Este documento descreve a carreira de 19 anos do jogador de futebol brasileiro Arthur Friedenreich, conhecido como "El Tigre". Ele teve uma carreira de sucesso no Brasil e internacionalmente, jogando em campeonatos nacionais, sul-americanos e enfrentando times estrangeiros. Friedenreich estabeleceu muitos recordes e é considerado um dos maiores jogadores de futebol brasileiros de todos os tempos.
“EL TIGRE” (Arthur Friedenreich): 19 anos de vida esportiva do mais perfeito futebolista nacional
1. Transcrição de: “EL TIGRE”. In: MAZZONI, Thomaz. Almanach Esportivo 1928, pp. 57-
69 [AEL – R/1004]. Elton Frias Zanoni, 02/09/2005.
“EL TIGRE”
-Arthur Friedenreich-
19 anos de vida esportiva do mais perfeito futebolista nacional
ARTHUR FRIEDENREICH continua sendo, sem dúvida, nome mais popular entre
os “azes” do esporte pátrio, desde os pampas gaúchos até ao longínquo e soberbo
Amazonas. Os seus feitos, tanto o fizeram conhecido em todo o país, que o tornaram,
digamo-lo sem receios de errar, “um dos maiores brasileiros vivos”. Mesmo aos que
nunca praticaram o esporte, ou não se ocupam dele, não lhes é estranho o nome do grande
futebolista. Enfim, Fried é uma figura nacional, como o foram e o são, em seus respectivos
países, Dempsey, Carpentier, Piendibene, Firpo, Girardengo, Zamora e outros ídolos do
esporte, glorificados aquém [e] além fronteiras.
Friedenreich guarda consigo uma boa parte da história futebolística nacional, pois
ele sempre tem sido o “ás” das grandes e memoráveis jornadas de triunfos que fizeram
reunir e vibrar em torno de si a alma da multidão esportiva que tanto o admirou e ainda o
glorifica como o mais “virtuoso” entre todos os nomes queridos do Brasil esportivo.
Talvez, como Jack Dempsey para a arte do Boxe, Fried nasceu para ser o
inigualável futebolista de todos os tempos. Entre a legião dos seus adeptos, muitos julgam
que “El Tigre”, com seu físico jovial e sua agilidade tigrina, é ainda um mocinho que ainda
não sente o peso dos anos que correm. De fato, Fried assim aparenta com a sua fisionomia
jovial e seu físico esbelto e elegante: por isso é quase inacreditável que haja vindo à luz do
dia em 1892, no dia 18 de julho, contando, pois, com 35 anos de idade, [p. 58] com quase
19 anos de atividade no futebol. Isso oficialmente, pois Arthur apenas deu os primeiros
passos de criança, foi atraído pela clássica pelota de pano e depois, como todos os
futebolistas, se foi iniciando nos intermináveis encontros das calçadas, nas horas de recreio
das aulas e nos pequenos clubes do bairro onde sua figura aparecia entre todos os
companheiros, pois estava fadado a ser um campeão. Quando em 1909 calçou pela primeira
vez uma chuteira, Fried havia superado de per si o A. B. C. da arte futebolística e
relativamente era a perfeição do jogador de futebol.
Neste ano, ainda adolescente, fez sua estréia no mundo esportivo da Paulicéia,
ingressando no 2º quadro do C.A. Ipiranga, então no saudoso tempo da Liga Paulista.
Cantou o “prólogo” de sua gloriosa carreira e o fez tão bem, que a sua permanência entre a
classe dos “secundários” foi tão efêmera que passou desapercebida. Friedenreich não se
estava “fazendo”, vinha “feito”. Na esquadra principal do Ipiranga começaram suas proezas
e depois no Mackenzie ocupou lugar de destaque no quadro principal, para logo mais, em
1911, tornar de novo no Ipiranga, onde por muito tempo se conservou. Em 1912 disputou
seu primeiro jogo contra uma turma estrangeira, e seu “batismo” em jogos de tal ordem foi
brilhante, tendo saído vencedor. No ano seguinte, exibiu-se pela primeira vez no
estrangeiro e em 1914 fez sua estréia em jogos entre selecionados paulistas e cariocas. Um
mês depois, “El Tigre” tornou-se “internacional”, enfrentando os ingleses. Em 1916 estreou
nos torneios sul-americanos e de volta abandonou seu clube, o Ipiranga, para passar ao
Paysandú, de efêmera existência, ingressando, em fins de 1917, no C. A. Paulistano, onde
até hoje é ainda o esteio. Tornou-se, pois, este ano, pela primeira [p. 59] vez, campeão da
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1
2. cidade; depois, em 1919, do Estado e Sul Americano; em 1920 campeão brasileiro e através
de tantas glórias e feitos, Fried veio a ser o “ídolo” do povo esportivo do Brasil.
“EL TIGRE”
A memorável jornada do certame sul-americano de 1919 não só escreveu a página
mais brilhante do nosso futebol, como fez atingir Fried aos píncaros da celebridade. Depois
do triunfo, a enorme massa de espectadores que haviam acompanhado a inesquecível peleja
final, manifestou-se em delírio de entusiasmo para com o autor do ponto da vitória. Arthur
então foi o homem d[o] dia, e a alma nacional vibrou em torno do seu nome. Os próprios
adversários reconheceram e admiraram-se de que Fried era mais que um campeão, era “El
Tigre”. De fato, não havia outra expressão capaz de julgar tão bem a classe de Arthur
Friedenreich.
O RECORDISTA DOS CAMPEÕES
Em 19 anos de atividade, “El Tigre” atingiu os mais altos postos que um campeão
pode desejar, nos mil e um encontros em que se empenhou: conheceu escolas e adversários
diferentes, no Brasil e no estrangeiro, outras tantas foram suas vitórias e feitos, e quando foi
vencido, sempre teve as honras de grande jogador.
Fried é o recordista dos recordistas dos jogadores nacionais, quer na carreira como
em número de jogos, de campeonatos conquistados e pontos feitos com[o] jogador regional,
interestadual e internacional.
Até o presente, Fried conta o seguinte “estado de serviço”:
Campeonato de S. Paulo. – Tomou parte em todos, desde 1909, tendo sido
campeão pelo Paulistano em 1918, 19 e 21 na Apea, e 1927-27 na Laf. É o jogador que
mais vezes foi recordista de pontos em uma temporada. Em 917, quando ainda no Ipiranga,
em seus jogos que disputou, fez 15 pontos. Em 1920, fez 26 e em 1921, 33. Deixamos de
citar outros recordes desta natureza, pois estamos certos teríamos que enumerar os pontos
de todos os campeonatos. Em 1917 fez 6 pontos num só jogo, proeza esta que só há pouco
foi igualada no campeonato paulista.
Campeonato do Estado. – Disputou os de 1919 e 21, tendo em ambos vencido e
feito a maioria dos pontos. O primeiro contra o Taubaté e o segundo contra o Paulista de
Jundiaí, vencendo respectivamente por 5 a 0 e 6 a 3.
Campeonatos Brasileiros. – Fried disputou até o presente quatro campeonatos
brasileiros (inclusive o de 1920 entre quadros, e de 1922, seleção do Centenário). Deixou
de tomar parte nos campeonatos de 1924 e 26 por diversos motivos. Nos quatro
campeonatos foi campeão de 1920, 22 e 23, tendo disputado 12 encontros e feito 18 pontos
assim discriminados: em 1920, 5, em 1922, 8, em 1923, 2 e em 1923, 3. Não sofreu derrota
alguma.
[p. 60]
Campeonatos Sul Americanos. – No grande certame continental tomou parte
quatro vezes, em 1916, 19, 22 e 25, sendo campeão em 1919 e 22. Disputou ao todo 13
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3. jogos e fez 8 pontos, contra duas derrotas apenas. Não tomou parte nos demais
campeonatos por diversos motivos.
FRIED NOS ENCOTROS S. PAULO – RIO
Merece especial referência a atuação do grande jogador no mais clássico encontro
do nosso futebol, isto é, o que se travou entre os selecionados paulistas e cariocas. Das 36
vezes que defrontaram-se [sic] os dois velhos rivais, Fried tomou parte 16 vezes, fazendo
um total de 26 pontos. Possui o recorde de tentos em um só jogo, 5, quando da vitória dos
paulistas em 1917, por 9 a 1. Conta somente duas derrotas, ambas em 1918 no Rio por 2 a 1
e 3 a 2.
“EL TIGRE” E SUA ATUAÇÃO CONTRA CLUBES E SELECIONADOS
ESTRANGEIROS
Bem cedo, após ter aparecido em nossos campos, Fried estreou contra jogadores
estrangeiros. Seu primeiro jogo e sua primeira vitória foram contra os argentinos em 1912;
venceu por 4 a 3 e depois foi vencido por 6 a 3. Marcou dois pontos. Em 1913, duas vezes
enfrentou os chilenos em São Paulo, sendo vencido por 1 a 0 e 2 a 1, fazendo parte da
seleção da Liga Paulista. Neste mesmo ano jogou pela primeira vez nos campos
estrangeiros, tendo feito parte de um combinado do Americano. Tomou parte em quatro
jogos, sendo dois em Buenos Aires, uma vitória e uma derrota, e dois em Montevidéu, 2
derrotas. Em 1914 enfrentou, como jogador, da Apea, 3 vezes os italianos do Pro Vercelli.
Empatou os primeiros 2 jogos por 1 a 1 e 2 a 2, tendo no último encontro feito os dois
pontos dos seus. No 3º encontro foi vencedor por 2 a 1, tendo feito o ponto da vitória do
nosso selecionado. No mesmo ano Fried conseguiu suas primeiras grandes vitórias
internacionais. Teve a incumbência de formar com Formiga a ala esquerda do quadro
nacional que triunfou sobre o Excer City por 2 a 0 e depois em Buenos Aires venceu por 1
a 0 a “Copa Roca” contra os argentinos. Antes deste último encontro, perdeu um jogo
contra um quadro local por 3 a 0 e venceu outro por 3 a 1. Em 1916 voltou a Buenos Aires,
ocupando a sua posição no quadro nacional que tomou parte no Sul Americano. Empatou
com os chilenos e argentinos, ambos por 1 a 1 e perdeu para os uruguaios por 2 a 1, tendo
feito o nosso ponto. Em 1917, Fried teve dois jogos de importância, tendo vencido o
combinado uruguaio por 2 a 1, um dos maiores triunfos do Paulistano, fez o 1º ponto.
Perdeu, dias depois, para o mesmo combinado por 5 a 1, jogando no centro da linha
atacante do selecionado paulista, fez o único ponto dos seus. O mesmo combinado uruguaio
voltou no ano seguinte, tendo Fried tomado parte em três jogos, sendo o primeiro no
selecionado brasileiro, perdeu por 1 a 0. O segundo atuou na linha média do combinado
Flamengo-América, perdeu por 2 a 0, ambas as vezes jogou no Rio. Em S. Paulo ocupou
seu posto na linha atacante do selecionado paulista, sendo os uruguaios derrotados [p. 61]
por 1 a 0. Não devemos esquecer que os orientais vieram ao Brasil com a divisa: Perder
para todos e ganhar dos paulistas.
No ano de 1919, Arthur tornou-se “El Tigre”. Abateu no Sul-Americano os chilenos
por 6 a 0, os argentinos por 3 a 1 e com os uruguaios empatou de 2 a 2, vencendo o
desempate por 1 a 0, cabendo-lhe a glória de marcar o ponto de triunfo. A perícia do grande
centro avante venceu os grandes arqueiros da classe de Guerreiro, Isola e Saporiti. Depois
desses feitos, só em 1922 o nosso futebol retornou à atividade internacional em nossos
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4. próprios campos. Disputava-se o campeonato sul-americano. Enfrentou chilenos e
uruguaios, obtendo em ambos um empate de 1 a 1 e 0 a 0, respectivamente. Teve, porém,
de se afastar do certame em conseqüência de uma lesão sofrida no primeiro jogo. Ainda não
restabelecido, jogou em S. Paulo, no Paulistano, contra o selecionado argentino, triunfando
por 4a 1.
Em 1923 enfrentou três vezes os uruguaios do Universal. Em S. Paulo, no quadro do
Paulistano, venceu por 4 a 2. Fez dois pontos. No combinado Paulistano-Palestra, empatou
de 3 a 3 e no Rio, no combinado Flamengo-Paulistano, perdeu por 4 a 2.
1925 foi o ano que Fried voltou a colher mais louros para sua carreira, com a
tournée do Paulistano à Europa, tornando-se a figura principal dos retumbantes triunfos.
Venceu em Paris o selecionado da França e o Stade Français. Marcou 3 pontos no primeiro
jogo. Em Cette sofreu a única derrota, [p. 62] 1 a 0. Em Bordéus venceu o Bastidienne por
4 a 0, sendo autor de 3 pontos. No Havre enfrentou o C. A. Havre, venceu por 2 a 1. Fez
um ponto. Em Strasburgo, contra o combinado local, colheu mais uma vitória por 2 a 1. Foi
autor de um ponto. Na Suíça, jogou em Berna e Zurique, obtendo duas vitórias, sobre o F.
C. Berne por 2 a 0, e um combinado por 1 a 0.
De volta à França, derrotou em Ruão o selecionado da Normandia por 3 a 2, tendo
conquistado um ponto. Em Lisboa disputou o último encontro na Europa, enfrentando um
combinado local. Venceu por 6 a 0. Fez dois pontos. A excursão, não só para Fried, como
também para todo o quadro, foi das mais brilhantes. Disputou 10 encontros contra
franceses, suíços e portugueses, conquistando ao todo 11 pontos. No mesmo ano Fried
disputou em Buenos Aires o campeonato sul-americano, jogando quatro encontros. Perdeu
e empatou com os argentinos (4x1 e 2x2) e venceu os paraguaios (5x2 e 3x1), fazendo um
total de 3 pontos. A última atuação de “El Tigre” contra os estrangeiros foi em 1926 por
ocasião da visita do quadro “amateurista” da Argentina. Ocupou as duas vezes o seu posto
no selecionado da Laf no jogo disputado em S. Paulo e no Rio. Em ambas as vezes esteve
excelente. Em São Paulo perdeu por 2 a 1. Fez o único ponto dos seus, ponto digno de um
grande mestre. No Rio foi o melhor dos jogadores em campo, merecendo altos elogios dos
próprios adversários.
Conta, pois, Fried, até ao presente, 50 jogos contra estrangeiros. Destes cinqüenta
encontros, 17 vezes foi “internacional”, número de vezes esse em que jogou no quadro
representativo do Brasil. Parece incrível que um campeão da talha de Fried, seja, após 19
anos de gloriosa carreira, tão poucas vezes “internacional”, quando em outro país onde o
futebol está ao par do nosso, qualquer jogador que tenha atingido ao máximo de seu valor,
torna-se tantas vezes “internacional” em mais curto espaço de tempo. Entretanto, Fried na
maioria das vezes, deixou de fazer parte, por diversos motivos, do nosso quadro máximo.
Mesmo assim Fried mantém o recorde de jogos e tentos marcados contra
estrangeiros, quer no Brasil, como em terras estranhas.
OS JOGOS INTERESTADUAIS
Fried conta 60 jogos interestaduais, quer como jogador do selecionado paulista,
como dos seus clubes que até hoje jogou. Contra os cariocas jogou o maior número de
vezes e sua maior derrota foi de 5 a 3, em 1915, no Ipiranga, contra o S. Cristóvão.
Sua maior vitória, porém, foi de 9 a 1, no jogo entre os selecionados realizado em S.
Paulo em 1917. Contra os outros Estados Fried enfrentou paranaenses, baianos[,] gaúchos,
mineiros e paraenses, contando com uma única derrota, quando do jogo selecionado
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4
5. paulista x Curitiba, em 1921, por 1 a 0. Sua maior vitória foi contra o selecionado mineiro,
em 1922, por 13 a 0.
A ATUAÇÃO DE “EL TIGRE” ATRAVÉS DAS ÉPOCAS
Ainda é muito cedo para se fazer uma crítica geral da atuação de Friedenreich. Ele
nasceu para jogar futebol, e não sabemos o que nos reserva durante o tempo que continuar
na ativa. Certo, porém, é que Arthur tem sido [p. 63] a personificação ideal do jogador
atacante. O tempo e a experiência contribuíram para chegar a tal perfeição. Antigamente,
todo o quadro jogava para ele. Sua atividade então aparecia em todos os setores do campo,
desenvolvendo ações diversas. Eram as fintas que faziam dele um artista e malabarista,
durante todo o jogo ou o ímpeto duma investida caprichosa que reunia em torno de si uma
defesa inteira. Sobravam-lhe as energias e oferecia ao público jogadas virtuosas e de rara
beleza. Enfim, Fried magnetizava a pelota, e o mesmo dava-se com os adversários e
público. O tempo encarregou-se de fazer dele, não o avante caprichoso que não media
tempo e permanência, fazendo “arte” desde sua área até o arco contrário, mas o
“catedrático” e o mestre dos mestres. Perdeu talvez o público as sensações de uma vez, mas
ganhou muito o quadro que conta com sua figura. Fried joga hoje para seus companheiros e
não pratica uma finta, um passe, ou não se desloca, a não ser que tenha a certeza de tirar
proveitos contra os adversários. Desenvolve tal atuação até a área contrária, e uma vez lá
chegado, então aparece, não só o técnico de hoje, como o “artista” e “virtuoso” de ontem.
Aí ele emprega todas as artimanhas das suas experiência e escola, ora provocando aquelas
situações desesperadas para uma defesa, ora registrando o raciocínio que, se o futebol fosse
deveras uma arte, dever-se-ia considerá-lo um “capo-lavoro”, tais a perfeição e a beleza
com que sabe obtê-lo nos momentos em que um chute ou uma entrada parecem
impossíveis. É que Fried então alia o arrojo e o ímpeto aos mais insuperáveis segredos que
jamais o futebol poderá ensinar, e quando proporciona a um seu companheiro uma ação,
pode-se considerar o ponto metade feito. É bastante lembrar o célebre passe a Filó, no jogo
Paulistano x Corinthians de 1925!
O MAIOR ELOGIO A UM CAMPEÃO
Poucas vezes temos lido elogios tão desinteressados como aqueles que “El Tigre”
recebeu após seus primeiros jogos na Europa. Fried foi julgado um dos maiores futebolistas
do universo e, convenhamos, os críticos apenas apreciaram o “trabalho” do valoroso
jogador frente a adversários contra os quais não foi preciso desenvolver todos os seus
grandes recursos. Está neste número o encontro fácil jogado contra o combinado francês,
sem contar o estado do campo, impróprio para uma partida técnica perfeita e ainda
estranhando o ambiente e o clima. Fried podia ter sido outro homem para os olhos dos
julgadores. Mesmo assim, o jornalista e crítico sueco Forsten Figner, velho lobo das coisas
futebolísticas, assim descreveu a figura de “El Tigre”:
“Friedenreich é o melhor centro avante que jamais vi”.
“L’Echo des Sport”, em seu número de 22 de março de 1925, estampando a
fotografia de Friedenreich, escreveu:
“Friedenreich, le fameux avant, centre de l’équipe brésilienne.”
Em seguida acrescentou:
“EL TIGRE”
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6. “les facultés indéniables de l’avant centre Friedenreich, que pour son premier
match em France s’est montré digne de la réputation qu’il a acquise em Amérique du
Sud.”
O “Sporting”, de Paris, deixa transparecer o seu entusiasmo por “El Tigre”, nestas
palavras:
[p. 64] “Friedenreich arremessa rápida e habilmente, mas, sobretudo ele faz os
outros jogarem com ele. Os passes curtos e trocados rapidamente deixaram os nossos
defensores vencidos, sem ao menos poder tocar na bola...”
O grande orgão francês “Trés Sport”, estampou uma fotografia de Friedenreich
fintando a defesa contrária, no jogo Paulistano-Stade, com esta legenda:
“Friedenreich, o centro avante da turma do Brasil, é um homem de grande
valor, o seu jogo, todo de ciência e de finura, é um deleite para se ver.”
Não foi, entretanto, só da Europa que Fried recebeu desinteressados elogios, com[o]
também em Buenos Aires, quando do campeonato continental de 1925.
Vejamos a opinião do “Sporting”:
“O centro avante paulista, bem conhecido por nossos aficionados por ter
atuado em nosso país no campeonato sul-americano de 1916, apenas começado o
encontro deu mostras de encontrar-se como em seus melhores dias.
Indiscutivelmente este diretor da linha de ataque é um homem de grandes
recursos. Conhece seus companheiros de quadro, seu passe é matemático e seu tiro
contra o arco, sobre ser dos mais potentes, é perigoso por sua direção e rápida
trajetória.
O jogo deste grande avante nos faz recordar o jogo do grande mestre Harry
Hayes”.
IMPRESSÕES DO JUIZ PADDY
Friedenreich, em Buenos Aires, ainda é considerado o mais perfeito centro-avante
do continente. O acatado juiz argentino, sr. Paddy Mac Carty, declarou nunca ter visto
jogador tão hábil quanto El-Tigre!
A ETERNA VÍTIMA
Se Friedenreich não tivesse mudado um tanto seu modo de atuar, talvez [p. 65]
desde muito que teria sido inutilizado para sempre. Isso não somente devido às más
intenções de muitos dos seus adversários, como em conseqüência de sua audácia e felina
agilidade. É verdade também que as contusões e acidentes que tem sofrido em várias
ocasiões não são poucas. Talvez ainda neste gênero, Fried é recordista.
Seu primeiro ferimento grave foi na memorável jornada do Exter City em 1914, que
lhe custou vários dentes partidos e outros ferimentos na face. Em jogos do campeonato
paulista, muitas vezes foi violentamente “chargeado” propositalmente. Em 1920 teve um
dos braços deslocados num treino Rio x S. Paulo, e em 1922, um zagueiro chileno quase
pôs termo à sua carreira. Não fosse ele bem cuidadoso, e Mutis, zagueiro argentino,
também o teria “tungado” definitivamente quando do último jogo do campeonato
continental de 1925. De uns tempos para cá é que tem parado os acidentes. É que “El
Tigre” sabe o que faz...
“EL TIGRE”
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7. “FRIEDENREICH EM DECADÊNCIA”...
Quantas vezes foi escrita esta frase? Muitas, e outras tantas vezes foi desmentida. É
preciso, porém, frisar que tal lenda partiu sempre da imprensa guanabarina, resultado da
interminável luta bairrista entre paulistas e cariocas. Neste ponto, Fried tem sido muito
visado. Foi em 1922, por ocasião do Sul Americano que se disputava no Rio, que “El
Tigre” quase inutilizado e adoentado desde do primeiro jogo, ainda jogou contra os
uruguaios com esforços. Uma demorada vitória do nosso quadro nacional até então fez
explodir uma forte campanha contra os jogadores paulistas, campanha que não foi outra
coisa senão uma obra derrotista. Apontaram o grande centro avante como um dos
causadores da ineficiência do quadro e chegaram a dizer dele que “deveria ser recolhido ao
museu com direito a uma pensão”. Arthur não se abalou ante tamanha batalha. Pouco
depois estava outra vez em forma, e em 1923 disputava o campeonato brasileiro com
grande atuação.
Veio depois a excursão à Europa, e os mesmos “críticos” de 1922 cantaram as
proezas de Friedenreich como nunca: ele era ainda o “primus inter pares dos jogadores
brasileiros”. Havia assombrado!
Depois do regresso triunfal da Europa, Fried fez sua “reentrée” nos campos cariocas
no jogo Paulistano x Fluminense. Ou porque não agradou neste dia, ou por outro motivo,
criticaram sem piedade sua atuação. Chegaram a afirmar que foi a figura mais apagada do
grupo e por conseguinte “estava em completa decadência”. Um crítico até lhe dedicou um
suelto especial, que mais parecia uma nota necrológica da sua vida esportiva. Poucos meses
depois, Fried ainda voltou ao Rio para disputar com os paraenses a semi final do
campeonato nacional que, como é sabido, foi a época em que mais alto grau atingiram as
polêmicas entre a imprensa das duas capitais. Embora vitoriosos, os paulistas receberam
dos jornais cariocas os mais duros comentários e um deles, em títulos garrafais, disse que
Fried era um “Tigre de cromo”, e outros epítetos de igual quilate. Voltou ao Rio no
domingo seguinte para disputar a final com os cariocas, que terminou [p. 66] com um
empate. No entusiasmo do resultado, a maioria dos cronistas da Guanabara viram a
inferioridade dos adversários e portanto Fried foi o principal atingido. Disseram tanto dele,
que em S. Paulo se acreditou deveras na necessidade de substituí-lo. Não anunciaram este
propósito oficialmente, mas Fried compreendeu a situação e escusou-se de seguir
novamente para o Rio. Depois da derrota dos paulistas é que foi notado o lamentável erro
da substituição e da armadilha preparada.
Foi o maior “bluff” que até hoje nos pregou a imprensa carioca! Mas, diz o rifão:
Não há nada como um dia depois do outro.
Um mês depois, a própria imprensa da Capital Federal clamava pela inclusão
indispensável de “El Tigre” no quadro nacional que devia seguir para Buenos Aires
disputar o campeonato sul americano de 1925 e Fried mais uma vez mostrou que a sua
decadência eram apenas balelas. Recebeu os mais rasgados elogios da imprensa portenha e
foi considerado o melhor centro avante do certame e os próprios cronistas cariocas que
tantas vezes haviam decretado sua aposentadoria, renderam-lhe de novo as devidas
homenagens e para confirmá-los basta que se diga que quando do jogo lafeanos x
amateuristas, no Rio, foi taxado como o melhor dos 22 jogadores em campo. Isto, em 1926,
quatro anos após a primeira vez que os cronistas cariocas escreveram que Friedenreich era
decadente para sempre.
“EL TIGRE”
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8. Em S. Paulo nunca se pensou seriamente em sua decadência, isso porque se sabe
que quando “El Tigre” falha um jogo, dias após brilha em toda a linha, no outro e daí
ninguém ousa afirmar um juízo a seu respeito para estar sujeito a um desmentido próprio.
Porém, desde 10 anos que com intervalos descobrem “um homem que vai substituir
Friedenreich”, talvez tem surgido uma dezenas (sic) de esperanças com esta etiqueta. Uns
têm revelado só qualidades efêmeras e depois desaparecidos entre os nomes mais evidentes,
outros de fato chegaram a [p. 67] conquistar feitos para o nosso futebol, mas é certo que
ainda não vimos até hoje um jogador, quer nacional como estrangeiro, que tenha as
habilidades e “virtuosidades” do grande centro avante, em sua posição.
UMA TRINDADE INESQUECÍVEL
Quando se escreve de Friedenreich, não se pode deixar de mencionar a trindade –
Formiga, Neco e Mario Andrada. Eles ocuparam na história esportiva do grande jogador,
um capítulo especial. Com Formiga, Fried iniciou ao seu lado sua carreira e colheu seus
primeiros triunfos. Iniciaram ambos uma escola que foi de toda agilidade e estilo especial
que então era ainda desconhecida e praticada segundo ensinaram os que aqui implantaram o
futebol. Pode-se dizer que com eles nasceram os característicos que mais tarde elevaram o
futebol brasileiro. Formiga e Fried foram inseparáveis e quis o destino que mais tarde,
depois de consagrados, voltassem ainda a jogar num mesmo quadro. Com Néco, Fried
tornou “El Tigre”, sendo [p. 68] indispensáveis um ao lado do outro em todos os quadros
representativos.
Com o campeão corinthiano Fried alcançou a sua celebridade. Foram e são a técnica
insuperável, capaz de fundir numa só peça um ataque.
Mario de Andrada também ocupou lugar de destaque ao lado de Fried.
Conseguiram, no Paulistano, desenvolver um método de jogo que em Portugal, quando da
excursão à Europa, chamaram-no de “um tratado”. Foram ambos que aperfeiçoaram o
conhecido jogo de “costura”, na verdadeira acepção da técnica. Formiga, Neco e Mario
Andrada foram com Fried os mais perfeitos jogadores em suas respectivas posições, do
Brasil, entretanto poucas vezes foram colocados todos juntos no selecionado paulista, e
nenhuma vez no quadro nacional!
UM EXEMPLO VIVO DE ESPORTISTA
Arthur Friedenreich não é como muitos campeões célebres do esporte, cujos méritos
são reconhecidos apenas no terreno das competições. Não merece ele somente honras por
saber bem chutar uma pelota, e ser um campeão. Muito mais, deve-se reconhecer pelas suas
qualidades de esportista e cavalheiro. Nunca foi acusado de proceder sem deslizes onde
quer que fosse. Foi sempre disciplinado ao extremo, quer no campo, como fora dele, e se
alguma vez reagiu no calor da luta, fê-lo com justiça. Quem não sabe que em diversas
ocasiões um ou outro adversário pisou o gramado disposto a inutilizá-lo, sob promessas de
recompensas, ou por espírito de combatividade?
Reagiu em um campo estrangeiro, quando do último jogo do Campeonato Sul
Americano contra um jogador mal intencionado, e os próprios adversários acharam seu ato
inevitável.
Fried podia ter explorado sua fama e suas habilidades, mas nunca deu que falar, a
não ser como futebolista que fez se honrar por seus esforços em campo. Há 10 anos que se
“EL TIGRE”
8
9. fixou no seu atual grêmio e jamais teve intenções de abandoná-lo. Foi tentado para se tornar
profissional de pelota, num dos nossos Frontões (não é só campeão de futebol), e não quis
abandonar o futebol. Quando o futebol paulista entrou no estado atual, ofereceram-lhe uma
forte recompensa para mudar de camisa, recompensa esta que lhe proporcionaria o lucro de
muitos anos de trabalho diário (perdoe-nos Fried esta revelação, que aliás só deixa em
evidência sua modéstia!) mas limitou-se a um: Não. Ele podia seguir o exemplo de muitos
futebolistas, vítimas da degeneração do profissionalismo mascarado que impera em toda a
parte, mas “El Tigre” nasceu para jogar futebol e não para viver dele. Nunca se ufanou de
seus méritos e a vaidade poucas vezes o venceu efetivamente, seus companheiros de clube,
ou selecionados, salvo alguma vez, de improviso. A modéstia fez dele uma virtude. Não
gosta que se lhe façam elogios de suas glórias, nem faz de suas habilidades um ideal ou um
exemplo. Basta frisar que nunca fez se acompanhar a um campo de futebol por [p. 69] seu
primogênito, o galante menino Oscar, que conta com nove anos de idade. É que Fried não
quer talvez que seu filho siga a sua carreira. Ele bem sabe quantos sacrifícios e
contratempos pode sofrer um campeão, mesmo que este seja muitas vezes glorificado como
Friedenreich. Aliás, se “El Tigre” não abandonou ainda o seu esporte predileto, deve-se ao
amor por seu progenitor, a quem gosta de proporcionar uma boa partida e receber, no fim
do jogo, suas bênçãos.
Arthur Friedenreich não é só o protótipo do futebolista brasileiro, o é também do
esportista cavalheiro, e seu exemplo deve ser seguido pelos futebolistas moços que
procurarão no esporte um seu ideal e a grandeza da nossa pátria.
Nota da transcrição:
1. Legenda das imagens:
- p. 57: FRIED, quando do Sul-Americano de 1922
- p. 58: O grande mestre, em sua pose preferida
- p. 61: Como o lápis de Tiburcio imaginou “EL TIGRE”
- p. 64: O célebre “pé de ouro” de Fried, quando do Sul-Americano de 1919, fotografado após a
memorável vitória
- p. 66: FRIED, caricatura de Rasmussen
- p. 67: ARTHUR FRIEDENREICH (...) por ocasião do festival em sua homenagem promovido pela
L A F.
- p. 69: FRIED em ação contra os uruguaios, no jogo final do Sul Americano de 1919, que tanto o
celebrizou
“EL TIGRE”
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10. fixou no seu atual grêmio e jamais teve intenções de abandoná-lo. Foi tentado para se tornar
profissional de pelota, num dos nossos Frontões (não é só campeão de futebol), e não quis
abandonar o futebol. Quando o futebol paulista entrou no estado atual, ofereceram-lhe uma
forte recompensa para mudar de camisa, recompensa esta que lhe proporcionaria o lucro de
muitos anos de trabalho diário (perdoe-nos Fried esta revelação, que aliás só deixa em
evidência sua modéstia!) mas limitou-se a um: Não. Ele podia seguir o exemplo de muitos
futebolistas, vítimas da degeneração do profissionalismo mascarado que impera em toda a
parte, mas “El Tigre” nasceu para jogar futebol e não para viver dele. Nunca se ufanou de
seus méritos e a vaidade poucas vezes o venceu efetivamente, seus companheiros de clube,
ou selecionados, salvo alguma vez, de improviso. A modéstia fez dele uma virtude. Não
gosta que se lhe façam elogios de suas glórias, nem faz de suas habilidades um ideal ou um
exemplo. Basta frisar que nunca fez se acompanhar a um campo de futebol por [p. 69] seu
primogênito, o galante menino Oscar, que conta com nove anos de idade. É que Fried não
quer talvez que seu filho siga a sua carreira. Ele bem sabe quantos sacrifícios e
contratempos pode sofrer um campeão, mesmo que este seja muitas vezes glorificado como
Friedenreich. Aliás, se “El Tigre” não abandonou ainda o seu esporte predileto, deve-se ao
amor por seu progenitor, a quem gosta de proporcionar uma boa partida e receber, no fim
do jogo, suas bênçãos.
Arthur Friedenreich não é só o protótipo do futebolista brasileiro, o é também do
esportista cavalheiro, e seu exemplo deve ser seguido pelos futebolistas moços que
procurarão no esporte um seu ideal e a grandeza da nossa pátria.
Nota da transcrição:
1. Legenda das imagens:
- p. 57: FRIED, quando do Sul-Americano de 1922
- p. 58: O grande mestre, em sua pose preferida
- p. 61: Como o lápis de Tiburcio imaginou “EL TIGRE”
- p. 64: O célebre “pé de ouro” de Fried, quando do Sul-Americano de 1919, fotografado após a
memorável vitória
- p. 66: FRIED, caricatura de Rasmussen
- p. 67: ARTHUR FRIEDENREICH (...) por ocasião do festival em sua homenagem promovido pela
L A F.
- p. 69: FRIED em ação contra os uruguaios, no jogo final do Sul Americano de 1919, que tanto o
celebrizou
“EL TIGRE”
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