Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
Disciplina: Juventude e Relações Raciais
Fernanda Vasconcelos Dias
Pedagoga, Mestre em Educação pela FaE/UFMG
Programa Observatório da Juventude da UFMG
23.08.2013
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Lacunas e possibilidades na articulação entre juventudes e relações raciais no campo de estudo e de pesquisa
1. Lacunas e possibilidades na articulação entre
juventudes e relações raciais no campo de
estudo e de pesquisa
Fernanda Vasconcelos Dias
Pedagoga, Mestre em Educação pela
FaE/UFMG
Programa Observatório da Juventude da
UFMG
23.08.2013
Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais
Disciplina: Juventude e Relações Raciais
2. Para iniciar a discussão…
• Observatório da Juventude
• Parceria ObservAções e experiências na
militância estudantil;
• Pesquisa de Mestrado: “Sem querer você
mostra o seu preconceito!”: um estudo
sobre as relações raciais entre jovens estudantes
de uma escola de Ensino Médio.
3. A dissertação
• Objetivo Geral:
Compreender como se estabelecem as relações
raciais entre jovens negros (pardos e pretos) e
brancos estudantes de uma escola pública de
Ensino Médio, verificando como estes jovens
significam estas relações no interior da sala de
aula e elaboram suas concepções a respeito da
questão racial.
4. Sujeitos e contexto de pesquisa
• Escola Abdias Nascimento, bairro Cachoeirinha, BH/MG
• 1 sala de aula de 3º ano do Ensino Médio (Turma 3B)
• Faixa etária entre 15 e 20 anos
• Autodeclaração racial (conforme categorias do IBGE) somando 28
negros (16 pardos e 12 pretos), 10 brancos e 2 indígenas
• 12 jovens do sexo masculino e 28 jovens do sexo feminino
• 40 jovens estudantes responderam o Questionário de Perfil
Socioeconômico
• 34 jovens participaram dos Grupos de Discussão
• 4 jovens foram entrevistados individualmente (Autodeclaração
racial: 1 preto/ 1 preta / 1 branca / 1 parda
5. Das Lacunas e Possibilidades na articulação
entre juventudes e relações raciais no
campo de estudo e de pesquisa
6. Organização do trabalho
• Introdução
• Capítulo 1- Breve contextualização sobre Juventude,
Relações Raciais e a Escola de Ensino Médio
• Capítulo 2 - O campo da pesquisa e seus sujeitos
• Capítulo 3 - As relações raciais na Turma 3B
• Capítulo 4 - A sutileza das relações raciais e suas
repercussões no cotidiano escolar da Turma 3B
• Considerações Finais
7. Da definição do objeto de pesquisa ao
percurso metodológico: lacunas e
possibilidades
• Construção objeto de pesquisa: problema, objetivos e a necessidade de
questionar o que parece “dado”.
• Definição da amostra: quem são os sujeitos da pesquisa? Qual escola?
Qual/quantas turmas? Como definir esses sujeitos e escola?
• Tensões a cerca do objeto de estudo: entraves relacionados a estudar o
tema “raça” e “relações raciais” – negação da interferência da temática
na realidade escolar , estranhamento, resistências e artifícios do/a
pesquisador/a.
• Destaque:
▫ A investigação tem caráter qualitativo e figura-se como um
Estudo de Caso. O processo de escolha da escola específica
partiu da análise de dados do PROEB (Programa de
Avaliação da Educação Básica) - 2007.
8. Do Referencial Teórico e definição de
conceitos principais: lacunas e
possibilidades
• Juventudes(s)
• Raça e Relações Raciais
• Ensino Médio, Desigualdades Educacionais e
Raciais
• Destaques:
▫ Necessidade de definição conceitual;
conceitos envoltos em tensões acadêmicas
e sociais; posicionamento político do/a
pesquisador/a
9. Do campo de pesquisa: lacunas e
possibilidades
• Tempo de “acomodação” e consciência da
condição permanente de “não igual”;
• Relacionar-se para pesquisar “relações”, sem
deixar de “estranhar”;
• Vigilância contínua diante das situações
envolvendo as concepções raciais dos sujeitos
pesquisados;
• Experimentações de instrumentos
metodológicos e auto-crítica diante dessas
iniciativas.
10. Percurso Metodológico
• Na pesquisa de campo foram utilizados como escopo metodológico,
os seguintes instrumentos:
Observação Participante em sala de aula
Aplicação de Questionário de Perfil Socioeconômico direcionado aos
jovens
Aplicação de questionário sobre a opinião docente a respeito da
turma investigada
Realização de Grupos de Discussão com jovens dos diferentes
grupos raciais e de cor
Realização de Entrevistas Semiestruturadas
Utilização de documentos e dados relacionados à escola e aos jovens
estudantes
• PONDERAÇÕES/DESCARTES: Questionário sociométrico; cautela
relacionada aos falas posteriores ao segundo trecho de filme; GD-
Piloto e GD-6 (GDs realizados e GDs analisados.
11. Bate o sinal para o primeiro horário de aula. Subindo as largas escadas que dão acesso ao
segundo andar do prédio escolar, me dirigi para o lado direito do corredor. Algumas
meninas se aproximaram para me dar aquele abraço e beijinho no rosto de “Bom Dia”,
mas, na maioria das vezes, eu era recepcionada com um leve aceno ou um sorriso ou
parecia nem ser notada. Meu olhar sonolento, devido à mudança de rotina imposta pela
ida diária à escola, cruzava com os olhares curiosos que partiam dos jovens de outras
turmas que não me conheciam e pareciam estranhar minha familiaridade com os alunos
da Turma 3B e minha cotidiana presença na Sala 11. Engraçado que já me perguntaram
até se eu era mais uma aluna. Claro que eu sorri. Logo, alguém se apressou em dizer o
que eu fazia ali e que a melhor turma havia sido escolhida por mim, por isso eu ia para a
aula todos os dias. Em seguida, vinham os risos. Como de costume, parei na frente da
sala ampla, com janelas grandes ao fundo e ambiente iluminado. Observei quem estava
lá dentro e logo a adentrei. Atravessei a porta e, andando em direção ao fundo, fui
escolhendo ao lado de quem me sentaria. A turma estava agitada, situação recorrente
naquele cenário. Entrei no clima, puxando conversa com um jovem aluno negro ao lado
do qual sentara, enquanto a professora não chegava. Comecei a notar que minha
permanência na sala de aula já estava se tornando, digamos, mais comum. Eu já me
sentia mais à vontade e acho que os jovens também. Ri por dentro quando uma jovem
“puxou minha orelha” pelo leve atraso daquele dia, dizendo que tiraria pontos de mim se
eu faltasse. Sorri para ela também. Os jovens foram muito legais comigo e até um apelido
eu ganhei! Algumas vezes, o corinho puxado por algumas meninas entoava: “Tia Nanda!
Tia Nanda!”. Eu ria bastante. Ficava envergonhada, mas tocada pelo carinho. Naquela
turma cheia, me aproximar de todos seria um desafio, mas, aos poucos, fui percebendo
que o segredo poderia estar em me deixar conhecer para conseguir conhecê-los melhor.
Diário de Campo - 2010
12. Do desenvolvimento
• Necessidade de conhecer o histórico discente da
Turma B
▫ Naquele contexto específico, independente do
quesito raça/cor, a sala de aula contava com
jovens oriundos de camadas populares, que
vivenciaram percalços no seu percurso escolar,
demonstrando rendimento escolar mediano no 3º
ano e que geralmente, mantinham relações
tensionadas com boa parte de seus professores
13.
14. • A heteroatribuição racial entre os jovens estudantes e seus
apontamentos
MICHELE: Então, negro mesmo na nossa sala, só o Perícles e
a Patrícia!
MARINA: É, mas isso não é uma questão assim de branco,
negro, as pessoas mais branquinhas da sala são quem?
Maísa, Bruna, Betina, Brigite e acho que só, né?
MARIANA: E Betânia também é branquinha.
MARINA: A Betânia e a... A Beth também é!
MAÍSA: É, é a... Beth.
MARINA: Tipo, o resto, todo mundo assim, não é negro, mas
tipo, como diz a Patrícia, tem o pé na senzala! [risos] (GD:
A.D – Misto: parte do Segmento 636-652; grifo nosso
indicando falas entre risos)
15. • Para explicar sua percepção quanto à presença de muitos negros na Turma 3B, a jovem Mariana
(18 anos, parda) contou-nos sobre um comentário feito por um aluno da escola, que estudava em
outra sala de aula. Na narração de Mariana, este jovem teria comentado sobre a existência de um
“lado escuro na sala”, referindo-se à presença de estudantes negros. Conforme a jovem, ainda,
esta fala surgiu em tom de crítica, com referência àqueles que estavam mais ao fundo da sala de
aula investigada. (DIAS, 2011, p. 174-175)
• De fato, a jovem não esconde que seus colegas que se sentavam mais próximos ficavam “zuando”,
justificando que isso ocorria “porque geralmente no grupo de trás todas eram negras. Todas,
todas!” Nesse sentido a jovem diz o seguinte:
Não tinha ninguém branca ali [As Amigas de Angola] e tinha os meninos
também [Os Amigos da África do Sul], mas eu tô falando do grupo em si, assim!
Quando alguém entrava na sala, via que aquele meio, tudo assim né? Aí os
meninos brincava, tipo assim, cantava: “a macacada reunida...” [risos] Eles
brincavam muito assim, e também quando elas falavam, faziam alguma
gracinha, todo mundo: “Só podia, só podia não entendo isso, só podia ser...”
[negras] Eles brincavam assim, sabe? (Beatriz, 17anos, branca – Entrevista
Individual)
• Destaque:
▫ O campo colocou-me diante de diversas discussões novas, com por exemplo,
mesmo trabalhando com o conceito social de raça as falas dos jovens apontavam
para uma representação social do negro ainda racialista, com representações
demonstrando ainda um racismo vinculado ao racialismo – da existência de
raças.
16. • A heteroatribuição racial entre os jovens estudantes e seus
apontamentos
MICHELE: Então, negro mesmo na nossa sala, só o Perícles e
a Patrícia!
MARINA: É, mas isso não é uma questão assim de branco,
negro, as pessoas mais branquinhas da sala são quem?
Maísa, Bruna, Betina, Brigite e acho que só, né?
MARIANA: E Betânia também é branquinha.
MARINA: A Betânia e a... A Beth também é!
MAÍSA: É, é a... Beth.
MARINA: Tipo, o resto, todo mundo assim, não é negro, mas
tipo, como diz a Patrícia, tem o pé na senzala! [risos] (GD:
A.D – Misto: parte do Segmento 636-652; grifo nosso
indicando falas entre risos)
17. • As brincadeiras de cunho racial, sua incidência e suas
repercussões no cotidiano escolar
Hoje, na aula de Português, a Poliane emprestou o seu lápis para
o Péricles. Eu estava sentada próxima deste jovem e o
empréstimo foi feito sem maiores comentários entre os dois, que
apareciam envolvidos com a atividade escolar. O Paulo virou
para trás e fez o seguinte comentário: “Tem macumba aí!” Num
tom de riso, referindo-se ao lápis emprestado, que já estava nas
mãos de Péricles. E ele acrescentou, olhando para Poliane: “Essa
raça maldita!” e em seguida riu. Poliane voltou um olhar de
desdém para Paulo e Péricles balançou a cabeça, emitindo um
leve sorriso. Fiquei com a impressão de que as jovens sentadas
no fundo escutaram a brincadeira, pois estavam sentadas perto
de Paulo, que falou em tom de voz mediano. Não houve reação de
Poliane nem comentários das meninas próximas. Acho que elas
fizeram de conta que não ouviram. (Diário de Campo – Dia
06.07.2010, terça-feira)
18. O que nós acabamos de ver?
Trechos de falas de estudantes – Grupos de Discussão – Pesquisa de Campo – DIAS, 2011)
19. • Discursos sobre a beleza no ponto de vista dos jovens e
suas vinculações com as relações raciais
O Caso do Orgulho Branco
MARINA: Eu acho também, não é que faz a pessoa ser bonita, mas
às vezes até assim, mais valorizada, entre aspas, assim! Porque
tipo assim, cê olha lá na revista, aí tá aquela mulher, aquela
loirona, aquela coisa assim. Aí eu falo assim: “Nossa, a Maísa
parece com aquela mulher!” Aí falo: “Nó, a Maísa é bonita!” Sei lá
o que. Não deixa de ser uma coisa assim de padrão, entendeu?
MICHEL: E a Maísa vai sentir orgulho!
MARIANA: É!
MICHEL: Vai falar: “Nossa, eu pareço com aquela mulher!” [risos].
(GD: A.D – Misto: Segmento 379-386)
20. • Discursos sobre a beleza no ponto de vista dos jovens e
suas vinculações com as relações raciais
O Caso da Feiúra Negra
MICHELE: Nossa sala não tem isso não, preconceito, questão de
cor, não. Às vezes eu comento que o Péricles ele é negro, mas tem
os traços bonitos, não é? [afirmação entre risos diante das
expressões de “zoação” de Michel e Maísa]
MICHELE: Não, é sério!
MICHEL: Cê tá entregando! [risos]
MICHELE: Ele tem os traços bonitos, ele é simpático. (GD: A.D –
Misto: parte do Segmento 669-681)
21. • Discursos sobre a beleza no ponto de vista dos jovens e
suas vinculações com as relações raciais
O Caso do Valor da Mestiçagem
MARINA: E uma coisa também, tipo assim, tem um casal, um negro
e outro branco, aí sai aquele filho assim... Pode ser branquinho,
só que com aqueles traços negros, aí fica aquela coisa linda,
porque tipo a Bruna, ela é branquinha do olho claro e ela tem os
traços fortes e ela é bonita. Eu não sei, porque eu não conheço a
família dela, mas acho que isso não vem só da pessoa branca,
entendeu? Só que o povo vai falar assim: “Não! É branco!” Que
sei lá o que, só que tipo, ele tem alguma coisa negra, entendeu?
PESQUISADORA: E ele é bonito? É isso?
MARINA: É! A Bruna, ela é branquinha, olho verde, azul, sei lá. E
tipo assim, ela tem os traços muito fortes, entendeu? E ela é
muito bonita! (GD: A.D – Misto: Parte do Segmento 279-301)
22. Breves observações sobre outros desdobramentos
relacionados à questão racial presentes no discurso dos
jovens e apontamentos de um amplo campo de estudos a ser
explorado
• “Negro é feio” – discutido nos casos
• “Negro é ladrão”
• “Negro é incompetente”.
• “Negro é punição”,
• “Negro é preconceituoso”.
23. Considerações Finais
• “Sem querer você mostra o seu preconceito!”: fala nativa e a
existência do preconceito e mesmo do racismo nos desdobramentos
de sua aparente não existência.
• Confirmação da possibilidade de tratar das relações entre os jovens
pretos, pardos e brancos da turma investigada, visto que a categoria
raça mostrou-se significativa no processo de percepções de si e do
outro na dinâmica das interações sociais experimentadas pelos
jovens, internas e externas à escola.
24. Referência bibliográfica
• DIAS, Fernanda Vasconcelos. “Sem querer você
mostra o seu preconceito!” : um estudo sobre as
relações raciais entre jovens estudantes de uma
escola de Ensino Médio / Fernanda Vasconcelos
Dias. - UFMG/FaE, 2011.