1. Espaços SagradosEspaços Sagrados
Versão 2/março de 2013 (Versão Original 2009)
Fernando Zornitta
- A praça é do povo, como o céu é do condor !
Castro Alves
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Texto faz uma reflexão sobre a utilização das praças e dos espaços públicos de Fortaleza
e sugere ações do poder público e mudanças de posturas, para que venham a oferecer a
mesma amplitude poética proposta por Castro Alves para o convívio das pessoas, da
comunidade e do visitante.
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- A praça é do povo, como o céu é do condor !
Com poesia, Castro Alves nos trouxe a dimensão e a importância que o espaço
urbano que convencionamos chamar de “praça” tem para as pessoas e para o
conjunto da sociedade.
Uma praça é sempre uma referência importante no contexto das comunidades
que fixam suas residências no seu entorno e proximidades. Muitas vezes a
conformação de vilas e cidades no Brasil se deu a partir dela.
Junto a praça está a igreja, o comércio, a escola e as pessoas recreando-se,
descansando, encontrando-se.
Uma praça pode favorecer a convivência harmônica de uma determinada
comunidade e, também atender – mesmo que em parte – as suas necessidades
subjetivas de lazer e recreação.
Uma praça pode servir para a diversão, para a contemplação, bem como para
atividades esportivas e culturais. Pode ser o espaço para a manifestação pública
das idéias e ideais; das apresentações artísticas – dentre tantas outras
possibilidades.
Entretanto, com a urbanização excessiva, vão diminuindo em vez de
aumentarem os espaços verdes e as praças nas cidades, para darem lugar ao
atribuladas necessidades de circulação, de trabalho; para o crescimento das
edificações, também em função das outras funções humanas nas metrópoles,
principalmente a de habitação.
Na luta pela sobrevivência, não raramente, estes exíguos, mal equipados
espaços destinados às praças são ocupados pelo comércio informal e de
subsistência, transformando-as em “camelódromos”; quando não relegados aos
desleixo e ao mais completo abandono, dando margem a freqüentação de
desocupados, à criminalidade e as drogas, inviabilizando uma sadia utilização.
Se prestam também àqueles que dormem à luz das estrelas: os moradores de
rua. Em Porto Alegre e em São Paulo e em muitas metrópoles brasileiras essa é
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uma triste realidade, onde os deserdados da sorte se instalam em praças e
espaços públicos, para lá viverem como sua última alternativa.
Em Fortaleza, os espaços públicos destinados ao lazer estão diminuindo
gradualmente e, em sua grande maioria, as praças nos bairros e nas periferias
abandonadas a sua própria sorte; destituídas de equipamentos e de animação,
vão sendo cada vez mais ocupadas pelo comércio informal, pelo ócio da
juventude sem opção e pela insegurança, causando a repulsa da população que
dela antes se utilizava.
No ambiente urbano das nossas cidades, vemos nossas crianças e jovens
confinados, sem possibilidades de lazer, recreação e da pratica de esportes ao ar
livre nas cercanias das suas casas, nas praças e nos parques. Vemos igualmente
idosos e as pessoas com deficiências nas mesmas condições, sem que o poder
público assuma a si a responsabilidade de organização e da administração destes
espaços.
A exceção do lazer de final-de-semana, uma ínfima parte da população pode
deslocar-se e utilizar-se dos grandes espaços nas praias ou nos parques urbanos,
que também são exíguos, elitizados, muito mal equipados e em processo de
degradação.
Enquanto isso, a falta de oportunidades e o incremento da marginalidade entre
os jovens aumentam de forma acelerada e incontrolável em toda a cidade.
Fortaleza é considerada a 15ª cidade mais violenta do mundo.
- Imaginemos praças e espaços públicos se prestando ao incentivo das atividades
recreativas, esportivas como uma das possibilidades de inclusão e de reversão
desse triste quadro !
Praça, o lugar do encontro ou do desencontro ?
Poucos espaços públicos de Fortaleza se prestam a função urbana do lazer (de
acordo com a classificação da Carta dos Andes) na plenitude do que poderiam
ser e, todos que conseguem manter as suas características funcionais, só
conseguiram isso porque têm a mão do poder público na administração e defesa
desses parcos espaços.
Em Fortaleza, a Praça do Ferreira, a Praça Luiza Távora e o Passeio Público -
cada uma com a sua característica – vêm conseguindo manter um nível de
urbanidade. Contraponto dessas - embora não menos importantes para o
Fortalezense (e que também poderiam ser para o visitante) - a Praça José de
Alencar, a Praça Coração de Jesus, a Praça da Polícia e várias outras praças e
espaços públicos, estão encampadas e ocupadas pelo comércio ambulante, por
cabines e “conteiners” (que vendem cartões telefônicos, revistas, alimentos e
sucos – dentre outros produtos), mas que não se prestam ao uso da coletividade
e nem ao lazer.
O Parque das Crianças, embora o seu nome que não condiz e nem está
adequado à destinação que indica, também apresenta no seu entorno barreiras à
acessibilidade, tais como “containers” autorizados para a vendas de revistas,
vendedores ambulantes, os quais todo o dia lá se instalam, dificultam o acesso e
a circulação dos transeuntes. Internamente o Parque foi encampado por
atividades da própria prefeitura e serve de estacionamento de funcionários e dos
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órgãos alí instalados, dentre estes a Secretaria de Direitos Humanos do
município.
Além do que, o parque não atende os pré-requisitos de acessibilidade universal;
ao Decreto 5296/2004 e a NBR 9050, que tratam desse tema.
Na Praça Coração de Jesus, eram 19 os estabelecimentos comerciais com esse
tipo de estrutura fixa de containers em 2009; na do Carmo 10 antes da reforma
(alguns ainda continuam lá), na da Polícia 8 e na José de Alencar e
proximidades, perde-se o número, embora esta praça tenha passado por
reforma, tenham sido retirados, mas retornaram em locações diferentes.
Centenas são os ambulantes com suas carrocinhas ou equipamentos expositores
adaptados nestes mesmos espaços, quando não com suas mesas e cadeiras para
servirem os seus clientes.
Inexiste um controle eficiente em todos os horários e a criminalidade no centro
da cresce, associada a falta de fiscalização e do bom uso destes espaços.
Este tipo de ocupação impede o usufruto dos espaços e equipamentos públicos
pelo cidadão e a acessibilidade das pessoas com deficiências e/ou mobilidade fica
reduzida. Além do que, mesmo que autorizadas pelo poder público, esses
equipamentos tornam-se barreiras físicas e descaracterizam a principal função
urbana das vias e praças; que lá estão de forma ilegal e contrariando várias leis
municipais e federais – dentre estas a própria Lei Orgânica e o Código de
Posturas do Município.
O centro da cidade é um dos mais tristes exemplos disso e nenhuma ação efetiva
é promovida para reverter isso.
Requalificação dos Espaços para o contexto urbano
A relação primeira do homem com o seu habitat é de ordem econômica.
Uma cidade turística como Fortaleza, que por duas oportunidades distintas foi
considerado o primeiro destino turístico nacional e 11% do seu PIB diretamente
oriundo desta atividade; que fomenta os setores de comércio e serviços e recebe
visitantes de todas as partes do mundo, deveria preocupar-se em preservar e em
valorizar os seus espaços públicos, uma vez que estes não só estarão a
disposição dos habitantes, mas também destes visitantes, além de melhorarem
as condições de vida urbana e ajudarem a compor o ambiente turístico.
Se a atividade turística é um importante fator de desenvolvimento e de geração
de renda da população, a administração pública deveria preocupar-se com o seu
contexto urbano, seu ambiente natural e sociocultural. A cidade e seu meio
ambiente fazem parte da composição do seu “produto turístico”, o qual
diferentemente dos demais produtos, “será consumido no próprio local onde é
produzido”. O destino – a localidade, a cidade, a região - com todas as suas
particularidades, é o próprio “produto”.
Deve por isso, ter e manter a sua qualidade e os seus atrativos de caráter
natural e sociocultural; deve melhorar a sua infra e a superestrutura turísticas,
seus equipamentos complementares e de animação; além de qualificar os seus
recursos humanos para bem atender os visitantes.
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Além deste enfoque, não uma, mas todas as praças de Fortaleza deveriam
passar por um processo de requalificação, para atender as expectativas da
população (que delas deveria poder utilizar-se), bem como adequarem-se as
características, necessidades e especificidades atuais da população dos bairros
aos quais pertencem.
“A vida é a arte do encontro”, sentenciou Vinícius de Morais. “A cidade deve
oportunizar este encontro”, parafraseou Jaime Lerner. O encontro do cidadão
com ele mesmo; com o seu semelhante e com o visitante, através da valorização
dos seus espaços de referência e das manifestações sócio-culturais (criadas ou
não) - dentro de um contexto urbano planificado em função da escala humana;
dos pontos tradicionais de encontro; percebendo e decodificação a partir destes
mesmos espaços, contribuindo para a sedimentação da memória do seu povo.
A urbanística, a geografia urbana, a sociologia, a economia, a história, a
antropologia e a arquitetura, assim como as demais ciências que também têm a
cidade como um dos seus objetos de estudo, além daquelas áreas e
especialidades das ciências humanas, como as do Lazer e Recreação, do
Turismo, do Paisagismo, das artes, do artesanato, dos esportes; podem
contribuir para os estudos indicativos da melhor forma de requalificação dos
espaços nas cidades e, dentre estes, as praças e espaços públicos de uso
coletivo.
Há de se pesquisar as motivações e necessidades locais e oferecer o que a boa
técnica recomenda, mas também o que as comunidades esperam.
Há pouco menos de duas décadas atrás, um candidato reeleito para a Prefeitura
de Fortaleza, nos meses que antecederam a sua eleição, “reformou 350 praças
da cidade”, instalando uma padronização de pisos, bancos e outros
equipamentos sem qualquer preocupação em pesquisar as motivações da
população e dos usuários em atividades e nem atender as necessidades
intrínsecas de cada comunidade; o que poderia ter sido feito com bases em
técnicas de investigação onde as diversas ciências e especialidades poderiam
contribuir. Se pesquisarmos a condição em que se encontram hoje, veremos
todas no mais completo abandono e entregues a sua própria sorte.
O reflexo dessa intervenção, somada a falta de cuidado e gestão, hoje está
patente na forma de uso atual destas praças e espaços públicos, onde o desleixo
e a ocupação indevida, principalmente na periferia da cidade, inviabilizam o bom
uso destes equipamentos pelo conjunto da população.
Praças e Espaços Tradicionais
Algumas praças e espaços públicos tradicionais de Fortaleza estão inseridas no
contexto sócio-econômico e cultural da cidade por apresentarem uma propensão
temática e estarem sendo zeladas pelos órgãos públicos.
Uma destas é a Praça Luisa Távora, que por sua tradição, é contextualizada
como um dos mais importantes centros de artesanato da cidade. Expõe produtos
de várias vertes das artes e ofícios cearenses; sendo por isso também procurada
por turistas e excursionistas que visitam a capital. Também se presta a eventos
culturais, geralmente promovidos pelo Estado. Foi reformada e adaptada para
oferecer acessibilidade universal.
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A Praça José de Alencar pela sua tradição é um dos pólos das manifestações
públicas e culturais da cidade, também têm conseguido se manter de certa forma
protegidos da encampação e descaracterização. Também foi reformada, mas
ainda apresenta alguns problemas no quesito acessibilidade.
A Praça José de Alencar, apesar de ter passado por reforma, foi novamente
encampada pelo comércio informal e apresenta barreiras nela própria e no seu
entorno, o que impede a acessibilidade e o bom uso. Algumas destas barreiras
causadas pelo comércio, são autorizadas pelo próprio poder público.
A Praça da Sé, que depois de seis anos de uma ação civil pública, conseguiu ser
liberada do comércio ambulante, mas este apenas mudou-se de endereço, para
os quarteirões lindeiros.
Assim como nas praças, onde a postura pública é determinante para o seu
correto uso, a grande maioria dos espaços públicos, pode-se começar um
processo de “regeneração”, de preservação, de adequação destes espaços para
atender as necessidades de lazer e recreação da população, assim como serem
considerados no processo de inclusão social.
Essa postura deve, para isso, ser complementada com programas de animação e
orientação das atividades recreativas a serem desenvolvidas nestes espaços;
assim como necessário se faz, um processo educativo para uma mudança de
postura da sociedade em função da sua correta utilização.
É responsabilidade do poder público e das suas instituições, a condução das
políticas corretas de controle do uso do solo nas suas diversas funções humanas
presentes nas cidades. Para tanto, deve desenvolver projetos e programas de
inclusão, de geração de renda e, principalmente, voltados à urbanidade e
solidariedade dos seus concidadãos em função da convivência harmônica nas
cidades.
Acessibilidade e o Desenho Universal
Outros importantes componentes em quaisquer iniciativas de requalificação dos
espaços públicos são: ater-se a legislação e as normas de acessibilidade das
pessoas com deficiência, uma vez que todas as edificações públicas e de uso
coletivo já deveriam estar adaptadas, em função da Lei 5296/2004, desde
meados de 2007.
Além das funções urbanas, é importante citar que “nenhum espaço ou praça
pública de Fortaleza está em acordo ao 100% à legislação de acessibilidade e do
desenho universal”, ou seja, para o uso de todas as pessoas, inclusive daquelas
com deficiências ou de mobilidade reduzida e nem mesmo os prédios de uso
coletivo ou as vias públicas – incluindo os passeios; o que está trazendo o
Ministério Público, as entidades e movimentos das pessoas com deficiência a
promoverem ações, TACs e audiências públicas para que a sociedade e governos
façam as devidas adaptações – sob as penas da lei - para não privar-lhes do uso
dos seus mais nobres espaços de uso coletivo, que já deveriam estar oferecendo
a acessibilidade a todas as pessoas.
Este item está em todas as pautas dos debates sobre a inclusão das pessoas com
deficiências, sempre lembrando aos administradores públicos dessa questão e da
vigência das leis.
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As cidades que tiveram 36 meses para adaptarem-se a partir da promulgação da
Lei, (em dezembro de 2004), já deveriam assim estar, mas não estão. Algumas
cidades como Porto Alegre, por exemplo, desde 2007 as calçadas estão
adaptadas e, grande parte dos prédios públicos também. Essa preocupação foi
imprescindível para a afluência da população aos os espaços de uso coletivo, que
ficaram acessíveis a todas as pessoas. Curitiba também procurou adaptar-se em
acordo com a Lei e no tempo previsto. Entretanto, a quase totalidade das
cidades brasileiras nem tomaram conhecimento e continuam inacessíveis às
PCDs e com MR e, até para um atleta.
Em se valorizando aqueles espaços públicos de referência da população, como as
praças, em sintonia com as expectativas e necessidades do habitante; a partir da
percepção da importância que esse espaço têm no contexto da cidade - estar-se-
á reforçando e valorizando pelos corretos elementos e aspectos, os quais se
refletirão no bom uso e na freqüentação.
Só assim estes espaços de uso coletivo atenderão de forma completa e com a
mesma amplitude poética manifestada por Castro Alves - “como o céu é do
condor !” - as suas funções urbanas, as necessidades e expectativas da
população; contribuirão para o processo de inclusão social e para o reforço da
cidadania; voltarão a ser relevantes na elevação do espírito humano e do senso
comunitário.
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Fernando Zornitta, Ambientalista, Arquiteto e Urbanista, Especialista em Lazer e Recreação (Escola
Superior de Educação Física da UFRGS) e em Turismo (OMT/ONU - Centro de Treinamento da OMT para
a Europa SIST-ROMA / Governo Italiano), iniciou junto à Un. de Barcelona em 2002 Curso de Doutorado
em Planejamento e Desenvolvimento Regional (com foco no turismo e proj. de pesquisa na América
Latina e Caribe). Também, fez Estágio de Aperfeiçoamento em Planejamento Turístico na Un. de Messina
– Itália. Tem Curso de Técnico de Realização Audiovisual e desenvolve atividades como artista plástico e
designer. Tem produção literária – livro e artigos técnicos publicados. É co-idealizador e sócio-fundador
de ONGs atuantes nas áreas de meio-ambiente (Movimento GREEN WAVE), cinema e vídeo (APOLO -
Associação de Cinema e Vídeo), esportes e lazer (UNISPORTS – Esportes, Lazer e Cidadania) – dentre
outras. É membro do GTPA (Grupo de Trabalho em Planejamento da Acessibilidade do CREA-CE), do
GTMA (Grupo de Trabalho em Meio Ambiente do CREA-CE), do Fórum do Idoso e da Pessoa com
Deficiência e do Movimento das Pessoas com Deficiência do Ceará.
E-mails: fzornitta@hotmail.com
O autor autorizará a publicação do texto para fins educativos e de difusão das idéias. Solicitação
através do e-mail acima, na versão word.1
1 Autor da proposta da AÇÃO 5 do Eixo 9 nascida em Fortaleza, aprovada na I Conferência Municipal do
Esporte, na II Conferência Estadual e na III CNE em Brasília eque foi incorporada ao PLANO DECENAL DE
ESPORTE E LAZER do Governo Federal
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