. Seu principal objetivo é, portanto, maximizar o valor
ambiental criado por meio de suas ideias, baseando-se em
modelos de empreendimentos viáveis e efetivos.
O consumidor está cada vez mais propenso a escolher
produtos e serviços com propósito socioambiental. O desafio
é colocar algo novo e consistente no mercado, mas que também
tenha melhor qualidade, preço e/ou facilidade de acesso.
O CAMINHO
Todo empreendedor tem uma ou várias ideias em sua
mente. São inúmeras as reflexões que devem ser rea-
lizadas para que ele aprofunde sua proposta: drivers
que influenciariam o seu sucesso, impacto em diversos
41. O greenwashing – apropriação
de virtudes ambientalistas pelas
organizações, por meio do marketing –
é alvo de questionamentos criteriosos
por parte dos consumidores.
GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017 39 |
stakeholders, recursos necessários, alianças desejáveis,
etc. Embora não seja comum, essa análise pode melho-
rar e muito a assertividade das iniciativas, reduzindo os
riscos e, consequentemente, aumentando as chances de
sucesso de seu negócio.
O processo de desenho, desenvolvimento e implemen-
tação de soluções para “problemas de sustentabilidade” é
desafiador, mas não impossível. Há uma série de conside-
rações importantes para ampliar as chances de sucesso de
um empreendedor sustentável:
• O desenvolvimento sustentável de um produto ou
serviço deve ser encarado como um processo, e não
um fim: a medição do “grau de sustentabilidade” de um
produto, por exemplo, deve levar em consideração uma
referência, e não ser entendida como absoluta;
• Sustentabilidade demanda melhoria contínua: sempre
há maneiras de realizar melhorias incrementais a partir
de estágios existentes;
• É impossível atingir todos os objetivos sem sacrifício:
resolver todos os problemas de impacto ambiental de um
produto ou serviço de uma só vez, sem que haja a ne-
cessidade de avaliar trade-offs, é uma situação bastante
improvável. O empreendedor precisa elencar priorida-
des e sacrificar determinadas dimensões em detrimento
de outras;
• O Santo Graal da sustentabilidade não existe: peque-
nas inovações que tragam alguma novidade tecnológica
quando comparadas ao status quo tendem a ser mais efi-
cazes do que grandes mudanças disruptivas, já que estas
normalmente demandam mais investimento e possuem
aplicação questionável.
• O consumidor tem interesses pessoais: o grau de sus-
tentabilidade de um produto ou serviço só interessa ao
consumidor se isso estiver atrelado a algo que lhe traga
benefício pessoal. Sem qualidade e/ou preços melhores
ou similares à concorrência, um produto ou serviço sus-
tentável não consegue mudar o jogo e ficará confinado
a um nicho que pode desaparecer a qualquer momento.
Escalabilidade é fundamental.
Encontrar soluções de negócio para os desafios am-
bientais faz com que os empreendedores sustentáveis
tenham de procurar modelos inovadores que, ao mesmo
tempo, entreguem valor ao meio ambiente e sejam vistos
como viáveis pelos mercados consumidores. Para isso,
a própria natureza pode servir de inspiração. Por exem-
plo, ingredientes naturais têm o potencial de substituir
petroquímicos e outros compostos tóxicos em linhas de
home e personal care, reduzindo o impacto ambiental e à
saúde, além de melhorar o ciclo de vida desses produtos.
Linhas de alimentos de rota natural podem ser criadas
para substituir itens processados. E negócios de eco-de-
sign trazem dos recursos naturais soluções para reduzir
o consumo de energia, gastos com materiais e descarte
de itens de consumo.
Cabe ressaltar, no entanto, que tão importante quanto
a geração de ideias e o grau de inovação e tecnologia, os
comportamentos e as atitudes dos empreendedores são de-
terminantes para o sucesso do negócio. Segundo a pesquisa
O potencial para empreender com alto impacto, realizada
pela Endeavor Brasil em parceria com o instituto inglês Meta
Profiling e com o apoio da empresa de pesquisa Opinion
Box, quatro atitudes são essenciais para a criação de uma
empresa de alto impacto:
1. Visão de oportunidade: o empreendedor precisa ser
capaz de enxergar possibilidades de negócio, ter mente
aberta e ser antenado. Suas ideias devem partir de um
problema demonstrado pelo mercado;
2. Proatividade: ter a capacidade de “botar para fazer” e ter
autodeterminação. Coragem para tirar as ideias do papel
e atitude para implementá-las da maneira mais eficiente
são comportamentos fundamentais;
3. Criatividade: ser original e inovador. No caso do empre-
endedorismo sustentável, esse teor de inovação é ainda
mais importante, pois sem isso é impossível maximizar
o valor ambiental do negócio;
4. Sonho grande: ter ambição de realizar grandes feitos,
propósitos e valores.
De acordo com os resultados da pesquisa, os empreende-
dores brasileiros possuem scores maiores do que a média
mundial, com destaque para os aspectos “visão de oportu-
nidade” e “criatividade”. Segundo o estudo, nossa principal
lacuna está na proatividade, fato que traz à tona as enormes
42. | SUSTENTABILIDADE • EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEL
| 40 GVEXECUTIVO • V 16 • N 5 • SET/OUT 2017
dificuldades burocráticas ainda existentes em nosso país
para o empreendedorismo evoluir.
O MERCADO CONSUMIDOR
O grau de envolvimento do mercado consumidor com os
desafios de equilibrar a utilização dos recursos naturais é
que vai direcionar o empreendedorismo sustentável. Se to-
das as discussões em torno dos temas relacionados ao de-
senvolvimento sustentável, à economia verde, aos limites
de exploração dos recursos naturais e à revisão dos padrões
de consumo não despertassem interesse do mercado con-
sumidor, teríamos apenas reflexões teóricas e acadêmicas
confinadas a um grupo restrito de adeptos, o que limitaria
a resolução efetiva dos problemas.
Felizmente, o que pode ser notado, principalmente com
a chegada das gerações mais modernas ao mercado – so-
bretudo os millennials –, é que, de fato, os consumidores
demonstram ser sensíveis aos desafios ambientais do plane-
ta e que, a cada dia, esse tema chega mais perto do mains-
tream. Empreendedores sustentáveis têm, portanto, um grande
campo a ser explorado.
Muitas pesquisas têm aprofundado as análises desse com-
portamento para determinar até que ponto o envolvimento
se traduz em ação. Tudo indica que o consumo consciente
de produtos, serviços e soluções é um caminho sem volta,
apesar de ainda possuir um enorme espaço para avançar.
A pesquisa Lifestyles, da Euromonitor International, que
monitora o comportamento de consumo mundial, apontou
quatro keytrends em sua última edição, em 2016: seleção
de ingredientes, preocupações “verdes”, crescimento per-
sistente no estilo mobile e consumidores comprando tem-
po para encontrar equilíbrio, preocupados em aumentar o
quality time de suas vidas. As duas primeiras tendências
claramente fornecem importantes insights para o empre-
endedorismo sustentável:
1. Seleção de ingredientes: a procura por ingredientes
naturais, não geneticamente modificados e produzidos
sustentavelmente é um crescente hábito de consumo da
sociedade. Estima-se que mais de um terço dos consumi-
dores leiam atentamente rótulos à procura de ingredientes
menos prejudiciais.Amesma pesquisa, no entanto, aponta
que o conceito de ingrediente natural ainda é confuso, o
FATORES QUE MAIS PESAM NAS DECISÕES DE COMPRA DOS CONSUMIDORES
Qualidade
Preço
Disponibilidade
Recomendações de amigos e família
Favorável ao meio ambiente
Prática de comércio justo
Produzido de forma sustentável
Força do nome da marca
Apoio a comunidades locais
Produto orgânico
Tipo de embalagem
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
% de respondentes
FONTE: EUROMONITOR INTERNATIONAL, 2011. PARA A RÚSSIA, OS DADOS CONDIZEM A 2013.