O artigo discute os riscos da produção de peixes e camarões em caixas d'água, destacando que aquicultura requer escala e não é um hobby. Apesar de alertas, continua crescendo o número de pessoas interessadas nessa prática inviável comercialmente. O autor defende o esclarecimento sobre a realidade econômica da aquicultura para evitar falsas esperanças.
Os riscos da aquicultura caseira e a necessidade de escala no setor
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JAN/FEV2019
Em 2019, a cada minuto 4,5 milhões de vídeos são vi-
sualizados no YouTube, 18,1 milhões de textos são en-
viados pelo WhatsApp e 188 milhões de e-mails são enviados
(dados da Visual Capitalist). Que velocidade de comunicação e
disseminação de informações! E as notícias aquícolas, de caro-
na nessa incrível transformação, chegam cada vez mais rápido
aos interessados, como você, caro leitor. Falando nisso, quem
nunca viu ou leu a respeito da criação de peixes ou camarões
em caixas d´água? Notícias boas e ruins, fake news ou informa-
ções técnicas relevantes? Eis a questão.
A coluna “Atualidades e tendências da aquicultura”, do grande
Fábio Sussel, publicada na 6ª edição de nossa revista impressa
(e online em 30/07/17) é, até hoje, um dos maiores sucessos
do portal Aquaculture Brasil. Somente nos últimos 12 meses,
foram 11.546 visualizações (dados estatísticos do Google Analy-
tics), ficando em segundo lugar neste período entre as páginas
mais acessadas da AB. O título da coluna em questão: “Criação
de peixes em caixas d’água – nova moda entre os iniciantes”.
Apesar de, diariamente, quase 32 pessoas lerem o arti-
go supracitado nos últimos 12 meses, fico impressionado, e
igualmente decepcionado, como também cresce o número de
interessados em fazer exatamente o que o Sussel não reco-
mendou! “Dá para produzir em caixas de 1.000 L? Não! Co-
mercialmente falando não. Engana-se quem começa a procurar
informações sobre esta técnica de cultivo achando que conse-
guirá renda com poucas caixas de mil litros” (Sussel, 2017).
É preciso destacar a irresponsabilidade das pessoas que di-
vulgam este tipo de informação. Nem em caixa d’água, nem
atrás de casa ou do sítio! Aquicultura não é hobby, é negócio,
e necessita de escala. Sistemas de recirculação aquícola e de
bioflocos (antagônicos no conceito produtivo, mas similares em
produtividade, tratamento e reutilização de água, biossegurida-
de, além do alto custo de produção), simplesmente são inviáveis
em pequenos módulos!
Por exemplo, com 350 mil reais, você consegue construir
cerca de 1.400 m³ de um sistema de bioflocos para camarões
marinhos. Vamos supor que você produza 3 kg/m³/ciclo e faça
três ciclos por ano. A produção anual será de 12.600 kg de ca-
marões marinhos. Nada mal!... Será???... Preço de venda “pés
no chão”, vamos considerar que você comercializou a produ-
ção, em média, por R$ 20,00/kg. Temos um faturamento bruto
anual de 252 mil reais. Cuidado com os números distantes des-
tes acima que são facilmente produzidos no WhattsApp. Como
existem especialistas em bioflocos nas mídias sociais... lá se con-
segue 5-6 kg/m3
/ciclo fácil fácil...
A produção e faturamento descritos são muito pequenos para
um negócio aquícola intensivo, que alia alta produtividade e tecnifi-
cação, monitoramento constante (e os custos inerentes a isto), além
dos altos riscos. O custo fixo, especialmente relativo à mão de obra,
vai falir o projeto hipotético acima. Para qualquer projeto comercial,
inclusive o que estamos superficialmente discutindo, precisamos de,
no mínimo, três funcionários fixos. Salário médio de R$ 1.500,00/
mês + encargos sociais, o custo com mão de obra chegará perto
dos R$ 100 mil anuais! Estou considerando que um destes funcioná-
rios terá que trabalhar todas as noites, incluindo as madrugadas dos
finais de semana e feriados, onde justamente a maioria dos proble-
mas acontecem. Dividindo R$ 100.000,00/12.600 kg = R$ 7,94
de custo de mão de obra/kg de camarão.
Ainda nem falamos dos custos da ração ou energia elétrica, estes
sim, talvez os principais itens de despesa de uma carcinicultura supe-
rintensiva. Mas nem é preciso “destrinchar” estes valores, o prejuízo
do modelo hipotético acima é certo. Um projeto de 1.400 m³ não
é viável nem aqui nem na China... e o custo fixo demonstra isso!
Lembro há 15-20 anos atrás, quando surgiram boa parte das
fazendas de carcinicultura marinha que hoje ainda existem no
Brasil. Em Santa Catarina, o tamanho médio das fazendas cons-
truídas foi de 14 ha. Com preço médio de R$ 50.000,00/ha
para a construção, eram montantes ao redor de R$ 700.000,00
para implantar cada fazenda... isso há 20 anos atrás... Na época,
só grandes investidores, empresários, ou produtores rurais que
obtinham crédito via BNDES, conseguiam construir estes em-
preendimentos vultosos... eu como estudante de graduação em
Engenharia de Aquicultura e mesmo depois de recém-formado,
o máximo que sonhava era em poder assessorar tecnicamente
as melhores fazendas da região. Era intangível para nós, simples
mortais, sermos proprietários destes projetos imponentes e lu-
crativos. Era coisa para rico!
Hoje em dia, estamos falando em um sistema de produção
muito mais complexo, vários passos a frente do descrito no
parágrafo anterior. Fazendas que requerem substancial conhe-
cimento técnico, recursos suficientes para investimento e cus-
teio, e alguns aventureiros por aí, através do YouTube e mídias
sociais, vendem falsas esperanças para leigos no assunto, de que
é possível ter um negócio de produção de camarão marinho,
altamente tecnológico e até certo ponto futurístico, por qualquer
R$ 100,00 ou R$ 200,00 de investimento... lamentável...
Já combinei com o amigo Fábio Sussel, vamos combater
estas falácias aquícolas. Artigos como este, significam apenas o
início de um trabalho de esclarecimento que necessita ser feito.
Vamos à luta, pelo bem da nossa querida aquicultura.
Biofloco em caixa d’água: triste ilusão
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Editor-chefe da Revista Aquaculture Brasil
Laguna, SC
giovanni@aquaculturebrasil.com
Giovanni Lemos de Mello
Visãoaquícola