1) José Perestrelo enganava mulheres apresentando-se como piloto ou militar reformado e mudava-se para suas casas.
2) Uma vez dentro das casas, controlava as finanças das mulheres ou desviava seu dinheiro e bens.
3) Quando descoberto, ameaçava as vítimas para escapar impunemente.
2. O falso piloto
gostava de
touradas.
Uma das
mentiras que
contava era
que fazia par-
te do grupo
de forcados
de Montemor
D.R.
C
om as mãos no volante e o pé no viver comigo, vamos casar’”. A 9 de Janeiro, na casa de banho e apontou-me a pistola à
acelerador do seu carro, M. estava mudou-se para uma moradia de três pisos e cabeçaeao peito. Dissequemematavaeque
emfrenteaon.º136 daAvenidaEs- oitoassoalhadas emBenavente. “Contou-me depois se matavaaele.” Foisalvapelo telefo-
tados Unidos da América, em Lis- que atinhacomprado por€125 milapronto nema de uma amiga. Mas passou a ser per-
boa. Queixava-sede,noúltimoano, numnegócio feito porJoão Nabais. Mais tar- seguida dia e noite. “Ele montava guarda à
ter sido enganada, ameaçada, perseguida e de soube que era mentira”, conta. Em casa, casaondeeuestavaeseguia-me. Umdiaten-
insultada. Não aguentava mais. Estava dis- M. viufardas, armas, distintivos, condecora- touabalroar-menaA1 enaPontedaLezíria.”
postaavingar-se. Láemcima, no sétimo an- ções e documentos que depois soube serem
dar,conseguiaveralguémaobservá-la. “Vem falsos. “Eratantacoisaqueeraimpossívelnão A16DEMARÇOAPRESENTOUqueixanaGNR.
cá abaixo”, disse. “É hoje que te mato.” ser verdade”, justifica. No dia seguinte, José Perestrelo foi preso à
Passava das 24h de uma noite de meados José Perestrelo parecia ter dinheiro. Uns ordem de um mandado de captura penden-
de2010. M. estevelámaisdeumahora. Como dias guiava uma carrinha Audi, noutros um te desde 2008 e levado para a prisão das Cal-
ninguémdesceu,voltouparacasa. Nodiase- Mini Cooper vermelho. Mostrava os extrac- das daRainha. Nos meses seguintes, M. des-
guinte foi à Polícia Judiciária. A inspectora tos das contas bancárias com depósitos de cobriu mais coisas. “Tudo o que tínhamos
que a recebeu já a conhecia bem. Há meses €10 mil e €15 mil que dizia serem das horas emcasaerade umasenhoramadeirense que
queatentavaacalmareaconselhavaaserpa- de voo extraordinárias. Ao mesmo tempo, ele enganou”, diz. Soube ainda que a mora-
ciente enquanto a brigada da secção de bur- diatambémnãoerado“comandan-
las da PJ de Lisboa reunia provas para deter te”. Era alugada: “Q uem pagava a
José Perestrelo Nogueira. Elanão conseguia. “Vem cá abaixo (...) é hoje que rendaeraumasenhorados arredo-
“Perditudo porcausadaquelacriatura: ami- te mato”, disse-lhe uma das res de Lisboa a quem ele extorquiu
nhaprofissão eaminhavida”, contaàSÁBA- €150 mil. As transferências que me
DO a mulher que, como as restantes quatro muitas mulheres que enganou mostrava eram feitas por ela.”
vítimas que aceitaram falar do caso pela pri- Depois de José Perestrelo sair da
meiravez, pediuparao seunome não serdi- mostrava-se preocupado com as finanças da prisão,voltouareceberameaças. Foiaíquees-
vulgado. companheira. “Convenceu-me a vender ac- teve disposta a atropelá-lo. Aos poucos co-
No fim de 2008, M. tinha uma loja de de- ções e atirar o meu dinheiro dacontaque ti- meçou a ser contactada por outras vítimas.
coração no Ribatejo. Estava a passar por um nhacomomeuex-maridoeacolocá-lonuma “Soube dasituação daM. e procurei-a”, diz à
divórcio complicado quando umhomemde que estava em nome da Leonilde [suposta SÁBADOP.,queconviveucomo“comandan-
1,80m entrou à procura de uma peça para a juíza]. Mas nunca me deram um cartão para te” entre Agosto e Setembro de 2010. “Co-
lareira. “Apresentou-secomocomandanteda o movimentar”, diz M. “Ao todo, com o ma- nheci-o através do site Clube daAmizade. Ele
TAP”,recorda. Aessavisitaseguiram-semui- terial da loja que fechei, perdi uns €30 mil.” dizia que era piloto, forcado de Montemor e
tas outras. Em algumas surgiafardado. Sim- Só noiníciode2010M. descobriuaverda- que tinhasido casado comumajuíza. Pouco
pático, José Perestrelo contava detalhes da de: “Um amigo falou com um conhecido da depois já queria casar”, recorda.
sua vida: que tinha sido piloto nos Asas de PJ e soubemos que ele era procurado desde Devezemquando,o“comandante” desa-
Portugal,quetinhaumaherdadeemGalveias 1999 e estava referenciado por burla, falsifi- parecia por alguns dias, supostamente para
equeestavaseparadodeumajuízadoTribu- cação,possedearmas,furtoemaisoutrascoi- voar. Na realidade, estava na zona de Tomar
nal da Relação de Lisboa. sas.”Ficoudesorientada. Q uandodecidiudei- – com outra vítima. “Também o conheci no
No início de 2009 envolveram-se. “Como xá-lo definitivamente, o falso comandante Clube da Amizade”, diz à SÁBADO a empre-
estava à procura de casa, ele disse-me: ‘Vens agarrou numa das suas armas. “Fechou-nos sáriaA.“Nodiaemquenosencontrámosdeu-
t
SÁBADO 67
3. À esquerda,
José
Perestrelo
num restau-
rante; ao
lado, Leonilde
Santos, uma
das mulheres
com quem
chegou
a viver
FOTOS D.R.
-meavoltaeficounaminhacasa: querialogo pessoasemnívelqueaproveitouumaviagem Cascais. Durante umasemanasaírame jan-
t
casar. Ao fim de uns dias tentou convencer- dele aToulouse paralhe roubar o recheio da taram fora. Numa das ocasiões, C. deu-lhe
-me a vender as minhas casas na praia. Dis- casa. Aex-mulherconfirmou-me tudo ao te- o cartão multibanco para pagar a conta e
se-lhe que não e ele levantou-me a mão. En- lefone. Tive pena dele.” foiàcasade banho. Q uando voltou, ele dis-
frentei-o e ele pediu perdão.” Naépoca, o “comandante” viviacomLeo- se que não funcionava – o que se repetiu
Umdia, o “comandante” pediu-lhe o car- nilde Santos em Lisboa. I. ajudou-o a esco- outras vezes. “Estranhei porque vim mui-
ro emprestado parairaumencontro de pi- lher um apartamento em Cascais. “Fui à as- tas vezes a Portugal e deu sempre”, diz C.
lotos. A. deu-lhe as chaves dacarrinhaPas- sinaturadocontratodealuguere,comoasu- De súbito, José Perestrelo disse-lhe que
sat. Não reparou que, de umagaveta, tinha posta juíza não apareceu, servi de fiadora”. não se iam casar e era melhor ela ir embora.
desaparecido umenvelope com€2.500 em “Comotinhaviagemderegressosó
notas. E foiao volante desse automóvelque daí a seis meses, disse que não. En-
José Perestrelo foi ao encontro de P.: “Dis- Para impressionar, dizia que tão, ele e a ex-mulher ameaçaram-
se-mequetinhavendido acarrinhaaumco- era aristocrata e que a avó era me comaPSP e o SEF”. Acaboupor
lega, mas que, como ele não a pagou, ia fi- a levar para o Hotel Roma, a 11 de
carparamim. Nessediafomos jantaràExpo. marquesa de Salvaterra Abril. “Foiestacionaro carro e nun-
Pediuacontadeixou-me umanotade €500 ca mais apareceu. Fiz o check-in e vi
efoifumar.” Mais tardeP. percebeudeonde Poucotempodepois,emAbril,disseàprofes- quemefaltavam€2.500eas jóias. O meusal-
vinha o dinheiro: da gaveta de A. soraqueia15 diasparaFrança. Edesapareceu. dodos cartões estavaazero. Elegastoutudo.”
A empresária ainda lhe emprestou uma Na mesma altura, uma cidadã brasileira Aotodo,ficousemcercade€4milemjóias
mala e o computador portátil para ele levar que conheceu José Perestrelo pelaInternet e€1.000dos cartões. Sobreviveugraças aum
para um suposto encontro de aviadores em chegouaPortugalcompromessas de casa- amigo. Nunca mais viu José Perestrelo. Mas
França. “Nessaalturaumamigo quedescon- mento. Ficou com ele no apartamento de ficoucommedo. “Eleameaçou-mepelaInter-
fiou dele falou paraaTAP e ficou asaber que net”,garante. Guardoutodas as provas ejun-
não havia nenhum comandante Perestrelo. tou-àsàqueixa-crimequefazpartedoproces-
Alémdisso,umafamiliardessemeuamigoco- soquereúnemais cincomulheres ecujaacu-
nhecia a senhora madeirense que ele tinha Os quatro passos sação foi deduzida na semana passada pelo
enganado e colocou-nos em contacto. Apre-
sentei queixa por roubo”, diz A.
para o crime perfeito Ministério Público. Perestrelo (que está pre-
so preventivamente) responderá pelos cri-
Foientão queJoséPerestrelo apareceuem A TÁCTICA ERA TÃO EFICAZ QUE RARAMENTE mesdeburlaqualificada,falsificaçãodedocu-
casa de P. com a mala e o portátil. Dormiu VARIAVA DE CASO PARA CASO mentos,furtoedano. ContactadopelaSÁBA-
uma noite. “No dia seguinte discutimos e DO, o seu advogado preferiu não entrar em
meti-onarua”,recordaP. Sóovoltouaverre-
centemente quando foicondenado pelo Tri- 1 Abordava mulheres sozinhas e de
meia-idade, sobretudo através da Net
detalhes: “Depois de sernotificado ele pode-
rá ter alguma coisa a dizer.” Q uanto à acusa-
bunal de Tomar a uma multa de 960 euros ção de que José Perestrelo se faziapassarpor
ou 106 dias de prisão pelo que tirou a A.
NojulgamentoestevetambémI.,umapro- 2 Apresentava-se como piloto ou como
reformado da Força Aérea
piloto, diz apenas: “Terumcapacete de avia-
dor e umas miniaturas não quer dizer nada.
fessorados arredores deLisboaque,emMar- E a participação da Leonilde – sua cúmplice,
ço de 2011, conheceu José Perestrelo através
do Clube da Amizade. “Além de piloto e co- 3 Mudava-se para casa delas. Depois ou
controlava as finanças ou desviava di-
também acusada de burla – é ridícula.”
APJestáconvictado contrário edequeha-
roneldaForçaAéreareformado,diziaqueera nheiro, jóias e mobiliário verá dezenas de vítimas. De tal modo que
aristocrata e que a avó era marquesa de Sal- quando revistaramo quarto deI. as inspec-
vaterra”, diz àSÁBADO. “Contou-me que es-
tava a sofrer porque se apaixonou por uma 4 Para escapar impune,
ameaçava-as
toras disseram-lhe: “VocêtemaquiumCa-
pitão Roby.”
68 21 JUNHO 2012 SÁBADO