DEPOIMENTO REVELA TORTURAS SOFRIDAS POR DILMA ROUSSEFF
1. E STA D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2
4 POLÍTICA
FUGA PELA RUA GOIÁS PALMATÓRIA
“Eu comecei a ser procurada em Minas “Se o interrogatório é de longa duração,
nos dias seguintes à prisão de Ângelo com interrogador ‘experiente’, ele te
Pezzuti. Eu morava no Edifício Solar, com bota no pau de arara alguns momentos
meu marido, Cláudio Galeno de e depois leva para o choque, uma dor
Magalhães Linhares, e numa noite, no que não deixa rastro, só te mina. Muitas
fim de dezembro de 1968, o apartamento vezes também usava palmatória; usava
foi cercado e conseguimos fugir, na em mim muita palmatória. Em São
madrugada. O porteiro disse aos policiais Paulo usaram pouco esse ‘método’. No
do Dops de Minas que não estávamos fim, quando estava para ir embora,
SANDRA KIEFER em casa. Fugimos pela garagem que dá começou uma rotina. No início, não
para a rua do fundo, a Rua Goiás.” tinha hora. Era de dia e de noite.
ilma chorou. Essa é uma das lembranças
mais vivas na memória do filósofo Rob- Emagreci muito, pois não me
son Sávio, que, ao lado de outra voluntá- alimentava direito.”
ria do Conselho de Direitos Humanos de
Minas Gerais (Conedh-MG), foi ao Rio
LIGAÇÕES COM ÂNGELO
Grande do Sul coletar o testemunho da “Fui interrogada dentro da Operação
então secretária das Minas e Energia da-
quele estado sobre a tortura que sofrera
Bandeirantes (Oban) por policiais LOCAL DA TORTURA
nos anos de chumbo. Com fama de duro- mineiros que interrogavam sobre “Acredito hoje ter sido por isso que fui
na, a então moradora do Bairro da Triste- levada no dia 18 de maio de 1970 para
za, em Porto Alegre, tirou a máscara e vol-
processo na auditoria de Juiz de Fora e
tou a ter 22 anos. Revelou, em primeira estavam muito interessados em saber Minas Gerais, especificamente para Juiz
mão, que as torturas físicas em Juiz de Fo-
ra foram acrescidas de ameaças de dano meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, de Fora, sob a alegação de que ia prestar
físico deformador: “Geralmente me segundo eles, já preso, mantinha comigo esclarecimentos no processo que
ameaçavam de ferimentos na face”.
Não eram somente ameaças. Segundo um conjunto de contatos para que eu ocorria na 4ª CJM. Mas, depois do
fez constar no depoimento pessoal, Dilma viabilizasse sua fuga. Eu não tinha a depoimento, eu fui levada (ou melhor,
revelou, pela primeira vez, ter levado so-
cos no maxilar, que podem explicar o mo- menor ideia do que se tratava, pois tinha teria de ser levada para São Paulo), mas
tivo de a presidente ter os dentes leve- saído de BH no início de 69 e isso era no fui colocada num local (encapuzada)
mente projetados para fora. “Minha arca-
dagirouparaolado,mecausandoproble- início de 70. Desconhecia as tentativas de que sobre ele tinha várias suposições:
mas até hoje, problemas no osso do su- fuga de Pezzuti, mas eles supuseram que ou era uma instalação do Exército ou
porte do dente. Me deram um soco e o
dente se deslocou e apodreceu”, disse. Pa- se tratava de uma mentira. Talvez uma Delegacia de Polícia. Mas acho que não
ra passar a dor de dente, ela tomava No- era do Exército, pois depois estive no
valgina em gotas, de vez em quando, na
das coisas mais difíceis de você ser no
prisão. “Só mais tarde, quando voltei para interrogatório é inocente. Você não sabe QG do Exército e não era lá.”
São Paulo, o Albernaz (o implacável capi-
tão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São nem do que se trata.”
Paulo) completou o serviço com um soco, “Nesse lugar fiquei sendo interrogada
arrancando o dente”, completou.
sistematicamente. Não era sobretudo
Maistarde,duranteacampanhapresi-
dencial, em 2010, Dilma faria pelo menos DENTE PODRE sobre minha militância em Minas.
três correções de ordem estética, que in- “Uma das coisas que me aconteceu Supuseram que, tendo apreendido
cluíram uma plástica facial, a troca dos
óculos por lentes de contato e a chance de, naquela época é que meu dente começou documentos do Ângelo (Pezzutti) que
finalmente, realinhar a arcada dentária. a cair e só foi derrubado posteriormente integram o processo, achavam que
Na mesma época, Dilma combateu e ven-
ceu um câncer no sistema linfático. Guer- pela Oban. Minha arcada girou para o nossa organização tinha contatos com
reira,apresidentesuavizouasmarcasdei- lado, me causando problemas até hoje,
xadaspelopassadonapele.Nãotocou,po- as polícias Militar ou Civil mineiras que
rém, nas marcas impressas na alma. “As problemas no osso do suporte do dente. possibilitassem fugas de presos.
marcas da tortura sou eu. Fazem parte de
mim”, definiu Dilma em 2001, no depoi-
Me deram um soco e o dente se deslocou Acredito ter sido por isso que a tortura
mento emocionado à comissão mineira, e apodreceu. Tomava de vez em quando foi muito intensa, pois não era presa
11anosantesdesercriadaaComissãoNa-
cionaldaVerdade,nomêspassado.Leia a Novalgina em gotas para passar a dor. Só recente; não tinha ‘pontos’ e ‘aparelhos’
seguir trechos do depoimento de Dilma. mais tarde, quando voltei para São Paulo, para entregar.”
o Albernaz completou o serviço com um
ROBERTO FULGÊNCIO/TRIBUNA DE MINAS - 29/7/91
soco, arrancando o dente.”
PAU DE ARARA
“...algumas características da tortura. No
início, não tinha rotina. Não se distinguia
se era dia ou noite. O interrogatório
começava. Geralmente, o básico era
choque. Começava assim: ‘Em 1968 o que
você estava fazendo?’ e acabava no
Ângelo Pezzuti e sua fuga, ganhando
Sede do Quartel General de Juiz de Fora,
intensidade, com sessões de pau de arara,
ARTE: JANEY COSTA
onde teriam ocorrido as sessões de tortura
o que a gente não aguenta muito tempo.”