1. Projeto Editorial I Publishing Editor
Isabella Perrotta
Marta Mosley
Texto I Text
Isabella Perrotta
Victor Burton
Revisão de texto I Proofreading
Fátima Fadel
Versão em inglês I English Version
Sérgio Moraes
Projeto Gráfico I Design
Isabella Perrotta
Capa I Cover
Giuseppe Arcimboldo, Il Bibliotecario, s.d.
Impressão e Acabamento I Printing and Binding
Pancrom Gráfica
VIANA & MOSLEY
Editora
Av. Ataulfo de Paiva, 1.079/ sala 704
Leblon - Rio de Janeiro, CEP: 22440-031
Tel./Fax: (21) 2540-8571
Diretor Comercial: Richard Mosley
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www.vmeditora.com.br
2. Sumário
Contents
Introdução 13
Paixão por livros 17
O livro no Brasil 27
O estilo burtoniano 37
Introduction 55
A Passion for books 59
The book in Brazil 69
The Burtonian style 79
A autora | The author 117
3.
4.
5. P. 4 – ilustração de Victor Burton e
p. 5 – ilustração de Michel Burton, seu pai.
p.4 – An illustration by Victor Burton, and p.5 – An
illustration by Michel Burton, Victor’s father
Ps. 6 e 7, 8 e 9, acima e ao lado:
livro-catálogo da exposição A escrita da memória,
Instituto Cultural Banco Santos, 2004.
A capa em plástico translúcido, deixa transparecer
foto da folha de rosto.
pp. 6 and 7, 8 and 9, above and on the side:
catalog of the exhibit A escrita da memória,
Instituto Cultural Banco de Santos, 2004. The cover,
in translucent plastic material, allows the reader to
see the photograph on the front page.
6. Uma de suas paixões – a gastronomia –
em livro.
Pães de França, DBA, 1996
One of his passions – gastronomy – in
a book.
Introdução
Victor Burton é uma presença marcante. Grande, barba farta,
(aparentemente) sério, vozeirão, eloqüente, altivo, vaidoso, sem modéstia...
De repente se desmancha numa (muito!) sonora gargalhada. É veemente em
suas declarações, especialmente quando se refere a gosto. Adora ou detesta
com muita ênfase. Por isso, a primeira versão do texto deste livro – que
partiu de uma conversa nossa gravada – era cheia de pontos de exclamação
e entrecortada por um excesso de aspas para os fortes adjetivos que usou.
Para dar mais continuidade à leitura, foi necessário suprimir algumas dessas
marcas, mas espero que o estilo burtoniano de ser ainda tenha ficado aparente.
Este livro propõe-se examinar a obra gráfica de Burton, mas cabe dizer que
seu trabalho está diretamente ligado ao seu etilo de vida. Todo profissional
interage a sua formação técnica com a vivência do seu dia-a-dia. No caso de
um designer gráfico essa vivência vai formando o conjunto de elementos de
seu repertório visual e sensível. Um designer também se faz pelos filmes que
vê, os livros que lê, os museus que visita, os shows a que assiste (no caso de
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7. Victor Burton, as óperas, mais especificamente). É essa história que faz o
profissional identificar-se com os nichos de mercado: imagem institucional,
catálogos de moda, disco de rock ou programas de música clássica. É claro
que um designer está capacitado a fazer hoje um logotipo de uma
metalúrgica e amanhã um livro infantil, mas no nicho com que se identifica,
certamente vai desenvolver melhores produtos. Victor está sempre rodeado
de trabalhos que envolvem seus temas favoritos: história, arte, música e
gastronomia. E sempre traz as referências daquilo que gosta – principalmente
história da arte – para o seu trabalho, qualquer que seja a temática.
Conheci o trabalho de Victor Burton, recém-formada, na exposição de suas
capas de livros na ESDI (Escola Superior de
Desenho Industrial), em 1983. Logo depois,
uma amiga passou a trabalhar com ele e,
vez ou outra, eu fazia uma colaboração.
Esse contato mudou meu modo de ver o
design gráfico, contaminado que era pela
formação esdiana ainda bastante
racionalista. Por um ano ocupei o lugar de
sua assistente, deixado por minha amiga,
até montar meu primeiro escritório, onde
ainda fiz eventuais colaborações nos seus
trabalhos. Passados alguns anos, formamos
a Burton & Perrotta Criação Visual, já
desfeita há mais de dez anos.
A convite da Editora Viana & Mosley, foi O cartaz da exposição na Esdi, em 1983, é
símbolo do seu trabalho na época, com
um prazer conviver, de novo, tão de perto, colagens e vinhetas do século 19.
Parigi, DBA, 2002: gastronomia combina com elegância.
The poster advertising the 1983 Esdi Exhibit
com o seu trabalho. is a symbol of his work at the time, with
Parigi, DBA, 2002: gastronomy matches elegance.
collages and vignetes of the 19th century.
14 V ICTOR B URTON
8. Paixão por livros
“Nós somos os países do livro feio. Do livro malfeito. Do
livro incaracterístico”, afirmava em 1925 o antropólogo Gilberto Freire,
referindo-se às produções brasileiras e portuguesas quando comparadas
com o movimento de renovação do livro que acontecia, na época, em parte
da Europa e Estados Unidos, e atingia a estética tipográfica e os meios de
impressão e encadernação. Ainda no mesmo artigo do Diário de
Pernambuco, Freire continua: “O Sr. Monteiro Lobato conseguiu animar de
certa nota de graça o livro brasileiro. Mas ligeiríssima graça. Livro belo, não
saiu nenhum de suas mãos ou de seus prelos.”1
Monteiro Lobato foi um editor modernizador do meio editorial brasileiro
durante o período de 1919 a 1925, e o primeiro a romper com o modelo
vigente de capas apenas tipográficas, produzindo capas ilustradas.
Trabalhava em parceria com Natal Daiuto, um dos primeiros profissionais
brasileiros a ser chamado de “produtor gráfico”.
Uma margem distante, Record, 2006. 1. apud Cunha Lima, Edna Lúcia. “Santa Rosa: um designer a serviço da literatura” in O design brasileiro antes do design. Cosacnaify, 2005.
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9. É verdade que ainda hoje, ao abrirmos a grande maioria dos livros brasileiros Victor Burton é filho do francês Michel
em brochura (com capa de papel encorpado, mas flexível), nos deparamos Burton, formado no fim da década de
com textos sufocados por falta de margens e entrelinhas, e métodos de 1940, pela escola de Arts et Métiers de
impressão ultrapassados que provocam borrões e tornam o desenho Genebra. Herdeira do movimento Arts and
tipográfico impreciso. Mas, sem dúvida, o mercado editorial brasileiro Crafts, a escola fornecia habilidades
evoluiu muito. A capa, principalmente, ganhou papel merecido, e grande artesanais e artísticas diversas, passando
parte da nossa produção poderia estar nas prateleiras das boas livrarias pelas técnicas de belas-artes e as aplicadas,
estrangeiras. como encadernação, vitral e desenho
Passado o marco de criação de duas mil capas e duzentos projetos de miolo tipográfico. Michel veio morar no Rio de
de livros, Victor Burton – unanimidade entre editores e designers – teve, sem Janeiro em 1950, e logo começou a
dúvida, uma grande responsabilidade sobre esta evolução recente. Ainda trabalhar em diversos campos das artes
bem jovem, quando iniciou a atividade de capista2 na Editora Nova visuais, preenchendo carências da cidade,
Fronteira, em 1979, ele não poderia supor o lastro que firmava e os numa época em que a publicidade
caminhos que abriria para seus pares. Criou uma marca para a editora, na brasileira apenas ensaiava seus primeiros
contramão do que na época seria considerado “bom design”, tanto pelos passos. Fez capas para a revista Rio
intelectuais como pelos formadores de opinião. Fez a concorrência se mexer Magazine, charges e ilustrações para a
e teve que se mexer em função da concorrência. Hoje, meio blasé, diz que imprensa; foi diretor de arte da famosa
largaria tudo o que faz para tocar um instrumento… Violino, de preferência. revista Senhor (na gestão de Odílo Costa
Então, seria um artista, pois ele insiste em dizer que o trabalho do designer Filho), passou pelas agências McCann e
não é arte. Ainda que adolescente tenha pensado – por pouco tempo – em Thompson e, numa época pré-design,
ser artista plástico... chegou a produzir trabalhos institucionais,
Na verdade, Victor nunca imaginou ser designer (no sentido latu). Tornou-se como o primeiro logotipo da empresa
designer em função da sua paixão pelos livros e da conseqüente vontade de aérea Varig, incluindo o desenho de sua Capas de Michel Burton para a revista
Senhor. O uso de ornamentos tipográficos
fazer livros. Por essa razão, não freqüentou nenhuma escola de design. Mas tipografia e da rosa-dos-ventos. como linguagem estética aparecerá mais
tarde, no trabalho de Victor.
sua formação erudita impregnou o seu estilo. Victor nunca trabalhou com o pai, mas Michel Burton’s covers for Senhor
magazine. The use of typographic
Michel Burton – com seu background ornaments as an aesthetic language would
cultural, seu senso estético e seu traço later appear in Victor’s works.
2. O termo capista foi usado durante muito tempo para designar os especialistas nesta área. Hoje em dia, com a atividade de design
estabelecida, muito se critica sobre o uso deste termo, reducionista. Para Victor, não existem problemas quanto ao uso desta
nomenclatura, pois para ele, o mercado legitima o termo.
18 V ICTOR B URTON V ICTOR B URTON 19
10. ocasionais. E o fruto proibido virou
fascinação.
Victor chama a atenção para o fato de o
bibliófilo francês não desejar tanto as
primeiras edições, mas sim os livros
encomendados. A “tara”, segundo ele,
são edições de no máximo duzentos volumes,
desenvolvidas artesanalmente por artistas
plásticos e tipógrafos. Livros mais importantes
pela sua beleza do que por seu conteúdo.
“Verdadeiros objetos de fetiche estético.”
Em outros trabalhos de Michel Burton, elementos que Victor herdaria: o sol e as vinhetas. Seguindo o desejo de fazer livros, Victor
Elements in other Michel Burton works that Victor would inherit: the sun and the vignettes. desenvolveu suas três primeiras capas para a
editora Il Formichiere, em Milão, em 1976. “O
peculiar – foi, sem dúvida, a principal formação e referência do filho, que
lettering era Letraset e eu não cogitava usar
admirava o trabalho do pai, principalmente o desenho e a ilustração. Victor
qualquer outra coisa que não fosse a minha
recorda-se que o ambiente de casa era “totalmente contaminado por ele”,
ilustração”.
dos quadros na parede às prosaicas cenas do cotidiano do Rio de Janeiro
Aos 19 anos, começou a trabalhar na Editora
pintadas nas portas.
Franco Maria Ricci, de Milão. “Ricci era o
Em 1963, Michel Burton volta para a Europa – Milão – com a esposa Maria
máximo do máximo! Ele fazia livros
Helena e o filho Victor, brasileiros. A Europa seria a grande responsável pelas
referências de história da arte que o futuro capista apreenderia; mas, aos fantásticos e eu queria fazer aqueles livros.”
sete anos, o contraste entre as duas cidades foi difícil, e só quando Com esse editor – que também era diretor de
adolescente passou a gostar de Milão – um importante centro de artes arte de sua própria editora – aprendeu a
plásticas e design, com excelentes galerias de arte. técnica e a prática do design editorial. As
Foi ainda em Milão que Victor passou a cultivar uma forte atração pelos referências estéticas de Ricci também
livros, em função da biblioteca de seu pai – herança de uma biblioteca maior contribuíram para a formação do estilo Duas, das primeiras capas de Victor, para
a editora Il Formichiere, Itália, anos 1970.
que pertencera ao avô e ao bisavô, ambos bibliófilos. A biblioteca estava burtoniano. Segundo Victor, o estilo de Ricci – Two of the first covers designed by Victor
for the Il Formichiere editorial house,
quase sempre fechada. Enquanto criança, lhe eram permitidas visitas que parecia ser clássico – era, na verdade, Italy, in the 1970s.
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11. Primeiras capas de Victor Burton um livro levava aproximadamente três anos para ser finalizado.
sob a direção de arte de Franco
Maria Ricci, com ilustrações suas. “Franco me fascinava por ser totalmente diferente de tudo que se fazia na
First covers designed by Victor
Burton under the art direction of Itália naquele momento”, diz Victor, lembrando que existia uma ligação
Franco Maria Ricci, with Victor’s
illustrations.
direta entre a estética modernista e o pensamento da esquerda politizada.
Apesar de ser apolítico, Ricci era contra o movimento que pregava um estilo
totalmente revolucionário internacional, sem pátria. Ao contrário, tentava ressuscitar na tipografia e no
para uma época em que ornamento a geografia e a história.
os modelos estéticos
italianos eram o
modernismo, o As referências clássicas de diagramação,
racionalismo do designer como o Manual Tipográfico de Bodoni (no
detalhe), foram incorporadas por Victor.
Bruno Munari e a The classical diagrammatic references, such
as Bodoni’s Typographic Manual (in detail),
tipografia Helvética (reta e sem serifa). Na Franco Maria Ricci, a tipografia were assimilated by Victor.
era muito importante, e o editor, fortemente ligado à tradição tipográfica
européia. Por isso, publicou o fac-símile do famoso Manual Tipográfico de
Bodoni. O tipo Bodoni (1788) era a “letra da moda”, muito utilizada nos
cartazes italianos dos anos 1970, pois sua construção geométrica (serifas
rígidas e grande contraste de espessuras) se aliava muito bem a uma leitura
modernista. Mas Ricci a usava como padrão para a mancha de texto na editora,
o que não era um modelo modernista, que preferia os textos sem serifas.
A fotocomposição de texto dos livros da FMR era encomendada às empresas
especializadas, mas todas as titulagens eram compostas na editora, com as
matrizes que o próprio Franco tinha fotografado no Museu Bodoni, de Parma.
Poder gerar a fotoletra permitia bastante controle aos espacejamentos entre
letras e ligaturas (união de duas letras num mesmo caracter).
Uma prova de uma folha de rosto era presa na parede e observada a dois
metros de distância, inúmeras vezes, até ser considerada resolvida. Então,
22 V ICTOR B URTON
12. No miolo, o fio duplo de Bodoni, e um Na capa, uma rebuscada frisa é capaz de se tornar
pequeno adorno que faz muita diferença. leve na composição que mistura fotos, vinheta e
Na capa, a moldura trabalhada. ilustração. No miolo, a mancha de texto é amarrada
Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX, por outra frisa.
Matalivros, 2000. A Missão francesa, Sextante, 2003.
Inside the book, Bodoni’s double thread, and a A recherché frieze on the cover appears light in this
small ornament, which makes a striking composition, which mingles photos, vignettes, and
difference. On the cover, an ornated border. an illustration. Inside, the text blur is tied by
Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX, another frieze. A missão francesa, Sextante, 2003.
Metalivros, 2000.