SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 59
Digitalizado por Amigo anônimo
www.semeadoresdapalavra.net
2
Nossos e-books são disponibilizados gratuitamente, com a única
finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que não tem
condições econômicas para comprar.
Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo
apenas para avaliação, e, se gostar, abençoe autores, editoras e
livrarias, adquirindo os livros.
SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos
A Mensagem de
Eclesiastes
Derek Kidner
A MENSAGEM DE ECLESIASTES
©Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra
A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em inglês em 1976 pela Inter-Varsity
Press, Inglaterra, com o título A time to mourn, and a time to dance.
A tradução em português e a publicação e distribuição pela ABU Editora, nos países de fala
portuguesa é um projeto de David C. Cook Foundation, uma organização filantrópica
constituída segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade é a divulgação do evangelho de
Cristo.
Direitos reservados pela
ABU Editora SC
Caixa postal 30505
01051 – São Paulo – SP
Tradução de Yolanda Mirdsa Krievin
Revisão de estilo de Silêda Silva Steuernagel e Milton A. Andrade
Revisão de provas de Solange Domingues da Silva
O texto bíblico utilizado neste livro é o da Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade
Bíblia do Brasil, exceto quando outra versão é indicada. Comentários do autor quanto às
diferentes versões inglesas foram, sempre que possível, adaptados às principais versões da
Bíblia em português.
1ª Edição – 1989
2
Conteúdo
Conteúdo.............................................................................................................................................................................. 3
Primeira Parte.................................................................................................................................................................... 6
O que este livro está fazendo na Bíblia? -
Uma visão geral............................................................................................................................................................. 6
Segunda Parte.................................................................................................................................................................. 11
O que o livro diz!
- um breve comentário............................................................................................................................................ 11
Eclesiastes 1:1-11 -
O autor, o tema e o reconhecimento do cenário.......................................................................................11
Eclesiastes 1:12-2:26 -
Em busca de satisfação....................................................................................................................................... 14
Eclesiastes 3:1-15 -
A tirania do tempo................................................................................................................................................ 19
Eclesiastes 3:16-4:3 -
A aspereza da vida................................................................................................................................................ 21
Eclesiastes 4:4-8 -
Corrida desenfreada............................................................................................................................................ 23
Primeiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8............................................................................................................24
Eclesiastes 4:9-5:12 -
Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades..............................................................................25
Eclesiastes 5:13-6:12 -
A amargura do desapontamento....................................................................................................................29
Segundo Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12..........................................................................................................32
Eclesiastes 7:1-22 -
Interlúdio: Mais reflexões, máximas e verdades......................................................................................33
Eclesiastes 7:23-29 -
A busca continua................................................................................................................................................... 36
Eclesiastes 8:1-17 -
Frustração................................................................................................................................................................ 38
Eclesiastes 9:1-18 -
Perigo......................................................................................................................................................................... 41
Terceiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18..........................................................................................................44
Eclesiastes 10:1-20 -
Interlúdio: Sê prudente!..................................................................................................................................... 45
Eclesiastes 11:1-12:8 -
Em direção do alvo............................................................................................................................................... 49
Eclesiastes 12:9-14 -
Conclusão................................................................................................................................................................. 54
2
Terceira Parte.................................................................................................................................................................. 57
E nós, o que temos a dizer?
- um epílogo................................................................................................................................................................. 57
Prefácio Geral
A Bíblia Fala hoje constitui uma série de exposições tanto do Antigo como do Novo
Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bíblico,
relacioná-lo com a vida contemporânea e proporcionar uma leitura agradável.
Esses livros não são, pois, “comentários”, já que um comentário busca mais elucidar o
texto do que aplicá-lo, e tende a ser uma obra mais de referência do que literária. Por outro lado,
esta série também não apresenta aquele tipo de “sermões” que, pretendendo ser
contemporâneos e de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.
As pessoas que contribuíram nesta série unem-se na convicção de que Deus ainda fala
através do que já falou, e que nada é mais necessário para a vida, o crescimento e a saúde das
igrejas ou dos cristãos do que ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através da sua Palavra,
tão antiga e, mesmo assim, sempre atual.
J.A. Motyer
J.R.W. Stott
Editores da série
Prefácio do Autor
Qualquer pessoa que leia as Escrituras (até mesmo o menos eclesiástico dos homens) há
de deparar-se com o espírito altamente independente e muito fascinante. Isto me leva a dizer
duas coisas.
Primeiro, desejo agradecer ao editor desta série por me dar uma desculpa para estudar o
livro mais detalhadamente do que nunca.
Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente à Segunda
Parte, um breve comentário, onde ouvirão o próprio Pregador, com interrupções minhas, é claro,
sem aguardar o exame pretendido na Primeira Parte. Isso depende da pessoa: se ela prefere
primeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando às apalpadelas.
De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo.
Derek Kidner
Tyndale House
Cambridge
Principais Abreviaturas
ANET Ancient Near Eastern Texts (Textos Antigos do Oriente Próximo) de
J.B. Pritchard (2ªed., OUP, 1955)
AT Antigo Testamento
Barton Ecclesiastes (Eclesiastes) de G.A. Barton (International Critical
Commentary, Comentário Crítico Internacional), (T.&T. Clark, 1908)
BJ Bíblia de Jerusalém, 1966
BLH Bíblia na linguagem de Hoje (SBB)
BV A Bíblia Viva (Ed Mundo Cristão)
Delitzsch The Song of Songs and Ecclesiastes (O Cântico dos Cânticos e
Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891)
ERAB Edição Revista e Atualizada no Brasil (SBB)
ERC Edição Revista e Corrigida (IBB)
ER Edição Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB)
GR. Grego
Heb. Hebraico
2
Jones Proverbs, Ecclesiastes (Provérbios e Eclesiastes) de E. Jones (Torch
Bible commentaries, SCM Press, 1961)
LXX A Septuaginta (versão grega pré-cristã do Antigo Testamento)
McNeile An Introduction to Ecclesiastes (Uma Introdução ao Eclesiastes) de
A.H. McNeile (CUP, 1904)
mg. À margem
MS(S) Manuscrito(s)
NT Novo Testamento
TM Texto Massorético
Scott Proverbs, Ecclesiastes (Provérbios, Eclesiastes) de R.B.Y. Scott,
Doubleday, 1965)
2
Primeira Parte
O que este livro está fazendo na Bíblia? -
Uma visão geral
A voz do Antigo Testamento tem muitas inflexões. Temos aí quase tudo, desde a
apaixonada pregação dos profetas até os comentários tranqüilos e prudentes do sábio,
entremeados de um mundo de poesia, lei, histórias, salmos e visões.
Nenhum há, porém, que se assemelhe ao Coelet1
(ou Qoheleth, seu intraduzível título
original). Não existe, em todo este grande volume, um único livro que tenha as mesmas ênfases.
Seu habitat, por assim dizer, fica entre os sábios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidos
para descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembram
o livro de Provérbios. E quando, vez por outra, essas incursões com ele nos levam às situações
mais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer-
nos recobrar o ânimo e o equilíbrio. A sabedoria, muito prática e ortodoxa, é o seu campo
básico; mas ele é um explorador. Sua preocupação é com as fronteiras da vida, e especialmente
com as questões que a maioria de nós hesitaria explorar muito profundamente.
Suas investigações são tão implacáveis que ele pode facilmente ser tomado por cético ou
pessimista. Sua exclamação inicial, vaidade de vaidades! Ou Total futilidade!, quase que merece
isso; mas para ele há algo mais do que poderia caber numa única frase, mesmo que fosse uma
frase-tema. Tanto assim que em certa ocasião alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou três
ou até mesmo nove2
diferentes cabeças haviam trabalhado no livro, tais as suas contra-correntes
e rápidas mudanças. Todas elas, porém, podem ser consideradas frutos de uma só mente,
abordando os fatos da vida e da morte sob vários ângulos.
No fundo descobrimos o axioma de todos os sábios da Bíblia, que o temor do Senhor é o
princípio da sabedoria. Porém a intenção de Coelet é levar-nos a esse ponto apenas no final,
quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seu
método principal é começar pelo fim: a determinação de ver até onde alguém consegue ir sem
essa base. Ele se coloca – e a nós – no lugar do humanista ou do secularista. Não do ateu, pois no
seu tempo o ateísmo não era uma preocupação, mas da pessoa que começa a pensar a partir do
homem e do mundo visível e que conhece Deus apenas à distância.
Naturalmente isto traz complicações. Surgem tensões entre o eu mais profundo do
escritor, como homem de convicção com uma fé a compartilhar, e o seu eu temporário, de um
homem que caminha às apalpadelas à luz da natureza. Este segundo eu tem os seus próprios
conflitos, familiares a todos nós, entre as vozes da consciência, dos interesses próprios e da
experiência, e entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos.
Depois que captarmos o que se passa no livro de um modo geral, não nos será difícil
encontrar o caminho através dele; e o comentário fornecerá um pouco mais de ajuda. Enquanto
isso, convém juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas páginas, e
buscar o conteúdo geral do argumento.
Fatos a encarar acerca de Deus
Se uma pessoa crê realmente em Deus, as implicações disto devem ser seguidas à risca. E o
que Coelet espera que façamos, sem imaginar que podemos tomar liberdades com o nosso
1
A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para “reunir” ou “juntar”, e a sua forma sugere algum
tipo de cargo público. Era possivelmente um status eclesiástico (como um convocador da assembléia ou
aquele que a ela fala), uma vez que a palavra-padrão para congregação ou igreja tem a mesma raiz. As
muitas tentativas de traduzir este título incluem as seguintes: Eclesiastes, O Pregador, O Orador, O
Presidente, O Porta-voz, O Filósofo. Poderíamos talvez acrescentar O Professor!
2
Como diz D.C Siegfried, “Prediger und Hohelied”, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament
(Gottingen, 1898)
2
criador ou manipulá-lo segundo nossos interesses. Somos confrontados com Deus na sua
condição mais temível: como alguém que não se impressiona com a nossa tagarelice, nem com
nossas ofertas rituais ou com nossas promessas vazias. Os primeiros parágrafos co capítulo 5
destacam estes pontos de maneira vigorosa: “...Deus está nos céus, e tu na terra; portanto sejam
poucas as tuas palavras... porque não se agrada de todos.”
Deus se revela a nós neste livro sob três aspectos principais: como Criador, como
Soberano e como a Sabedoria Inescrutável. Não que estes termos sejam exatamente assim
aplicados a ele, com exceção do primeiro; mas podem servir com um conveniente ponto de
convergência.
Como Criador, ele arma todo o cenário. Somos lembrados de que o seu mundo tem uma
forma própria definida, que não pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem uma
certa resistência inata que é bastante complacente para conosco, como planejadores e
padronizadores);3
pois “quem poderá endireitar o que ele torceu?” (7:13). Esse mundo tem
também o seu próprio ritmo inexorável ao qual nos encontramos presos: tempo para isso e
tempo para aquilo, sem nos deixar muita escolha, como o capítulo 3 destaca. Mesmo como
procriadores, nada mais fazemos do que ativar o misterioso processo pelo qual Deus cria uma
nova vida. “Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no
ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas”
(11:5).
No entanto, não podemos nos dar ao luxo de acusar o Criador pelas nossas confusões e
nossas maldades, com a Teodicéia Babilônica acusa os deuses,4
pois “Deus fez o homem reto”. A
responsabilidade fica onde merece, nas conseqüências desta observação: “mas ele [o homem] se
meteu em muitas astúcias” (7:29).
Como Soberano, entretanto, Deus determina as frustrações que encontramos na vida. A
rotina da existência que é apresentada logo no início do livro (a propósito, Coelet teria feito uma
carranca diante do título espetacular: “Parem o mundo, eu quero descer!”) – essa rotina é
decreto de Deus. “... Este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os
afligir... e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” (1:13, 14). É verdade que existe nas
palavras de 7:29, que acabamos de ler, uma insinuação de que foia queda do homem que deu
lugar a esse decreto. Também é verdade que, em Romanos 8:18-25, Paulo pega essa figura da
“criação... sujeita à vaidade” para o forte impulso que esta gera. A ênfase de Eclesiastes, contudo,
está nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos de
conviver aqui e agora.
Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus mínimos detalhes, estejam ou não de
acordo como nosso gosto e o nosso senso de propriedade. Algumas vezes eles fazem sentido
para nós, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustração ao ver que Deus cuida
dos seus (2:26); mas o fato é que nada nos pertence e não podemos contar com nada. Se o
pecador é atormentado, ele não é o único. A tragédia pode abater-se sobre qualquer um, e Deus
está por trás de tudo. O capítulo 6:1-6 é uma das passagens onde isto é considerado: apresenta o
fato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difícil se
torna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamente
o fará. Pois “não vão todos para o mesmo lugar?” (v. 6b) – isto é, para a sepultura.
Assim somos impulsionados a enfrentar os mistérios dos caminhos de Deus nos termos
desses três títulos, ele vem agora ao nosso encontro como Sabedoria Inescrutável, reduzindo os
nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas.
A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graça é 3:11, um dos
inesperados pontos culminantes do livro. “Tudo fez formoso no seu devido tempo; também pôs a
eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o
princípio até o fim.” Esta simples sentença capta a beleza deslumbrante e assustadora de um
mundo tão mutante que o seu padrão total fica além do nosso entendimento. Mas é um padrão.
Nós, ao contrário dos animais, podemos captar o suficiente para termos a certeza disso, ainda
que nunca o suficiente para percebermos o todo.
Uma das conseqüências é que não podemos extrapolar o presente. Se as coisas vão bem ou
mal, temos de aceitá-las como são, sabendo que o quadro completo mudará e continuará
3
Cf. 11:1-6
4
Veja o comentário sobre 7:29
2
mudando. “Deus fez assim este como aquele” – os bons e os maus tempos – “para que o homem
nada descubra do que há de vir depois dele” (7:14).
Obviamente o futuro está assim oculto. O que não é tão óbvio é que o presente, que
permanece aberto à nossa inspeção, também nos engana. Assim como o futuro, ele pertence a
Deus. “Então contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem não pode compreender a obra
que se faz debaixo do sol” (8:17) – não pode, em outras palavras, compreender as atividades
comuns que o cercam. “por mais que trabalhe o homem para descobrir”, Coelet prossegue, “não
a entenderá”. Filosofias são criadas, mas cada uma delas acabará sendo insuficiente: “ainda que o
sábio diga que virá a conhecer, bem por isso a poderá achar”. Isto está enfaticamente expresso
em 7:23,24: “(Eu) disse: Tornar-me-ei sábio, mas a sabedoria estava longe de mim. O que está
longe e mui profundo, quem o achará?”
Esta obscuridade é intelectualmente provocante; apesar disso, podemos desfrutrar um
grande problema como exercício mental. “A questão é totalmente outra se nos pomos a
conjeturar se o universo, ou até mesmo Deus, é ou não é hostil. Mas é exatamente isto que não
podemos descobrir sozinhos, e nada há que possamos fazer para assumir o controle. Este parece
ser o significado de 9:1, ao falar das coisas que “estão nas mãos de Deus”. Mas que tipo de Deus?
Para o homem que conhece o Deus de Israel, nada poderia parecer mais tranqüilizador; mas
para quem esteja tateando em busca do significado da vida é uma idéia paralisante. “Se é amor
ou se é ódio que está à sua espera, não o sabe o homem”. Ele deve orientar pelos prazeres da
natureza ou por sua crueldade? Pelos sorrisos da sorte ou por suas carrancas – e esta
certamente não pode ser controlada, seja através de um bom comportamento ou de uma boa
gerência.
Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar.
Fatos a enfrentar a partir da experiência
Uma das passagens mais fascinantes do livro é uma viagem de exploração através das
recompensas e satisfações da experiência.5
Com Coelet, vestimos o manto de um Salomão, o mais
brilhante e menos limitado dos homens, para iniciar essa pesquisa. Tendo todos os dons e
poderes à nossa disposição, seria estranho se voltássemos de mãos vazias.
Começamos com a sabedoria – a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado,
porém, “na muita sabedoria há muito enfado” (1:18) e isso decorre da própria percepção
adquirida. E, em última análise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por alguém, ela nada
pode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o sábio fica tão desarmado quanto o estulto (2:15-
17), e se sua sabedoria não vale nada neste aspecto, não passa de um fracasso pretensioso.
Então passamos para a “loucura” e a “estultícia” (1:17; 2:3b). e isto parece bem atual,
fazendo coro com algumas de nossas tentativas de desviar-nos do que é racional, passando a
explorar o absurdo e o mundo das alucinações. O prazer, naturalmente, é um outro reino: um
reino de muitos aspectos que apena para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3,
8c) e para as alegrias da estética do especialista e o trabalho criativo na outra.
Mesmo na melhor das hipóteses, esta busca só vai nos satisfazer de passagem. Então vem
o reconhecimento: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos” (2:11) e, pensando
na morte, o cômputo final resulta em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso é saber que
este resultado nulo é uma obliteração, um desfazimento. Os valores existem, sim: “a sabedoria é
mais proveitosa do que a estultícia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas” (2:13); mas
nenhum valor permanecerá quando não estivermos mais aqui, ou se não houver ninguém para
lhes dar valor.
O segundo fato é a existência do mal. Este é tão tirano quanto a própria morte, e ainda
mais trágico. A transitoriedade da vida é muito triste, mas os seus males podem ser suportáveis.
Coelet observa tanto os pecados banais quanto os grandes: a inveja que inspira ou até
mesmo resulta em sucesso (4:4); a fixação no dinheiro que transforma o magnata solitário em
uma figura patética e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que mantém por muito tempo um tolo no
seu posto (4:13), considerando apenas alguns deles. Mas ele lamenta principalmente “as
opressões que se fazem debaixo do sol” (4:1). “No lugar do juízo reinava a maldade” (3:16). “A
violência na mão dos opressores” (4:1). A própria estrutura da sociedade contribui para essas
coisas (5:8); no entanto, estas não são enfermidades apenas dos governantes, mas da
5
Veja os comentários mais completos sobre esta passagem (1:16-2:26).
2
humanidade. “Não há homem justo sobre a terra” (7:20); realmente, “o coração dos homens está
cheio de maldade, neles há desvarios enquanto vivem” (9:3). O leitor pode refletir sobre a
insanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, mas
não pode ignorar também a loucura que permanece invisível porque participa dela como o clima
do seu século.
Ainda por cima, como se a morte e o mal não bastassem, há ainda o fator menor, mas
igualmente incontrolável, “do tempo e do acaso”, que é preciso reconhecer (9:11). O homem bem
organizado pode regalar-se na sua auto-suficiência, porém Coelet vê através dela, é pura
decepção. Até mesmo os prêmios mais específicos e mais previsíveis da vida (para não se falar
da busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. “Não é dos ligeiros o
prêmio, nem dos valentes a vitória” – pelo menos, não e assim tão garantido. “Pois o homem não
sabe a sua hora” (9:12). Ele pode até fingir que sabe, mas o faz-de-conta não serve como base
para a sua vida. Basta lembrarmos o comentário final acerca do homem que pensou em tudo
menos nisso: “Deus lhe disse: Louco!...”
De volta ao alicerce
Se pouca coisa restou depois desta análise, é exatamente isto que o escrito pretende, mas
apenas como trabalho preliminar. Ele está demolindo para reconstruir. Se prestarmos atenção,
veremos que as perguntas penetrantes que ele levanta são aquelas que a própria vida nos faz.
Ele pode fazê-las porque nos capítulos finais tem boas novas para nós, contanto que paremos de
fazer de conta que as coisas mortais no bastam, a nós que temos a capacidade de receber o que é
eterno.
São novas, paradoxalmente, de juízo.
Para tornar esse paradoxo mais inteligível, seria bom divagarmos por algum tempo
examinando um velho exemplo de secularismo radical, sem o abrandamento de nossas
modernas fantasias utópicas e sem a formalidade de algum sentimento transcendente: apenas
pela sua própria espirituosidade e fria imparcialidade. A passagem, muito livremente
parafraseada e apresentada aqui, é o diálogo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotâmios,
escrito talvez antes do tempo de Moisés.6
– Servo, obedeça-me
– Sim, senhor, sim.
– A carruagem... Prepare-a. Vou ao palácio.
– Vá, meu senhor, vá!... O rei há de ser benevolente.
– Não, servo, não vou ao palácio.
– Não vá, meu senhor, não vá. O rei pode enviá-lo a algum lugar longínquo. O senhor não
terá mais um momento de paz.
Então ele resolve jantar, o que o servo acha muito conveniente. Não há nada mais
agradável e confortador, não é mesmo? Mas o capricho passa: ele resolve não jantar mais. O
servo acha isto muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer?
E assim o diálogo prossegue. Ele vai caçar... Mas resolve não ir mais. Ou, quem sabe vai
liderar uma rebelião... ou não. Guardará um silencia esmagador quando encontrar o seu rival...
Ou melhor ainda, vai falar com ele. Cada idéia é rematada pelo servo com alguma observação
bajuladora, e cada idéia oposta com uma observação ainda mais profunda.
Então ele sente desejo de amar (“Oh, sim! Não há nada melhor do que isso, senhor, para
espairecer.”), mas logo muda de idéia (“Que sabedoria! As mulheres são uma armadilha, uma
faca na garganta.”). Isso! Ele será um filantropo. Mas, por outro lado... (“Certo, senhor; de que
adiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemitério!”).
Neste espírito ilusório e fútil, idéia após idéia, valor após valor são apanhados, desejados e
abandonados. No final, o cavalheiro brinca com uma questão séria: “O que seria bom?” Sua
própria resposta nos apanha de surpresa: “Quebrar o pescoço, o meu e o teu, jogar os dois no rio,
isto seria bom.” É claro que ele muda de idéia: ele vai quebrar apenas o pescoço do seu servo e
mandá-lo na frente.
Como já era de se esperar, o servo tem a última palavra: como poderia o senhor sobreviver
por três dias que fossem, sem ninguém para tomar conta dele?
Talvez apreciemos esta conversa de acabar com tudo em um pacto de morte. É um final
6
Traduzido, por exemplo em ANET, pág 438
2
interessante para a comédia. Mas a verdade é mais real do que parece, pois quando aprendemos
a rir de tudo, logo descobrimos que não temos mais nada que valha a pena uma risada. A
trivialidade é mais asfixiante do que a tragédia, e a indiferença é o comentário mais desesperado
de todos.
A função de Eclesiastes é levar-nos ao ponto de começarmos a temer que esse comentário
seja o mais honesto. É o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa conclusão
de que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. É então que podemos ouvir a boa
nova de que tudo vale a pena, “porque Deus há de trazer a juízo todas as obras até as que estão
escondidas, quer sejam boas, quer sejam más”.
É assim que o livro termina. Sobre esta rocha podemos até ser destruídos: mas é uma
rocha, e não areia movediça. Pode ser que também possamos edificar.
2
Segunda Parte
O que o livro diz!
- um breve comentário
Eclesiastes 1:1-11 -
O autor, o tema e o reconhecimento do cenário
Apresentando o autor
1:1 Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém:
Existe na forma Omo este escritor se anuncia um quê de mistério – e este toque curioso
não parece ser involuntário. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomão, mas não
o faz. Este nome mão aparece no livro, ao passo que tanto Provérbios quanto Cantares declaram
abertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do título duplo, eclesiástico e real, 7
quase
como se alguém falasse de “O Vigário, Rei da Inglaterra!” Veremos uma outra observação
enigmática no versículo 16, com a reivindicação de uma sabedoria que sobrepujava “a todos os
que antes de mim existiram Jerusalém”. Isto exclui qualquer sucessor do incomparável Salomão,
mas quase exclui também o próprio Salomão, que teve apenas um predecessor israelita. 8
Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos dois
primeiros capítulos,9
torna-se evidente que devemos considerar o título que não é real como
sendo o título do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descrita
nos capítulos ume dois. Ele nos descreve um super-Salomão (como dá a entender como termo
“sobrepujei” em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, que
ultrapasse qualquer outro rei que já tenha ocupado o trono de Davi, ainda retornaria com as
mãos vazias na busca da auto-satisfação.10
Da descrição mais completa do autor em 12:9ss. temos o retrato de um mestre cuja
vocação é ensinar, pesquisar, editar e escrever. O que o seu livro como um todo nos ensina
indiretamente é que ele é tão sensível quanto corajoso, eu m mestre do estilo.
O tema
1: 2 Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.
Um pouquinho de fumaça, uma rajada de vento, um simples sopro – nada que se possa
pegar com as mãos, a coisa mais próxima do zero. Isto é a vaidade que se trata este livro.
O que nos perturba esta leitura sobre a vida é que tal nulidade não é considerada como
uma simples chamuscada sobre a superfície das coisas, ainda que tenha um certo charme. É a
soma total das coisas.
Se este é o caso, como argumenta no resto do livro, vaidade acaba tornando-se uma
palavra desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que é banal e passageiro e passa a
7
Veja a nota de rodapé à pág 1, quanto ao significado de Coelet (“O Pregador”).
8
Também o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido à forma aparentemente
avançado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estágio no meio do caminho entre o hebraico
clássico e o rabínico. Contudo, isto não é conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seus
aspectos são do dialeto fenício, não indicando data. Sobre isto, veja os comentários feitos pod M.J. Dahood
em Biblica 33 (1952), pg 32-52 e 191-221; também em Bibliba 39 (1958), pg 302-318; e por G.L. Archer
em Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167-181. Este último argumenta em favor
da autoria de Salomão, chamando a atenção para os seus laços íntimos com os fenícios.
9
Apenas o título Coelet (“O Pregador) será usado daqui em diante (7:27; 12:8-10), e a postura do escritor
se tornará a de um simples observador, não a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1-3 5:8ss.
10
Veja também o comentário e anota de rodapé sobre 1:12
2
descrever, desastrosamente, aquilo que não tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavra
amarga, usando-a duas vezes na mesma frase, como se fosse uma paródia do conhecido
superlativo “santo dos santos”. A nulidade completa apresenta-se aqui em mudo contraste com a
santidade completa, aquela realidade poderosa que deu forma e característica à tradicional
piedade de Israel. Finalmente ele conclui de maneira sucinta: “Tudo é vaidade.” Em termos
atuais a conclusão poderia ser:
“Futilidade total... futilidade total. Tudo isso não passa de futilidade”
Porém o que é “tudo isso” será que inclui a divindade – ou mesmo o próprio Deus? Ou será
que todas as coisas estão desprovidas disso?
O autor não tem pressa de responder. Antes de dar alguns toques sobre o seu próprio
ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas que
este parece nos dar. A primeira destas leves indicações vem logo a seguir na frase debaixo do sol
(1:3), que vai se transformar em uma espécie de tônica do livro, repetindo-se cerca de trinta
vezes em seus doze pequenos capítulos. A menos que isto não passe de um hábito (se bem que
este autor não é de desperdiçar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente é
exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista está ao nível do chão.
Neste caso não só a exclamação “Vaidade de vaidades!”, mas todos os comentários sobre a
vida que se lhe acrescentam já têm seus limites, seu sistema de coordenadas, esboçados nessa
frase. No final do livro serão traçadas linhas muito firmes, e Coelet se revelará um homem de fé.
Até lá, elas são introduzidas co o mais leve dos toques, e suas implicações serão descobertas
posteriormente. Podemos tradicionalmente chamar este homem de “o Pregador”; mas ele
coloca-se tão perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificação
de seus pensamentos mais radicais. A diferença é que ele segue essas trilhas de pensamento
para muito além do que eles se disporiam a ir. Caminho após caminho, todos são
incansavelmente explorados até chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficará.
O processo foi tão admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena não citá-
lo neste ponto:
“Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro é na realidade uma grande obra
de apologética... Seu aparente mundanismo é ditado pelo seu alvo: Coelet dirige-se ao público em
geral, cuja visão é limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai ao encontro desse público no
seu próprio espaço, e prossegue convencendo-o de sua inerente vaidade. Isto se confirma ainda
mais CPOR sua expressão característica ‘debaixo do sol’, com a qual ele descreve o que o Novo
Testamento chama de ‘o mundo’... Seu livro é de fato uma crítica ao secularismo e à religião
secularizada.”11
A rotina
1: 3 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?
4 Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre.
5 Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo.
6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e
retorna aos seus circuitos.
7 Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios,
para lá tornam eles a correr.
8 Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam
de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir.
9 O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo
debaixo do sol.
10 Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram
antes de nós.
11 Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não
haverá memória entre os que hão de vir depois delas.
Já demos uma olhada nesta passagem para observar a frase debaixo do sol, que arma o
cenário para o livro como um todo de acordo com esta introdução, a seqüencia considera a vida
11
G.S. Hendry, Introdução ao artigo “Eclesiastes”, em The New Bible Commentary Revised (IVP, 1970) pg
570
2
dentro dos limites mundanos que são iguais para todos os homens.
Que proveito tem o homem...? é uma pergunta prática e característica. A palavra aqui
traduzida como “proveito” extraída do mundo dos negócios, só se encontra neste livro nas
Escrituras.12
Mas antes de a excluirmos como cínica ou mercenária, lembremo-nos de uma
pergunta parecida no Evangelho: “Que aproveita ao homem... ?”13
Esta não é a única passagem
em que Cristo e Coelet falam a mesma linguagem. É uma pergunta justa. Qualquer idéia
romântica que pudéssemos ter, enfrentado uma situação desesperadora, ela logo se evaporaria
se não houvesse um outro tipo de situação. Mas quem nos garante que um dia a situação será
outra? “A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando, e a final que vantagem leva em tudo
isso?”14
– esta poderia ser uma tradução livre deste versículo.
Ah! Mas existe quem ache que pode transformar o mundo em um lugar melhor, ou pelo
menos deixar alguma coisa para aqueles que virão depois. Como se já esperasse esta resposta,
Coelet aponta para o constante fazer e desfazer na história da humanidade: gerações após
gerações se levantam e caem, homens vêm e logo são esquecidos; tudo isto tendo como
impassível cenário a terra, que vê todas as gerações passarem e continua existindo. Sem dúvida
ela verá o último de nós que ficar em cena – e o que homem lucrará com isso?
Além disso, por mais que a terra continue existindo, o próprio padrão do mundo é tão
intranqüilo e repetitivo quanto o nosso. Tantas coisas que começam bem voltam atrás. Tantas
jornadas acabam onde começaram. Coelet destaca três exemplos desta rotina infinita da
natureza, começando como mais óbvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no céu
até o seu declínio; e, tendo concluído, apressa-se15
em repetir o que fez dia após dia. Os outros
dois exemplos parecem a princípio oferecer uma válvula de escape do círculo vicioso – pois o
que seria mais livre do que o vento ou menos reversível do que uma torrente? Mas acompanhe o
processo até o fim e você retornará ao começo. O vento “volve-se e revolve-se”; e as águas, como
é dito em Jó 36:27ss, são recolhidas para regar a terra novamente. Assim as coisas mais
regulares do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericórdias que “se renovam a
cada manhã”, dar-nos-ão uma resposta muito diferente se buscarmos algum significado nelas
mesmas. O versículo 8 resume esse infindável ciclo taxando-o de indizível canseira.16
Tudo isto apresenta um espelho para o cenário humano. Como o oceano, os nossos
sentidos são alimentados mais e mais, mas nunca se satisfazem. Como o ciclo da natureza,a
nossa história está sempre retornando, deixando de cumprir a sua promessa. E a jornada
continua, sem nunca chegarmos ao destino. Debaixo do sol não existe um lugar para onde ir,
nada que satisfaça completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossas
esperanças na posteridade, no final a posteridade terá perdido qualquer lembrança dos que
ficaram no passado (v.11).
A esta altura, temos que fazer uma pausa para esclarecer duas coisas. Primeiro, o que
vamos fazer com o famoso ditado: Não há nada novo debaixo do sol? Até que ponto ele é
verdadeiro? Talvez a própria forma como costumamos usá-lo nos dê a melhor resposta. Nós o
enunciamos como um comentário geral sobre o cenário da humanidade, e não como um
pronunciamento sobre as invenções. Ninguém – muito menos Coelet – há de negar a capacidade
inventiva do homem. Mas plus ça change, plus c’est La même chose: quanto mais as coisas
mudam, mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Como
raça, jamais aprendemos.
A segunda pergunta é sobre quanto abrange o tema do círculo vicioso. Para alguns
escritores esta idéia lembra os estóicos e sua visão totalmente circular do tempo, através da qual
12
A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja
nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele”
13
Mc 8:36
14
1:3 (BLH)
15
A palavra aqui traduzida como volta (v.5) é literalmente o verbo “ofegar”, se de avidez ou de cansaço o
autor não diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotação de avidez (p.e. Jó 5:5; 7:2; Sl
119:131), mas o contexto é sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar também desespero (Is 42:14)
16
Uma outra tradução do versículo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: “Todas as palavras são
frágeis”, isto é, “a cena está além da descrição”. Mas o adjetivo em outras passagens significa “cansado” (Dt
25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo não está enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessante
da natureza.
2
toda a trama da existência deve tecer o seu próprio padrão repetidas vezes, até os mínimos
detalhes, a intervalos predeterminados, infinitamente. Desta forma todo o futuro estaria
destinado a voltar à mesma situação na qual você, leitor, encontra-se agora; e isto não uma só
vez, mas vezes incontáveis.
Por si mesmos, os versículos 9 e 10 (O que foi, é o que há de ser...) significariam exatamente
isso. Mas eles se encontram em um livro que apresenta escolhas morais genuínas usando
palavras tais como “justo” e “perverso”, e que aponta para um julgamento futuro que não teria
sentido caso fôssemos apanhados em um processo que não nos desse alternativas. O que vemos
aqui é a fadiga de se lutar e não conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo que
estivemos considerando, também está muito longe do sentido de peregrinação que domina o
Antigo Testamento.
Seria isto um sinal de falta de convicção? Gerhard vol Rad comenta que com este autor “a
literatura da Sabedoria perdeu o último contato coma antiga maneira de pensar de Israel em
termos de história conservadora e, muito consistentemente, retrocedeu ao modo cíclico de
pensar comum no Oriente... apenas... de uma forma total secular”.17
Este é um comentário
correto, se “o modo cíclico de pensar” significa apenas uma preocupação com a sucessão das
estações e com os ritmos da vida.18
Mas é fácil esquecer que, se Coelet está assumindo a posição
do homem do mundo para mostrar no que isto implica, é justamente o ponto de vista que ele
tem que expor. E se assim o faz para denunciar tal posição e despertar o desejo de alguma coisa
melhor, como os últimos capítulos vão mostrar, então não deve ser identificado com ela a não
ser por causa de sua solidariedade e de sua profunda visão interior.
Eclesiastes 1:12-2:26 -
Em busca de satisfação
O investigador
1: 12 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém.
13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto
sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os
afligir.
O poema que acabamos de considerar estabelece a tônica do livro através do seu tema e do
quadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo.
Agora o foco se define. Voltamo-nos de analogias e impressões para o que podemos
conhecer diretamente através da experiência. Vamos esquadrinhar uma vastidão de ocupações
humanas, indagando se existe na terra alguma coisa que tenha valor duradouro. O autor nos
impressiona coma urgência da investigação: acabamos fazendo parte dela. Mas a sua curiosa
mescla de títulos, “Coelet” e “Rei”, alerta-nos para o caráter duplo com que ele se apresenta,
como já vimos no início.19
Nesta passagem, o pregador torna-se um segundo Salomão, para que
em nossa imaginação possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa irá
muito além de uma experiência simples e limitada: será algo grandioso, explorando tudo o que o
mundo possa oferecer a um homem de gênio e de riqueza ilimitados. Nesta área de
conhecimento, podemos aceitar suas descobertas como definitivas. Cotando suas palavras
(2:12): “Que fará o homem que seguir ao rei?”
Talvez possamos, de passagem, comparar este reconhecimento superficial com outra
passagem escrita na primeira pessoa: o exame do coração humano que Paulo descreve no final
17
G. Von Rad, Old Testsament Theology (trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 455
18
O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient (Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros por descreverem
o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cíclico. Mas com cíclico quer dizer o firme
determinismo do sistema estóico (Lonretz, pg 251), que Von Rad não está discutindo neste ponto.
19
Veja os comentários acerca de 1:1. Compare a expressão: “Eu venho sendo rei” (ou “me tornei rei”, que
seria a tradução mais natural), no versículo 12, com Zc 11:7ss: “Apascentei as ovelhas (ou, tornei-me
pastor)... Dei cabo de três pastores...”, etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiográfica, que não
deve ser tomada literalmente, ou com a intenção de enganar, mas que visa apresentar-nos uma sequência
iluminadora dos acontecimentos com muita vivacidade.
2
de Romanos 7. Cada uma destas duas confissões tem uma referência mais ampla do que o
homem que está falando. Entre elas, Coelet e Paulo exploram para nós o mundo exterior e o
interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitória moral.
Com sua habitual franqueza, Coelet logo nos declara o pior: sua pesquisa resultou em
nada. Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanças, ele nos adverte do resultado
(1:13b-15) antes de nos levar consigo em sua jornada (1:16-2:11); e finalmente compartilha
conosco as conclusões a que chegou (2:12-26).
O Resumo
1: 13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto
sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os
afligir.
14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e
correr atrás do vento.
15 Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular.
Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por um
breve momento saem do campo de visão do secularista. Ele vê a inquietação da vida que
qualquer observador poderia perceber; no entanto, relaciona-a coma vontade divina: foi Deus
que a impôs aos filhos dos homens. Isto talvez pareça mais amargura do que fé, mas é na verdade
uma indicação de algo positivo que será retomado nos capítulos finais. Na pior das hipóteses,
implicaria que, por detrás da nossa situação, existe sempre algum sentido (e não o contra-senso
do acaso), mesmo que este nos pareça totalmente desanimador. Mas bem que poderia também
fazer parte da justa disciplina que Deus nos impôs como seqüela da Queda. Foi assim que Paulo
(com uma evidente perspectiva de Eclesiastes) interpretou o sofrimento do mundo: “Pois a
criação está sujeita à vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperança...”20
Essa esperança, contudo, fica totalmente além do nosso próprio alcance, como veremos
adiante. E o versículo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitações, coma concisão de um
provérbio. A ER capta bem o sentido: “O que é torto não se pode endireitar; o que falta não se
pode enumerar.” Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas próprias falhas de caráter
ou as circunstâncias que não podemos alterar,21
deparamo-nos novamente com o que podemos
fazer. Com esta advertência, juntemo-nos agora a Coelet em suas diversas experiências.
Experimentando a vida
1: 16 Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de
mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e
do conhecimento.
17 Apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia; e
vim a saber que também isto é correr atrás do vento.
18 Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza.
2: 1 Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas também
isso era vaidade.
2 Do riso disse: é loucura; e da alegria: de que serve?
3 Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e
entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do
céu, durante os poucos dias da sua vida.
4 Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
5 Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie.
6 Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores.
7 Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais
do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
8 Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de
cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres.
20
Rm 8:20
21
A segunda alternativa parece ser a mais provável, à vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus como
sendo o autor das coisas “tortas” no sentido de fatos estranhos e irreversíveis, mas não moralmente maus.
2
9 Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém;
perseverou também comigo a minha sabedoria.
10 Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria
alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas.
11 Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu,
com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito
havia debaixo do sol.
Para um pensador tão famoso, a investigação tinha naturalmente de começar com a
sabedoria, a qualidade mais louvada em seus círculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiro
princípio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala é (segundo o
seu método) o melhor pensamento que o homem pode ter por si mesmo. A sabedoria é
esplêndida em toda a sua extensão: nada se pode comparar a ela (2:13); mesmo assim, ela não
dá respostas às nossas dúvidas acerca da vida. Apenas as aguça ainda mais com sua perspicácia.
Assim Coelet considera a sabedoria com a devida seriedade, como uma disciplina que se
ocupa de questões máximas, e não simplesmente como um instrumento para realizar as coisas.
Se isto fosse tudo, nada poderíamos esperar dela além do sucesso material. Mas a sabedoria
preocupa-se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que o sucesso nos faz mal e que
nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiro
ponto sobre o descanso foi apresentado.
Então ele mergulha na frivolidade. Mas uma parte dele se retrai – regendo-me, contudo,
pela sabedoria – para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem.
Imediatamente ele percebe o “paradoxo do hedonismo”: quanto mais se busca o prazer, menos
ele é encontrado. De qualquer forma, a pessoa está buscando algo além do prazer e através dele,
pois isto é mais que uma simples indulgência. É uma fuga deliberada da racionalidade, para
chegar a um segredo da vida AL qual a razão talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside a
força do versículo 3b: “entregar-me à loucura até ver o que melhor seria que fizessem os filhos
dos homens...”
Neste ponto nos aproximamos muito do nosso próprio tempo com o seu culto irracional
em suas variadas formas, desde o romantismo até a ânsia que manifestam os diferentes estados
de consciência, e daí ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, não por divertimento,
mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso apareça em Coelet, sua avaliação
das experiências com a loucura prova que ele está perturbado e igualmente desapontado com o
veredito ainda mais forte acerca do riso (É loucura); e nas Escrituras tanto a “loucura” como a
“estultícia” pressupõem mais perversidade moral do que desarranjo mental.22
Para merecer tal
observação, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cínico e destrutivo. Neste caso,
não estamos muito longe de nossas comédias trágicas e do humor negro.
Como que reagindo fortemente aos prazeres fúteis, agora se entrega às alegrias da
criatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos estéticos, de seu domínio
das artes e das ciências, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele cria
um pequeno mundo dentro do mundo: multiforme, harmonioso e exótico, um Jardim do Éden
secular, cheio de deleites civilizados e deliciosamente não civilizados (v.8),23
sem frutos
proibidos – ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do tédio dos ricos
através de uma atividade constante, desfrutada e valorizada por seu próprio bem (v.10); e
mantém um olho crítico sobre os seus projetos, mesmo enquanto os executa. “Perseverou
também comigo a minha sabedoria”, ele nos diz (v.9). não perde de vista busca, a investigação do
22
Por exemplo, em 9:3, “maldade” está associada a “mal” e, em 10:13, a palavra usada para “estultícia” é
considerada como um passo na direção da “loucura perversa”. Da mesma forma, agir estultamente
(usando uma palavra relacionada com “estultícia”) geralmente implica em uma atitude fatalmente
voluntariosa; cf 1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10).
23
A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando “instrumento musical”
(ERC). Mas em uma carta de Faraó Amenofis III ao príncile Milkilu de Gezer, em que são exigidas quarenta
concubinas, a palavra egípcia para concubina está acompanhada de uma palavra cananita explicatória de
sidda. “Concubina” é usada então corretamente na ER. A BJ traz a palavra “cofres” (isto é, “arcas de
tesouro”), mas sugere em suas anotações “princesas” ou “concubinas” e a ERAB, não erra, então, com a
tradução “mulheres”.
2
significado da vida, que constituía o motivo principal de tudo.
No final qual foi o resultado? Um espírito menos exigente do que Coelet teria encontrado
muita coisa positiva para contar. As realizações foram brilhantes. No nível material, a ambição
perene do lavrador de fazer (com nossas palavras) “duas folhas de capim crescerem onde antes
só havia uma” foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraíso único.
Se “a beleza produz alegria”, ele não buscou em vão pelo que é infinito e absoluto.
Assim pensamos nós.
Coelet não pensa assim. Chamar tais coisas de eternas não passa de retórica, e nada que
seja perecível vai satisfazê-lo. Nos termos coloquiais da BLH, ele diz: “Compreendi que tudo
aquilo era ilusão, não tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atrás do vento”.
A avaliação
2: 12 Então, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem
que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram.
13 Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais
proveito do que as trevas.
14 Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi
que o mesmo lhes sucede a ambos.
15 Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que,
pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade.
16 Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados
alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto!
17 Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo é
vaidade e correr atrás do vento.
18 Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o
seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim.
19 E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho
das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade.
20 Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me
afadigara debaixo do sol.
21 Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo,
deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande
mal.
22 Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele
anda trabalhando debaixo do sol?
23 Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa
o seu coração; também isto é vaidade.
24 Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem
do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus,
25 pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?
26 Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao
pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus.
Também isto é vaidade e correr atrás do vento.
O rápido e brusco veredito do versículo 11 precisava ser explicado detalhadamente, pois
ao se aprofundar nas possibilidades da vida, Coelet não estava agindo puramente por conta
própria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de mãos vazias, mesmo no manto de
Salomão, que esperança resta para os demais (v.12)?24
Então ele retorna às grandes alternativas,
a sabedoria e a loucura, comparando-as e avaliando-as radicalmente. Teria alguma delas uma
resposta para esta busca de alguma coisa final? Eram estes os dois modos de vida que ele
estivera testando nas suas experiências dos versículos 1:17-2:10, pois ele inclui na “loucura” não
apenas a “insensatez” da auto-indulgência e do cinismo, mas também a busca do prazer em
qualquer nível, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve
enfrentar. Isto estava bastante claro na sequência de 1:18, onde aparece o comentário: “quem
24
A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja
nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.”
2
aumenta ciência, aumenta tristeza”, o que leva à firma resolução: “Vamos! eu te provarei com a
alegria; goza, pois, a felicidade.”
A simples comparação entre sabedoria e a loucura é despretensiosa, mas a avaliação final
é avassaladora. Nada poderia ser mais óbvio do que as duas serem comparadas com a luz e as
trevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas não passam de abstrações
e que nós somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor máximo da sabedoria, se
no fim nenhum de nós é capaz de exercê-la, e muito menos de avaliá-la. É por isso, naturalmente,
que as realizações puramente humanas que nós chamamos de duradouras não são nada disso.
Como humanos nós podemos reverenciá-las deste modo, mas isto apenas porque nos falta a
honestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele não
tem ilusões, sem bem que nós é que não deveríamos tê-las, nós que ouvimos dos próprios
secularistas que o nosso planeta está morrendo.
Assim, pela primeira vez no livro (mas não a última, naturalmente), o fato da morte leva a
pesquisa a uma súbita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino é a
extinção, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemos
estes dois resultados nos versículos 14-17 e 18-23.
Quanto à dignidade do homem, o que é mais mortificante (que palavra apropriada!)
quanto ao fato de que todos os homens, tanto sábios tanto tolos (ao que poderíamos acrescentar
“bons e maus”, ” santos e sádicos” Ou quaisquer outros antônimos) hão de finalmente se igualar
na morte, é que, se isto é verdade, a última palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasa
qualquer juízo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria não está no
mesmo nível que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte é o fim da linha, a
alegação de que não existe escolha alguma entre elas terá a sua última palavra. No final, as
escolhas que positivamente sabemos ser significativas serão postas de lado como irrelevantes.
Pelo que aborreci a vida. Se há uma mentira no centro da existência, e falta de sentido no
final da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderíamos dizer, todas as
cartas em nossa mão estão trunfadas, que importa como jogamos? Por que tratar um rei com
maior respeito do que um velhaco?
A propósito, esta amarga reação é um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossa
condição desobrigando-nos dela. Sentir-se ultrajado diante do que é universal e inevitável dá a
idéia de um descontentamento divino, uma indicação do que 3:11 vai sabiamente chamar de
“eternidade” na mente do homem. De fato, o versículo 16 usa esta palavra a fim de lamentar a
falta de qualquer lembrança duradoura do sábio.
Os versículos 18-23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o espírito
do seu jeito: a frustrante incerteza de todos os nossos empreendimentos quando escapam ao
nosso controle, como acontece mais cedo ou mais tarde. O homem do mundo dificilmente
objetaria isto, com base em seus próprios princípios, contanto que eles durem toda a vida; mas
ainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio íntimo pelas coisas permanentes.
Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versículos 22ss. mostram como essa luta pode ser
obsessiva), mais incômoda será a idéia de seus frutos irem parar nas mãos de outras pessoas e,
muito provavelmente em mãos erradas. Este é um outro golpe, já percebido antes no capítulo,
contra a esperança de encontrar realização no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. O
próprio sucesso acentua o anticlímax.
Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforçado demais. O
trabalhador compulsivo dos versículos 22ss., sobrecarregando os seus dias com trabalho e as
suas noites com preocupações, esqueceu-se das alegrias simples que Deus colocou à sua
disposição. A questão principal para ele não era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se ele
soubesse, entre as atividades sem sentido e as significativas. Como o versículo 24 destaca, o
próprio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus
(e a própria alegria é um outro presente, v.25),25
bastando apenas que ele se dispusesse a aceitá-
los como tal.
Eis aí outro lado deste “enfadonho trabalho [que] impôs Deus aos filhos dos homens”
(1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas básicas da vida são doces e boas. O
25
As palavras, separado deste (v.25) são um acréscimo apoiado pela LXX. O TM diz “separado de mi”, que
daria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A tradução da ER e da ERC,
“melhor do que eu”, é inteligível, mas dificilmente uma tradução aceitável.
2
alimento, a bebida e o trabalho são exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras.26
O
que as estraga é a nossa ânsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseio
que nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado é um tema subjacente deste livro.
Assim por um momento, no versículo 26 o véu é levantado para nos mostrar uma outra
coisa além da futilidade. O livro vai terminar com forte ênfase sobre esta nota positiva; mas, até
lá, nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que há uma resposta, e que o autor
não é um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar à realidade.
O que ele está dizendo neste versículo final poderia ser lido descuidadamente como uma
cláusula de revogação para os favoritos de Deus, poupando-os dos riscos materiais que acabam
de ser descritos. A BLH esforça-se para não dar esta impressão, retirando a palavra “pecador”
(sem motivo), substituindo-a por “os maus” e descrevendo aqueles que agradam a Deus como
simplesmente aqueles “de quem ele gosta” ou “de quem ele gosta mais”. Mas mesmo sem esta
distorção gratuita seria fácil passar por cima do vital contraste neste versículo, de um lado os
dons espirituais de Deus que trazem satisfação (sabedoria, conhecimento, alegria) e que só
aqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustração27
de acumular o que
não se pode guardar, que é a porção escolhida por aqueles que o rejeitam. O fato de que o
estoque do pecador vai parar finalmente nas mãos do justo é apenas uma ironia final daquilo
que não passava de vaidade e correr atrás do vento. E para o justo é uma reivindicação final, nada
mais que isso. Tal como acontece com os mansos, que têm a promessa de herdar a terra, o
tesouro deles está em outra parte e é de outro tipo.
Eclesiastes 3:1-15 -
A tirania do tempo
3: 1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu:
2 há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se
plantou;
3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar;
4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria;
5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de
afastar-se de abraçar;
6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora;
7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar;
8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.
9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?
10 Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir.
11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do
homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim.
12 Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada;
13 e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo
o seu trabalho.
14 Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada
lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele.
15 O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar-se o que se passou.
Talvez “tirania” seja uma palavra forte demais para o moderado fluxo e refluxo descrito
com essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, e
de volta novamente àquela. A descrição é agradável, com uma variedade de humor e de ação
revelando diferentes ritmos em nossas ocupações. Agrada-nos o ritmo, pois quem gostaria de
uma primavera perpétua (“tempo de plantar”, mas nunca colher), ou quem invejaria o homem
de negócios que não dorme, que nós ficamos conhecendo no capítulo anterior?
No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de cá para lá e de lá
26
Cf 9:7-10; 11:7-10
27
Trabalho, neste versículo é a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, “este enfadonho trabalho
impões Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir”.
2
para cá não é nada melhor do que o círculo vicioso do capítulo primeiro; e, além disso, traz
consigo suas próprias conseqüências perturbadoras. Uma delas é que nós dançamos ao som de
uma música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós; a segunda é que nada do que
buscamos tem alguma permanência. Atiramo-nos a uma atividade qualquer que nos dê
satisfação, mas com que liberdade a escolhemos? Dentro de quanto tempo estaremos fazendo
exatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reações
diante do inverno e do verão, ou da infância e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e por
mudanças espontâneas.
Vista desta forma, a repetição “tempo... e tempo” começa a tornar-se opressiva. Seja qual
for a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexorável mudança
das estações: não apenas as que se encontram no calendário como também aquela maré de
acontecimentos que ora leva a um determinado tipo de ação que nos parece adequado, ora a um
outro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situações que
nos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberados
também podem ser condicionados pelo tempo, mãos do que supomos. “Quem diria”, falamos às
vezes, “que chegaria o dia em que eu acabaria fazendo tal ou tal coisa, e achando que é o meu
dever!” Assim, a nação pacifista prepara-se para a guerra; ou o pastor de ovelhas pega a faca
para matar a criatura que ele antes cuidou para que não morresse. O colecionador distribui o seu
tesouro; amigos têm desavenças amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade de
guardar silêncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta pressão, quase
uma imposição, vinda de fora.
Nossa reação natural seria buscar a realidade em algo além das mudanças, tratando a
esfera das experiências cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versículo
11 Coelet nos faz ver que essas perpétuas mudanças não são algo desordenado, mas um padrão
deslumbrante e revelador, uma dádiva de Deus. O problema não é que a vida se recuse a ficar
parada, mas sim que nós só percebemos uma fração do seu movimento e do seu plano sutil e
intricado. Em vez da ausência de mudanças, temos ma coisa melhor: um propósito dinâmico e
divino, com um princípio e um fim. Em vez de uma perfeição congelada temos o movimento
caleidoscópico de inúmeros processos, cada um com seu próprio caráter e com seu período de
florescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra-prima total que á
obra do Criador. Nós captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo à parte das trevas com
que se entremeiam, eles deixam-nos insatisfeitos devido à falta de um significado total que
possamos entender. Diferentemente dos animais, absorvidos pelo tempo, nós queremos vê-los
em seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos para
comparar o efêmero com o “eterno”.28
Parecemos alguém desesperadamente míope,
percorrendo centímetro por centímetro uma grande tapeçaria ou pintura na tentativa de
entender o todo. Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grande
desenho se nos escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para vê-lo como o Criador o
vê, completo e por inteiro, desde o princípio até o fim.
Esta incompreensibilidade é desanimadora para o secularista pensante, mas não para o
crente. Ambos podem refugiar-se na vida aproveitando-a ao máximo, mas o homem que não têm
fé age no vazio. O versículo 12 não é tão frívolo como talvez pareça em algumas versões,l como
na ER a frase final, enquanto viverem, lança uma sombra sobre qualquer empreendimento. Se
nada é permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho vá sobreviver a nós, estamos
apenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde.
O crente, por outro lado, pode aceitar o mesmo tipo de programa despretensioso, não
como um tapa-buraco mas como uma tarefa. É um dom de Deus (v.13), uma porção distribuída
em nossa vida cujo propósito é conhecido pelo Doador e é parte de sua obra eterna; pois Deus
não faz nada em vão. Como o versículo 14 destaca, os planos divinos são diferentes dos nossos e
em nada precisam ser corrigidos ou acrescidos: eles perduram. O eternamente deste versículo
28
Eternidade (v.11) é a mesma palavra traduzida por “eternamente” no v.14, mas usada aqui como
substantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que dá lugar ao adjetivo
“eterno” no NT. Embora possa ser usada simplesmente em relação ao tempo passado ou futuro (cf a BLH),
ou em relação a uma época, o contraste com a palavra tempo (isto é, estação) no v.11a aponta para um
sentido mais forte do que fraco neste versículo. A ERC menciona aqui “o mundo”, usado no sentido arcaico
de uma dispensação (cf. a frase “mundo sem fim”).
2
combina com a eternidade colocada no coração do homem (v.11). Participar um pouco disto, por
mais modestamente que seja, é um escape da “vaidade de vaidades”.
Assim todo o parágrafo fala coma “bondade” e a “severidade” simultâneas que
encontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: “... para com os que caíram, severidade; mas
para contigo, a bondade de Deus...” O homem ligado às coisas da terra, à luz dos versículos 14 e
15 e de toda essa seção é prisioneiro de um sistema que ele não consegue quebrar nem sequer
vergar; e por trás disso está Deus na meio de fuga, e nenhum jeito de alijar-se da carga que o
estorva ou incrimina. Mas o homem de Deus ouve estes versículos sem tais receios. Para ele o
versículo 14 descreve a fidelidade divina que transforma o temor de Deus em um
relacionamento filial e frutífero;29
e o versículo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisas
de antemão, e nada fica esquecido.30
Deus não tem empreendimentos abortivos, nem homens
que ele tenha esquecido. Novamente Coelet demonstra, de passagem, que o desespero que ele
descreve não é o seu próprio, e nem precisa ser o nosso.
Mas há muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta-se
para o cenário da sociedade humana e a maneira de como nós exercemos o poder.
Eclesiastes 3:16-4:3 -
A aspereza da vida
3: 16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça,
maldade ainda.
17 Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito
e para toda obra.
18 Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles
vejam que são em si mesmos como os animais.
19 Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede:
como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem
o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade.
20 Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão.
21 Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais
para baixo, para a terra?
22 Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque
essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?
4: 1 Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram
oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém
consolasse os oprimidos.
2 Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem;
3 porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más
obras que se fazem debaixo do sol.
Não temos aqui propriamente uma mudança de assunto, pois a idéia de tempos
estabelecidos e do seu poder sobre nós continua presente no versículo 17. Mas o problema da
injustiça é demasiadamente comovente para ser tratado como simples ilustração desse tema.
Transforma-se num assunto à parte por um breve espaço de tempo no capítulo 4, e vai retornar
de vez em quando em passagens posteriores.31
Primeiramente, entretanto, podemos vê-lo na apresentação das inversões e súbitas
mudanças de direção da vida, que são predominantes no capítulo 3. Pois se já uma coisa que
clama por uma reviravolta é a injustiça. Eis aí finalmente alguma coisa obviamente proveitosa
29
Conf Sl 130:4, onde repousa sobre o perdão divino.
30
O que se passou considero uma referência ao passado. O “renovar-se” implica na ação de Deus para
julgar ou para restaurar, dependendo da natureza do que é renovado. Outras interpretações consideram o
que se passou como uma referência àquele que foi perseguido, tradução esta possível em muitos casos,
mas que dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expressão da
incansável busca de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: “Deus pede
conta do que passou”.
31
Veja 5:8ss; 8:10-15; 9:13-16; 10:5-7; 10:36ss
2
nas voltas e viravoltas de nossos negócios. O fato de que tudo na terra obedece à periodicidade
promete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Reforça convicção puramente moral
de que Deus julgará (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele já
designou uma época adequada.
Isso é muito bom, achamos nós; mas por que a demora? Por que agora ainda não é o tempo
adequado para a justiça universal? A essa pergunta não enunciada, os versículos 18ss. dão uma
resposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade não é ensinar a Deus
o que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de nós mesmos, uma lição que nós somos
muito lentos em aceitar. (Mesmo o século vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar a
nossa maldade inata.) Portanto, quando o versículo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, os
desmascare)32
e eles vejam que são em si mesmos como animais, ficamos profundamente
chocados. É verdade que o “como os animais” da ERAB é questionável.33
Mas temos de admitir
que totalmente à parte de nossas tendências par a crueldade e para a sordidez, que nos colocam
em uma categoria ainda mais inferior, há pelo menos dois fatores que dão respaldo à acusação:
a inclinação para a ganância e para a esperteza em nossos negócios (que é o assunto em
discussão, versículo 16), e a mortalidade que os homens partilham com todas as criaturas da
terra. O primeiro destes tristes fatos reaparece no próximo capítulo; o segundo ocupa o restante
deste e recebe influências de outras partes do Antigo Testamento. o versículo 20, que nos
apresenta o homem em sua caminhada do pó para o pó, como em Gênesis 3:19, confronta-nos
com a Queda e coma ironia de que morremos como os animais porque nos imaginávamos
deuses.
Mas existe em nós alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado,
Eclesiastes só pode responder: Quem sabe?34
O fôlego de vida, ou o espírito,35
nestes versículos é
a vida que Deus dá tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, como
diz o Salmo 104:29ss. Está claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas se
“espírito” implica em alguma coisa eterna para nós, ninguém pode chegar a uma conclusão
apenas pela observação do texto aqui.36
Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparação entre os homens e os animais,
nos faz lembrar que há uma resposta. O homem de fé pode dizer: “Mas Deus remirá a minha
alma do poder da morte, pois ele me tomará para si” (Sl 49:15). É o homem “em sua ostentação”,
o homem sem entendimento, que é “como os animais, que perecem”;37
e este é o homem com o
qual Eclesiastes se preocupa.
Para tal pessoa o versículo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfação temporária de
executar bem o seu trabalho. Não é coisa de se desprezar. A possibilidade é um legado de um
mundo bem criado, como esclarece o versículo 13. Tudo o que está faltando (mas é virtualmente
32
A palavra para “provar” já parece ter o seu sentido posterior de “trazer à luz” (conf McNeile pg 64)
33
O texto não precisa dizer nada mais além disso, que os homens agem como os animais, ou que são
animais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versículo, um tanto difícil diz: “... para que Deus
os prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que são em si mesmos como os animais.” No Sl
14:2 quem vê a situação dos homens é Deus; aqui, ao contrário, o sujeito são as pessoas envolvidas (“e eles
vejam”); mas uma mudança de vogal daria “mostrar” (como diz a BJ e a maioria das traduções modernas
seguindo a LXX ET AL.). As palavra “em si mesmos” foram interpretadas como erro de copista, uma vez
que “animais” e “eles “ são palavras semelhantes; ou significando “entre si” (“denunciá-los e mostrar que
são animais uns para os outros”, BJ); ou, “de sua parte”; ou “em si mesmos” (Delitzsch). Eu me inclino a
aceitar Delitzsch ou a BJ.
34
Há versões, como a ERAB, que traduzem o versículo 21 como sendo uma afirmação implícita: “Quem
sabe que o fôlego de vida (ou o espírito) dos filhos dos homens se dirige para cima”, etc. A vogal hebraica
no começo de “se dirige” favorece esta versão (embora não de maneira exclusiva: veja o hebraico de, por
exemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contrário. O ponto de vista
geralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apóiam a tradução da ER: “Quem
sabe se... ?”
35
Ambas são traduções de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o hálito da
vida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criação.
36
À primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas não é preciso dizer mais do que foi dito em Sl
104:29ss., que Deus dá e retira o hálito da vida de suas criaturas quando quer.
37
Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clímax, fazendo o versículo 20
simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e também na ERAB) há a frase: “O homem... sem
entendimento”.
2
tudo) será a satisfação de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versículo
13), e oferecê-lo a ele.
Com o capítulo 4:1-3 retornamos às opressões que se fazem debaixo do sol, assunto
abordado em 3:16. A passagem é tão curta quanto dolorosa, pois se não há um meio de acabar
com estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aos
amargos fatos do versículo 1 além do lamento dos versículos 2 e 3. Talvez achemos que esta
atitude seja derrotista, pois sempre há muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quando
queremos fazê-lo. Mas esta objeção dificilmente seria honesta. Coelet está observando a cena
como um todo, e ele pode muito bem retrucar que após cada intervenção concebível ainda
restariam inumeráveis bolsões de opressão nas “moradas de crueldade”38
– o suficiente para
fazer os anjos chorarem, se não os homens. Ele poderia acrescentar que não há coincidência
alguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma vez que é o poder que mais
rapidamente desenvolve o hábito da opressão. Paradoxalmente, ele limita a possibilidade de
uma reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendência para a tirania.
Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada há mais triste em todo o
livro do que a melancólica alusão, nos versículos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda não nasceram,
que são poupados da visão de tanta angústia. Isto é apropriado, pois embora de um modo geral
Eclesiastes esteja preocupado com a frustração, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como mal
em sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente neste
ponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa visão mais otimista brota da esperança e não da
complacência. Se nós, os cristãos, vemos mais além do que ele se permitiu, não há motivos para
nos pouparmos das realidades do presente.
Eclesiastes 4:4-8 -
Corrida desenfreada
4: 4 Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem
contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento.
5 O tolo cruza os braços e come a própria carne, dizendo:
6 Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás
do vento.
7 Então, considerei outra vaidade debaixo do sol,
8 isto é, um homem sem ninguém, não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar,
e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os
bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho.
Nesta pequena amostra de atitudes para com o trabalho somos lembrados de alguns
extremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a ânsia competitiva. O versículo 4 não deve sofrer
tanta pressão, pois este escritor, como qualquer outro, deve ter a liberdade de apresentar os
seus pontos com vigor. Poderemos tergiversar, se quisermos, lembrando-nos de pessoas tais
como os párias solitários ou os lavradores necessitados, que lutam simplesmente pela
sobrevivência, ou aqueles artistas que realmente amam a perfeição por amor a ela; mas
permanece o fato de que grande parte de nosso trabalho árduo e de nosso grande esforço está
misturada à ânsia de eclipsar os outros ou de não ser eclipsado. Até mesmo na rivalidade entre
amigos isto exerce um papel maior do que possamos imaginar, pois podemos até agüentar se
ultrapassados por algum tempo e por determinadas pessoas, mas não com tanta regularidade
nem tão profundamente. Sentir-se um fracasso é descobrir na alma a inveja que Coelet detecta
aqui, em sua patética forma de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos.39
O segundo retrato (v.5) é pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele despreza
38
Cf. Sl 74:20 (ERC)
39
McNeile destaca que o Heb. Deste versículo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e da
destreza, isto é: “Então vi que... correspondia à inveja, etc”. Sendo incitado por ela e sendo um resultado
dela. Muitas traduções modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para o
sucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizações sobre os outros; o Heb. Deixa em aberto
essas duas possibilidades.
2
essas rivalidades frenéticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua inércia é igual e
oposta ao erro dos outros. Ele é o quadro da complacência e da autodestruição inconsciente, pois
este comentário sobre ele destaca um prejuízo mais profundo do que o desperdício do seu
capital. Sua preguiça, além de acabar com o que ele tem, acaba também com o que ele é: destrói o
seu autocontrole, o seu senso de realidade, a sua capacidade de se cuidar e, finalmente, o seu
auto-respeito.
A estas duas formas infelizes de viver o versículo 6 apresenta uma alternativa sadia. A bela
expressão um punhado de descanso consegue transmitir a dupla idéia de desejos modestos e paz
interior: uma atitude tão distante da indolência egoísta do tolo quanto da luta desordenada do
diligente em busca da preeminência.
“Dá-me a minha concha de quietude,
Meu cajado de fé para me apoiar,
Minha dieta imortal de alegria,
Meu cântaro de salvação,
Minha veste de glória, real penhor da esperança,
E assim vou iniciar
A minha peregrinação”40
Mas se é que existe algo mais opressor do que a inveja, é o hábito, quando este se
transforma em fixação. Os versículos 7e 8 descrevem o maníaco ganhador de dinheiro como
alguém completamente desumanizado, que se entregou à mera ganância e ao processo
infindável de alimentá-la. Subitamente o escritor identifica-se com tal homem, e nos leva a fazer
o mesmo, através da pergunta: Para quem trabalho eu...? estas palavras aparecem sem serem
anunciadas, como se expressassem o que a vida toda desse homem está dizendo. Embora, a bem
da clareza, estejamos examinando aqui a vida de um homem sem família, podemos imaginar que
a sua solidão não seja acidental e que, além disse, ele não tenha amigos, vivendo como vive na
sua rotina. Mesmo que tenha esposa e filhos, ele tem pouquíssimo tempo para lhes dedicar,
convencido de que está lutando em benefício deles, embora o seu coração esteja em outro lugar,
dedicado e enredado em seus projetos.
À semelhança da rivalidade invejosa descrita no versículo 4, este quadro de uma vida de
negócios solitária e sem sentido põe em cheque qualquer argumentação quanto às bênçãos do
trabalho duro. Não é aqui que jaz a resposta para a frustração,e muito menos na indolência do
versículo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras da
vida, o que nos dá oportunidade de olhar para trás e tornar a examinar o caminho que já
percorremos com ele.
Primeiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8
Até agora, em nossa perspectiva o cenário terreno, examinamos o que o mundo pode
oferecer em quatro ou cinco diferentes níveis. Começamos com uma impressão de sua total
inquietude, as repetições infinitas e inconclusivas que se acham na natureza e no cenário
humano (1:1-11). Depois consideramos as satisfações dos diferentes estilos de vida, racionais e
irracionais, frívolos e austeros: os prazeres da arte e do trabalho, da construção para o futuro
(1:12-2:26). Se alguns deles têm alguma coisa para dar, nenhum sobrevive ao teste decisivo da
morte. Para encontrar alguma coisa que o tempo não desfaça, temos de procurar em outro lugar.
Mas o tempo, como foi apresentado no capítulo 3, além de ser inexorável, também nos faz flutuar
ao sabor de marés e correntezas que são mais fortes do que nós. Não somos donos de nossas
circunstâncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas.
Uma nota mais sinistra insinua-se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade.
É o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, não mais o último
inimigo, como a vimos no capítulo 2, mas o último amigo que nos resta.
Finalmente vimos, em 4:4-8, não os perdedores nesta luta humana, mas os aparentes
ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmente
absorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas será que receberam
40
Sir Walter Raleigh, “His Pilgrimage” (Sua Peregrinação)
2
um prêmio duradouro? E será que a sua maneira de obtê-lo poderia enfrentar uma inspeção? A
expressão “corrida desenfreada” resume a idéia principal destes versículos: uma rivalidade
frenética em um dos extremos, uma desastrosa escolha no outro; e para os poucos que obtêm
sucesso, uma vida dedicada à consecução de prêmios e mais prêmios sem significado algum.
Após esta avaliação inclemente, será um alívio voltarmo-nos um pouco de nossa busca
desesperada por algo duradouro, para assuntos mais corriqueiros, pois a vida continua
enquanto buscamos, e há maneiras melhores e piores de vivê-la. Pelo menos neste ponto
podemos ser sábios!
Para começar, podemos ser mais sensíveis do que os solitários e obsessivos ganhadores de
dinheiro que acabamos de considerar; e um padrão mais sábio do que o deles será o primeiro
assunto dos comentários que se seguem acerca da vida.
Eclesiastes 4:9-5:12 -
Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades
Companheirismo
4: 9 Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.
10 Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo,
não haverá quem o levante.
11 Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará?
12 Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras
não se rebenta com facilidade.
Tendo examinado a pobreza do “solitário”, por maior que seja o seu sucesso exterior,
agora vamos refletir sobre algo melhor; e melhor aqui será uma palavra-chave (4:9,13; 5:1,5), o
que acontece com muita freqüência na avaliação de valores pelos escritores da Sabedoria.
As idéias são simples e diretas; aplicam-se a muitas formas de companheirismo, inclusive
(embora não explicitamente) ao casamento. Com uma brevidade graciosa elas descrevem o
proveito, a elasticidade, o conforto41
e a força que existem em uma verdadeira aliança; e por isso
vale a pena aceitar suas exigências. Embora tais exigências não estejam explícitas aqui,
dificilmente teríamos de expor os benefícios do companheirismo se este não envolvesse algum
custo. Um preço óbvio é a independência da pessoa: uma vez comprometida, ela tem de
consultar os interesses e a conveniência da outra, ouvir-lhe as idéias, ajustar-se ao seu modo de
andar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto às recompensas, são todas
benefícios conjuntos: um parceiro nunca haverá de explorar o outro.
O cordão de três dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo tem
mais de uma forma. Embora os números, quando erradamente entendidos, possam ser divisivos
e desastrosos (veja o versículo 11), na sua forma certa, além de acrescentarem algo aos
benefícios da união, também se multiplicam. Um exemplo óbvio deste enriquecimento, e o
predileto dos pregadores, é a força de um casamento, ou de qualquer aliança humana, quando
Deus é o fio mestre que faz com eles o cordão triplo. Mas talvez o escritor estivesse pensando
mais nesta metáfora em termos puramente humanos, de modo que, se aplicada ao casamento, o
terceiro fio seria mais apropriadamente os filhos, com tudo o que eles acrescentam á qualidade e
à força do laço original. Mesmo assim provavelmente estejamos sendo mais específicos do que
ele pretendia que fôssemos.
Aplausos populares
4: 13 Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa
admoestar,
14 ainda que aquele saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino deste.
41
O versículo 11 poderia aplicar-se ao casamento, mas possivelmente aplica-se mais aos viajantes que
dormem ao relento. Barton observa que “as noites na Palestina são frias..., e o viajante solitário dorme às
vezes unto de sua montaria para se aquecer na falta de outra companhia.”
2
15 Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficará em lugar
do rei.
16 Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que virão depois se hão de
regozijar nele. Na verdade, que também isto é vaidade e correr atrás do vento.
Este parágrafo tem pontos obscuros, mas descreve uma coisa bastante familiar na vida
pública: a popularidade efêmera dos grandes. Apresenta as faltas de ambos os lados, começando
com a teimosia do homem há muito tempo montado na sela, que ao se deixa tocar e que já não
tem mais a simpatia da nova geração, esquecido de como é ser jovem, fogoso e impaciente, como
ele mesmo já foi.42
Há muita semelhança com Davi no começo e no final de sua vida, para que
reflitamos no fato de que os melhores homens podem acabar assim sem que o percebam. MS o
retrato não tema intenção de ser histórico.
Pode acontecer que um homem melhor o suplante e venha a ser melhor se tiver as
qualidades certas, ainda que lhe falte idade ou posição, como o versículo 13a destaca. Coelet,
com o seu jeito de nos presentear uma cena vivamente colorida, descreve a enorme massa de
homens, e a vê do lado43
do recém-chegado, que é jovem, sendo ela em quantidade incontável.
Ele mesmo acaba seguindo o caminho do velho rei, não necessariamente pelas faltas que
comete, mas simplesmente porque o tempo e a familiaridade, assim como a inquietude dos
homens, acabam por fazê-lo perder o interesse. Ele atingiu o pináculo da glória humana apenas
para ser abandonado ali. Este é contudo mais um processo de degradação humana, das
realizações que finalmente se revelam vazias.
Conversa piedosa
5: 1 Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que
oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal.
2 Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra
alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas
palavras.
3 Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias.
4 Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de
tolos. Cumpre o voto que fazes.
5 Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.
6 Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus
que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as
obras das tuas mãos?
7 Porque, como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras; tu,
porém, teme a Deus.
Prosseguindo com um interlúdio de retratos, Coelet volta aos olhos observadores para o
homem como adorador. Tal fomo os profetas, ele insiste na sinceridade nesta área; mas o seu
tom é calmo, embora suas palavras sejam afiadas com a navalha. Enquanto os profetas proferem
com veemência suas invectivas contra os maus e os hipócritas, o alvo do escritor é a pessoa bem
intencionada que gosta de cantar e de ir à igreja, mas que ouve com um ouvido só e nunca faz o
que se propõe fazer para Deus.
Esse homem esqueceu-se de onde está e de quem ele é; acima de todas as coisas,
esqueceu-se de quem Deu sé. A palavra tolo(s), várias vezes repetida é denunciadora, pois ser
negligente com Deus é um mal (v.1), uma culpa (v.6) e uma provocação que não ficará impune
42
As opiniões diferem quanto àquele que conheceu a prisão e a pobreza (v.140: se é o rei velho (como eu
penso) ou se é o jovem nobre e sábio que o suplanta. Se é este último, então o versículo 15 apresenta-o
espoliado por sua vez, já que o jovem é literalmente “o segundo jovem”; ou “o jovem sucessor”, (como
traduzido na ERAB) isto é, o jovem rival do velho rei.
43
A expressão literal é “com o jovem”. “Com” pode significar tanto “assim como” ou “junto com”. Este
último sentido nos prepara melhor para a preeminência que o jovem desfruta no versículo seguinte. Já a
BLH desperta um interesse maior, parafraseando: “Eu pensei em todas as pessoas que vivem neste mundo
e imaginei que existe, entre elas, em algum lugar, um moço que tomara o lugar do rei”; mas é ir longe
demais.
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner
A mensagem de eclesiastes   derek kidner

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Apocalipse - Comentários de Lições
Apocalipse - Comentários de LiçõesApocalipse - Comentários de Lições
Apocalipse - Comentários de LiçõesApocalipse Facil
 
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperanca
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperancaCurso Biblico Apocalipse revelacoes de esperanca
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperancaRogerio Sena
 
Lição 9: Trabalhando na Judeia
Lição 9: Trabalhando na JudeiaLição 9: Trabalhando na Judeia
Lição 9: Trabalhando na JudeiaQuenia Damata
 
Apocalipse por Urias Smith
Apocalipse por Urias SmithApocalipse por Urias Smith
Apocalipse por Urias SmithApocalipse Facil
 
Guia de estudos apocalipse o fim revelado
Guia de estudos apocalipse o fim reveladoGuia de estudos apocalipse o fim revelado
Guia de estudos apocalipse o fim reveladoREFORMADOR PROTESTANTE
 
Apocalipse por Edwin R. Thiele
Apocalipse por Edwin R. ThieleApocalipse por Edwin R. Thiele
Apocalipse por Edwin R. ThieleApocalipse Facil
 
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano BComentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano BJosé Lima
 
Manual de escatologia j. dwight pentecost
Manual de escatologia j. dwight pentecostManual de escatologia j. dwight pentecost
Manual de escatologia j. dwight pentecostAbdias Barreto
 
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3Diego Fortunatto
 
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)Rogerio Sena
 
Livrando a mulher de jó do banco dos réus
Livrando a mulher de jó do banco dos réusLivrando a mulher de jó do banco dos réus
Livrando a mulher de jó do banco dos réusCarlos Augusto Vailatti
 
Atos Evangelho em Jerusalém
Atos   Evangelho em JerusalémAtos   Evangelho em Jerusalém
Atos Evangelho em JerusalémSabrina Sukerth
 
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-pauloPrCacio Silva
 
Comentário Bíblico Adventista
Comentário Bíblico AdventistaComentário Bíblico Adventista
Comentário Bíblico AdventistaApocalipse Facil
 
A vida de jesus parte1 material do professor
A vida de jesus parte1 material do professorA vida de jesus parte1 material do professor
A vida de jesus parte1 material do professorSabrina Sukerth
 
O céu é de verdade
O céu é de verdadeO céu é de verdade
O céu é de verdadejosefeco
 

Mais procurados (19)

Apocalipse - Comentários de Lições
Apocalipse - Comentários de LiçõesApocalipse - Comentários de Lições
Apocalipse - Comentários de Lições
 
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperanca
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperancaCurso Biblico Apocalipse revelacoes de esperanca
Curso Biblico Apocalipse revelacoes de esperanca
 
Lição 9: Trabalhando na Judeia
Lição 9: Trabalhando na JudeiaLição 9: Trabalhando na Judeia
Lição 9: Trabalhando na Judeia
 
Apocalipse por Urias Smith
Apocalipse por Urias SmithApocalipse por Urias Smith
Apocalipse por Urias Smith
 
Guia de estudos apocalipse o fim revelado
Guia de estudos apocalipse o fim reveladoGuia de estudos apocalipse o fim revelado
Guia de estudos apocalipse o fim revelado
 
Apocalipse por Edwin R. Thiele
Apocalipse por Edwin R. ThieleApocalipse por Edwin R. Thiele
Apocalipse por Edwin R. Thiele
 
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano BComentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
 
Manual de escatologia j. dwight pentecost
Manual de escatologia j. dwight pentecostManual de escatologia j. dwight pentecost
Manual de escatologia j. dwight pentecost
 
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3
Diálogo sobre o apocalipse vol. 1, 2 e 3
 
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)
Sermonario Semana Santa 2019 IASD (Renascidos)
 
LUZES PROFÉTICAS - WAGGONER
LUZES PROFÉTICAS - WAGGONERLUZES PROFÉTICAS - WAGGONER
LUZES PROFÉTICAS - WAGGONER
 
Livrando a mulher de jó do banco dos réus
Livrando a mulher de jó do banco dos réusLivrando a mulher de jó do banco dos réus
Livrando a mulher de jó do banco dos réus
 
Atos Evangelho em Jerusalém
Atos   Evangelho em JerusalémAtos   Evangelho em Jerusalém
Atos Evangelho em Jerusalém
 
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo
6637674 os-ultimos-dias-da-humanidade-bispo-alfredo-paulo
 
Comentário Bíblico Adventista
Comentário Bíblico AdventistaComentário Bíblico Adventista
Comentário Bíblico Adventista
 
O MARCO DO FIM DO TEMPO DE GRAÇA
O MARCO DO FIM DO TEMPO DE GRAÇAO MARCO DO FIM DO TEMPO DE GRAÇA
O MARCO DO FIM DO TEMPO DE GRAÇA
 
A vida de jesus parte1 material do professor
A vida de jesus parte1 material do professorA vida de jesus parte1 material do professor
A vida de jesus parte1 material do professor
 
O céu é de verdade
O céu é de verdadeO céu é de verdade
O céu é de verdade
 
BOLETIM Nº 76
BOLETIM Nº 76BOLETIM Nº 76
BOLETIM Nº 76
 

Semelhante a A mensagem de eclesiastes derek kidner

Evangélico josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpad
Evangélico   josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpadEvangélico   josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpad
Evangélico josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpadmanoel ramos de oliveira
 
John Stott Contracultura Cristã
John Stott   Contracultura CristãJohn Stott   Contracultura Cristã
John Stott Contracultura Cristãfa.sodre
 
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologia
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologiaPoesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologia
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologiaSammis Reachers
 
A mensagem de apocalipse digno é o cordeiro - ray summers
A mensagem de apocalipse    digno é o cordeiro - ray summersA mensagem de apocalipse    digno é o cordeiro - ray summers
A mensagem de apocalipse digno é o cordeiro - ray summersEveline Sol
 
Contracultura cristã john-stott
Contracultura cristã   john-stottContracultura cristã   john-stott
Contracultura cristã john-stottJoão Eduardo
 
Justiça e esperança para hoje a mensagem dos profetas meno
Justiça e esperança para hoje   a mensagem dos profetas menoJustiça e esperança para hoje   a mensagem dos profetas meno
Justiça e esperança para hoje a mensagem dos profetas menoEtson Borges
 
Stanley m. horton apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)
Stanley m. horton   apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)Stanley m. horton   apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)
Stanley m. horton apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)Evan Gouveia de Deus
 
Evangélico stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...
Evangélico   stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...Evangélico   stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...
Evangélico stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...manoel ramos de oliveira
 
John mein a biblia e como chegou até nós
John mein   a biblia e como chegou até nósJohn mein   a biblia e como chegou até nós
John mein a biblia e como chegou até nósibeerj
 
Romanos - introdução e comentário
Romanos - introdução e comentárioRomanos - introdução e comentário
Romanos - introdução e comentárioMauro RS
 
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdf
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdfConheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdf
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdfArthurNantesAlencar1
 
Bíblia em português - Gratuita - Completa
Bíblia em português - Gratuita - CompletaBíblia em português - Gratuita - Completa
Bíblia em português - Gratuita - Completavilob36409
 
Biblia Sagrada 01.pdf
Biblia Sagrada 01.pdfBiblia Sagrada 01.pdf
Biblia Sagrada 01.pdfroanyc52
 
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_Tradição
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_TradiçãoLesslie Newbigin_Teologia_Reformada_Tradição
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_TradiçãoMarcelo Gonçalves
 
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...anderson leao soares costa
 
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp029 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02Osvair Munhoz
 
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdf
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdfO_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdf
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdfMarcondesLima9
 

Semelhante a A mensagem de eclesiastes derek kidner (20)

Evangélico josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpad
Evangélico   josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpadEvangélico   josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpad
Evangélico josé apolônio da silva - grandes perguntas pentecostais cpad
 
John Stott Contracultura Cristã
John Stott   Contracultura CristãJohn Stott   Contracultura Cristã
John Stott Contracultura Cristã
 
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologia
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologiaPoesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologia
Poesia Evangélica em Literatura de Cordel - Uma antologia
 
A mensagem de apocalipse digno é o cordeiro - ray summers
A mensagem de apocalipse    digno é o cordeiro - ray summersA mensagem de apocalipse    digno é o cordeiro - ray summers
A mensagem de apocalipse digno é o cordeiro - ray summers
 
Contracultura cristã john-stott
Contracultura cristã   john-stottContracultura cristã   john-stott
Contracultura cristã john-stott
 
Justiça e esperança para hoje a mensagem dos profetas meno
Justiça e esperança para hoje   a mensagem dos profetas menoJustiça e esperança para hoje   a mensagem dos profetas meno
Justiça e esperança para hoje a mensagem dos profetas meno
 
Stanley m. horton apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)
Stanley m. horton   apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)Stanley m. horton   apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)
Stanley m. horton apocalipse - as coisas que brevemente devem acontecer. (2)
 
Evangélico stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...
Evangélico   stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...Evangélico   stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...
Evangélico stanley m horton - apocalipse - as coisas que brevemente devem a...
 
John mein a biblia e como chegou até nós
John mein   a biblia e como chegou até nósJohn mein   a biblia e como chegou até nós
John mein a biblia e como chegou até nós
 
Romanos - introdução e comentário
Romanos - introdução e comentárioRomanos - introdução e comentário
Romanos - introdução e comentário
 
01 o livro que tudo revela
01   o livro que tudo revela01   o livro que tudo revela
01 o livro que tudo revela
 
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdf
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdfConheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdf
Conheça Melhor o Antigo Testamento - Stanley A. Ellisen.pdf
 
Biblia na catequese
Biblia na catequeseBiblia na catequese
Biblia na catequese
 
Bíblia em português - Gratuita - Completa
Bíblia em português - Gratuita - CompletaBíblia em português - Gratuita - Completa
Bíblia em português - Gratuita - Completa
 
Biblia Sagrada 01.pdf
Biblia Sagrada 01.pdfBiblia Sagrada 01.pdf
Biblia Sagrada 01.pdf
 
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_Tradição
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_TradiçãoLesslie Newbigin_Teologia_Reformada_Tradição
Lesslie Newbigin_Teologia_Reformada_Tradição
 
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...
Rcc ministriodeformao-apostila-1-identidadedarenovaocarismticacatlica-1207271...
 
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp029 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02
9 apocalipseedwinr-thiele-110522135227-phpapp02
 
Apostila completa atos
Apostila completa atosApostila completa atos
Apostila completa atos
 
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdf
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdfO_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdf
O_plano_divino_atraves_dos_seculos_-_N._Lawrence_Olson_by_Levita.pdf
 

Último

ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxLaurindo6
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalJacqueline Cerqueira
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfManuais Formação
 
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.MrPitobaldo
 
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisas
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisasNova BNCC Atualizada para novas pesquisas
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisasraveccavp
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManuais Formação
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -Aline Santana
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasCassio Meira Jr.
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMVanessaCavalcante37
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdf
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdfCD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdf
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdfManuais Formação
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxssuserf54fa01
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 

Último (20)

ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
 
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
 
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisas
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisasNova BNCC Atualizada para novas pesquisas
Nova BNCC Atualizada para novas pesquisas
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdf
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdfCD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdf
CD_B3_C_ Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos_índice.pdf
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 

A mensagem de eclesiastes derek kidner

  • 1. Digitalizado por Amigo anônimo www.semeadoresdapalavra.net
  • 2. 2 Nossos e-books são disponibilizados gratuitamente, com a única finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que não tem condições econômicas para comprar. Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo apenas para avaliação, e, se gostar, abençoe autores, editoras e livrarias, adquirindo os livros. SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos A Mensagem de Eclesiastes Derek Kidner A MENSAGEM DE ECLESIASTES ©Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em inglês em 1976 pela Inter-Varsity Press, Inglaterra, com o título A time to mourn, and a time to dance. A tradução em português e a publicação e distribuição pela ABU Editora, nos países de fala portuguesa é um projeto de David C. Cook Foundation, uma organização filantrópica constituída segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade é a divulgação do evangelho de Cristo. Direitos reservados pela ABU Editora SC Caixa postal 30505 01051 – São Paulo – SP Tradução de Yolanda Mirdsa Krievin Revisão de estilo de Silêda Silva Steuernagel e Milton A. Andrade Revisão de provas de Solange Domingues da Silva O texto bíblico utilizado neste livro é o da Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bíblia do Brasil, exceto quando outra versão é indicada. Comentários do autor quanto às diferentes versões inglesas foram, sempre que possível, adaptados às principais versões da Bíblia em português. 1ª Edição – 1989
  • 3. 2 Conteúdo Conteúdo.............................................................................................................................................................................. 3 Primeira Parte.................................................................................................................................................................... 6 O que este livro está fazendo na Bíblia? - Uma visão geral............................................................................................................................................................. 6 Segunda Parte.................................................................................................................................................................. 11 O que o livro diz! - um breve comentário............................................................................................................................................ 11 Eclesiastes 1:1-11 - O autor, o tema e o reconhecimento do cenário.......................................................................................11 Eclesiastes 1:12-2:26 - Em busca de satisfação....................................................................................................................................... 14 Eclesiastes 3:1-15 - A tirania do tempo................................................................................................................................................ 19 Eclesiastes 3:16-4:3 - A aspereza da vida................................................................................................................................................ 21 Eclesiastes 4:4-8 - Corrida desenfreada............................................................................................................................................ 23 Primeiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8............................................................................................................24 Eclesiastes 4:9-5:12 - Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades..............................................................................25 Eclesiastes 5:13-6:12 - A amargura do desapontamento....................................................................................................................29 Segundo Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12..........................................................................................................32 Eclesiastes 7:1-22 - Interlúdio: Mais reflexões, máximas e verdades......................................................................................33 Eclesiastes 7:23-29 - A busca continua................................................................................................................................................... 36 Eclesiastes 8:1-17 - Frustração................................................................................................................................................................ 38 Eclesiastes 9:1-18 - Perigo......................................................................................................................................................................... 41 Terceiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18..........................................................................................................44 Eclesiastes 10:1-20 - Interlúdio: Sê prudente!..................................................................................................................................... 45 Eclesiastes 11:1-12:8 - Em direção do alvo............................................................................................................................................... 49 Eclesiastes 12:9-14 - Conclusão................................................................................................................................................................. 54
  • 4. 2 Terceira Parte.................................................................................................................................................................. 57 E nós, o que temos a dizer? - um epílogo................................................................................................................................................................. 57 Prefácio Geral A Bíblia Fala hoje constitui uma série de exposições tanto do Antigo como do Novo Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bíblico, relacioná-lo com a vida contemporânea e proporcionar uma leitura agradável. Esses livros não são, pois, “comentários”, já que um comentário busca mais elucidar o texto do que aplicá-lo, e tende a ser uma obra mais de referência do que literária. Por outro lado, esta série também não apresenta aquele tipo de “sermões” que, pretendendo ser contemporâneos e de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade. As pessoas que contribuíram nesta série unem-se na convicção de que Deus ainda fala através do que já falou, e que nada é mais necessário para a vida, o crescimento e a saúde das igrejas ou dos cristãos do que ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através da sua Palavra, tão antiga e, mesmo assim, sempre atual. J.A. Motyer J.R.W. Stott Editores da série Prefácio do Autor Qualquer pessoa que leia as Escrituras (até mesmo o menos eclesiástico dos homens) há de deparar-se com o espírito altamente independente e muito fascinante. Isto me leva a dizer duas coisas. Primeiro, desejo agradecer ao editor desta série por me dar uma desculpa para estudar o livro mais detalhadamente do que nunca. Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente à Segunda Parte, um breve comentário, onde ouvirão o próprio Pregador, com interrupções minhas, é claro, sem aguardar o exame pretendido na Primeira Parte. Isso depende da pessoa: se ela prefere primeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando às apalpadelas. De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo. Derek Kidner Tyndale House Cambridge Principais Abreviaturas ANET Ancient Near Eastern Texts (Textos Antigos do Oriente Próximo) de J.B. Pritchard (2ªed., OUP, 1955) AT Antigo Testamento Barton Ecclesiastes (Eclesiastes) de G.A. Barton (International Critical Commentary, Comentário Crítico Internacional), (T.&T. Clark, 1908) BJ Bíblia de Jerusalém, 1966 BLH Bíblia na linguagem de Hoje (SBB) BV A Bíblia Viva (Ed Mundo Cristão) Delitzsch The Song of Songs and Ecclesiastes (O Cântico dos Cânticos e Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891) ERAB Edição Revista e Atualizada no Brasil (SBB) ERC Edição Revista e Corrigida (IBB) ER Edição Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB) GR. Grego Heb. Hebraico
  • 5. 2 Jones Proverbs, Ecclesiastes (Provérbios e Eclesiastes) de E. Jones (Torch Bible commentaries, SCM Press, 1961) LXX A Septuaginta (versão grega pré-cristã do Antigo Testamento) McNeile An Introduction to Ecclesiastes (Uma Introdução ao Eclesiastes) de A.H. McNeile (CUP, 1904) mg. À margem MS(S) Manuscrito(s) NT Novo Testamento TM Texto Massorético Scott Proverbs, Ecclesiastes (Provérbios, Eclesiastes) de R.B.Y. Scott, Doubleday, 1965)
  • 6. 2 Primeira Parte O que este livro está fazendo na Bíblia? - Uma visão geral A voz do Antigo Testamento tem muitas inflexões. Temos aí quase tudo, desde a apaixonada pregação dos profetas até os comentários tranqüilos e prudentes do sábio, entremeados de um mundo de poesia, lei, histórias, salmos e visões. Nenhum há, porém, que se assemelhe ao Coelet1 (ou Qoheleth, seu intraduzível título original). Não existe, em todo este grande volume, um único livro que tenha as mesmas ênfases. Seu habitat, por assim dizer, fica entre os sábios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidos para descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembram o livro de Provérbios. E quando, vez por outra, essas incursões com ele nos levam às situações mais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer- nos recobrar o ânimo e o equilíbrio. A sabedoria, muito prática e ortodoxa, é o seu campo básico; mas ele é um explorador. Sua preocupação é com as fronteiras da vida, e especialmente com as questões que a maioria de nós hesitaria explorar muito profundamente. Suas investigações são tão implacáveis que ele pode facilmente ser tomado por cético ou pessimista. Sua exclamação inicial, vaidade de vaidades! Ou Total futilidade!, quase que merece isso; mas para ele há algo mais do que poderia caber numa única frase, mesmo que fosse uma frase-tema. Tanto assim que em certa ocasião alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou três ou até mesmo nove2 diferentes cabeças haviam trabalhado no livro, tais as suas contra-correntes e rápidas mudanças. Todas elas, porém, podem ser consideradas frutos de uma só mente, abordando os fatos da vida e da morte sob vários ângulos. No fundo descobrimos o axioma de todos os sábios da Bíblia, que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Porém a intenção de Coelet é levar-nos a esse ponto apenas no final, quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seu método principal é começar pelo fim: a determinação de ver até onde alguém consegue ir sem essa base. Ele se coloca – e a nós – no lugar do humanista ou do secularista. Não do ateu, pois no seu tempo o ateísmo não era uma preocupação, mas da pessoa que começa a pensar a partir do homem e do mundo visível e que conhece Deus apenas à distância. Naturalmente isto traz complicações. Surgem tensões entre o eu mais profundo do escritor, como homem de convicção com uma fé a compartilhar, e o seu eu temporário, de um homem que caminha às apalpadelas à luz da natureza. Este segundo eu tem os seus próprios conflitos, familiares a todos nós, entre as vozes da consciência, dos interesses próprios e da experiência, e entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos. Depois que captarmos o que se passa no livro de um modo geral, não nos será difícil encontrar o caminho através dele; e o comentário fornecerá um pouco mais de ajuda. Enquanto isso, convém juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas páginas, e buscar o conteúdo geral do argumento. Fatos a encarar acerca de Deus Se uma pessoa crê realmente em Deus, as implicações disto devem ser seguidas à risca. E o que Coelet espera que façamos, sem imaginar que podemos tomar liberdades com o nosso 1 A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para “reunir” ou “juntar”, e a sua forma sugere algum tipo de cargo público. Era possivelmente um status eclesiástico (como um convocador da assembléia ou aquele que a ela fala), uma vez que a palavra-padrão para congregação ou igreja tem a mesma raiz. As muitas tentativas de traduzir este título incluem as seguintes: Eclesiastes, O Pregador, O Orador, O Presidente, O Porta-voz, O Filósofo. Poderíamos talvez acrescentar O Professor! 2 Como diz D.C Siegfried, “Prediger und Hohelied”, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament (Gottingen, 1898)
  • 7. 2 criador ou manipulá-lo segundo nossos interesses. Somos confrontados com Deus na sua condição mais temível: como alguém que não se impressiona com a nossa tagarelice, nem com nossas ofertas rituais ou com nossas promessas vazias. Os primeiros parágrafos co capítulo 5 destacam estes pontos de maneira vigorosa: “...Deus está nos céus, e tu na terra; portanto sejam poucas as tuas palavras... porque não se agrada de todos.” Deus se revela a nós neste livro sob três aspectos principais: como Criador, como Soberano e como a Sabedoria Inescrutável. Não que estes termos sejam exatamente assim aplicados a ele, com exceção do primeiro; mas podem servir com um conveniente ponto de convergência. Como Criador, ele arma todo o cenário. Somos lembrados de que o seu mundo tem uma forma própria definida, que não pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem uma certa resistência inata que é bastante complacente para conosco, como planejadores e padronizadores);3 pois “quem poderá endireitar o que ele torceu?” (7:13). Esse mundo tem também o seu próprio ritmo inexorável ao qual nos encontramos presos: tempo para isso e tempo para aquilo, sem nos deixar muita escolha, como o capítulo 3 destaca. Mesmo como procriadores, nada mais fazemos do que ativar o misterioso processo pelo qual Deus cria uma nova vida. “Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas” (11:5). No entanto, não podemos nos dar ao luxo de acusar o Criador pelas nossas confusões e nossas maldades, com a Teodicéia Babilônica acusa os deuses,4 pois “Deus fez o homem reto”. A responsabilidade fica onde merece, nas conseqüências desta observação: “mas ele [o homem] se meteu em muitas astúcias” (7:29). Como Soberano, entretanto, Deus determina as frustrações que encontramos na vida. A rotina da existência que é apresentada logo no início do livro (a propósito, Coelet teria feito uma carranca diante do título espetacular: “Parem o mundo, eu quero descer!”) – essa rotina é decreto de Deus. “... Este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir... e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” (1:13, 14). É verdade que existe nas palavras de 7:29, que acabamos de ler, uma insinuação de que foia queda do homem que deu lugar a esse decreto. Também é verdade que, em Romanos 8:18-25, Paulo pega essa figura da “criação... sujeita à vaidade” para o forte impulso que esta gera. A ênfase de Eclesiastes, contudo, está nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos de conviver aqui e agora. Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus mínimos detalhes, estejam ou não de acordo como nosso gosto e o nosso senso de propriedade. Algumas vezes eles fazem sentido para nós, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustração ao ver que Deus cuida dos seus (2:26); mas o fato é que nada nos pertence e não podemos contar com nada. Se o pecador é atormentado, ele não é o único. A tragédia pode abater-se sobre qualquer um, e Deus está por trás de tudo. O capítulo 6:1-6 é uma das passagens onde isto é considerado: apresenta o fato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difícil se torna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamente o fará. Pois “não vão todos para o mesmo lugar?” (v. 6b) – isto é, para a sepultura. Assim somos impulsionados a enfrentar os mistérios dos caminhos de Deus nos termos desses três títulos, ele vem agora ao nosso encontro como Sabedoria Inescrutável, reduzindo os nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas. A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graça é 3:11, um dos inesperados pontos culminantes do livro. “Tudo fez formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim.” Esta simples sentença capta a beleza deslumbrante e assustadora de um mundo tão mutante que o seu padrão total fica além do nosso entendimento. Mas é um padrão. Nós, ao contrário dos animais, podemos captar o suficiente para termos a certeza disso, ainda que nunca o suficiente para percebermos o todo. Uma das conseqüências é que não podemos extrapolar o presente. Se as coisas vão bem ou mal, temos de aceitá-las como são, sabendo que o quadro completo mudará e continuará 3 Cf. 11:1-6 4 Veja o comentário sobre 7:29
  • 8. 2 mudando. “Deus fez assim este como aquele” – os bons e os maus tempos – “para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele” (7:14). Obviamente o futuro está assim oculto. O que não é tão óbvio é que o presente, que permanece aberto à nossa inspeção, também nos engana. Assim como o futuro, ele pertence a Deus. “Então contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem não pode compreender a obra que se faz debaixo do sol” (8:17) – não pode, em outras palavras, compreender as atividades comuns que o cercam. “por mais que trabalhe o homem para descobrir”, Coelet prossegue, “não a entenderá”. Filosofias são criadas, mas cada uma delas acabará sendo insuficiente: “ainda que o sábio diga que virá a conhecer, bem por isso a poderá achar”. Isto está enfaticamente expresso em 7:23,24: “(Eu) disse: Tornar-me-ei sábio, mas a sabedoria estava longe de mim. O que está longe e mui profundo, quem o achará?” Esta obscuridade é intelectualmente provocante; apesar disso, podemos desfrutrar um grande problema como exercício mental. “A questão é totalmente outra se nos pomos a conjeturar se o universo, ou até mesmo Deus, é ou não é hostil. Mas é exatamente isto que não podemos descobrir sozinhos, e nada há que possamos fazer para assumir o controle. Este parece ser o significado de 9:1, ao falar das coisas que “estão nas mãos de Deus”. Mas que tipo de Deus? Para o homem que conhece o Deus de Israel, nada poderia parecer mais tranqüilizador; mas para quem esteja tateando em busca do significado da vida é uma idéia paralisante. “Se é amor ou se é ódio que está à sua espera, não o sabe o homem”. Ele deve orientar pelos prazeres da natureza ou por sua crueldade? Pelos sorrisos da sorte ou por suas carrancas – e esta certamente não pode ser controlada, seja através de um bom comportamento ou de uma boa gerência. Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar. Fatos a enfrentar a partir da experiência Uma das passagens mais fascinantes do livro é uma viagem de exploração através das recompensas e satisfações da experiência.5 Com Coelet, vestimos o manto de um Salomão, o mais brilhante e menos limitado dos homens, para iniciar essa pesquisa. Tendo todos os dons e poderes à nossa disposição, seria estranho se voltássemos de mãos vazias. Começamos com a sabedoria – a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado, porém, “na muita sabedoria há muito enfado” (1:18) e isso decorre da própria percepção adquirida. E, em última análise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por alguém, ela nada pode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o sábio fica tão desarmado quanto o estulto (2:15- 17), e se sua sabedoria não vale nada neste aspecto, não passa de um fracasso pretensioso. Então passamos para a “loucura” e a “estultícia” (1:17; 2:3b). e isto parece bem atual, fazendo coro com algumas de nossas tentativas de desviar-nos do que é racional, passando a explorar o absurdo e o mundo das alucinações. O prazer, naturalmente, é um outro reino: um reino de muitos aspectos que apena para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3, 8c) e para as alegrias da estética do especialista e o trabalho criativo na outra. Mesmo na melhor das hipóteses, esta busca só vai nos satisfazer de passagem. Então vem o reconhecimento: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos” (2:11) e, pensando na morte, o cômputo final resulta em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso é saber que este resultado nulo é uma obliteração, um desfazimento. Os valores existem, sim: “a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas” (2:13); mas nenhum valor permanecerá quando não estivermos mais aqui, ou se não houver ninguém para lhes dar valor. O segundo fato é a existência do mal. Este é tão tirano quanto a própria morte, e ainda mais trágico. A transitoriedade da vida é muito triste, mas os seus males podem ser suportáveis. Coelet observa tanto os pecados banais quanto os grandes: a inveja que inspira ou até mesmo resulta em sucesso (4:4); a fixação no dinheiro que transforma o magnata solitário em uma figura patética e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que mantém por muito tempo um tolo no seu posto (4:13), considerando apenas alguns deles. Mas ele lamenta principalmente “as opressões que se fazem debaixo do sol” (4:1). “No lugar do juízo reinava a maldade” (3:16). “A violência na mão dos opressores” (4:1). A própria estrutura da sociedade contribui para essas coisas (5:8); no entanto, estas não são enfermidades apenas dos governantes, mas da 5 Veja os comentários mais completos sobre esta passagem (1:16-2:26).
  • 9. 2 humanidade. “Não há homem justo sobre a terra” (7:20); realmente, “o coração dos homens está cheio de maldade, neles há desvarios enquanto vivem” (9:3). O leitor pode refletir sobre a insanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, mas não pode ignorar também a loucura que permanece invisível porque participa dela como o clima do seu século. Ainda por cima, como se a morte e o mal não bastassem, há ainda o fator menor, mas igualmente incontrolável, “do tempo e do acaso”, que é preciso reconhecer (9:11). O homem bem organizado pode regalar-se na sua auto-suficiência, porém Coelet vê através dela, é pura decepção. Até mesmo os prêmios mais específicos e mais previsíveis da vida (para não se falar da busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. “Não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes a vitória” – pelo menos, não e assim tão garantido. “Pois o homem não sabe a sua hora” (9:12). Ele pode até fingir que sabe, mas o faz-de-conta não serve como base para a sua vida. Basta lembrarmos o comentário final acerca do homem que pensou em tudo menos nisso: “Deus lhe disse: Louco!...” De volta ao alicerce Se pouca coisa restou depois desta análise, é exatamente isto que o escrito pretende, mas apenas como trabalho preliminar. Ele está demolindo para reconstruir. Se prestarmos atenção, veremos que as perguntas penetrantes que ele levanta são aquelas que a própria vida nos faz. Ele pode fazê-las porque nos capítulos finais tem boas novas para nós, contanto que paremos de fazer de conta que as coisas mortais no bastam, a nós que temos a capacidade de receber o que é eterno. São novas, paradoxalmente, de juízo. Para tornar esse paradoxo mais inteligível, seria bom divagarmos por algum tempo examinando um velho exemplo de secularismo radical, sem o abrandamento de nossas modernas fantasias utópicas e sem a formalidade de algum sentimento transcendente: apenas pela sua própria espirituosidade e fria imparcialidade. A passagem, muito livremente parafraseada e apresentada aqui, é o diálogo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotâmios, escrito talvez antes do tempo de Moisés.6 – Servo, obedeça-me – Sim, senhor, sim. – A carruagem... Prepare-a. Vou ao palácio. – Vá, meu senhor, vá!... O rei há de ser benevolente. – Não, servo, não vou ao palácio. – Não vá, meu senhor, não vá. O rei pode enviá-lo a algum lugar longínquo. O senhor não terá mais um momento de paz. Então ele resolve jantar, o que o servo acha muito conveniente. Não há nada mais agradável e confortador, não é mesmo? Mas o capricho passa: ele resolve não jantar mais. O servo acha isto muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer? E assim o diálogo prossegue. Ele vai caçar... Mas resolve não ir mais. Ou, quem sabe vai liderar uma rebelião... ou não. Guardará um silencia esmagador quando encontrar o seu rival... Ou melhor ainda, vai falar com ele. Cada idéia é rematada pelo servo com alguma observação bajuladora, e cada idéia oposta com uma observação ainda mais profunda. Então ele sente desejo de amar (“Oh, sim! Não há nada melhor do que isso, senhor, para espairecer.”), mas logo muda de idéia (“Que sabedoria! As mulheres são uma armadilha, uma faca na garganta.”). Isso! Ele será um filantropo. Mas, por outro lado... (“Certo, senhor; de que adiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemitério!”). Neste espírito ilusório e fútil, idéia após idéia, valor após valor são apanhados, desejados e abandonados. No final, o cavalheiro brinca com uma questão séria: “O que seria bom?” Sua própria resposta nos apanha de surpresa: “Quebrar o pescoço, o meu e o teu, jogar os dois no rio, isto seria bom.” É claro que ele muda de idéia: ele vai quebrar apenas o pescoço do seu servo e mandá-lo na frente. Como já era de se esperar, o servo tem a última palavra: como poderia o senhor sobreviver por três dias que fossem, sem ninguém para tomar conta dele? Talvez apreciemos esta conversa de acabar com tudo em um pacto de morte. É um final 6 Traduzido, por exemplo em ANET, pág 438
  • 10. 2 interessante para a comédia. Mas a verdade é mais real do que parece, pois quando aprendemos a rir de tudo, logo descobrimos que não temos mais nada que valha a pena uma risada. A trivialidade é mais asfixiante do que a tragédia, e a indiferença é o comentário mais desesperado de todos. A função de Eclesiastes é levar-nos ao ponto de começarmos a temer que esse comentário seja o mais honesto. É o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa conclusão de que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. É então que podemos ouvir a boa nova de que tudo vale a pena, “porque Deus há de trazer a juízo todas as obras até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más”. É assim que o livro termina. Sobre esta rocha podemos até ser destruídos: mas é uma rocha, e não areia movediça. Pode ser que também possamos edificar.
  • 11. 2 Segunda Parte O que o livro diz! - um breve comentário Eclesiastes 1:1-11 - O autor, o tema e o reconhecimento do cenário Apresentando o autor 1:1 Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: Existe na forma Omo este escritor se anuncia um quê de mistério – e este toque curioso não parece ser involuntário. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomão, mas não o faz. Este nome mão aparece no livro, ao passo que tanto Provérbios quanto Cantares declaram abertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do título duplo, eclesiástico e real, 7 quase como se alguém falasse de “O Vigário, Rei da Inglaterra!” Veremos uma outra observação enigmática no versículo 16, com a reivindicação de uma sabedoria que sobrepujava “a todos os que antes de mim existiram Jerusalém”. Isto exclui qualquer sucessor do incomparável Salomão, mas quase exclui também o próprio Salomão, que teve apenas um predecessor israelita. 8 Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos dois primeiros capítulos,9 torna-se evidente que devemos considerar o título que não é real como sendo o título do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descrita nos capítulos ume dois. Ele nos descreve um super-Salomão (como dá a entender como termo “sobrepujei” em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, que ultrapasse qualquer outro rei que já tenha ocupado o trono de Davi, ainda retornaria com as mãos vazias na busca da auto-satisfação.10 Da descrição mais completa do autor em 12:9ss. temos o retrato de um mestre cuja vocação é ensinar, pesquisar, editar e escrever. O que o seu livro como um todo nos ensina indiretamente é que ele é tão sensível quanto corajoso, eu m mestre do estilo. O tema 1: 2 Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Um pouquinho de fumaça, uma rajada de vento, um simples sopro – nada que se possa pegar com as mãos, a coisa mais próxima do zero. Isto é a vaidade que se trata este livro. O que nos perturba esta leitura sobre a vida é que tal nulidade não é considerada como uma simples chamuscada sobre a superfície das coisas, ainda que tenha um certo charme. É a soma total das coisas. Se este é o caso, como argumenta no resto do livro, vaidade acaba tornando-se uma palavra desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que é banal e passageiro e passa a 7 Veja a nota de rodapé à pág 1, quanto ao significado de Coelet (“O Pregador”). 8 Também o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido à forma aparentemente avançado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estágio no meio do caminho entre o hebraico clássico e o rabínico. Contudo, isto não é conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seus aspectos são do dialeto fenício, não indicando data. Sobre isto, veja os comentários feitos pod M.J. Dahood em Biblica 33 (1952), pg 32-52 e 191-221; também em Bibliba 39 (1958), pg 302-318; e por G.L. Archer em Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167-181. Este último argumenta em favor da autoria de Salomão, chamando a atenção para os seus laços íntimos com os fenícios. 9 Apenas o título Coelet (“O Pregador) será usado daqui em diante (7:27; 12:8-10), e a postura do escritor se tornará a de um simples observador, não a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1-3 5:8ss. 10 Veja também o comentário e anota de rodapé sobre 1:12
  • 12. 2 descrever, desastrosamente, aquilo que não tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavra amarga, usando-a duas vezes na mesma frase, como se fosse uma paródia do conhecido superlativo “santo dos santos”. A nulidade completa apresenta-se aqui em mudo contraste com a santidade completa, aquela realidade poderosa que deu forma e característica à tradicional piedade de Israel. Finalmente ele conclui de maneira sucinta: “Tudo é vaidade.” Em termos atuais a conclusão poderia ser: “Futilidade total... futilidade total. Tudo isso não passa de futilidade” Porém o que é “tudo isso” será que inclui a divindade – ou mesmo o próprio Deus? Ou será que todas as coisas estão desprovidas disso? O autor não tem pressa de responder. Antes de dar alguns toques sobre o seu próprio ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas que este parece nos dar. A primeira destas leves indicações vem logo a seguir na frase debaixo do sol (1:3), que vai se transformar em uma espécie de tônica do livro, repetindo-se cerca de trinta vezes em seus doze pequenos capítulos. A menos que isto não passe de um hábito (se bem que este autor não é de desperdiçar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente é exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista está ao nível do chão. Neste caso não só a exclamação “Vaidade de vaidades!”, mas todos os comentários sobre a vida que se lhe acrescentam já têm seus limites, seu sistema de coordenadas, esboçados nessa frase. No final do livro serão traçadas linhas muito firmes, e Coelet se revelará um homem de fé. Até lá, elas são introduzidas co o mais leve dos toques, e suas implicações serão descobertas posteriormente. Podemos tradicionalmente chamar este homem de “o Pregador”; mas ele coloca-se tão perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificação de seus pensamentos mais radicais. A diferença é que ele segue essas trilhas de pensamento para muito além do que eles se disporiam a ir. Caminho após caminho, todos são incansavelmente explorados até chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficará. O processo foi tão admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena não citá- lo neste ponto: “Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro é na realidade uma grande obra de apologética... Seu aparente mundanismo é ditado pelo seu alvo: Coelet dirige-se ao público em geral, cuja visão é limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai ao encontro desse público no seu próprio espaço, e prossegue convencendo-o de sua inerente vaidade. Isto se confirma ainda mais CPOR sua expressão característica ‘debaixo do sol’, com a qual ele descreve o que o Novo Testamento chama de ‘o mundo’... Seu livro é de fato uma crítica ao secularismo e à religião secularizada.”11 A rotina 1: 3 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? 4 Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. 5 Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. 6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. 7 Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. 8 Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. 9 O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. 10 Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós. 11 Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas. Já demos uma olhada nesta passagem para observar a frase debaixo do sol, que arma o cenário para o livro como um todo de acordo com esta introdução, a seqüencia considera a vida 11 G.S. Hendry, Introdução ao artigo “Eclesiastes”, em The New Bible Commentary Revised (IVP, 1970) pg 570
  • 13. 2 dentro dos limites mundanos que são iguais para todos os homens. Que proveito tem o homem...? é uma pergunta prática e característica. A palavra aqui traduzida como “proveito” extraída do mundo dos negócios, só se encontra neste livro nas Escrituras.12 Mas antes de a excluirmos como cínica ou mercenária, lembremo-nos de uma pergunta parecida no Evangelho: “Que aproveita ao homem... ?”13 Esta não é a única passagem em que Cristo e Coelet falam a mesma linguagem. É uma pergunta justa. Qualquer idéia romântica que pudéssemos ter, enfrentado uma situação desesperadora, ela logo se evaporaria se não houvesse um outro tipo de situação. Mas quem nos garante que um dia a situação será outra? “A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando, e a final que vantagem leva em tudo isso?”14 – esta poderia ser uma tradução livre deste versículo. Ah! Mas existe quem ache que pode transformar o mundo em um lugar melhor, ou pelo menos deixar alguma coisa para aqueles que virão depois. Como se já esperasse esta resposta, Coelet aponta para o constante fazer e desfazer na história da humanidade: gerações após gerações se levantam e caem, homens vêm e logo são esquecidos; tudo isto tendo como impassível cenário a terra, que vê todas as gerações passarem e continua existindo. Sem dúvida ela verá o último de nós que ficar em cena – e o que homem lucrará com isso? Além disso, por mais que a terra continue existindo, o próprio padrão do mundo é tão intranqüilo e repetitivo quanto o nosso. Tantas coisas que começam bem voltam atrás. Tantas jornadas acabam onde começaram. Coelet destaca três exemplos desta rotina infinita da natureza, começando como mais óbvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no céu até o seu declínio; e, tendo concluído, apressa-se15 em repetir o que fez dia após dia. Os outros dois exemplos parecem a princípio oferecer uma válvula de escape do círculo vicioso – pois o que seria mais livre do que o vento ou menos reversível do que uma torrente? Mas acompanhe o processo até o fim e você retornará ao começo. O vento “volve-se e revolve-se”; e as águas, como é dito em Jó 36:27ss, são recolhidas para regar a terra novamente. Assim as coisas mais regulares do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericórdias que “se renovam a cada manhã”, dar-nos-ão uma resposta muito diferente se buscarmos algum significado nelas mesmas. O versículo 8 resume esse infindável ciclo taxando-o de indizível canseira.16 Tudo isto apresenta um espelho para o cenário humano. Como o oceano, os nossos sentidos são alimentados mais e mais, mas nunca se satisfazem. Como o ciclo da natureza,a nossa história está sempre retornando, deixando de cumprir a sua promessa. E a jornada continua, sem nunca chegarmos ao destino. Debaixo do sol não existe um lugar para onde ir, nada que satisfaça completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossas esperanças na posteridade, no final a posteridade terá perdido qualquer lembrança dos que ficaram no passado (v.11). A esta altura, temos que fazer uma pausa para esclarecer duas coisas. Primeiro, o que vamos fazer com o famoso ditado: Não há nada novo debaixo do sol? Até que ponto ele é verdadeiro? Talvez a própria forma como costumamos usá-lo nos dê a melhor resposta. Nós o enunciamos como um comentário geral sobre o cenário da humanidade, e não como um pronunciamento sobre as invenções. Ninguém – muito menos Coelet – há de negar a capacidade inventiva do homem. Mas plus ça change, plus c’est La même chose: quanto mais as coisas mudam, mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Como raça, jamais aprendemos. A segunda pergunta é sobre quanto abrange o tema do círculo vicioso. Para alguns escritores esta idéia lembra os estóicos e sua visão totalmente circular do tempo, através da qual 12 A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele” 13 Mc 8:36 14 1:3 (BLH) 15 A palavra aqui traduzida como volta (v.5) é literalmente o verbo “ofegar”, se de avidez ou de cansaço o autor não diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotação de avidez (p.e. Jó 5:5; 7:2; Sl 119:131), mas o contexto é sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar também desespero (Is 42:14) 16 Uma outra tradução do versículo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: “Todas as palavras são frágeis”, isto é, “a cena está além da descrição”. Mas o adjetivo em outras passagens significa “cansado” (Dt 25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo não está enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessante da natureza.
  • 14. 2 toda a trama da existência deve tecer o seu próprio padrão repetidas vezes, até os mínimos detalhes, a intervalos predeterminados, infinitamente. Desta forma todo o futuro estaria destinado a voltar à mesma situação na qual você, leitor, encontra-se agora; e isto não uma só vez, mas vezes incontáveis. Por si mesmos, os versículos 9 e 10 (O que foi, é o que há de ser...) significariam exatamente isso. Mas eles se encontram em um livro que apresenta escolhas morais genuínas usando palavras tais como “justo” e “perverso”, e que aponta para um julgamento futuro que não teria sentido caso fôssemos apanhados em um processo que não nos desse alternativas. O que vemos aqui é a fadiga de se lutar e não conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo que estivemos considerando, também está muito longe do sentido de peregrinação que domina o Antigo Testamento. Seria isto um sinal de falta de convicção? Gerhard vol Rad comenta que com este autor “a literatura da Sabedoria perdeu o último contato coma antiga maneira de pensar de Israel em termos de história conservadora e, muito consistentemente, retrocedeu ao modo cíclico de pensar comum no Oriente... apenas... de uma forma total secular”.17 Este é um comentário correto, se “o modo cíclico de pensar” significa apenas uma preocupação com a sucessão das estações e com os ritmos da vida.18 Mas é fácil esquecer que, se Coelet está assumindo a posição do homem do mundo para mostrar no que isto implica, é justamente o ponto de vista que ele tem que expor. E se assim o faz para denunciar tal posição e despertar o desejo de alguma coisa melhor, como os últimos capítulos vão mostrar, então não deve ser identificado com ela a não ser por causa de sua solidariedade e de sua profunda visão interior. Eclesiastes 1:12-2:26 - Em busca de satisfação O investigador 1: 12 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. 13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir. O poema que acabamos de considerar estabelece a tônica do livro através do seu tema e do quadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo. Agora o foco se define. Voltamo-nos de analogias e impressões para o que podemos conhecer diretamente através da experiência. Vamos esquadrinhar uma vastidão de ocupações humanas, indagando se existe na terra alguma coisa que tenha valor duradouro. O autor nos impressiona coma urgência da investigação: acabamos fazendo parte dela. Mas a sua curiosa mescla de títulos, “Coelet” e “Rei”, alerta-nos para o caráter duplo com que ele se apresenta, como já vimos no início.19 Nesta passagem, o pregador torna-se um segundo Salomão, para que em nossa imaginação possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa irá muito além de uma experiência simples e limitada: será algo grandioso, explorando tudo o que o mundo possa oferecer a um homem de gênio e de riqueza ilimitados. Nesta área de conhecimento, podemos aceitar suas descobertas como definitivas. Cotando suas palavras (2:12): “Que fará o homem que seguir ao rei?” Talvez possamos, de passagem, comparar este reconhecimento superficial com outra passagem escrita na primeira pessoa: o exame do coração humano que Paulo descreve no final 17 G. Von Rad, Old Testsament Theology (trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 455 18 O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient (Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros por descreverem o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cíclico. Mas com cíclico quer dizer o firme determinismo do sistema estóico (Lonretz, pg 251), que Von Rad não está discutindo neste ponto. 19 Veja os comentários acerca de 1:1. Compare a expressão: “Eu venho sendo rei” (ou “me tornei rei”, que seria a tradução mais natural), no versículo 12, com Zc 11:7ss: “Apascentei as ovelhas (ou, tornei-me pastor)... Dei cabo de três pastores...”, etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiográfica, que não deve ser tomada literalmente, ou com a intenção de enganar, mas que visa apresentar-nos uma sequência iluminadora dos acontecimentos com muita vivacidade.
  • 15. 2 de Romanos 7. Cada uma destas duas confissões tem uma referência mais ampla do que o homem que está falando. Entre elas, Coelet e Paulo exploram para nós o mundo exterior e o interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitória moral. Com sua habitual franqueza, Coelet logo nos declara o pior: sua pesquisa resultou em nada. Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanças, ele nos adverte do resultado (1:13b-15) antes de nos levar consigo em sua jornada (1:16-2:11); e finalmente compartilha conosco as conclusões a que chegou (2:12-26). O Resumo 1: 13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir. 14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento. 15 Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular. Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por um breve momento saem do campo de visão do secularista. Ele vê a inquietação da vida que qualquer observador poderia perceber; no entanto, relaciona-a coma vontade divina: foi Deus que a impôs aos filhos dos homens. Isto talvez pareça mais amargura do que fé, mas é na verdade uma indicação de algo positivo que será retomado nos capítulos finais. Na pior das hipóteses, implicaria que, por detrás da nossa situação, existe sempre algum sentido (e não o contra-senso do acaso), mesmo que este nos pareça totalmente desanimador. Mas bem que poderia também fazer parte da justa disciplina que Deus nos impôs como seqüela da Queda. Foi assim que Paulo (com uma evidente perspectiva de Eclesiastes) interpretou o sofrimento do mundo: “Pois a criação está sujeita à vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperança...”20 Essa esperança, contudo, fica totalmente além do nosso próprio alcance, como veremos adiante. E o versículo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitações, coma concisão de um provérbio. A ER capta bem o sentido: “O que é torto não se pode endireitar; o que falta não se pode enumerar.” Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas próprias falhas de caráter ou as circunstâncias que não podemos alterar,21 deparamo-nos novamente com o que podemos fazer. Com esta advertência, juntemo-nos agora a Coelet em suas diversas experiências. Experimentando a vida 1: 16 Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e do conhecimento. 17 Apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia; e vim a saber que também isto é correr atrás do vento. 18 Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza. 2: 1 Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas também isso era vaidade. 2 Do riso disse: é loucura; e da alegria: de que serve? 3 Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. 4 Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. 5 Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. 6 Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. 7 Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. 8 Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. 20 Rm 8:20 21 A segunda alternativa parece ser a mais provável, à vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus como sendo o autor das coisas “tortas” no sentido de fatos estranhos e irreversíveis, mas não moralmente maus.
  • 16. 2 9 Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria. 10 Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. 11 Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol. Para um pensador tão famoso, a investigação tinha naturalmente de começar com a sabedoria, a qualidade mais louvada em seus círculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiro princípio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala é (segundo o seu método) o melhor pensamento que o homem pode ter por si mesmo. A sabedoria é esplêndida em toda a sua extensão: nada se pode comparar a ela (2:13); mesmo assim, ela não dá respostas às nossas dúvidas acerca da vida. Apenas as aguça ainda mais com sua perspicácia. Assim Coelet considera a sabedoria com a devida seriedade, como uma disciplina que se ocupa de questões máximas, e não simplesmente como um instrumento para realizar as coisas. Se isto fosse tudo, nada poderíamos esperar dela além do sucesso material. Mas a sabedoria preocupa-se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que o sucesso nos faz mal e que nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiro ponto sobre o descanso foi apresentado. Então ele mergulha na frivolidade. Mas uma parte dele se retrai – regendo-me, contudo, pela sabedoria – para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem. Imediatamente ele percebe o “paradoxo do hedonismo”: quanto mais se busca o prazer, menos ele é encontrado. De qualquer forma, a pessoa está buscando algo além do prazer e através dele, pois isto é mais que uma simples indulgência. É uma fuga deliberada da racionalidade, para chegar a um segredo da vida AL qual a razão talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside a força do versículo 3b: “entregar-me à loucura até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens...” Neste ponto nos aproximamos muito do nosso próprio tempo com o seu culto irracional em suas variadas formas, desde o romantismo até a ânsia que manifestam os diferentes estados de consciência, e daí ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, não por divertimento, mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso apareça em Coelet, sua avaliação das experiências com a loucura prova que ele está perturbado e igualmente desapontado com o veredito ainda mais forte acerca do riso (É loucura); e nas Escrituras tanto a “loucura” como a “estultícia” pressupõem mais perversidade moral do que desarranjo mental.22 Para merecer tal observação, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cínico e destrutivo. Neste caso, não estamos muito longe de nossas comédias trágicas e do humor negro. Como que reagindo fortemente aos prazeres fúteis, agora se entrega às alegrias da criatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos estéticos, de seu domínio das artes e das ciências, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele cria um pequeno mundo dentro do mundo: multiforme, harmonioso e exótico, um Jardim do Éden secular, cheio de deleites civilizados e deliciosamente não civilizados (v.8),23 sem frutos proibidos – ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do tédio dos ricos através de uma atividade constante, desfrutada e valorizada por seu próprio bem (v.10); e mantém um olho crítico sobre os seus projetos, mesmo enquanto os executa. “Perseverou também comigo a minha sabedoria”, ele nos diz (v.9). não perde de vista busca, a investigação do 22 Por exemplo, em 9:3, “maldade” está associada a “mal” e, em 10:13, a palavra usada para “estultícia” é considerada como um passo na direção da “loucura perversa”. Da mesma forma, agir estultamente (usando uma palavra relacionada com “estultícia”) geralmente implica em uma atitude fatalmente voluntariosa; cf 1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10). 23 A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando “instrumento musical” (ERC). Mas em uma carta de Faraó Amenofis III ao príncile Milkilu de Gezer, em que são exigidas quarenta concubinas, a palavra egípcia para concubina está acompanhada de uma palavra cananita explicatória de sidda. “Concubina” é usada então corretamente na ER. A BJ traz a palavra “cofres” (isto é, “arcas de tesouro”), mas sugere em suas anotações “princesas” ou “concubinas” e a ERAB, não erra, então, com a tradução “mulheres”.
  • 17. 2 significado da vida, que constituía o motivo principal de tudo. No final qual foi o resultado? Um espírito menos exigente do que Coelet teria encontrado muita coisa positiva para contar. As realizações foram brilhantes. No nível material, a ambição perene do lavrador de fazer (com nossas palavras) “duas folhas de capim crescerem onde antes só havia uma” foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraíso único. Se “a beleza produz alegria”, ele não buscou em vão pelo que é infinito e absoluto. Assim pensamos nós. Coelet não pensa assim. Chamar tais coisas de eternas não passa de retórica, e nada que seja perecível vai satisfazê-lo. Nos termos coloquiais da BLH, ele diz: “Compreendi que tudo aquilo era ilusão, não tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atrás do vento”. A avaliação 2: 12 Então, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram. 13 Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito do que as trevas. 14 Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi que o mesmo lhes sucede a ambos. 15 Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade. 16 Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto! 17 Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo é vaidade e correr atrás do vento. 18 Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. 19 E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade. 20 Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol. 21 Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande mal. 22 Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol? 23 Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade. 24 Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, 25 pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se? 26 Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento. O rápido e brusco veredito do versículo 11 precisava ser explicado detalhadamente, pois ao se aprofundar nas possibilidades da vida, Coelet não estava agindo puramente por conta própria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de mãos vazias, mesmo no manto de Salomão, que esperança resta para os demais (v.12)?24 Então ele retorna às grandes alternativas, a sabedoria e a loucura, comparando-as e avaliando-as radicalmente. Teria alguma delas uma resposta para esta busca de alguma coisa final? Eram estes os dois modos de vida que ele estivera testando nas suas experiências dos versículos 1:17-2:10, pois ele inclui na “loucura” não apenas a “insensatez” da auto-indulgência e do cinismo, mas também a busca do prazer em qualquer nível, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve enfrentar. Isto estava bastante claro na sequência de 1:18, onde aparece o comentário: “quem 24 A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.”
  • 18. 2 aumenta ciência, aumenta tristeza”, o que leva à firma resolução: “Vamos! eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade.” A simples comparação entre sabedoria e a loucura é despretensiosa, mas a avaliação final é avassaladora. Nada poderia ser mais óbvio do que as duas serem comparadas com a luz e as trevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas não passam de abstrações e que nós somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor máximo da sabedoria, se no fim nenhum de nós é capaz de exercê-la, e muito menos de avaliá-la. É por isso, naturalmente, que as realizações puramente humanas que nós chamamos de duradouras não são nada disso. Como humanos nós podemos reverenciá-las deste modo, mas isto apenas porque nos falta a honestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele não tem ilusões, sem bem que nós é que não deveríamos tê-las, nós que ouvimos dos próprios secularistas que o nosso planeta está morrendo. Assim, pela primeira vez no livro (mas não a última, naturalmente), o fato da morte leva a pesquisa a uma súbita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino é a extinção, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemos estes dois resultados nos versículos 14-17 e 18-23. Quanto à dignidade do homem, o que é mais mortificante (que palavra apropriada!) quanto ao fato de que todos os homens, tanto sábios tanto tolos (ao que poderíamos acrescentar “bons e maus”, ” santos e sádicos” Ou quaisquer outros antônimos) hão de finalmente se igualar na morte, é que, se isto é verdade, a última palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasa qualquer juízo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria não está no mesmo nível que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte é o fim da linha, a alegação de que não existe escolha alguma entre elas terá a sua última palavra. No final, as escolhas que positivamente sabemos ser significativas serão postas de lado como irrelevantes. Pelo que aborreci a vida. Se há uma mentira no centro da existência, e falta de sentido no final da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderíamos dizer, todas as cartas em nossa mão estão trunfadas, que importa como jogamos? Por que tratar um rei com maior respeito do que um velhaco? A propósito, esta amarga reação é um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossa condição desobrigando-nos dela. Sentir-se ultrajado diante do que é universal e inevitável dá a idéia de um descontentamento divino, uma indicação do que 3:11 vai sabiamente chamar de “eternidade” na mente do homem. De fato, o versículo 16 usa esta palavra a fim de lamentar a falta de qualquer lembrança duradoura do sábio. Os versículos 18-23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o espírito do seu jeito: a frustrante incerteza de todos os nossos empreendimentos quando escapam ao nosso controle, como acontece mais cedo ou mais tarde. O homem do mundo dificilmente objetaria isto, com base em seus próprios princípios, contanto que eles durem toda a vida; mas ainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio íntimo pelas coisas permanentes. Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versículos 22ss. mostram como essa luta pode ser obsessiva), mais incômoda será a idéia de seus frutos irem parar nas mãos de outras pessoas e, muito provavelmente em mãos erradas. Este é um outro golpe, já percebido antes no capítulo, contra a esperança de encontrar realização no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. O próprio sucesso acentua o anticlímax. Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforçado demais. O trabalhador compulsivo dos versículos 22ss., sobrecarregando os seus dias com trabalho e as suas noites com preocupações, esqueceu-se das alegrias simples que Deus colocou à sua disposição. A questão principal para ele não era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se ele soubesse, entre as atividades sem sentido e as significativas. Como o versículo 24 destaca, o próprio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus (e a própria alegria é um outro presente, v.25),25 bastando apenas que ele se dispusesse a aceitá- los como tal. Eis aí outro lado deste “enfadonho trabalho [que] impôs Deus aos filhos dos homens” (1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas básicas da vida são doces e boas. O 25 As palavras, separado deste (v.25) são um acréscimo apoiado pela LXX. O TM diz “separado de mi”, que daria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A tradução da ER e da ERC, “melhor do que eu”, é inteligível, mas dificilmente uma tradução aceitável.
  • 19. 2 alimento, a bebida e o trabalho são exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras.26 O que as estraga é a nossa ânsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseio que nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado é um tema subjacente deste livro. Assim por um momento, no versículo 26 o véu é levantado para nos mostrar uma outra coisa além da futilidade. O livro vai terminar com forte ênfase sobre esta nota positiva; mas, até lá, nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que há uma resposta, e que o autor não é um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar à realidade. O que ele está dizendo neste versículo final poderia ser lido descuidadamente como uma cláusula de revogação para os favoritos de Deus, poupando-os dos riscos materiais que acabam de ser descritos. A BLH esforça-se para não dar esta impressão, retirando a palavra “pecador” (sem motivo), substituindo-a por “os maus” e descrevendo aqueles que agradam a Deus como simplesmente aqueles “de quem ele gosta” ou “de quem ele gosta mais”. Mas mesmo sem esta distorção gratuita seria fácil passar por cima do vital contraste neste versículo, de um lado os dons espirituais de Deus que trazem satisfação (sabedoria, conhecimento, alegria) e que só aqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustração27 de acumular o que não se pode guardar, que é a porção escolhida por aqueles que o rejeitam. O fato de que o estoque do pecador vai parar finalmente nas mãos do justo é apenas uma ironia final daquilo que não passava de vaidade e correr atrás do vento. E para o justo é uma reivindicação final, nada mais que isso. Tal como acontece com os mansos, que têm a promessa de herdar a terra, o tesouro deles está em outra parte e é de outro tipo. Eclesiastes 3:1-15 - A tirania do tempo 3: 1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: 2 há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; 3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; 4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar; 6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; 7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. 9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga? 10 Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir. 11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim. 12 Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada; 13 e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho. 14 Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele. 15 O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar-se o que se passou. Talvez “tirania” seja uma palavra forte demais para o moderado fluxo e refluxo descrito com essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, e de volta novamente àquela. A descrição é agradável, com uma variedade de humor e de ação revelando diferentes ritmos em nossas ocupações. Agrada-nos o ritmo, pois quem gostaria de uma primavera perpétua (“tempo de plantar”, mas nunca colher), ou quem invejaria o homem de negócios que não dorme, que nós ficamos conhecendo no capítulo anterior? No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de cá para lá e de lá 26 Cf 9:7-10; 11:7-10 27 Trabalho, neste versículo é a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, “este enfadonho trabalho impões Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir”.
  • 20. 2 para cá não é nada melhor do que o círculo vicioso do capítulo primeiro; e, além disso, traz consigo suas próprias conseqüências perturbadoras. Uma delas é que nós dançamos ao som de uma música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós; a segunda é que nada do que buscamos tem alguma permanência. Atiramo-nos a uma atividade qualquer que nos dê satisfação, mas com que liberdade a escolhemos? Dentro de quanto tempo estaremos fazendo exatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reações diante do inverno e do verão, ou da infância e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e por mudanças espontâneas. Vista desta forma, a repetição “tempo... e tempo” começa a tornar-se opressiva. Seja qual for a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexorável mudança das estações: não apenas as que se encontram no calendário como também aquela maré de acontecimentos que ora leva a um determinado tipo de ação que nos parece adequado, ora a um outro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situações que nos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberados também podem ser condicionados pelo tempo, mãos do que supomos. “Quem diria”, falamos às vezes, “que chegaria o dia em que eu acabaria fazendo tal ou tal coisa, e achando que é o meu dever!” Assim, a nação pacifista prepara-se para a guerra; ou o pastor de ovelhas pega a faca para matar a criatura que ele antes cuidou para que não morresse. O colecionador distribui o seu tesouro; amigos têm desavenças amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade de guardar silêncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta pressão, quase uma imposição, vinda de fora. Nossa reação natural seria buscar a realidade em algo além das mudanças, tratando a esfera das experiências cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versículo 11 Coelet nos faz ver que essas perpétuas mudanças não são algo desordenado, mas um padrão deslumbrante e revelador, uma dádiva de Deus. O problema não é que a vida se recuse a ficar parada, mas sim que nós só percebemos uma fração do seu movimento e do seu plano sutil e intricado. Em vez da ausência de mudanças, temos ma coisa melhor: um propósito dinâmico e divino, com um princípio e um fim. Em vez de uma perfeição congelada temos o movimento caleidoscópico de inúmeros processos, cada um com seu próprio caráter e com seu período de florescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra-prima total que á obra do Criador. Nós captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo à parte das trevas com que se entremeiam, eles deixam-nos insatisfeitos devido à falta de um significado total que possamos entender. Diferentemente dos animais, absorvidos pelo tempo, nós queremos vê-los em seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos para comparar o efêmero com o “eterno”.28 Parecemos alguém desesperadamente míope, percorrendo centímetro por centímetro uma grande tapeçaria ou pintura na tentativa de entender o todo. Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grande desenho se nos escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para vê-lo como o Criador o vê, completo e por inteiro, desde o princípio até o fim. Esta incompreensibilidade é desanimadora para o secularista pensante, mas não para o crente. Ambos podem refugiar-se na vida aproveitando-a ao máximo, mas o homem que não têm fé age no vazio. O versículo 12 não é tão frívolo como talvez pareça em algumas versões,l como na ER a frase final, enquanto viverem, lança uma sombra sobre qualquer empreendimento. Se nada é permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho vá sobreviver a nós, estamos apenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde. O crente, por outro lado, pode aceitar o mesmo tipo de programa despretensioso, não como um tapa-buraco mas como uma tarefa. É um dom de Deus (v.13), uma porção distribuída em nossa vida cujo propósito é conhecido pelo Doador e é parte de sua obra eterna; pois Deus não faz nada em vão. Como o versículo 14 destaca, os planos divinos são diferentes dos nossos e em nada precisam ser corrigidos ou acrescidos: eles perduram. O eternamente deste versículo 28 Eternidade (v.11) é a mesma palavra traduzida por “eternamente” no v.14, mas usada aqui como substantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que dá lugar ao adjetivo “eterno” no NT. Embora possa ser usada simplesmente em relação ao tempo passado ou futuro (cf a BLH), ou em relação a uma época, o contraste com a palavra tempo (isto é, estação) no v.11a aponta para um sentido mais forte do que fraco neste versículo. A ERC menciona aqui “o mundo”, usado no sentido arcaico de uma dispensação (cf. a frase “mundo sem fim”).
  • 21. 2 combina com a eternidade colocada no coração do homem (v.11). Participar um pouco disto, por mais modestamente que seja, é um escape da “vaidade de vaidades”. Assim todo o parágrafo fala coma “bondade” e a “severidade” simultâneas que encontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: “... para com os que caíram, severidade; mas para contigo, a bondade de Deus...” O homem ligado às coisas da terra, à luz dos versículos 14 e 15 e de toda essa seção é prisioneiro de um sistema que ele não consegue quebrar nem sequer vergar; e por trás disso está Deus na meio de fuga, e nenhum jeito de alijar-se da carga que o estorva ou incrimina. Mas o homem de Deus ouve estes versículos sem tais receios. Para ele o versículo 14 descreve a fidelidade divina que transforma o temor de Deus em um relacionamento filial e frutífero;29 e o versículo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisas de antemão, e nada fica esquecido.30 Deus não tem empreendimentos abortivos, nem homens que ele tenha esquecido. Novamente Coelet demonstra, de passagem, que o desespero que ele descreve não é o seu próprio, e nem precisa ser o nosso. Mas há muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta-se para o cenário da sociedade humana e a maneira de como nós exercemos o poder. Eclesiastes 3:16-4:3 - A aspereza da vida 3: 16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda. 17 Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito e para toda obra. 18 Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam que são em si mesmos como os animais. 19 Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. 20 Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. 21 Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra? 22 Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele? 4: 1 Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos. 2 Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem; 3 porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más obras que se fazem debaixo do sol. Não temos aqui propriamente uma mudança de assunto, pois a idéia de tempos estabelecidos e do seu poder sobre nós continua presente no versículo 17. Mas o problema da injustiça é demasiadamente comovente para ser tratado como simples ilustração desse tema. Transforma-se num assunto à parte por um breve espaço de tempo no capítulo 4, e vai retornar de vez em quando em passagens posteriores.31 Primeiramente, entretanto, podemos vê-lo na apresentação das inversões e súbitas mudanças de direção da vida, que são predominantes no capítulo 3. Pois se já uma coisa que clama por uma reviravolta é a injustiça. Eis aí finalmente alguma coisa obviamente proveitosa 29 Conf Sl 130:4, onde repousa sobre o perdão divino. 30 O que se passou considero uma referência ao passado. O “renovar-se” implica na ação de Deus para julgar ou para restaurar, dependendo da natureza do que é renovado. Outras interpretações consideram o que se passou como uma referência àquele que foi perseguido, tradução esta possível em muitos casos, mas que dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expressão da incansável busca de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: “Deus pede conta do que passou”. 31 Veja 5:8ss; 8:10-15; 9:13-16; 10:5-7; 10:36ss
  • 22. 2 nas voltas e viravoltas de nossos negócios. O fato de que tudo na terra obedece à periodicidade promete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Reforça convicção puramente moral de que Deus julgará (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele já designou uma época adequada. Isso é muito bom, achamos nós; mas por que a demora? Por que agora ainda não é o tempo adequado para a justiça universal? A essa pergunta não enunciada, os versículos 18ss. dão uma resposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade não é ensinar a Deus o que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de nós mesmos, uma lição que nós somos muito lentos em aceitar. (Mesmo o século vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar a nossa maldade inata.) Portanto, quando o versículo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, os desmascare)32 e eles vejam que são em si mesmos como animais, ficamos profundamente chocados. É verdade que o “como os animais” da ERAB é questionável.33 Mas temos de admitir que totalmente à parte de nossas tendências par a crueldade e para a sordidez, que nos colocam em uma categoria ainda mais inferior, há pelo menos dois fatores que dão respaldo à acusação: a inclinação para a ganância e para a esperteza em nossos negócios (que é o assunto em discussão, versículo 16), e a mortalidade que os homens partilham com todas as criaturas da terra. O primeiro destes tristes fatos reaparece no próximo capítulo; o segundo ocupa o restante deste e recebe influências de outras partes do Antigo Testamento. o versículo 20, que nos apresenta o homem em sua caminhada do pó para o pó, como em Gênesis 3:19, confronta-nos com a Queda e coma ironia de que morremos como os animais porque nos imaginávamos deuses. Mas existe em nós alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado, Eclesiastes só pode responder: Quem sabe?34 O fôlego de vida, ou o espírito,35 nestes versículos é a vida que Deus dá tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, como diz o Salmo 104:29ss. Está claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas se “espírito” implica em alguma coisa eterna para nós, ninguém pode chegar a uma conclusão apenas pela observação do texto aqui.36 Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparação entre os homens e os animais, nos faz lembrar que há uma resposta. O homem de fé pode dizer: “Mas Deus remirá a minha alma do poder da morte, pois ele me tomará para si” (Sl 49:15). É o homem “em sua ostentação”, o homem sem entendimento, que é “como os animais, que perecem”;37 e este é o homem com o qual Eclesiastes se preocupa. Para tal pessoa o versículo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfação temporária de executar bem o seu trabalho. Não é coisa de se desprezar. A possibilidade é um legado de um mundo bem criado, como esclarece o versículo 13. Tudo o que está faltando (mas é virtualmente 32 A palavra para “provar” já parece ter o seu sentido posterior de “trazer à luz” (conf McNeile pg 64) 33 O texto não precisa dizer nada mais além disso, que os homens agem como os animais, ou que são animais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versículo, um tanto difícil diz: “... para que Deus os prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que são em si mesmos como os animais.” No Sl 14:2 quem vê a situação dos homens é Deus; aqui, ao contrário, o sujeito são as pessoas envolvidas (“e eles vejam”); mas uma mudança de vogal daria “mostrar” (como diz a BJ e a maioria das traduções modernas seguindo a LXX ET AL.). As palavra “em si mesmos” foram interpretadas como erro de copista, uma vez que “animais” e “eles “ são palavras semelhantes; ou significando “entre si” (“denunciá-los e mostrar que são animais uns para os outros”, BJ); ou, “de sua parte”; ou “em si mesmos” (Delitzsch). Eu me inclino a aceitar Delitzsch ou a BJ. 34 Há versões, como a ERAB, que traduzem o versículo 21 como sendo uma afirmação implícita: “Quem sabe que o fôlego de vida (ou o espírito) dos filhos dos homens se dirige para cima”, etc. A vogal hebraica no começo de “se dirige” favorece esta versão (embora não de maneira exclusiva: veja o hebraico de, por exemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contrário. O ponto de vista geralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apóiam a tradução da ER: “Quem sabe se... ?” 35 Ambas são traduções de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o hálito da vida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criação. 36 À primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas não é preciso dizer mais do que foi dito em Sl 104:29ss., que Deus dá e retira o hálito da vida de suas criaturas quando quer. 37 Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clímax, fazendo o versículo 20 simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e também na ERAB) há a frase: “O homem... sem entendimento”.
  • 23. 2 tudo) será a satisfação de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versículo 13), e oferecê-lo a ele. Com o capítulo 4:1-3 retornamos às opressões que se fazem debaixo do sol, assunto abordado em 3:16. A passagem é tão curta quanto dolorosa, pois se não há um meio de acabar com estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aos amargos fatos do versículo 1 além do lamento dos versículos 2 e 3. Talvez achemos que esta atitude seja derrotista, pois sempre há muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quando queremos fazê-lo. Mas esta objeção dificilmente seria honesta. Coelet está observando a cena como um todo, e ele pode muito bem retrucar que após cada intervenção concebível ainda restariam inumeráveis bolsões de opressão nas “moradas de crueldade”38 – o suficiente para fazer os anjos chorarem, se não os homens. Ele poderia acrescentar que não há coincidência alguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma vez que é o poder que mais rapidamente desenvolve o hábito da opressão. Paradoxalmente, ele limita a possibilidade de uma reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendência para a tirania. Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada há mais triste em todo o livro do que a melancólica alusão, nos versículos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda não nasceram, que são poupados da visão de tanta angústia. Isto é apropriado, pois embora de um modo geral Eclesiastes esteja preocupado com a frustração, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como mal em sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente neste ponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa visão mais otimista brota da esperança e não da complacência. Se nós, os cristãos, vemos mais além do que ele se permitiu, não há motivos para nos pouparmos das realidades do presente. Eclesiastes 4:4-8 - Corrida desenfreada 4: 4 Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento. 5 O tolo cruza os braços e come a própria carne, dizendo: 6 Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento. 7 Então, considerei outra vaidade debaixo do sol, 8 isto é, um homem sem ninguém, não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho. Nesta pequena amostra de atitudes para com o trabalho somos lembrados de alguns extremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a ânsia competitiva. O versículo 4 não deve sofrer tanta pressão, pois este escritor, como qualquer outro, deve ter a liberdade de apresentar os seus pontos com vigor. Poderemos tergiversar, se quisermos, lembrando-nos de pessoas tais como os párias solitários ou os lavradores necessitados, que lutam simplesmente pela sobrevivência, ou aqueles artistas que realmente amam a perfeição por amor a ela; mas permanece o fato de que grande parte de nosso trabalho árduo e de nosso grande esforço está misturada à ânsia de eclipsar os outros ou de não ser eclipsado. Até mesmo na rivalidade entre amigos isto exerce um papel maior do que possamos imaginar, pois podemos até agüentar se ultrapassados por algum tempo e por determinadas pessoas, mas não com tanta regularidade nem tão profundamente. Sentir-se um fracasso é descobrir na alma a inveja que Coelet detecta aqui, em sua patética forma de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos.39 O segundo retrato (v.5) é pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele despreza 38 Cf. Sl 74:20 (ERC) 39 McNeile destaca que o Heb. Deste versículo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e da destreza, isto é: “Então vi que... correspondia à inveja, etc”. Sendo incitado por ela e sendo um resultado dela. Muitas traduções modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para o sucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizações sobre os outros; o Heb. Deixa em aberto essas duas possibilidades.
  • 24. 2 essas rivalidades frenéticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua inércia é igual e oposta ao erro dos outros. Ele é o quadro da complacência e da autodestruição inconsciente, pois este comentário sobre ele destaca um prejuízo mais profundo do que o desperdício do seu capital. Sua preguiça, além de acabar com o que ele tem, acaba também com o que ele é: destrói o seu autocontrole, o seu senso de realidade, a sua capacidade de se cuidar e, finalmente, o seu auto-respeito. A estas duas formas infelizes de viver o versículo 6 apresenta uma alternativa sadia. A bela expressão um punhado de descanso consegue transmitir a dupla idéia de desejos modestos e paz interior: uma atitude tão distante da indolência egoísta do tolo quanto da luta desordenada do diligente em busca da preeminência. “Dá-me a minha concha de quietude, Meu cajado de fé para me apoiar, Minha dieta imortal de alegria, Meu cântaro de salvação, Minha veste de glória, real penhor da esperança, E assim vou iniciar A minha peregrinação”40 Mas se é que existe algo mais opressor do que a inveja, é o hábito, quando este se transforma em fixação. Os versículos 7e 8 descrevem o maníaco ganhador de dinheiro como alguém completamente desumanizado, que se entregou à mera ganância e ao processo infindável de alimentá-la. Subitamente o escritor identifica-se com tal homem, e nos leva a fazer o mesmo, através da pergunta: Para quem trabalho eu...? estas palavras aparecem sem serem anunciadas, como se expressassem o que a vida toda desse homem está dizendo. Embora, a bem da clareza, estejamos examinando aqui a vida de um homem sem família, podemos imaginar que a sua solidão não seja acidental e que, além disse, ele não tenha amigos, vivendo como vive na sua rotina. Mesmo que tenha esposa e filhos, ele tem pouquíssimo tempo para lhes dedicar, convencido de que está lutando em benefício deles, embora o seu coração esteja em outro lugar, dedicado e enredado em seus projetos. À semelhança da rivalidade invejosa descrita no versículo 4, este quadro de uma vida de negócios solitária e sem sentido põe em cheque qualquer argumentação quanto às bênçãos do trabalho duro. Não é aqui que jaz a resposta para a frustração,e muito menos na indolência do versículo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras da vida, o que nos dá oportunidade de olhar para trás e tornar a examinar o caminho que já percorremos com ele. Primeiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8 Até agora, em nossa perspectiva o cenário terreno, examinamos o que o mundo pode oferecer em quatro ou cinco diferentes níveis. Começamos com uma impressão de sua total inquietude, as repetições infinitas e inconclusivas que se acham na natureza e no cenário humano (1:1-11). Depois consideramos as satisfações dos diferentes estilos de vida, racionais e irracionais, frívolos e austeros: os prazeres da arte e do trabalho, da construção para o futuro (1:12-2:26). Se alguns deles têm alguma coisa para dar, nenhum sobrevive ao teste decisivo da morte. Para encontrar alguma coisa que o tempo não desfaça, temos de procurar em outro lugar. Mas o tempo, como foi apresentado no capítulo 3, além de ser inexorável, também nos faz flutuar ao sabor de marés e correntezas que são mais fortes do que nós. Não somos donos de nossas circunstâncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas. Uma nota mais sinistra insinua-se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade. É o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, não mais o último inimigo, como a vimos no capítulo 2, mas o último amigo que nos resta. Finalmente vimos, em 4:4-8, não os perdedores nesta luta humana, mas os aparentes ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmente absorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas será que receberam 40 Sir Walter Raleigh, “His Pilgrimage” (Sua Peregrinação)
  • 25. 2 um prêmio duradouro? E será que a sua maneira de obtê-lo poderia enfrentar uma inspeção? A expressão “corrida desenfreada” resume a idéia principal destes versículos: uma rivalidade frenética em um dos extremos, uma desastrosa escolha no outro; e para os poucos que obtêm sucesso, uma vida dedicada à consecução de prêmios e mais prêmios sem significado algum. Após esta avaliação inclemente, será um alívio voltarmo-nos um pouco de nossa busca desesperada por algo duradouro, para assuntos mais corriqueiros, pois a vida continua enquanto buscamos, e há maneiras melhores e piores de vivê-la. Pelo menos neste ponto podemos ser sábios! Para começar, podemos ser mais sensíveis do que os solitários e obsessivos ganhadores de dinheiro que acabamos de considerar; e um padrão mais sábio do que o deles será o primeiro assunto dos comentários que se seguem acerca da vida. Eclesiastes 4:9-5:12 - Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades Companheirismo 4: 9 Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. 10 Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante. 11 Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? 12 Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade. Tendo examinado a pobreza do “solitário”, por maior que seja o seu sucesso exterior, agora vamos refletir sobre algo melhor; e melhor aqui será uma palavra-chave (4:9,13; 5:1,5), o que acontece com muita freqüência na avaliação de valores pelos escritores da Sabedoria. As idéias são simples e diretas; aplicam-se a muitas formas de companheirismo, inclusive (embora não explicitamente) ao casamento. Com uma brevidade graciosa elas descrevem o proveito, a elasticidade, o conforto41 e a força que existem em uma verdadeira aliança; e por isso vale a pena aceitar suas exigências. Embora tais exigências não estejam explícitas aqui, dificilmente teríamos de expor os benefícios do companheirismo se este não envolvesse algum custo. Um preço óbvio é a independência da pessoa: uma vez comprometida, ela tem de consultar os interesses e a conveniência da outra, ouvir-lhe as idéias, ajustar-se ao seu modo de andar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto às recompensas, são todas benefícios conjuntos: um parceiro nunca haverá de explorar o outro. O cordão de três dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo tem mais de uma forma. Embora os números, quando erradamente entendidos, possam ser divisivos e desastrosos (veja o versículo 11), na sua forma certa, além de acrescentarem algo aos benefícios da união, também se multiplicam. Um exemplo óbvio deste enriquecimento, e o predileto dos pregadores, é a força de um casamento, ou de qualquer aliança humana, quando Deus é o fio mestre que faz com eles o cordão triplo. Mas talvez o escritor estivesse pensando mais nesta metáfora em termos puramente humanos, de modo que, se aplicada ao casamento, o terceiro fio seria mais apropriadamente os filhos, com tudo o que eles acrescentam á qualidade e à força do laço original. Mesmo assim provavelmente estejamos sendo mais específicos do que ele pretendia que fôssemos. Aplausos populares 4: 13 Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar, 14 ainda que aquele saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino deste. 41 O versículo 11 poderia aplicar-se ao casamento, mas possivelmente aplica-se mais aos viajantes que dormem ao relento. Barton observa que “as noites na Palestina são frias..., e o viajante solitário dorme às vezes unto de sua montaria para se aquecer na falta de outra companhia.”
  • 26. 2 15 Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficará em lugar do rei. 16 Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que virão depois se hão de regozijar nele. Na verdade, que também isto é vaidade e correr atrás do vento. Este parágrafo tem pontos obscuros, mas descreve uma coisa bastante familiar na vida pública: a popularidade efêmera dos grandes. Apresenta as faltas de ambos os lados, começando com a teimosia do homem há muito tempo montado na sela, que ao se deixa tocar e que já não tem mais a simpatia da nova geração, esquecido de como é ser jovem, fogoso e impaciente, como ele mesmo já foi.42 Há muita semelhança com Davi no começo e no final de sua vida, para que reflitamos no fato de que os melhores homens podem acabar assim sem que o percebam. MS o retrato não tema intenção de ser histórico. Pode acontecer que um homem melhor o suplante e venha a ser melhor se tiver as qualidades certas, ainda que lhe falte idade ou posição, como o versículo 13a destaca. Coelet, com o seu jeito de nos presentear uma cena vivamente colorida, descreve a enorme massa de homens, e a vê do lado43 do recém-chegado, que é jovem, sendo ela em quantidade incontável. Ele mesmo acaba seguindo o caminho do velho rei, não necessariamente pelas faltas que comete, mas simplesmente porque o tempo e a familiaridade, assim como a inquietude dos homens, acabam por fazê-lo perder o interesse. Ele atingiu o pináculo da glória humana apenas para ser abandonado ali. Este é contudo mais um processo de degradação humana, das realizações que finalmente se revelam vazias. Conversa piedosa 5: 1 Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. 2 Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras. 3 Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias. 4 Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes. 5 Melhor é que não votes do que votes e não cumpras. 6 Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as obras das tuas mãos? 7 Porque, como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras; tu, porém, teme a Deus. Prosseguindo com um interlúdio de retratos, Coelet volta aos olhos observadores para o homem como adorador. Tal fomo os profetas, ele insiste na sinceridade nesta área; mas o seu tom é calmo, embora suas palavras sejam afiadas com a navalha. Enquanto os profetas proferem com veemência suas invectivas contra os maus e os hipócritas, o alvo do escritor é a pessoa bem intencionada que gosta de cantar e de ir à igreja, mas que ouve com um ouvido só e nunca faz o que se propõe fazer para Deus. Esse homem esqueceu-se de onde está e de quem ele é; acima de todas as coisas, esqueceu-se de quem Deu sé. A palavra tolo(s), várias vezes repetida é denunciadora, pois ser negligente com Deus é um mal (v.1), uma culpa (v.6) e uma provocação que não ficará impune 42 As opiniões diferem quanto àquele que conheceu a prisão e a pobreza (v.140: se é o rei velho (como eu penso) ou se é o jovem nobre e sábio que o suplanta. Se é este último, então o versículo 15 apresenta-o espoliado por sua vez, já que o jovem é literalmente “o segundo jovem”; ou “o jovem sucessor”, (como traduzido na ERAB) isto é, o jovem rival do velho rei. 43 A expressão literal é “com o jovem”. “Com” pode significar tanto “assim como” ou “junto com”. Este último sentido nos prepara melhor para a preeminência que o jovem desfruta no versículo seguinte. Já a BLH desperta um interesse maior, parafraseando: “Eu pensei em todas as pessoas que vivem neste mundo e imaginei que existe, entre elas, em algum lugar, um moço que tomara o lugar do rei”; mas é ir longe demais.