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CRIME. O SEDUTOR QUE BURLAVA E ROUBAVA AS SUAS CONQUISTAS
O falso piloto
                                                                                                        gostava de
                                                                                                        touradas.
                                                                                                        Uma das
                                                                                                        mentiras que
                                                                                                        contava era
                                                                                                        que fazia par-
                                                                                                        te do grupo
                                                                                                        de forcados
                                                                                                        de Montemor




                                                                                                 D.R.
C
           om as mãos no volante e o pé no      viver comigo, vamos casar’”. A 9 de Janeiro,            na casa de banho e apontou-me a pistola à
           acelerador do seu carro, M. estava   mudou-se para uma moradia de três pisos e               cabeçaeao peito. Dissequemematavaeque
           emfrenteaon.º136 daAvenidaEs-        oitoassoalhadas emBenavente. “Contou-me                 depois se matavaaele.” Foisalvapelo telefo-
           tados Unidos da América, em Lis-     que atinhacomprado por€125 milapronto                   nema de uma amiga. Mas passou a ser per-
           boa. Queixava-sede,noúltimoano,      numnegócio feito porJoão Nabais. Mais tar-              seguida dia e noite. “Ele montava guarda à
ter sido enganada, ameaçada, perseguida e       de soube que era mentira”, conta. Em casa,              casaondeeuestavaeseguia-me. Umdiaten-
insultada. Não aguentava mais. Estava dis-      M. viufardas, armas, distintivos, condecora-            touabalroar-menaA1 enaPontedaLezíria.”
postaavingar-se. Láemcima, no sétimo an-        ções e documentos que depois soube serem
dar,conseguiaveralguémaobservá-la. “Vem         falsos. “Eratantacoisaqueeraimpossívelnão               A16DEMARÇOAPRESENTOUqueixanaGNR.
cá abaixo”, disse. “É hoje que te mato.”        ser verdade”, justifica.                                No dia seguinte, José Perestrelo foi preso à
   Passava das 24h de uma noite de meados          José Perestrelo parecia ter dinheiro. Uns            ordem de um mandado de captura penden-
de2010. M. estevelámaisdeumahora. Como          dias guiava uma carrinha Audi, noutros um               te desde 2008 e levado para a prisão das Cal-
ninguémdesceu,voltouparacasa. Nodiase-          Mini Cooper vermelho. Mostrava os extrac-               das daRainha. Nos meses seguintes, M. des-
guinte foi à Polícia Judiciária. A inspectora   tos das contas bancárias com depósitos de               cobriu mais coisas. “Tudo o que tínhamos
que a recebeu já a conhecia bem. Há meses       €10 mil e €15 mil que dizia serem das horas             emcasaerade umasenhoramadeirense que
queatentavaacalmareaconselhavaaserpa-           de voo extraordinárias. Ao mesmo tempo,                 ele enganou”, diz. Soube ainda que a mora-
ciente enquanto a brigada da secção de bur-                                                                      diatambémnãoerado“comandan-
las da PJ de Lisboa reunia provas para deter                                                                     te”. Era alugada: “Q  uem pagava a
José Perestrelo Nogueira. Elanão conseguia.     “Vem cá abaixo (...) é hoje que                                  rendaeraumasenhorados arredo-
“Perditudo porcausadaquelacriatura: ami-        te mato”, disse-lhe uma das                                      res de Lisboa a quem ele extorquiu
nhaprofissão eaminhavida”, contaàSÁBA-                                                                           €150 mil. As transferências que me
DO a mulher que, como as restantes quatro       muitas mulheres que enganou                                      mostrava eram feitas por ela.”
vítimas que aceitaram falar do caso pela pri-                                                                       Depois de José Perestrelo sair da
meiravez, pediuparao seunome não serdi-         mostrava-se preocupado com as finanças da               prisão,voltouareceberameaças. Foiaíquees-
vulgado.                                        companheira. “Convenceu-me a vender ac-                 teve disposta a atropelá-lo. Aos poucos co-
   No fim de 2008, M. tinha uma loja de de-     ções e atirar o meu dinheiro dacontaque ti-             meçou a ser contactada por outras vítimas.
coração no Ribatejo. Estava a passar por um     nhacomomeuex-maridoeacolocá-lonuma                      “Soube dasituação daM. e procurei-a”, diz à
divórcio complicado quando umhomemde            que estava em nome da Leonilde [suposta                 SÁBADOP.,queconviveucomo“comandan-
1,80m entrou à procura de uma peça para a       juíza]. Mas nunca me deram um cartão para               te” entre Agosto e Setembro de 2010. “Co-
lareira. “Apresentou-secomocomandanteda         o movimentar”, diz M. “Ao todo, com o ma-               nheci-o através do site Clube daAmizade. Ele
TAP”,recorda. Aessavisitaseguiram-semui-        terial da loja que fechei, perdi uns €30 mil.”          dizia que era piloto, forcado de Montemor e
tas outras. Em algumas surgiafardado. Sim-         Só noiníciode2010M. descobriuaverda-                 que tinhasido casado comumajuíza. Pouco
pático, José Perestrelo contava detalhes da     de: “Um amigo falou com um conhecido da                 depois já queria casar”, recorda.
sua vida: que tinha sido piloto nos Asas de     PJ e soubemos que ele era procurado desde                  Devezemquando,o“comandante” desa-
Portugal,quetinhaumaherdadeemGalveias           1999 e estava referenciado por burla, falsifi-          parecia por alguns dias, supostamente para
equeestavaseparadodeumajuízadoTribu-            cação,possedearmas,furtoemaisoutrascoi-                 voar. Na realidade, estava na zona de Tomar
nal da Relação de Lisboa.                       sas.”Ficoudesorientada. Q    uandodecidiudei-           – com outra vítima. “Também o conheci no
   No início de 2009 envolveram-se. “Como       xá-lo definitivamente, o falso comandante               Clube da Amizade”, diz à SÁBADO a empre-
estava à procura de casa, ele disse-me: ‘Vens   agarrou numa das suas armas. “Fechou-nos                sáriaA.“Nodiaemquenosencontrámosdeu-
                                                                                                                                                        t




SÁBADO                                                                                                                                            67
À esquerda,
                                                                                                                                             José
                                                                                                                                             Perestrelo
                                                                                                                                             num restau-
                                                                                                                                             rante; ao
                                                                                                                                             lado, Leonilde
                                                                                                                                             Santos, uma
                                                                                                                                             das mulheres
                                                                                                                                             com quem
                                                                                                                                             chegou
                                                                                                                                             a viver




                                                                                                                                FOTOS D.R.
    -meavoltaeficounaminhacasa: querialogo         pessoasemnívelqueaproveitouumaviagem           Cascais. Durante umasemanasaírame jan-
t




    casar. Ao fim de uns dias tentou convencer-    dele aToulouse paralhe roubar o recheio da     taram fora. Numa das ocasiões, C. deu-lhe
    -me a vender as minhas casas na praia. Dis-    casa. Aex-mulherconfirmou-me tudo ao te-       o cartão multibanco para pagar a conta e
    se-lhe que não e ele levantou-me a mão. En-    lefone. Tive pena dele.”                       foiàcasade banho. Q      uando voltou, ele dis-
    frentei-o e ele pediu perdão.”                    Naépoca, o “comandante” viviacomLeo-        se que não funcionava – o que se repetiu
       Umdia, o “comandante” pediu-lhe o car-      nilde Santos em Lisboa. I. ajudou-o a esco-    outras vezes. “Estranhei porque vim mui-
    ro emprestado parairaumencontro de pi-         lher um apartamento em Cascais. “Fui à as-     tas vezes a Portugal e deu sempre”, diz C.
    lotos. A. deu-lhe as chaves dacarrinhaPas-     sinaturadocontratodealuguere,comoasu-              De súbito, José Perestrelo disse-lhe que
    sat. Não reparou que, de umagaveta, tinha      posta juíza não apareceu, servi de fiadora”.   não se iam casar e era melhor ela ir embora.
    desaparecido umenvelope com€2.500 em                                                                     “Comotinhaviagemderegressosó
    notas. E foiao volante desse automóvelque                                                                daí a seis meses, disse que não. En-
    José Perestrelo foi ao encontro de P.: “Dis-   Para impressionar, dizia que                              tão, ele e a ex-mulher ameaçaram-
    se-mequetinhavendido acarrinhaaumco-           era aristocrata e que a avó era                           me comaPSP e o SEF”. Acaboupor
    lega, mas que, como ele não a pagou, ia fi-                                                              a levar para o Hotel Roma, a 11 de
    carparamim. Nessediafomos jantaràExpo.         marquesa de Salvaterra                                    Abril. “Foiestacionaro carro e nun-
    Pediuacontadeixou-me umanotade €500                                                                      ca mais apareceu. Fiz o check-in e vi
    efoifumar.” Mais tardeP. percebeudeonde        Poucotempodepois,emAbril,disseàprofes-         quemefaltavam€2.500eas jóias. O meusal-
    vinha o dinheiro: da gaveta de A.              soraqueia15 diasparaFrança. Edesapareceu.      dodos cartões estavaazero. Elegastoutudo.”
       A empresária ainda lhe emprestou uma           Na mesma altura, uma cidadã brasileira          Aotodo,ficousemcercade€4milemjóias
    mala e o computador portátil para ele levar    que conheceu José Perestrelo pelaInternet      e€1.000dos cartões. Sobreviveugraças aum
    para um suposto encontro de aviadores em       chegouaPortugalcompromessas de casa-           amigo. Nunca mais viu José Perestrelo. Mas
    França. “Nessaalturaumamigo quedescon-         mento. Ficou com ele no apartamento de         ficoucommedo. “Eleameaçou-mepelaInter-
    fiou dele falou paraaTAP e ficou asaber que                                                   net”,garante. Guardoutodas as provas ejun-
    não havia nenhum comandante Perestrelo.                                                       tou-àsàqueixa-crimequefazpartedoproces-
    Alémdisso,umafamiliardessemeuamigoco-                                                         soquereúnemais cincomulheres ecujaacu-
    nhecia a senhora madeirense que ele tinha      Os quatro passos                               sação foi deduzida na semana passada pelo
    enganado e colocou-nos em contacto. Apre-
    sentei queixa por roubo”, diz A.
                                                   para o crime perfeito                          Ministério Público. Perestrelo (que está pre-
                                                                                                  so preventivamente) responderá pelos cri-
       Foientão queJoséPerestrelo apareceuem       A TÁCTICA ERA TÃO EFICAZ QUE RARAMENTE         mesdeburlaqualificada,falsificaçãodedocu-
    casa de P. com a mala e o portátil. Dormiu     VARIAVA DE CASO PARA CASO                      mentos,furtoedano. ContactadopelaSÁBA-
    uma noite. “No dia seguinte discutimos e                                                      DO, o seu advogado preferiu não entrar em
    meti-onarua”,recordaP. Sóovoltouaverre-
    centemente quando foicondenado pelo Tri-       1  Abordava mulheres sozinhas e de
                                                      meia-idade, sobretudo através da Net
                                                                                                  detalhes: “Depois de sernotificado ele pode-
                                                                                                  rá ter alguma coisa a dizer.” Q  uanto à acusa-
    bunal de Tomar a uma multa de 960 euros                                                       ção de que José Perestrelo se faziapassarpor
    ou 106 dias de prisão pelo que tirou a A.
       NojulgamentoestevetambémI.,umapro-          2  Apresentava-se como piloto ou como
                                                      reformado da Força Aérea
                                                                                                  piloto, diz apenas: “Terumcapacete de avia-
                                                                                                  dor e umas miniaturas não quer dizer nada.
    fessorados arredores deLisboaque,emMar-                                                       E a participação da Leonilde – sua cúmplice,
    ço de 2011, conheceu José Perestrelo através
    do Clube da Amizade. “Além de piloto e co-     3  Mudava-se para casa delas. Depois ou
                                                      controlava as finanças ou desviava di-
                                                                                                  também acusada de burla – é ridícula.”
                                                                                                      APJestáconvictado contrário edequeha-
    roneldaForçaAéreareformado,diziaqueera            nheiro, jóias e mobiliário                  verá dezenas de vítimas. De tal modo que
    aristocrata e que a avó era marquesa de Sal-                                                    quando revistaramo quarto deI. as inspec-
    vaterra”, diz àSÁBADO. “Contou-me que es-
    tava a sofrer porque se apaixonou por uma      4  Para escapar impune,
                                                      ameaçava-as
                                                                                                    toras disseram-lhe: “VocêtemaquiumCa-
                                                                                                  pitão Roby.”

    68                                                                                                                       21 JUNHO 2012 SÁBADO

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O novo capitão Roby

  • 1. Segurança CRIME. O SEDUTOR QUE BURLAVA E ROUBAVA AS SUAS CONQUISTAS
  • 2. O falso piloto gostava de touradas. Uma das mentiras que contava era que fazia par- te do grupo de forcados de Montemor D.R. C om as mãos no volante e o pé no viver comigo, vamos casar’”. A 9 de Janeiro, na casa de banho e apontou-me a pistola à acelerador do seu carro, M. estava mudou-se para uma moradia de três pisos e cabeçaeao peito. Dissequemematavaeque emfrenteaon.º136 daAvenidaEs- oitoassoalhadas emBenavente. “Contou-me depois se matavaaele.” Foisalvapelo telefo- tados Unidos da América, em Lis- que atinhacomprado por€125 milapronto nema de uma amiga. Mas passou a ser per- boa. Queixava-sede,noúltimoano, numnegócio feito porJoão Nabais. Mais tar- seguida dia e noite. “Ele montava guarda à ter sido enganada, ameaçada, perseguida e de soube que era mentira”, conta. Em casa, casaondeeuestavaeseguia-me. Umdiaten- insultada. Não aguentava mais. Estava dis- M. viufardas, armas, distintivos, condecora- touabalroar-menaA1 enaPontedaLezíria.” postaavingar-se. Láemcima, no sétimo an- ções e documentos que depois soube serem dar,conseguiaveralguémaobservá-la. “Vem falsos. “Eratantacoisaqueeraimpossívelnão A16DEMARÇOAPRESENTOUqueixanaGNR. cá abaixo”, disse. “É hoje que te mato.” ser verdade”, justifica. No dia seguinte, José Perestrelo foi preso à Passava das 24h de uma noite de meados José Perestrelo parecia ter dinheiro. Uns ordem de um mandado de captura penden- de2010. M. estevelámaisdeumahora. Como dias guiava uma carrinha Audi, noutros um te desde 2008 e levado para a prisão das Cal- ninguémdesceu,voltouparacasa. Nodiase- Mini Cooper vermelho. Mostrava os extrac- das daRainha. Nos meses seguintes, M. des- guinte foi à Polícia Judiciária. A inspectora tos das contas bancárias com depósitos de cobriu mais coisas. “Tudo o que tínhamos que a recebeu já a conhecia bem. Há meses €10 mil e €15 mil que dizia serem das horas emcasaerade umasenhoramadeirense que queatentavaacalmareaconselhavaaserpa- de voo extraordinárias. Ao mesmo tempo, ele enganou”, diz. Soube ainda que a mora- ciente enquanto a brigada da secção de bur- diatambémnãoerado“comandan- las da PJ de Lisboa reunia provas para deter te”. Era alugada: “Q uem pagava a José Perestrelo Nogueira. Elanão conseguia. “Vem cá abaixo (...) é hoje que rendaeraumasenhorados arredo- “Perditudo porcausadaquelacriatura: ami- te mato”, disse-lhe uma das res de Lisboa a quem ele extorquiu nhaprofissão eaminhavida”, contaàSÁBA- €150 mil. As transferências que me DO a mulher que, como as restantes quatro muitas mulheres que enganou mostrava eram feitas por ela.” vítimas que aceitaram falar do caso pela pri- Depois de José Perestrelo sair da meiravez, pediuparao seunome não serdi- mostrava-se preocupado com as finanças da prisão,voltouareceberameaças. Foiaíquees- vulgado. companheira. “Convenceu-me a vender ac- teve disposta a atropelá-lo. Aos poucos co- No fim de 2008, M. tinha uma loja de de- ções e atirar o meu dinheiro dacontaque ti- meçou a ser contactada por outras vítimas. coração no Ribatejo. Estava a passar por um nhacomomeuex-maridoeacolocá-lonuma “Soube dasituação daM. e procurei-a”, diz à divórcio complicado quando umhomemde que estava em nome da Leonilde [suposta SÁBADOP.,queconviveucomo“comandan- 1,80m entrou à procura de uma peça para a juíza]. Mas nunca me deram um cartão para te” entre Agosto e Setembro de 2010. “Co- lareira. “Apresentou-secomocomandanteda o movimentar”, diz M. “Ao todo, com o ma- nheci-o através do site Clube daAmizade. Ele TAP”,recorda. Aessavisitaseguiram-semui- terial da loja que fechei, perdi uns €30 mil.” dizia que era piloto, forcado de Montemor e tas outras. Em algumas surgiafardado. Sim- Só noiníciode2010M. descobriuaverda- que tinhasido casado comumajuíza. Pouco pático, José Perestrelo contava detalhes da de: “Um amigo falou com um conhecido da depois já queria casar”, recorda. sua vida: que tinha sido piloto nos Asas de PJ e soubemos que ele era procurado desde Devezemquando,o“comandante” desa- Portugal,quetinhaumaherdadeemGalveias 1999 e estava referenciado por burla, falsifi- parecia por alguns dias, supostamente para equeestavaseparadodeumajuízadoTribu- cação,possedearmas,furtoemaisoutrascoi- voar. Na realidade, estava na zona de Tomar nal da Relação de Lisboa. sas.”Ficoudesorientada. Q uandodecidiudei- – com outra vítima. “Também o conheci no No início de 2009 envolveram-se. “Como xá-lo definitivamente, o falso comandante Clube da Amizade”, diz à SÁBADO a empre- estava à procura de casa, ele disse-me: ‘Vens agarrou numa das suas armas. “Fechou-nos sáriaA.“Nodiaemquenosencontrámosdeu- t SÁBADO 67
  • 3. À esquerda, José Perestrelo num restau- rante; ao lado, Leonilde Santos, uma das mulheres com quem chegou a viver FOTOS D.R. -meavoltaeficounaminhacasa: querialogo pessoasemnívelqueaproveitouumaviagem Cascais. Durante umasemanasaírame jan- t casar. Ao fim de uns dias tentou convencer- dele aToulouse paralhe roubar o recheio da taram fora. Numa das ocasiões, C. deu-lhe -me a vender as minhas casas na praia. Dis- casa. Aex-mulherconfirmou-me tudo ao te- o cartão multibanco para pagar a conta e se-lhe que não e ele levantou-me a mão. En- lefone. Tive pena dele.” foiàcasade banho. Q uando voltou, ele dis- frentei-o e ele pediu perdão.” Naépoca, o “comandante” viviacomLeo- se que não funcionava – o que se repetiu Umdia, o “comandante” pediu-lhe o car- nilde Santos em Lisboa. I. ajudou-o a esco- outras vezes. “Estranhei porque vim mui- ro emprestado parairaumencontro de pi- lher um apartamento em Cascais. “Fui à as- tas vezes a Portugal e deu sempre”, diz C. lotos. A. deu-lhe as chaves dacarrinhaPas- sinaturadocontratodealuguere,comoasu- De súbito, José Perestrelo disse-lhe que sat. Não reparou que, de umagaveta, tinha posta juíza não apareceu, servi de fiadora”. não se iam casar e era melhor ela ir embora. desaparecido umenvelope com€2.500 em “Comotinhaviagemderegressosó notas. E foiao volante desse automóvelque daí a seis meses, disse que não. En- José Perestrelo foi ao encontro de P.: “Dis- Para impressionar, dizia que tão, ele e a ex-mulher ameaçaram- se-mequetinhavendido acarrinhaaumco- era aristocrata e que a avó era me comaPSP e o SEF”. Acaboupor lega, mas que, como ele não a pagou, ia fi- a levar para o Hotel Roma, a 11 de carparamim. Nessediafomos jantaràExpo. marquesa de Salvaterra Abril. “Foiestacionaro carro e nun- Pediuacontadeixou-me umanotade €500 ca mais apareceu. Fiz o check-in e vi efoifumar.” Mais tardeP. percebeudeonde Poucotempodepois,emAbril,disseàprofes- quemefaltavam€2.500eas jóias. O meusal- vinha o dinheiro: da gaveta de A. soraqueia15 diasparaFrança. Edesapareceu. dodos cartões estavaazero. Elegastoutudo.” A empresária ainda lhe emprestou uma Na mesma altura, uma cidadã brasileira Aotodo,ficousemcercade€4milemjóias mala e o computador portátil para ele levar que conheceu José Perestrelo pelaInternet e€1.000dos cartões. Sobreviveugraças aum para um suposto encontro de aviadores em chegouaPortugalcompromessas de casa- amigo. Nunca mais viu José Perestrelo. Mas França. “Nessaalturaumamigo quedescon- mento. Ficou com ele no apartamento de ficoucommedo. “Eleameaçou-mepelaInter- fiou dele falou paraaTAP e ficou asaber que net”,garante. Guardoutodas as provas ejun- não havia nenhum comandante Perestrelo. tou-àsàqueixa-crimequefazpartedoproces- Alémdisso,umafamiliardessemeuamigoco- soquereúnemais cincomulheres ecujaacu- nhecia a senhora madeirense que ele tinha Os quatro passos sação foi deduzida na semana passada pelo enganado e colocou-nos em contacto. Apre- sentei queixa por roubo”, diz A. para o crime perfeito Ministério Público. Perestrelo (que está pre- so preventivamente) responderá pelos cri- Foientão queJoséPerestrelo apareceuem A TÁCTICA ERA TÃO EFICAZ QUE RARAMENTE mesdeburlaqualificada,falsificaçãodedocu- casa de P. com a mala e o portátil. Dormiu VARIAVA DE CASO PARA CASO mentos,furtoedano. ContactadopelaSÁBA- uma noite. “No dia seguinte discutimos e DO, o seu advogado preferiu não entrar em meti-onarua”,recordaP. Sóovoltouaverre- centemente quando foicondenado pelo Tri- 1 Abordava mulheres sozinhas e de meia-idade, sobretudo através da Net detalhes: “Depois de sernotificado ele pode- rá ter alguma coisa a dizer.” Q uanto à acusa- bunal de Tomar a uma multa de 960 euros ção de que José Perestrelo se faziapassarpor ou 106 dias de prisão pelo que tirou a A. NojulgamentoestevetambémI.,umapro- 2 Apresentava-se como piloto ou como reformado da Força Aérea piloto, diz apenas: “Terumcapacete de avia- dor e umas miniaturas não quer dizer nada. fessorados arredores deLisboaque,emMar- E a participação da Leonilde – sua cúmplice, ço de 2011, conheceu José Perestrelo através do Clube da Amizade. “Além de piloto e co- 3 Mudava-se para casa delas. Depois ou controlava as finanças ou desviava di- também acusada de burla – é ridícula.” APJestáconvictado contrário edequeha- roneldaForçaAéreareformado,diziaqueera nheiro, jóias e mobiliário verá dezenas de vítimas. De tal modo que aristocrata e que a avó era marquesa de Sal- quando revistaramo quarto deI. as inspec- vaterra”, diz àSÁBADO. “Contou-me que es- tava a sofrer porque se apaixonou por uma 4 Para escapar impune, ameaçava-as toras disseram-lhe: “VocêtemaquiumCa- pitão Roby.” 68 21 JUNHO 2012 SÁBADO