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CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES DE YOGA – 2010/2011
CASA DE YOGA SHANTI-OM
INSTRUTORA: MARIA LAURA GARCIA PACKER
ALUNA: DANIELA TARTARI BRUSCO




                         MEDITAÇÃO:
               UM CAMINHO PARA A AUTO-CURA.




                         FLORIANÓPOLIS
                             2011
1




                             “A verdadeira felicidade pode ser atingida mas sua fonte
                             eterna está dentro do homem, e não fora. Ao dirigir a
                             atenção para dentro, e não totalmente para fora, um
                             portal se abre naquilo que pode, até então, ter parecido
                             uma parede sem passagem. Aqueles que aprendem a
                             passar através deste portal adentram um mundo novo.”1




                                                                   Ao meu amor Artur




11
  GARDNER, Adelaide. Meditação, Um Estudo Prático. Tradução Pedro R.M. de Oliveira. Ed.
Teosófica: Brasília, 1991. Pg. 24 e 25.
2



                                       SUMÁRIO


   INTRODUÇÃO                                                              3
1. O QUE É MEDITAÇÃO                                                       6
   1.1.      Técnicas de meditação                                         7
   1.2.      A meditação segundo o Yoga de Patanjali                       14
          1.2.1. Pratyãhãra                                                17
          1.2.2. Dhãrana                                                   19
          1.2.3. Dhyãna                                                    19
          1.2.4. Samãdhi                                                   20
   1.3.      A meditação segundo o budismo                                 21
          1.3.1. Os Caminhos do Budismo                                    23
          1.3.2. O Visuddhimagga                                           24
          1.3.3. O processo de purificação                                 25
          1.3.4. A concentração e os jhanas                                26
   1.4.      A meditação na Bhagavad-Gita                                  29
2. OS SAMSKÁRAS E OS VÁSANAS                                               34
   2.1.      Os samskáras e os vásanas na estrutura psíquica do ser humano 34
          2.1.1. Samskára (impressões)                                     34
          2.1.2. Vásanas (tendências)                                      35
   2.2.      Samskáras e condicionamentos emocionais                       36
   2.3.      A tirania dos samskáras                                       37
   2.4.      Samskáras e a ilusão ou maya                                  39
   2.5.      O fim dos samskáras                                           41
3. O VISÃO DO YOGA DE SAÚDE E DOENÇA                                       44
   3.1.      Pequena nota sobre doenças, genética e dor                    46
4. A MEDITAÇÃO E A SAÚDE                                                   49
5. DESCOBERTAS CIENTÍFICAS SOBRE A MEDITAÇÃO                               52
6. CONCLUSÃO                                                               57
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                              59
3



                                        INTRODUÇÃO


         A influência da meditação no ocidente teve início no século XX, mais
precisamente nas décadas de 60 e 70, quando o interesse ocidental pela meditação
ganhou força. Algumas décadas depois, as coisas mudaram. Atualmente, a meditação se
faz presente na nossa cultura, e, especialmente nos Estados Unidos, milhões de norte-
americanos incorporaram a meditação a suas vidas super ocupadas. Aqui no Brasil, o
yoga e a meditação também já ganharam espaço na academia e inúmeras pesquisas
científicas são realizadas a fim de se conhecer os efeitos da prática do yoga e da
meditação.


         Chamando a atenção por seus efeitos terapêuticos, a meditação hoje ocupa lugar
nos negócios, nas profissões e no mundo acadêmico. Segundo Daniel Goleman ―as
pessoas meditam em seus trabalhos para aumentar sua eficiência, médicos e
psicoterapeutas ensinam-na a seus pacientes e estudantes universitários escrevem sobre
ela‖2.


         Adelaide Gardner na sua obra ―Meditação, Um Estudo Prático‖ também aponta
para uma atração da psicologia ocidental para as tradicionais doutrinas orientais, sendo
que o mais notável paralelo é o que foi feito por Carl Jung, psicólogo que ―dispôs as
quatro fases da psicanálise numa ordem que convida a uma íntima comparação com
Patanjali e toda a antiga tradição da busca pela iluminação: primeiro vem a confissão –
a recordação e o encarar os fatos da confusa experiência passada; depois a explicação e
a compreensão – o uso da mente racional para apreciar o significado do passado; em
seguida vem a reeducação, um período em que a inteligência criativa deveria ser
exortada a operar e a liberdade da experiência criativa não apenas descoberta mas usada
e desfrutada. Finalmente, vem a fase da transformação – para aqueles capazes de
progredir até este ponto. Nesta última fase, o ―homem velho‖ é deixado de lado e um
novo espírito emerge de dentro, criativo, restaurador, trazendo à velha vida uma nova
visão de seu significado e intenção.‖




2
 GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa.Tradução Marcos Bagno. 5ª Edição. Editora Ática. São Paulo:
1997.Pg. 22.
4



          No entanto, apesar de seus efeitos práticos e terapêuticos, a verdadeira intenção
da meditação é a ampliação da consciência, da sabedoria, ou seja, é uma busca
espiritual. O propósito da nossa existência terrena é o desenvolvimento da nossa
sabedoria, e para que isso ocorra progressivamente, em um dado momento se torna
necessária a compreensão da natureza da nossa mente e da nossa capacidade de se auto-
direcionar e a meditação é um método que nos impulsiona neste sentido.


          Além do desenvolvimento individual, é preciso estar atento para o fato de que a
humanidade como um todo necessita desenvolver uma compreensão mais rica e
profunda sobre sua própria natureza. Porém, esta compreensão deve ter origem a partir
de uma profunda percepção, de uma visão intuitiva e, portanto, da visão interior de cada
um, o que pode surgir a partir de práticas meditativas.


          Segundo Adelaide Gardner ―A psicanálise tem feito muito para descobrir os
vários níveis da mente humana, mas no homem há algo mais do que apenas uma
variedade de modos de sentir e de pensar. A técnica de meditação foi concebida, e ainda
existe, para auxiliar os homens individualmente a descobrirem dentro de si próprios
aquele centro profundamente oculto da Vida uma criativa que é o direito inato de todo
membro da raça humana. A partir desse centro pode-se compreender muito do que seria
de outra forma obscuro. A partir desse nível muito pode ser feito pelo mundo pois,
embora nosso mundo necessite de alimento para as suas milhões de bocas famintas,
com ainda maior urgência, de luz para a escuridão de suas miríades de almas
humanas.‖3


          O propósito deste trabalho é explicar em linguagem simples e direta os
processos que ocorrem na mente daquele que pratica a meditação e em que medida estes
processos serão responsáveis pelo melhoramento da qualidade de vida do meditador e,
principalmente, na qualidade da sua saúde, implicando por vezes, na cura completa de
doenças.


          No presente trabalho será analisada a relação entre o desenvolvimento da prática
da meditação e o processo de cura de doenças, levando-se em conta a visão do yoga,

3
    GARDNER, Adelaide. Ob. Cit. pg. 26.
5



segundo a qual ―toda doença é apenas um reflexo do desequilíbrio interno‖4, e que
―existe apenas uma doença, que é o nível de distanciamento entre o ego e o ser‖.


        De maneira expositiva, não exaustiva e através de explicação simplificada,
algumas técnicas de meditação serão apresentadas como métodos de auto-treinamento
que podem conduzir a elevação do nível de consciência do praticante. Outras formas de
meditação serão apresentadas como um panorama da meditação que se faz presente nas
mais antigas tradições orientais, budistas, hinduístas, judaicas e até mesmo cristãs.


        Por fim, serão apresentados alguns casos práticos de cura através da meditação.




4
 PACKER, Maria Laura Garcia. A Senda do Yoga. Filosofia, Prática e Terapêutica. 2ª edição. Blumenau:
Nova Letra; 2009.pg. 339.
6



                                 1.      O QUE É MEDITAÇÃO


          De acordo com Joseph Goldstein, mestre de meditação, meditação é pura
matemática: ―todos os sistemas de meditação têm por meta o Um ou o Zero – a união
com Deus ou o esvaziamento. A via para o Um é através da concentração n´Ele; para o
Zero é a penetração no vazio da própria mente.‖5


          Matemática ou não, a prática da meditação tem como objetivo senão a cessação,
ao menos o apaziguamento das modificações mentais, capazes de elevar o pensamento
humano a níveis superiores aos do persistente diálogo interno pessoal, insistentemente
preocupado com afazeres mundanos. Segundo Pedro Kupfer6: meditar é parar de pensar.


          Adelaide Gardner cita que ―Patanjali descreve a natureza do pensamento e a
origem e estrutura da mente pessoal da seguinte forma: O Homem é, em essência, puro
espírito (purusha); o homem essencial existe tanto além como dentro da mente. A
associação de espíritos humanos individuais (purushas) com a forma de energia
chamada pensamento (manas) leva à consciência da experiência individual – sensações,
sentimentos, reproduções interiores do ambiente, percebidas individualmente – e assim
à formação das mentes pessoais. A mente pessoal é normalmente apenas uma série de
respostas e idéias automáticas que ligam um homem, com mais ou menos êxito, ao seu
ambiente. A pura consciência humana (purusha) jaz dentro e além do conjunto pessoal
de automatismos (vasanas) e é responsável por eles, mas não é usualmente capaz de
tornar o cérebro de vigília cônscio de sua existência, pois os automatismos, carregados
pesadamente com sentimentos (kama), são muito dominantes no campo da vida pessoal.
Assim, enquanto os automatismos permanecem incontestados, o homem espiritual é por
eles isolado da consciência de vigília. Resulta que a natureza pessoal é infeliz, gastando-
se a vida diária em incidentes confusos e pouco compreendidos, isolada do Eu interno
percebedor: o purusha sempiterno, o vidente. É a ignorância da verdadeira natureza e
existência do Eu que leva a uma conduta resultante e dor, dor que, felizmente, no fim,
leva o homem a buscar a explicação de seus sofrimentos e, assim, da própria vida. Se e
quando os automatismos puderem ser serenados e o Eu descoberto por trás do


5
    GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa, pg. 16.
66
    KUPFER, Pedro. Ob. Cit. Pg. 8.
7



comportamento conflitante da mente e dos sentimentos, só então os relacionamentos
fundamentais poderão ser compreendidos, tornando possíveis a iluminação e a
felicidade.‖7


          Com a prática da meditação o homem desenvolve a capacidade de observar-se,
de perceber os automatismos de sua mente, as samskaras e os vasanas, e com isso,
conhecer melhor a sua própria natureza. Com ela, o homem é capaz de descobrir que
existem vários níveis de pensamento e que pode direcionar a sua atenção para o nível
que desejar, desde que sua mente esteja treinada para isso. Por isso as várias técnicas de
meditação existentes podem ser adaptadas a cada personalidade diferente, permitindo
que todo ser humano seja capaz de meditar.


          Como foi dito na citação acima de Patanjali, a meditação permite a prática da
não identificação com os mecanismos da mente e do corpo ligados aos sentidos, a
erradicação das samskaras, e com isso, pode-se descobrir um caminho de retorno à
natureza divina humana. Através da meditação e com a cessação das modificações
mentais, o retorno ao passado e a projeção do futuro cessam e o viver o momento
presente se torna então possível. E viver no presente é o que dá plenitude ao ser.


            1.1. As técnicas de meditação


          A mente humana pode ser dividida em consciência sensorial, referente aos
sentidos — visão, audição, olfato, paladar, tato — e consciência mental. Esta última
atravessa níveis grosseiros como ódio ou desejo até níveis mais sutis como calma e
claridade. Nela estão incluídos os processos intelectuais, os sentimentos e emoções, a
memória e os sonhos.


          A meditação é uma atividade da consciência mental. Ela envolve uma parte da
mente que observa, analisa e lida com o resto da mente. Para praticar a meditação
existem várias técnicas, sendo que a tradição clássica da meditação divide estas técnicas
em cinco categorias: concentrada (concentrar), conscienciosa (plena atenção),
devocional (intuitiva), criativa (visualização) e reflexiva (reflexão). As técnicas

7
    GARDNER, Adelaide. Ob. Cit. pg. 13 e 14.
8



constituem importante instrumento para o alcance do propósito maior da meditação que
é o treinamento e a sutilização da mente até o alcance de estados mentais e espirituais
mais elevados.


       Cada pessoa deve praticar uma das técnicas de meditação e através da auto-
percepção descobrir com qual delas se identifica melhor, a ponto de poder alcançar seu
objetivo maior. Além disso, é importante conhecer os caminhos aos quais cada técnica
irá induzir a mente do meditador. Estes caminhos estão descritos em tratados como o
Visuddhimagga budista, considerada a mais ampla e detalhada obra de psicologia
tradicional dos estados de consciência humana.


       Buda identificou que pessoas com temperamentos diferentes se adaptam melhor
a alguns tipos de meditação e até mesmo a temas de meditação que a outros. O
Visuddhimagga também identifica os locais mais adequados para meditação de acordo
com o tipo de personalidade do meditador, mas isso será tema tratado mais adiante.


       Sendo a meditação um estado mental de percepção ampliada, a sua prática pode
ser formal ou informal. Ela será formal quando o meditador sentar diariamente, no
mesmo horário e local, alinhando o corpo, se sintonizar com a respiração e praticar a
técnica que julgar ser a mais apropriada. Este tipo de meditação gera uma disposição
interna que acaba por mobilizar a presença contínua do percebimento da realidade. Ela
será informal quando praticada a partir da focalização da mente sempre no momento
presente, em todas as atividades que se está praticando, por exemplo, trabalhando,
caminhando, cozinhando, andando de ônibus.


       Com a prática da meditação formal ou informal a meditação pode se tornar um
meio de vida. Com isso, também é desenvolvida a plena atenção, que é a via principal
para a concentração. Se não há concentração, a mente é atraída para as mais diversas
direções, indo para lá e para cá sem atingir qualquer objetivo ou propósito. E, ao iniciar
a prática da meditação, o primeiro ponto que se percebe é a intensa modificação mental
e a desconexão entre os caminhos percorridos pela mente, durante todo o período
desperto, e, inclusive, à noite, durante os sonhos. Mas, entre os pensamentos existe um
espaço vazio, e é ali que reside o Ser.
9



           O ato de olhar para a mente e observar a sua condição diminui a intensidade do
fluxo dos pensamentos, e pode revelar o espaço vazio que existe entre eles. Quanto mais
observada, mais apaziguada a mente se torna. A transformação da mente é um processo
lento e gradual, porém pode ser iniciado a qualquer momento, com o treinamento da
plena atenção por meio da respiração consciente, da conscientização de cada ato da
rotina diária e pela consciência do momento presente8.


           A seguir, serão apresentadas algumas técnicas de meditação formal mais
conhecidas, porém, não de maneira exaustiva. Como o objetivo deste trabalho não é
constituir um manual de meditação, mas sim apresentar seus benefícios, aquele que
pretende praticar alguma das técnicas deverá se instruir em livros apropriados para
praticar a meditação que entender mais apropriada.


           1. Meditação da Respiração: o meditador senta, observa e se conscientiza da
               sua respiração. O objetivo é não controlar a respiração, apenas observá-la,
               sem qualquer julgamento e sem identificação com os pensamentos que vão
               surgindo na mente.


           2. Meditação de fixação ocular ou trátaka: o meditador escolhe um ponto
               qualquer e deve fixar seus olhos nele por um longo período. O ponto pode
               ser na parede, ou a chama de uma vela. Com a fixação ocular, o meditador
               promove também a fixação da mente em um único foco. Toda vez que a
               mente se afasta do ponto, o meditador deve retornar novamente a ele.


           3. Meditação Vipassana: vipassana significa ―ver claramente‖. Esta técnica é
               baseada na auto-observação. O meditador deve sentar e observar um objeto
               que se destaca no momento presente, podendo ser a respiração, uma dor no
               corpo, um sentimento. A mais conhecida é a plena atenção nas narinas, no ar
               que entra e que sai, sem se identificar com os pensamentos que surgem na
               mente. O primeiro plano desta técnica é desenvolver a percepção na
               respiração, e o segundo plano é perceber a transitoriedade de todas as coisas.



88
     PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 292.
10



4. Meditação nos Chakras: esta meditação consiste em levar a consciência para
   cada um dos chakras, mentalizando a figura correspondente a ele, e a sua
   cor, iniciando pelo muladhara chakra e finalizando no sahasrara.


5. Meditação no yantra: yantras são símbolos ou diagramas que representam
   imagens do macrocosmos que se refletem no microcosmos. As suas imagens
   se comunicam diretamente com o Eu profundo. Podem ser desenhadas em
   papel, pedra, madeira ou no chão, podendo constituir imagens geométricas
   simples ou bastante complexas. Nesta meditação, o meditador deve fixar o
   olhar sobre a figura e visualizá-la mentalmente, até o ponto de ser capaz de
   desconstituir mentalmente a figura e após, reconstruí-la novamente.


6. Meditação em mandalas: as mandalas foram concebidas para serem
   instrumentos de meditação. Para Jung, renomado psicólogo, as mandalas
   representam a unidade e a totalidade da psique e abrangem o consciente e o
   inconsciente. Nesta meditação, deve ser desenvolvido o olhar da alma,
   treinando a visão interna do objeto.


7. Nispanda Bhava: concentração no mundo sonoro. Nesta técnica, o meditador
   deve levar sua atenção para os sons do momento presente em que se
   encontra, procurando não julgar, nem se apegar a eles. A partir de um
   momento, o meditador deve escolher um único som contínuo e fixar nele a
   sua atenção, voltando para ele toda a vez que a mente se distrair.


8. Mantra So’Ham: so’ ham significa eu sou e é o som natural da respiração.
   Aqui, o meditador deve trazer a atenção para a inspiração, quando produz o
   som so e para a exalação, quando produz o som ham. Então, inala
   produzindo mentalmente o som SO, e exala produzindo HAM. A plena
   atenção na respiração e no som produz profunda concentração e acalma a
   mente.


9. Meditação no mantra OM: o meditador deve sentar-se e trazer sua atenção
   para o ponto entre as sobrancelhas repetindo mentalmente o mantra OM,
11



         continuamente, com a língua parada, tocando no céu da boca, de preferência
         no palato mole.
     10. Atma-vicara: é a meditação da investigação do EU – ―quem sou eu?‖. O
         meditador senta, com a mente apaziguada e repete mentalmente: ―eu não sou
         o meu corpo físico e nem as sensações que o afetam...‖. Depois: ―eu não sou
         o meu corpo emocional e nem as emoções que emanam dele...‖. Depois: ―eu
         não sou o meu corpo mental nem os pensamentos que passam por ele...‖.
         Praticando a observação, o meditador passa então a mentalmente se
         perguntar ―quem sou eu‖.


     Seja qual for a técnica escolhida sempre que se pratica meditação se estará
lidando com a consciência, com a mente e com o cérebro.


     Consciência é algo inerente a todo ser humano e está ligada a atributos pessoais
como individualidade, personalidade, inteligência e vontade própria, mas em um grau
superlativo e transcendente. Individualmente, ela está relacionada àquilo que
conhecemos como alma humana, que é a identidade suprema dos seres humanos e que
está conectada com a Consciência Cósmica superior ou bhagavan. A consciência seria
purusha individualizado, sem a sua percepção pela mente. Quando transcendemos a
mente, aumentamos a nossa consciência e podemos, ainda que por breves instante,
perceber purusha em nós.


     A consciência pode variar de acordo com o conhecimento de cada um, da
intensidade de sua perspicácia, com a sua educação e experiência – quanto mais
educada e experiente, maior a sua consciência. Sendo a consciência ligada á
capacidade do indivíduo de perceber o mundo e de se perceber no mundo, quando o
conhecimento do ser humano e o alcance dos objetos de conhecimento se aprofundam,
assim como o seu entendimento, a mente pode desenvolver seu pleno potencial.


     A mente, então, é um instrumento da consciência e nela estão contidos os
condicionamentos, padrões de pensamento, memória e raciocínio. A mente trabalha
ininterruptamente, mesmo quando estamos dormindo. Para o yoga, a mente é citta.
12



           Citta é uma palavra ―derivada de cit ou citt (IV-34), um dos três aspectos do
     Paramãtmã, chamado Sat-cit-ãnanda no Vedanta. Este é o aspecto em que se baseia o
     lado-forma do universo e através do qual ele é criado. O reflexo deste aspecto na alma
     individual, que é um microcosmo, é chamado citta. Citta é assim, aquele instrumento
     ou meio através do qual jivãtmã materializa seu mundo individual, nele vive e evolui,
     até que se torne perfeito e unido com o Paramãtmã. Em termos gerais, citta
     corresponde à mente da psicologia moderna, mas tem um alcance e um campo de
     atuação mais abrangente. (...)


           Não devemos, entretanto, cometer o erro de imaginar que citta como uma
     espécie de meio material moldado sob diferentes formas quando diferentes tipos de
     imagens mentais são produzidas. Fundamentalmente, sua natureza é a da consciência,
     que é imaterial, mas afetada pela matéria. De fato, pode-se dizer que citta é um
     produto de ambos, consciência e matéria, ou purusha e prakriti, sendo ambos
     necessários para seu funcionamento. É como uma tela intangível, que permite que a
     luz da consciência seja manifestada no mundo manifestado. Mas o segredo real de sua
     natureza essencial subjaz na origem do universo manifestado e somente pode ser
     conhecido quando se atinge a Iluminação.‖9


           Por fim, temos o órgão material humano, o cérebro, que dá lugar para a
     manifestação material da mente humana, e que coordena todo o sistema nervoso, o
     qual, por sua vez, permite que o indivíduo perceba e interaja com o meio.


           O cérebro é o local onde ocorrem as funções mentais e é formado por neurônios
     que transferem informações entre si. É no cérebro que informações oriundas dos
     sentidos são processadas, onde ocorre a comunicação com o mundo físico, onde
     acontece o raciocínio, a concentração, a criatividade e imaginação. É nele que ocorrem
     as incessantes modificações que se quer ver acalmadas pela meditação.


           A meditação irá trabalhar com estes três elementos: cérebro, mente e
     consciência. O domínio da mente acontece com o desenvolvimento da respiração, da
     plena atenção e da concentração.

99
     TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 20.
13




     As técnicas de desenvolvimento e controle da respiração é, na realidade, o
controle da energia vital, ou pranayãma, sobre o qual será discorrido mais adiante.


     A plena atenção é desenvolvida praticando a focalização mental em um único
ponto. Com isso, é possível perceber cada vez que a mente sai do foco, ou seja, se
modifica, e trazer ela novamente aquele ponto. Isso desenvolve o observador interno,
aquele que percebe as modificações mentais e que está atento de si mesmo durante
todo o dia, e durante todas as atividades do meditador. O meditador desenvolvido
permite que agir de acordo com a consciência e não de acordo com os
condicionamentos mentais.


     Para se alcançar o estado meditativo, primeiramente, é necessário desenvolver a
concentração da mente em um único ponto. Isso é dhãrana do Yoga, o sexto membro
do Yoga Sutra de Patãnjali, que antecede a meditação e é um estado de não
movimentação da mente, apenas focalização em um único ponto.


     Vários objetos, figuras e imagens podem servir para foco de concentração. Eles
serão um meio para atingir o estado meditativo. Quando a mente consegue se
concentrar inteiramente no objeto ele irá tornar-se um ponto de obstrução, e somente
quando ele desaparecer a meditação ocorrerá.


     Por fim, a respiração também deve ser levada em conta, já que no oriente ela é
considerada um fenômeno fisiológico, psíquico e prânico. O controle da respiração é
um meio de controle da mente. Sempre que focamos a respiração, a mente volta para o
momento presente.


     A seguir, uma breve apresentação da meditação no Yoga, no budismo e no
Bhagavad-Gita irá mostrar que elementos como mente, consciência, respiração,
concentração estarão sempre presentes quando se trata de meditação.
14



          1.2. A meditação, segundo o Yoga de Patañjali


        I-2) ―Yogas citta-vritt-nirodhah‖
        I -2) Yoga é a inibição das modificações da mente.10


        A meditação ou dhyãna é o objetivo do yoga. É para a meditação que a prática
dos ásanas deve ser direcionada. A meditação é o que dá sentido ao yoga.


        Para Patañjali, no Yoga-Sutra, ―III. 1. Concentração é o confinamento da mente
dentro de uma área mental limitada (objeto de concentração). III.2.Fluxo ininterrupto
(da mente) na direção do objeto (escolhido para meditação) é contemplação. III.3. A
mesma (contemplação), quando há consciência somente do objeto de meditação e não
de si mesma (a mente), é samãdhi.”11


        De acordo com Maria Laura Garcia Packer, a meditação é resultado de
pratyãhãra, que é a reeducação dos sentidos ou o recolhimento dos sentidos que irá, por
sua vez, conduzir à concentração ou dhãrana. O resultado da concentração em um único
objeto, sem mais modificações mentais, é a contemplação ou dhyãna. O último estágio
de concentração da mente é o desaparecimento da mente da consciência sobre si
mesma: o samãdhi.


        Antes de entrar no estudo destes termos, é importante mencionar que o Raja
Yoga, cuja obra clássica e autorizada pela tradição antiga da Índia é o Yoga Sutra de
Patañjali, determina os métodos e práticas que podem levar um indivíduo ao total
domínio da mente. O objetivo final do Yoga é a autorrealização, que pode ser atingida
pelo domínio das aflições humanas, do klesas, e pela total cessação das modificações
mentais ou cittavrittis. O método de autorrealização descrito por Patañjali possui oito
passos, sendo eles:


        1. Yama: conjunto de condutas morais e éticas, refreamentos;


10
   Yoga Sutra de Patanjali, citado em TAIMNI, I.K. A Ciência do Yoga. Comentários sobre os Yoga-
sutras de Patanjali à luz do pensamento moderno. Tradução Milton Lavrador. Brasília, Editora Teosófica,
2006. 4ª edição, pg. 19.
1111
     TAIMNI.I.K. ob. Cit. Pgs, 217, 219 e 221.
15



           2. Niyama: conjunto de condutas disciplinares, auto-disciplina;
           3. Ásana: posturas psicofísicas;
           4. Prãnayãma: controle do prana – energia vital;
           5. Pratyãhãra: recolhimento ou retração dos sentidos;
           6. Dhãrana: concentração;
           7. Dhyãna: meditação;
           8. Samãdhi: êxtase.


           Antes de prosseguir com o estudo dos 4 últimos passos, que serão os mais
discorridos a seguir, cabe mencionar alguns pontos importantes sobre yamas e nyamas,
posto que ambos são de extrema importância para a vida e para a prática daquele que
tem como objetivo a prática da meditação.


           “Yamas correspondem ao desenvolvimento de uma conduta moral e ética sadia,
capaz de evitar toda e qualquer dor em quem quer que seja. Yama em sânscrito,
significa morte, ou seja, deixar morrer tudo o que em nós se torne obstáculo para atingir
a iluminação.‖12


           As condutas morais e éticas, ou yamas, consistem em:
                Ahimsã: não violência contra toda e qualquer forma de vida;
                Satya: veracidade ou abstenção da mentira, perfeita coerência entre
                   pensamento, palavras e atos;
                Asteya: abstenção do roubo;
                Brahmacarya: domínio das energias ou não perversão sexual;
                Aparigraha: não possessividade e abandono da ânsia pela conquista e
                   manutenção de bens materiais.


           Os niyamas ―correspondem aos aspectos internos que necessitam ser
desenvolvidos na senda de retorno, o caminho à consciência. Caracterizam o
florescimento das virtudes da alma e despertam nossa natureza real.‖13Portanto, os
nyamas são sempre referente à vida interior.


12
     PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 27.
13
     Idem, pg. 28.
16



           Estas condutas auto-disciplinares ou regras de vida, consistem em:
                 Sãuca: ou pureza nos aspectos físico, mental e emocional;
                 Santosa: ou contentamento. É a alegria, o deleite que surge, natural e
                   espontaneamente, resultante do desapego dos frutos da ação e da
                   indiferença em relação às circunstâncias;
                 Tapas: ou auto-esforço, perseverança. É a vontade forte empregada para
                   superar limitações e alcançar o objetivo.
                 Svãdhyãyã: auto-estudo. É estudar-se a si próprio, é a meditação sobre si
                   mesmo;
                 Isvara-pranidhãna: ou entraga ao Absoluto, ou a Deus. É entregar a Deus
                   todas as suas ações, implicando em total renúncia aos frutos de qualquer
                   ação, já que todos os passos são entregues a Deus.


           Por fim, é importante falar sobre o controle do prãna, ou prãnayãmas, que
     constituem o quarto passo do caminho da Autorrealização do Yoga, que foram acima
     mencionados. O prãna ou energia vital é responsável pela conexão entre o corpo e a
     mente, ou seja, ele é o elo que une a matéria e a energia. Por conseguinte,
     ―expressando-se através da mente, a consciência não pode entrar em contato com a
     matéria e atuar através dela sem a presença intermediária do prãna. A matéria, em
     associação com a energia, não pode afetar a consciência, a não ser por intermédio de
     prãna.” De acordo com o Yoga Sutra II- 49 de Patañjali: ―Isto tendo sido (realizado),
     (segue-se) prãnayãma, que é a cessação de inspiração e expiração”.14


           O objetivo do controle da respiração através da prática dos prãnayãmas é obter o
     controle consciente das correntes prânicas do corpo e por consequência, obter o
     controle dos cittavrittis, ou modificações mentais e as mudanças na consciência. Os
     prãnayãmas preparam, então, a mente para os passos seguintes: dhãrana, dhyána e
     samãdhi.


           Assim, “Yamas e Nyamas eliminam as perturbações causadas pelos desejos e
pelas emoções descontroladas. Ásana e prãnayãma eliminam as perturbações
provenientes do corpo físico. Pratyãhara, desligando a mente dos órgãos sensoriais,

14
     TAINMI, I.K. Ob. Cit. Pg. 204.
17



isola o mundo externo e as impressões por ele produzidas na mente. A mente fica, pois,
completamente isolada do mundo externo (...). Somente nestas condições é que é
possível a prática exitosa de dhãrana, dhyãna e samãdhi.”15


              1.2.1. Pratyãhãra
           De acordo com o Yoga Sutra II-54: ―Em pratyãhãra, ou abstração, é como se os
sentidos imitassem a mente, retirando-se dos objetos.”16


           Para que ocorra a concentração, é necessário que ocorra um estado de
relaxamento que dê condições para que a mente seja acalmada ou serenizada. Isso
significa que a mente deve estar e estado de não reação, não identificação com sentidos,
com aversão ou com apego. Para isso, o recolhimento dos sentidos é absolutamente
imprescindível, pois sem eles, a mente se distrai, seguindo os sentidos e impedindo a
concentração em um único objeto.


           De acordo com o Samkhya, depois da formação do ego, ocorre uma bifurcação
entre os mundos objetivo e subjetivo, sendo que os cinco sentidos serão a base da
percepção do mundo externo, com seus elementos e qualidades sensíveis. Pratyãhãra
seria o recolhimento destes sentidos de modo a fazer com que eles não atuem sobre a
faculdade da ação e que a mente não se identifique com o que foi sentido. Para que isso
ocorra, é necessário que o ato de recolhimento, ou supressão, seja consciente e
voluntário, pois se assim não for, ocorrerá uma repressão inconsciente, que acabará por
resultar no indivíduo um sentimento de perda.


           Praticando pratyãhãra, os desejos, o prazer e a dor são dominados uma vez que
a percepção torna-se uma tomada de consciência e não uma identificação física. A
importância de pratyãhãra reside no fato de que ele trata da relação do homem com o
mundo exterior. ―Em primeiro lugar, o mundo exterior se dá à consciência como
sensação, há um estímulo e uma resposta da consciência. Quando esta resposta passa
por uma elaboração mental, o que era sensação se transforma em percepção: a sensação
de ruído se transforma na percepção de que caiu alguma coisa. Em segundo lugar,


15
     Idem, ob. Cit. Pg. 217.
16
     TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 211.
18



determinados estímulos produzem como reação estados emocionais, ou seja, uma
disposição geral do organismo que se traduz, por exemplo, como ira, medo, pesar ou
deleite. Quando as emoções perduram, transformam-se em sentimentos: amor, ódio,
tristeza, etc. Daí que o controle dos sentidos abarque uma gama imensa de fenômenos
subjetivos: sensação, percepção, emoção, sentimento, o que, sem dúvida, repercute
intensamente nas relações do ego com o mundo e consigo mesmo.‖17


       Neste contexto, as sensações são o principal alvo de pratyãhãra, em especial, as
sensações de calor, de frio, de dor e de deleite. Isso porque o sistema nervoso humano,
da maneira como é formado e, sendo os impulsos nervosos de natureza química, porém
com propriedades elétricas, levam os seres humanos a facilmente confundirem os
sentidos ou serem confundidos por eles. Por exemplo: se colocarmos alternadamente
uma mão em um balde de água fria e depois em um de água quente, em pouco tempo
não saberemos distinguir qual é o com água quente e qual é o com água fria. Às vezes,
um frio intenso queima e é recebido como uma sensação de calor. Por outras, em um
estado de febre muita alta, sente-se calafrios.


       A explicação de pratyãhãra dada por Taimni é mais física, porém não mesmo
profunda e consiste no fato de que os estímulos externos provocam vibrações nos
órgãos sensoriais. Se a mente não estiver ligada ao órgão sensorial, estas vibrações
permanecem desapercebidas. Isso ocorre, em parte, e com algumas vibrações, no nosso
dia a dia. Por exemplo: quando um barulho constante produzido por um relógio de
parede não é percebido por alguém trabalhando compenetrado na sala. No entanto,
apesar de ignorarmos algumas vibrações no dia a dia, outras são absolutamente
incontroláveis. E é delas que estamos nos referindo quando se trata de supressão dos
sentidos. Na realidade, pratyãhãra implica numa total e voluntária abstração dos
sentidos, na exclusão da atenção ou concentração em qualquer objeto do mundo
exterior,―a retirada da mente para dentro de si mesma. É um tipo de abstração tão
completo que os órgãos sensoriais param de funcionar.‖18




17
   HENRIQUES, Antônio Renato. Yoga e Conciência: a Filosofia Psicológica dos Yoga-Sutras de
Pátañjali. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984., pg. 202.
18
   TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 213.
19



            1.2.2. Dhãrana
        O próximo passo é a concentração, ou dhãrana. De acordo com o Yoga Sutra
III-I: ―Concentração é o confinamento da mente dentro de uma área limitada (objeto de
concentração).19


        Como a mente está sempre em um processo ininterrupto de movimentação, ela
deve ser fixada em um único objeto mental e sempre que se distrair dele, ela deve
imediatamente a ele retornar. Este objeto pode ser interno ou externo ao corpo. O
objetivo do meditador deve ser, pouco a pouco, impedir a fuga da mente do objeto e a
permanência da concentração nele, pelo máximo de tempo possível, com a maior nitidez
e fixação possíveis.


        Diz-se que a movimentação mental fica limitada ao objeto porque um objeto
possui vários aspectos aos quais a mente pode se apegar durante o processo de
concentração. Por exemplo, se a concentração for sobre uma flor, a mente pode se
concentrar nas folhas, no caule, nas pétalas, na cor. São campos de movimentação
mental, mas delimitados sempre na flor. Se a mente for para o jardim, para o vaso onde
ela está plantada, ou para o bouquê recebido no último aniversário, ocorreu a distração e
ela deve retornar à flor, unicamente. Esta repetição do retorno da mente ao objeto acaba
por cansar a mente, que em um dado momento, de tanto ser a ele trazida, irá repousar
naturalmente sobre ele.


        O objeto ―deve funcionar como um centro gravitacional da atenção, que, apesar
de dinâmica, não escapa de um determinado campo. Com isto a concentração mental é
adquirida e a atenção fixada passa de dinâmica à imóvel. A partir deste momento,
iniciamos o processo de dhyãna.”20


        1.2.3. Dhyãna
        De acordo com o Yoga Sutra III-2: “Fluxo ininterrupto (da mente) na direção
do objeto (escolhido para meditação) é contemplação.”21



19
   Idem, pg. 217.
20
   HENRIQUES. Ob. Cit. Pg. 205.
2121
     TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 219.
20




           Como foi mencionado no último parágrafo do item anterior, quando o fluxo da
mente é ininterrupto em direção a um único objeto, sem qualquer interferência de
qualquer outro pensamento e pelo tempo que desejar, ocorre então dhyãna, ou
contemplação. Se houver a interrupção por outro pensamento, ocorre a distração e acaba
o estado contemplativo.


           Neste estágio ocorre do meditador poder aumentar o espaço vazio entre um
pensamento e outro. Como nestes espaços vazios não há o trabalho da mente (vrittis), o
alargamento destes espaços conduz ao próximo estágio, para além da mente, para o
encontro com o SER, ou o samãdhi.


               1.2.4. Samãdhi
           O último estágio passo da Autorrealização é o samãdhi. Yoga Sutra III-3: “A
mesma (contemplação), quando há consciência somente do objeto de meditação e não
de si mesma (a mente), é samãdhi.


           Para melhor explicar o samãdhi, vale citar as palavras de Taimni: ―Quando o
estado de dhyãna tiver sido bem estabelecido e a mente puder reter o objeto da
meditação sem quaisquer distrações, será possível conhecer o objeto muito mais
intimamente do que no pensamento comum, mas, mesmo então, não será possível obter
um conhecimento direto da sua verdadeira essência e a realidade nele oculta parecerá
escapar ao yogi. Ele é semelhante a um general que alcançou os portões do forte que
tem de conquistar, os quais, no entanto, estão fechados, e ele é incapaz de entrar. O que
se interpõe entre ele e a realidade do objeto que ele quer conhecer? III-3 dá uma
resposta a esta pergunta. A própria mente está impedindo a compreensão da verdadeira
essência do objeto da meditação. Todas as distrações foram completamente eliminadas e
a consciência está plenamente focada no objeto de meditação. De que modo a mente
interfere na total compreensão da essência do objeto? Interpondo a consciência de si
mesma entre a realidade oculta por trás do objeto e a consciência do yogi. É esta
autoconsciência, ou subjetividade, pura e simples, que serve como véu para separá-la do
objeto e ocultar a realidade que o yogi está procurando.‖22

2222
       TAIMNI, I.K. ob. Cit. Pg. 221.
21




          É o desaparecimento da autoconsciência, o desapego final da mente, que fará
com que os portões se abram para o samãdhi. Quando some a autoconsciência,
desaparece também a relação sujeito-objeto (de dhyãna) e o meditador entra em total
unidade com o próprio objeto, ocorrendo a realidade oculta por trás do objeto. Aqui, o
meditador ultrapassa o último estágio da mente ou da matéria prakriti, e entra em
contato com purusha.


          ―Podemos compreender agora como os tattvas descritos pelo Samkya estão, na
prática do Yoga, imersos uns nos outros, no sentido inverso ao de sua emanação:
através do pratyãhãra, os sentidos se retiram do mundo exterior e convergem na
faculdade mental (manas); através do dhãranã e do dhyãna, as modalidades do
psiquismo são suspensas e unificadas ao eu individual (ahamkara); no samãdhi com
suporte, o eu individual se reabsorve em Buddhi, o princípio de pura inteligência, sem
forma e supra-individual; e mais adiante veremos como, na última forma de samãdhi, a
própria Buddhi é absorvida no Ser absoluto.‖23


        1.3. A meditação do budismo


                        “Ó mente! Por que pairas incansavelmente assim sobre as
                        cambiantes circunstâncias da vida? Por que me deixas tão confuso
                        e inquieto? Porque me incitas a coligir tantas coisas? És como o
                        arado que se quebra em pedaços antes de começar a arar. És como
                        o leme que se desmantela, no momento em que te aventuras neste
                        mar da vida e da morte.
                        Para que servem os muitos renascimentos se não fazemos bom uso
                        desta vida?


                        Ó mente minha! Uma vez me levaste a nascer como rei e outra me
                        levaste a nascer como um pária e a mendigar meu alimento. Às
                        vezes me faz nascer em divinas mansões dos deuses e a morar na
                        luxúria e êxtase, depois me atiras nas chamas do inferno.

23
     HENRIQUES, Antônio Renato. Ob.cit. pg. 208
22




                     Ó minha tola, tola mente! Assim me conduziste por longos e
                     diversos caminhos e sempre te fui obediente e dócil. Mas agora que
                     ouvi os ensinamentos de Buda, não mais me perturbarás ou me
                     causarás sofrimentos. Busquemos juntos a Iluminação, humilde e
                     pacientemente.


                     Ó mente minha! Se pudesses aprender que tudo é não-substancial e
                     transitório. Se pudesses aprender a não te apegares às coisas, por
                     elas não ansiares, a não dares vazão à cobiça, ira e tolice, então,
                     poderemos caminhar em paz. Se rompermos os grilhões dos
                     desejos com a espada da sabedoria, se não nos abalarmos com as
                     mutáveis circunstâncias da vida, com a vantagem ou desvantagem,
                     com o bem ou o mal, com a perda ou lucro, com o louvor ou o
                     abuso, então,poderemos viver em paz.


                     Ó mente querida! Foste tu que primeiro despertaste em nós a fé e
                     foste tu que sugeriste a nossa procura da Iluminação. Por que,
                     facilmente, dás lugar à cobiça, ao amor pelo conforto e ao prazer
                     novamente?


                     Ó minha mente! Por que saltitas para cá e para lá, sem um
                     definido propósito? Cruzemos este bravio mar da ilusão. Até aqui
                     agi como desejaste, mas agora deves agir como eu quiser e juntos
                     seguiremos os ensinamentos de Buda.


                     Ó mente querida! Estas montanhas. Estes rios e mares são
                     inconstantes e fontes de sofrimento. Onde, neste mundo de ilusão,
                     poderemos encontrar paz? Sigamos o ensinamento de Buda e
                     atinjamos a outra praia da Iluminação.”24




24
  KYOKAI, Bukkyo Dendo, Sociedade para a divulgação do Budismo. A Doutrina de Buda. 4ª edição.
Impresso por RRDonnelley Moore. Pg. 156, 157 e 158.
23



         1.3.1. Os Caminhos do Budismo25
         Para o Buda, aqueles que buscam a iluminação devem fazer de suas mentes um
castelo e decorá-lo. Para o budismo, existem três caminhos que aquele que busca a
iluminação deve seguir: 1) disciplina do comportamento prático; 2) correta
concentração da mente; 3) sabedoria.


         A disciplina é referente ao controle dos sentidos e do comportamento, a
concentração refere-se ao cultivo da mente pura e tranquila e a sabedoria é a capacidade
de compreensão das Quatro Nobres Verdades: 1) conhecer o fato do sofrimento e sua
natureza; 2) conhecer a fonte do sofrimento; 3) conhecer o que constitui o término do
sofrimento; 4) conhecer o Nobre Caminho que leva ao término do sofrimento.


         A análise dos três Caminhos revelam os Oito Nobres Caminhos, os quatro
pontos de vista a serem considerados, os quatro corretos procedimentos, as cinco
faculdades do poder a serem empregadas e a perfeição das seis práticas.


         Os Oito Nobres caminhos são:
         1) a percepção correta: compreender as Quatro Verdades, acreditar na lei da
causa e efeito e não ser enganado pelas aparências e desejos;
          2) pensamento correto: não nutrir desejos, não ser ganancioso e irritadiço e
não praticar atos nocivos;
          3) fala correta: evitar palavras falsas, inúteis, abusivas e ambíguas;
          4) comportamento correto: não matar nenhuma forma de vida, não roubas e
não cometer adultério;
          5) meio de vida correto: evitar a vida que possa causar vergonha;
          6) esforço correto: dar o melhor de si e agir com diligência;
          7) atenção correta: manter mente pura e atenta;
          8) concentração correta: manter a mente correta e tranqüila, procurando a
compreensão da sua pura essência.




25
  Este item foi resumido do livro A Doutrina de Buda. 4ª edição. Impresso por RRDonnelley Moore,
página 164 à 177.
24



           Os quatro pontos de vista a serem considerados são: 1)Considerar o corpo
impuro e procurar afastar todo o apego a ele; 2) Considerar os sentidos como fonte de
sofrimento, sejam sentimentos de dor ou prazer; 3) Considerar a mente como estando
em constante estado de fluência; 4) Considerar a impermanência de todas as coisas.


       Os quatro procedimentos corretos são: 1) evitar o início do mal; 2) eliminar todo
o mal; 3) induzir a prática de boas ações; 4) prosseguimento das boas ações que
começaram.


       As cinco faculdades do poder são: 1) fé em acreditar; 2) vontade em se esforçar;
3) boa e segura memória; 4) concentração mental; 5) manter clara a sabedoria.


       As seis práticas perfeitas para atingir a sabedoria são: 1) prática da caridade; 2)
prática de observar os preceitos; 3) prática da tolerância; 4) prática do esforço; 5) prática
da concentração mental; 6) prática da sabedoria.


           Os discípulos de Buda ainda devem praticar cinco preceitos: não matar, não
roubar, não cometer adultério, não mentir e não se intoxicar com nenhuma substância.
Este seria, de modo bem resumido, o código de conduta do budismo, para que a mente
se liberte das causas de suas modificações e para a cessação do sofrimento do indivíduo.
Na prática, o clássico budista Visuddhimagga dá uma noção da aplicação dos preceitos
de conduta e de seus efeitos sobre os processos mentais no caminho da Iluminação, que
passa pela meditação. Como o objetivo deste trabalho não é o de exaurir o tema da
meditação, a seguir será dada uma pequena noção da meditação na obra clássica
budista.


           1.3.2. O Visuddhimagga
           O clássico budista Visuddhimagga, é considerado por Daniel Goleman ―a mais
ampla e detalhada psicologia tradicional dos estados de consciência.‖26 Ele começa
indicando os melhores ambientes para praticar a meditação e as atitudes que preparam o




26
  GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa.Tradução Marcos Bagno. 5ª Edição. Editora Ática. São
Paulo: 1997.Pg. 25.
25



meditador para a prática. Descreve também como o meditador deve treinar sua atenção
e o que ele encontra pelo caminho da meditação até atingir o estado de nirvana.


             Para o Visuddhimagga, a meditação deve começar pelo cultivo da virtude ou da
pureza moral. O cultivo sistemático da pureza e da virtude no pensamento, na palavra e
na ação do meditador o ajudam a concentrar energia para alterar a consciência no estado
de meditação. De acordo com esta obra, pensamentos impuros ou não virtuosos são uma
perda de energia e de tempo. Por exemplo, fantasias sexuais, raiva, ódio induzem à
distração no momento de meditar.


             O ―treinamento‖ budista para atingir a Iluminação possui três grandes divisões:
o processo de purificação, a concentração meditativa e a introvisão. Os três estão
intimamente ligados: ―esforços para purificar a mente facilitam a concentração inicial,
que permite a introvisão sustentada. Desenvolvendo a concentração ou a introvisão, a
pureza se torna, em vez de um ato de vontade, fácil e natural para o meditador. A
introvisão fortalece a pureza, enquanto ajuda a concentração; a forte concentração pode
ter como subprodutos a introvisão e a pureza. A interação não é linear; o
desenvolvimento de qualquer uma facilita as outras.‖27


             1.3.3. O processo de purificação
             O processo de purificação tem inicio com a observância de um código de
disciplina para leigos, nocivos e monges totalmente ordenados. O leigo deve não matar,
não roubar, não ter relações sexuais ilegais, não mentir e não se intoxicar. Para os
demais a lista de abstenções se amplia, mas de qualquer maneira, a intenção das
proibições é a preparação para a meditação, tendo em vista que a pureza deve ser
embutida nas atitudes mentais do meditador, de onde surgirão o discurso, a ação e o
pensamento puros e adequados. A intenção é liberar a mente de pensamentos ―impuros‖
como remorso, culpa, vergonha, que irão atrapalhar a meditação.


             Assim, o comportamento também deve ser controlado porque ele acaba por
afetar a mente e a produção de pensamentos. A conduta moral pura tem o objetivo de
purificar e acalmar a mente.

27
     Idem, pg. 27.
26




            Para ter a mente calma, dominada e pura, é necessário a contenção dos sentidos
por meio da atentividade. É o pratyãhãra do Yoga Sutra de Patañjali. ―Na atentividade,
o controle dos sentidos advém através do cultivo do hábito de simplesmente observar
percepções sensoriais, sem permitir que estimulem a mente em cadeias de pensamentos.
A atentividade é a atitude de prestar aos estímulos sensoriais o mínimo de atenção.
Quando sistemicamente desenvolvida na prática do vipassana (ver as coisas como são),
a atentividade torna-se o caminho para o estado nirvânico.‖28


            Na prática, a atentividade desenvolve o observador. O meio de vida correto
também é indicado para o meditador, por exemplo, a fonte de seus recursos financeiros
deve ser tal que não cause desconfianças, as posses devem ser mínimas, a alimentação
deve ser moderada, o suficiente para garantir a saúde física, a morada deve ser ao largo
do mundo, no caso de impossibilidade, deve o meditador ter um local próprio, exclusivo
e retirado para meditação, a preocupação indevida com o corpo deve ser evitada.


            O meditador, ainda, deve agir sem avidez e cercar-se de pessoas que pensam
como ele. Por fim, praticando estas ações, o meditador não deve se orgulhar das suas
práticas e de seus frutos, em detrimento daqueles que não as praticam. Todas as
conquistas são perdidas no orgulho, prejudicando a pureza.


            1.3.4. A concentração
            Então, a pureza é o estado psicológico fundamental para a concentração, sendo
ela responsável pela eliminação sistemática de fontes de distração. Já a concentração
requer a não distração e sua meta é fixar a mente em um único objeto (tal como a
concentração do Yoga Sutra de Patañjali).


            Para o Visuddhimagga, os diferentes objetos de concentração possuem
consequências diferentes para o resultado da meditação e a natureza, a profundidade e
subprodutos da concentração. Ele indica quarenta temas de meditação:




28
     GOLEMAN, Daniel. Ob. Cit. Pg. 28.
27



            - ―Dez kasinas, rodas coloridas com cerca de trinta centímetros de
circunferência: terra, água, fogo, ar, azul-escuro, amarelo, vermelho-sangue, branco,
luz, espaço delimitado;
            - Dez asubbas, cadáveres repulsivos, decompostos: Por exemplo, um cadáver
intumescido, um cadáver corroído, um cadáver infectado de vermes, etc., incluindo um
esqueleto;
            - Dez reflexões: sobre os atributos de Buda, a Doutrina, o sangha, paz, a
própria pureza da pessoa, a própria liberalidade da pessoa, a própria posse de qualidades
divinas da pessoa, ou sobre a inevitabilidade da morte; contemplação sobre as 32 partes
do corpo ou na inspiração- expiração;
            - Quatro estados sublimes: benevolência, compaixão, alegria na alegria de
outrem e serenidade;
            - Quatro contemplações sem forma: do espaço infinito, da consciência infinita,
do reino do nada e do reino da ―nem percepção nem não percepção‖; a repugnância da
comida;
            - Os quatro elementos físicos: terra, ar, fogo, água como forças abstratas (isto
é, extensão, mobilidade, calor, coesão).‖29


            Para Buda, o temperamento de cada pessoa se enquadra melhor com um
determinado tipo de meditação e local para meditação. O budismo também recomenda
um mestre para apontar o caminho ao discípulo, devendo ele ser escolhido de acordo
com o nível de progresso na prática da meditação.


            Na concentração, a unidirecionalidade da mente por longos períodos é
resultado do progresso da prática da meditação e, quando o meditador consegue
alcançar longos períodos de concentração, ele também é capaz de abandonar hábitos
mentais antagônicos. É, na realidade, o resultado da prática do desapego aos
condicionamentos mentais.


            O alcance de estágio onde o período de concentração leva o meditador a
experimentar estados de beatitude, e, por ser um estágio muito próximo da ―absorção
total‖, é chamado de ―concentração acesso‖. Neste estágio o meditador pode

29
     GOLEMAN, Daniel. Ob. Cit. Pg. 31.
28



experimentar sensações de alegria, arrebatamento, prazer, serenidade, ele pode vir a ter
visões, assustadoras, inclusive, mas é um estado precário de meditação. A meta do
meditador deve ir além dessas sensações e destas visões e, para alcançar o próximo
estágio, o meditador deve abandonar estas sensações.


            Quando houver o abandono, o meditador penetra totalmente no objeto de
concentração, rompendo totalmente com a consciência normal e atingindo o primeiro
jhana, ou absorção total. Os pensamentos cessam assim como as percepções sensoriais
e corporais. Assim o primeiro jhana é atingido quando o meditador atinge
simultaneamente, a atenção sustentada no objeto e a consciência é dominada pelo
êxtase, pela beatitude e pela unidirecionalidade.


            Alcançado o primeiro jhana a meta do meditador passa a ser o alcance de
jhanas mais profundos, sendo o último o oitavo. Para atingir o próximo estágio, o
meditador sempre será impelido a se desapegar dos êxitos alcançados no estágio
anterior.


            A seguir é apresentado o esquema das etapas das vias de concentração com as
sensações alcançadas por cada jhana. O esquema é tal que é visível que cada jhana
repousa no anterior, sendo necessário sempre o desapego para atingir o estágio superior.
A progressão em cada jhana implica na sutilização progressiva da matéria mental e na
consciência. Este esquema conta o livro A Mente Meditativa de Daniela Goleman, pg.
38:


            1- Estados de acesso: pensamentos estorvantes superados, outros pensamentos
               permanecem. Consciência de dados sensoriais e estados corporais. O
               primeiro objeto de concentração domina o pensamento. Sensações de
               êxtase, felicidade, serenidade. Pensamentos iniciais sustentados no primeiro
               objeto. Centelhas de luz ou leveza corporal.
            2- 1º Jhana: cessam todos os pensamentos estorvantes, a percepção sensorial,
               a consciência da dor corporal, a atenção inicial e ininterruptamente
               sustentada ao primeiro objeto de concentração. Sensações de êxtase,
               beatitude e unidirecionalidade.
29



         3- 2º Jhana: Sensações de êxtase, beatitude e unidirecionalidade.. Nenhum
            pensamento do primeiro objeto de concentração.
         4- 3º Jhana: sensações de beatitude, unidirecionalidade e serenidade. O êxtase
            cessa.
         5- 4º Jhana: serenidade e unidirecionalidade, beatitude. Todas as sensações
            corporais de prazer cessam.
         6- 5º Jhana: consciência do espaço infinito. Serenidade e unidirecionalidade.
         7- 6º   Jhana:    consciência    infinita   do   não   objeto.   Serenidade     e
            unidirecionalidade.
         8- 7º Jhana: Consciência do nada, serenidade e unidirecionalidade.
         9- 8º   Jhana:    nem     percepção   nem    não   percepção,    serenidade     e
            unidirecionalidade.


       Apesar da sua complexidade para os olhos de um liego, o Visuddhimagga
entende que o domínio dos jhanas não passa de um jogo de uma mente bem treinada na
concentração, tendo isso importância secundária para atingir a sabedoria arguta ou
puñña. Esta é alcançada começando pela atentividade, prosseguindo pela introvisão ou
vipassana e terminando no nirvana. A obra clássica aponta ainda outros caminhos, que
não serão aqui tratados.


       1.4. A meditação na Bhagavad-Gita
       Na Bhagavad-Gita a meditação está presente no capítulo VI – O Yoga do
Autodomínio:


   1. O Senhor Bem-aventurado disse: Aquele que realiza tal ação como dever,
       independentemente do fruto da ação, é um asceta, é um Iogue, e não aquele que
       carece de fogo e rituais.
   2. O que se chama renúncia, deves conhecê-lo como Yoga, Oh Pandava, tampouco
       ninguém torna-se um Iogue sem renunciar a vontade formativa.
   3. Para o Sábio que busca o Yoga, a ação é chamada meio; para o mesmo sábio
       entronizado no Yoga, a serenidade é chamada o meio.
   4. Quando um homem não sente apego pelos objetos dos sentidos nem por ações,
       renunciando à vontade formativa, então diz-se que está entronizado no Yoga.
30



5. Que ele eleve o eu mediante o SER, e que o eu não se deprima, pois,
   verdadeiramente, o SER é o amigo do eu, e também o SER é o inimigo do eu;
6. O SER é o amigo do eu daquele em quem o eu é vencido pelo SER; mas para o
   eu não subjugado, em verdade o SER torna-se hostil como um inimigo.
7. O EU superior daquele que é auto-controlado e pacífico, é uniforme no frio e no
   calor, no prazer e na dor, bem como na honra e na desonra.
8. O Iogue que, firmemente, se satisfaz com a sabedoria e o conhecimento, aquele
   cujos sentidos estão subjugados, aquele para quem um torrão de terra, uma
   pedra e ouro são a mesma coisa, diz-se que está harmonizado.
9. Excele quem considera imparcialmente bemquerentes, amigos e inimigos,
   estranhos, neutros, estrangeiros e parentes, bem como virtuosos e iníquos.
10. Que o Iogue se dedique constantemente ao Yoga, permanecendo em um local
   secreto, com o pensamento e o eu subjugados, livre de cobiça e de expectativa.
11. Em um lugar puro, e firme para sentar, de sua propriedade, nem muito alto,
   nem muito baixo, tendo sobre si um pano, uma pele de antílope negro e erva
   kusha, um sobre o outro.
12. Ali, havendo tornado a mente unidirecional, com o pensamento e as funções dos
   sentidos subjugados, firme em seu assento, ele pratica Yoga para a purificação
   do eu.
13. Mantendo o corpo, a cabeça e o pescoço eretos, imovelmente firme, olhando
   para a ponta do nariz, com o olhar vago;
14. Com o eu sereno, sem temos, firme no voto do Brahmachãri, a mente controlada
   pensando em Mim, harmonizado, que permaneça sentado aspirando por Mim.
15. O Iogue, sempre assim unido com o SER, com a mente controlada segue para a
   Paz, para a Bem-aventurança suprema que habita em Mim.
16. Em verdade, Yoga não é para quem come demais, nem para quem se abstem em
   excesso, nem para quem é demasiado afeito a dormir, nem para quem é
   demasiado afeito à vigília, Oh Arjuna.
17. O Yoga mata todo sofrimento para aquele que é moderado na comida e na
   diversão, moderado na realização das ações, moderado no sono e na vigília.
18. Quando seu pensamento subjugado está fixo no SER, livre da cobiça de todas as
   coisas desejáveis, então se diz que [o Iogue]”está harmonizado”.
31



19. Assim como uma lâmpada não tremeluz em um lugar sem vento, a tal se
   assemelha o Iogue de pensamento subjugado, absorto no Yoga do SER.
20. Aquele no qual a mente acha repouso, aquietada pela prática do Yoga; aquele
   no qual o Iogue vendo o SER por meio do SER, com o SER se satisfaz;
21. No SER ele encontra o deleite supremo que a Razão pode alcançar além dos
   sentidos, onde estabelecido, [o Iogue] não se move da Realidade.
22. Que, havendo-a obtido, pensa não haver maior ganho além dela; onde está
   estabelecido, ele não é abalado por qualquer sofrimento;
23. Esta desconexão do vínculo com a dor, deve conhecer-se pelo nome de Yoga. A
   este Yoga deve-se aderir com uma firme convicção e mente livre de desalento.
24. Abandonado sem reserva todos os desejos nascidos da imaginação, controlando
   com a mente o agregado dos sentidos por todos os lados.
25. Que pouco ganhe tranqüilidade, por meio da Razão controlada com firmeza;
   tendo feito que a mente habite no SER, que não pense em nada.
26. Controlando a mente com tanta frequência quanto ela for oscilante e instável,
   que a traga sob o controle do SER.
27. A alegria suprema vem para esse Yogue cuja nem é pacífica, cuja natureza
   passional é calma, que é imaculado e da natureza do ETERNO.
28. O Iogue que assim sempre harmonizando o eu, eliminou o pecado, facilmente se
   deleita com a bem-aventurança infinita do contato com o ETERNO.
29. O eu, harmonizado pelo Yoga, vê o SER que habita em todos os seres, e todos os
   seres no SER; em toda a parte vê o mesmo.
30. Aquele que Me vê em toda a parte, e vê tudo em mim, Eu nunca o abandonarei,
   e ele jamais se perderá de Mim.
31. Aquele que, estabelecido na unidade, Me adora, habitando em todos os seres,
   esse Iogue vive em Mim, seja qual for seu modo de vida.
32. Aquele que, através da semelhança com o SER, Oh Arjuna, vê igualdade em
   tudo, seja agradável ou doloroso, é considerado um Iogue perfeito.
33. Arjuna disse: Eu não vejo um alicerce para esse Yoga que Tu declaraste existir
   pela equanimidade, devido ao desassossego;
34. Pois a mente é em verdade inquieta, Oh Krishna; é impetuoso, forte e difícil de
   subjugar. Julgo que é tão difícil de controlar quanto o vento.
32



35. O Senhor Bem-aventurado disse: Sem dúvida, Oh potentemente armado, a
   mente é difícil de subjugar e inquieta; porém ela pode ser controlada pela
   prática constante e pelo desapego.
36. Eu penso que o Ioga é difícil de alcançar por um eu descontrolado; mas para
   quem controla o Eu, é alcançável pela energia dirigida apropriadamente.
37. Arjuna disse: Aquele que não se subjulgou, mas que possui fé, com a mente
   divagando longe do Yoga, fracassando em alcançar a perfeição no Yoga, que
   senda percorre, Oh Krishna?
38. Tendo fracassado em ambos, Oh potentemente armado, está ele destruído como
   uma nuvem despedaçada, indeciso, iludido na senda do ETERNO?
39. Digna-te, Oh Krishna, a dissipar completamente esta minha dúvida; pois além
   de Ti não há ninguém que possa encontrar para dissipar esta dúvida.
40. O Senhor Bem-aventurado disse: Oh filho de Prithã, nem neste mundo nem na
   vida vindoura há destruição para ele; jamais ninguém que trabalhe com
   retidão, Oh amado, percorre a senda da perdição.
41. Após alcançar os mundos das ações puras, e havendo habitado lá por anos
   imemoriais, quem não alcançou o Yoga renasce numa casa pura e abençoada;
42. Ou pode até nascer em uma família de sábios Iogues; porém, semelhante
   nascimento é muito difícil de se obter neste mundo.
43. Ali recupera características pertencentes ao seu corpo anterior, e com estas
   trabalha novamente para alcançar a perfeição, Oh alegria dos Kuru-s.
44. O [Iogue], por aquelas práticas anteriores, se vê irresistivelmente impelido.
   Apenas por desejar conhecer o Yoga, até quem busca o Yoga vai além da
   palavra Brãhmica.
45. Porém, o Iogue que trabalha com assiduidade, purificado do pecado,
   plenamente aperfeiçoado através de múltiplos nascimentos, alcança a meta
   suprema.
46. O Iogue é maior do que os ascetas; é considerado até maior do que os sábios; o
   Iogue é maior do que os homens de ação; portanto, torna-te um Iogue, Oh
   Arjuna.
33



     47. E entre todos os Iogues, ao que está pleno de fé, com o SER interior habitando
          em Mim, ao que Me adora, é por Mim considerado como o mais completamente
          harmonizado.”30


         É importante notar que o capítulo inicia com o sutra em que o Senhor Krishna
explica para Arjuna a importância do desapego com relação ao resultado que se espera
de alguma ação. No caso da meditação, o desapego é o que vai resultar o alcance do
samadhi. No entanto, a vontade e a determinação do meditador é fundamental para o
alcance dos resultados. A questão principal é o apego ―a que‖. Até se chegar ao
desapego total, o meditador vai se despegando de alguns padrões mentais para ascender
a um mais elevado. Uma vez atingido um mais elevado, ele novamente necessita se
desapegar para atingir um patamar mais alto, e assim, sucessivamente, até o desapego
final.


         Outra questão importante com relação ao apego aos frutos de uma ação é que este
apego pode acabar por produzir expectativa e a ansiedade, sendo que ambas, por sua
vez, podem gerar decepções e uma série de resultados pouco positivos que podem
acabar por atrapalhar o caminho daquele que deseja praticar a meditação.


         Nota-se também que o Sr. Krishna explica as atitudes mentais que o Iogue deve
praticar: o desapego, a serenidade, auto-conhecimento, auto-controle, equanimidade
diante das circunstâncias (frio/calor, prazer/dor, honra/desonra); o sub-julgação dos
sentidos. Esta seriam atitudes internas que preparam o yogue para o Yoga, que é a
desconexão do vínculo com a dor (nº23).


         Em seguida, o Sr. Krishna sugere o local onde a prática da meditação deve
acontecer, a postura corporal e a atitude mental. Veja que a dificuldade do controle
mental é questionada por Arjuna e reconhecida pelo Mestre, que menciona a
necessidade de várias vidas no caminho da prática e de trabalho assíduo para se
conseguir atingir o estado de aperfeiçoamento do Yoga. No entanto, é na busca pelo
Senhor dentro de si mesmo que se encontra a harmonia com o próprio SER divino.


30
   BHAGAVAD-GITÃ. A Canção do Senhor. Tradução de Ricardo Lindemann. Brasília, Editora
teosófica, 2010.
34



                              2.     OS SAMSKÁRAS E OS VÁSANAS


           2.1. Os samskáras e os vasanás na estrutura psíquica do ser humano
           Não há como se falar em meditação sem antes mencionar e explicar termos
como samskáras e vásanas. Eles já foram mencionados anteriormente neste trabalho,
mas cabe aqui uma parada importante para compreender o que eles significam, de que
maneira estão ligados com doenças e com a meditação.


           2.1.1 Samskára (impressões)
           Pátanjali denomina ―os processos mentais (chittavritti) deixam na mente
impressões subconscientes‖, samskára. ―Estas impressões permanecem na mente de
modo latente, influenciando a vida psíquica, são o que o Yoga chama também de
"sementes" (bíja), que produzem "tendências" (vásana), novos pensamentos,
redemoinhos mentais (vrittis). Cabe ao praticante de Yoga impedir o surgimento dos
samskára e destruir as impressões e tendências que buscam atualização‖31.


           Quando as tendências ou impressões são atualizadas, elas se transformam em
hábito (mental) e se o hábito não for superado, suprimido ou sublimado, ele se
transformará em samskára. Os vícios, manias e hábitos repetitivivos são samskáras.
Para visualizar melhor o conceito, podemos imagimar que samskáras são como
cicatrizes,        marcas, impressões deixadas na mente, e, consequentemente, no corpo
astral. Estas cicatrizes podem ter origem tanto em situações de cunho positivo, quando
em situações de cunho negativo.


           ―Por exemplo: se alguém experimenta um cafezinho num intervalo de trabalho,
tendo isto como algo agradável, tenderá a repetir a experiência em todos os intervalos
de trabalho, e se sentirá necessitado de um café no dia em que tal atualização não for
possível.‖32 Esse é um bom exemplo para compreender o que o samskára significa no
nosso dia a dia e percebermos que os mecanismos mentais e seus automatismos são, na
maioria das vezes, fruto dos samskáras e dos vásanas, que a seguir serão analisados.



31
  HENRIQUES, Antônio Renato. Yoga e Consciência: a Filosofia Psicológica dos Yoga-Sutras de Patãnjali.
Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984, pg. 85.
32
     Idem, Idem.
35



            ―Para Pátañjali samskára é o mesmo que memória, já que sem memória não
permaneceria na mente impressão alguma, e tampouco haveria desejo de reprisar
qualquer ato que fosse.‖33


              2.1.2 Vásana (tendências)
              A palavra vásana é usada por Pátañjali num sentido quase igual ao de
samskára, e pode ser entendida como tendência latente ou impulso. A pequena
diferença entre ambas consiste no fato de que samskára possui uma conotação estática
de impressão, registro, e vásana possui uma conotação dinâmica da impressão,
constituindo a manifestação do samskára em forma de tendência ou desejo.


              No entanto, a distinção é feita por poucos teóricos e, em essência, ambos são
iguais, ou a mesma coisa. Neste trabalho, trataremos ambos como sendo a mesma coisa.
A distinção pode ser feita mediante a leitura cuidadosa e analítica do texto, tendo em
mente o principal ponto distintivo entre amos: a impressão fixa e da tendência manifesta
pelos desejos.


              Os processos mentais são uma contínua descarga de vásanas (se considerar o
seu dinamismo, a manifestação do samskára) que constituem os vrittis. É importante
notar que o ser humano está constantemente atualizando seus vásanas e são eles que
condicionam o caráter do indivíduo. Estes condicionamentos estão de acordo com a
herança das experiências vividas e com a situação kármica de cada um.


              Então, os samskáras, que são as impressões do passado ocorridas nesta vida ou
em outra, movem-nos através de comportamentos padrões e repetitivos, juntamente com
outros fatores (sociais e culturais, por exemplo) que moldam nosso comportamento.
Mais de 87%34 dos pensamentos que passam pela mente de um ser humano a cada dia
são repetitivos. Podem estar configurados em situações diferentes e povoados por
personagens diferentes, mas no fundo, o processo é repetitivo. Daí o condicionamento
humano.


33
     Idem, idem.
34
     http://yogajournal.terra.com.br/show_yoga.php?id=1258, por Sandro Bosco, visitado em 09/05/2011.
36




           2.2. Samskáras e condicionamentos emocionais
           Agora então vamos citar um exemplo da atuação de um samskára em um nível
incosciente das atividades mentais. Se uma mulher é estuprada por seu pai quando tem
dezesseis anos, este fato deixa um rastro em sua organização psicológica, e este rastro é
um samskára. O modo dela se relacionar com outros homens nunca mais será o mesmo.
Em várias situações de vida, este rastro influenciará seu comportamento emocional
profundamente. Isto significa que o samskára não é nem neutro nem mudo. Melhor
dizendo, é dotado de um dinamismo poderoso – uma carga emocional. Gera emoções,
atrações e repulsões que modificarão a vida interna desta pessoa significativamente.
Sendo associado com tantas memórias traumáticas e dolorosas, o samskára não
permanece calado; ele se expressa de um modo consciente ou inconsciente. Isto se
aplica a todos os samskára – não apenas para alguns casos particulares. Percebendo ou
não, em suas profundezas, os samskáras estão constantemente berrando para serem
curados.


           Agora, supomos que esta mulher, ao invés de ser estuprada com dezesseis
anos, tenha sido atacada quando ela tinha três anos. Sua experiência foi ainda mais
terrível e traumática, porque como uma garotinha, ela não tinha meios de compreender
o que estava acontecendo. Para ela, a agressão foi como um assassinato. Mas o choque
foi tão insuportável que ela esquece tudo, apagando completamente o episódio de sua
memória consciente. O samskára foi armazenado com uma carga emocional ainda
maior do que no caso da menina de dezesseis anos; e neste caso, o samskára está
completamente inconsciente. Mais tarde, como adulta, sua vida emocional e sexual
inteira será minada por um trauma escondido do qual ela é completamente
desinformada.


           O critério para que um grande samskára seja impresso não é dor, mas
intensidade. Fortes samskáras são gravados no corpo astral quando um episódio é
associado com intensidade emocional. Isso se deve ao fato de que quando se enfrenta
uma situação com forte carga emocional, todos os sentidos estão amplamente abertos, e
o indivíduo está totalmente ciente e vigilante. Não é uma nuvem obscura que é
37



imprimida na memória, mas um conjunto definido e preciso de pensamentos,
sentimentos e percepções.


             Nem todos os samskáras são criados a partir de grandes eventos, mas sim, das
fortes reações emocionais que o próprio indivíduo gera a partir do evento.Os samskáras
podem ser dotados de forte carga emocional, quando são chamados grandes samskáras
ou de pequena carga emocional, quando são chamados micro- samskáras ou samskáras
aceitáveis. Não importa qual, todos eles estão armazenados na nossa mente.


             As impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos são em parte mantidas no
subconsciente da mente e, quando os sentidos recebem o estímulo apropriado, estas
impressões podem ser relembradas. Exemplo disso são músicas antigas que, quando
escutadas no presente, fazem com que o indivíduo viva novamente seu passado ou
cheiros que experimentados no presente, remetem a situações vividas no passado. Por
isso, Patanjali diz que os samskáras são o mesmo que memória.


             2.3.A tirania dos samskáras
             Se admitirmos que estamos em busca de liberdade, aquela liberdade da alma,
que liberta a nossa natureza divina, então fica claro que os principais obstáculos para
que esta liberdade se realize são os samskáras. ―De acordo com as Upanishads, os
capítulos finais dos Vedas, assim que o último laço de samskáras no coração for
desatado, o estado mais alto de consciência é conhecido, liberdade absoluta é alcançada,
e martyo 'mrto bhavati ―o mortal fica imortal.‖35


             Há circunstâncias na vida que limitam e restringem a liberdade do indivíduo e
a mais impressionante delas são os samskáras. São eles os responsáveis pelo ser
humano viver numa constante ilusão, sob o véu de maya. Em sânscrito, maya significa
―mágico‖. Os samskáras funcionam numa ditadura absoluta e mágica, sobre a qual
poucos se importam ou mesmo se dão conta. A ditadura começa antes do nascimento e
não pára com a morte. Obstrói o livre arbítrio de manhã até a noite, em cada dia gasto
neste planeta e são passados de uma vida para a outra.
35
     http://www.clairvision.org/portugues/regressao-a-terapia-de-vidas-passadas-para-a-libertacao-imediata.html#Cap1,
consulta em 03/05/2011.
38




             Os samskáras também possuem a tendência de se repetir eternamente. Como
uma ferida emocional do samskára pode ser extremamente dolorosa, ela não consegue
permanecer neutra, ela clama pela cura. A carga emocional associada a ele é tão intensa
que se não for resolvida tende a gerar circunstâncias que permitem que se expresse. Em
muitos casos, isto resultará na repetida vivência de circunstâncias semelhantes, de vida
para vida.


             ―No Yoga os impulsos inconscientes possuem uma dimensão muito ampla,
pois estão associados à idéia do karma. São as ações que cobram suas conseqüências
num circuito de causa e efeito, em que os atos se registram como expressões de
experiências agradáveis ou desagradáveis, em que as impressões se transformam em
tendências que, ao se atualizarem na consciência, conduzem irremediavelmente e de
novo ao ato. Este círculo é rompido quando o espírito (Purusha) deixa de ser arrastado
pela matéria (Prakrití); a ignorância se desfaz quando o yogi adquire o discernimento e
faz uso das técnicas do Yoga. Escreve Pátañjali:


                    "Hetu-phálashrayálambanaih     samgrihítatvád   eshám   abháve    tad-
           abhávah"."Estando interligados (samgrihitatvád) como causa-efeito, substrato-
           objeto (ashraya = apoio, suporte, 'substrato'; alambanaih = objeto), os efeitos
           desaparecem (abhávah) quando a causa desaparece (abháve)".Y. S. - IV, 11‖36


             Outra tendência do mecanismo dos samskáras é fazer com que o indivíduo crie
circunstâncias de vida pelas quais eles podem se manifestar. Eles não só aumentam a
dor e emoções atuais através da superimposição, mas também manipulam o indivíduo a
criar dificuldades nas quais as emoções podem ser vividas de novo. Eles atuam como
tendências latentes, influenciando fortemente no destino das pessoas.




             2.4. Samskáras e a ilusão, ou maya.



36
     Henriques. Ob. Cit. Pg. 86.
39



         Para entender um pouco melhor sobre como a mente e os samskáras funcionam
e como eles criam uma realidade falsa para o indivíduo, atrapalhando a percepção do
presente, vamos a um exemplo. O sujeito entra na cozinha de um amigo onde há um
cheiro particular no ar. Imediatamente este cheiro o faz lembrar uma cozinha onde ele
passou parte de sua infância. Nesta cozinha havia um gato que dormia embaixo da
mesa, e havia uma velha senhora trabalhando. Todos os tipos de recordações voltam à
sua mente. Se ele se sentia bem naquela cozinha, o sentimento bom volta a enquanto ele
está na cozinha de seu amigo. Assim, talvez, ele se sinta confortável e fale para seu
amigo ―gostei da sua cozinha!‖


         Agora, suponhamos que o sujeito se sentia extremamente incômodo com a sua
avó, porque ela o forçava a comer alcachofras que ele odiava. E neste dia em particular
acontece que seu amigo está cozinhando alcachofras. O mal-estar será relembrado – a
ansiedade no peito, a tensão em sua barriga. Ele não está se sentindo realmente ansioso
e tenso, mas as lembranças são vívidas. De qualquer maneira, ele está completamente
separado da cozinha de seu amigo enquanto as recordações acontecem. Se o amigo
estiver falando com ele nesse momento, é bem provável que ele tenha que lhe pedir que
repita o que disse. Ele foi seqüestrado por este episódio do passado.


         Este exemplo presume que o sujeito poderia, conscientemente, se lembrar do
episódio durante o qual o samskára foi impresso. Suponha agora que o sujeito tenha
esquecido tudo sobre a sua avó. É provável que algo diferente aconteça. Ele entra na
casa de seu amigo, o clima geral e o cheiro ativam uma conexão inconsciente com o
episódio esquecido, e resulta num certo mal-estar. Há um certo grau de ansiedade em
seu peito e tensão em sua barriga, e ele não sabe o porquê. Ele não se lembra de
qualquer detalhe específico da cozinha da sua avó, só o mal-estar existe. O fardo
emocional do passado é superimposto sobre a consciência atual pelo vínculo do cheiro,
mas o sujeito não percebe isto. Ele só está ciente de duas coisas: a cozinha e o seu
desconforto. Então, ele bem pode pensar: ―eu não gosto da vibração desta casa!‖, ou ―eu
não me sinto confortável com estas pessoas‖.


         Claro que, a cozinha é exatamente a mesma, é só a percepção do sujeito que
muda. Olhando assim, percebe-se que o julgamento é completamente irrelevante e
40



absurdo, entretanto, tudo isso vem à mente do sujeito de forma muito natural e
logicamente.


        Enquanto o indivíduo permanece neste modo de reação, ele pode pensar que o
que está vendo é a cozinha de seu amigo. Mas ele está se enganando completamente,
pois em seu mundo, ele está vendo a cozinha da sua avó, cheia de projeções
inconscientes de alcachofra-fantasmas, e o que seu amigo está vendo na cozinha dele é
completamente diferente. A cozinha projetada na mente não tem nada a ver com a
cozinha real, não é nada mais que uma construção mental. Naquele momento, o sujeito
está completamente desconectado; ele está vivendo em um mundo imaginário, como se
fosse uma gaiola; ele está em qualquer lugar, menos ―aqui e agora‖. Seu julgamento é
prejudicado por um fator não visto, e qualquer decisão importante que tivesse que tomar
nesta cozinha, provavelmente seria distorcida.


        O próximo passo é ver que essas superimposições acontecem constantemente,
não apenas durante o dia, mas até mesmo durante os sonhos. Ciente disto ou não, a
situação é tal que inúmeras memórias parecidas estão constantemente nublando a
percepção atual do mundo. Com muita frequência, vários samskáras são ativados
simultaneamente, cada um sobrepondo seu próprio conjunto de emoções e impressões
que aumentam a confusão. Muitos samskáras secundários não são associados a uma
emoção evidente, mas só com um sentimento vago de mal-estar ou alegria. Quando
ativados, eles apenas sobrepõem uma certa atração ou repulsão, uma névoa sutil sobre a
percepção atual.


        Somadas às influências de todos os samskáras-gigantes, aos de tamanho médio
e aos pequenos, têm-se uma noção do que é maya (ilusão). Não há nenhuma
necessidade de negar a realidade física do mundo para concluir que vivemos em
completo maya ou ilusão.


        Mestres hindus gostam, frequentemente, de enfatizar o caráter dramático desta
situação. Nós gastamos nosso tempo ficando chateados com os dramas de nossa vida,
mas todos estes dramas são apenas ninharias, comparados à tragédia de estarmos,
permanentemente, isolados em uma nuvem de ilusão, uma gaiola, gerada pelos
41



samskáras. Nós nunca vemos o mundo, nós apenas podemos ver o nosso mundo, que
está cheio dos fantasmas do nosso passado. Nós estamos desconectados e vivemos em
uma nuvem, e nós nem mesmo suspeitamos disto.


            ―Demonstra o Yôga que os samskáras e vásanas são grandes obstáculos à
iluminação, o inconsciente se opõe à ascese, por isso se impõe seu necessário domínio e
conscientização. Há também o medo, pois as pulsões inconscientes temem não se
atualizarem, e o ego teme sucumbir às forças totalizadoras do inconsciente.


            A satisfação dos desejos e a manifestação de formas são impulsos egóicos de
exteriorização, mas realizar um desejo é esgotá-lo, e a plenitude de ser das formas está
na consumação das mesmas. Donde se fala de uma ânsia de não ser, as tendências
kármicas querem todas se auto-destruir, satisfazer-se. Todo o universo material
(Prakrití) caminha em direção ao repouso, à reabsorção numa unidade original.‖37


            Uma maneira de sair da nuvem e, se não retornar, mas chegar mais perto de
purusha pode ser pela prática do Yoga e da meditação, uma vez que ambos atuam de
maneira e livrar a mente de seus condicionamentos, da ―tirania‖ dos samskáras.


          2.5.    O fim dos samskáras
          Com a prática da meditação, os samskáras ou a ação deles pode ser neutralizada
ou eles podem até mesmo ser completamente erradicados. Porém, até não se atingir o
mais alto grau de Iluminação ou mesmo o samãdhi, os samskáras permanecerão pelo
motivo de que a nossa mente/ manas é formada por eles e pelos vãsanas. A substância
real do corpo astral é feita de samskáras.


          Ou seja, a maioria dos indivíduos vive identificada com o mano-maya-kosa, ou
corpo ilusório, que é constituído pela matéria mental, astral, e emoções. Ele é a sede dos
desejos e das paixões humanas, constituído pelos cinco órgãos do conhecimento. ―A
mente atua por meio dos cinco sentidos. É pelos órgãos dos sentidos que ela capta a
informação das experiências sensoriais e as transforma em percepções mentais. Este
estado mental é associado com a gama de emoções e sentimentos, portanto, este

37
     HENRIQUES, Antônio Renato. Ob. Cit. Pg. 87.
42



invólucro é uma mistura de pensamentos e emoções e na maioria das vezes não sabemos
se estamos sentindo ou pensando. Esta mente está mais identificada com os padrões
emocionais e sensações do que verdadeiramente com o Eu Superior. É a mente
reativa.‖38


           A grande mudança na vida do indivíduo que medita ocorre quando ele consegue
adentrar totalmente em uma camada diferente de sua consciência. É a mudança de
consciência passando a viver ligado aos sentimentos e não simplesmente reagindo às
emoções. É quando ele passa a desenvolver buddhi, e abandona progressivamente
manas. Isso significa que a meditação desenvolve o vijñãna-maya-kósa.


           O vijñãna-maya- kosa é o corpo feito de conhecimento. ―É a mente superior.
Aquela que investiga, discerne, intui. Nela temos todo o poder da sabedoria em latência.
Cabe-nos estimulá-la com elevados e sutis pensamentos para poder pôr em ação o mais
alto estado de consciência. Seu estado predominante é o sáttvico, de equilíbrio e
luminosidade. É portador da luz interior. Nele está o poder do conhecimento que tem
como sua propriedade o discernimento (viveka) e determinação. Podemos ativar este
invólucro por meio da meditação, cantos de mantras e elevados sentimentos e
pensamentos.‖39


           Esta passagem de manas para buddhi corresponde a uma verdadeira
transformação alquímica pela qual todos os corpos irão passar. Esta transformação é
lenta e gradual, mas pouco a pouco a mente reativa vai perdendo sua força e sua
capacidade de prender o indivíduo em rotinas mecânicas e vai crescendo a intensidade e
a presença constante da autoconsciência. Com isso, o indivíduo pode passar a distinguir
a dor do sofrimento, percebendo a diferença da natureza de ambas: a dor é invevitável
na condição humana e deriva da existência em um corpo físico. Ela é física. Já o
sofrimento e fruto de uma reação da mente/manas à dor. A mente é capaz de aumentar a
intensidade da dor e acrescer a ela vários ―enfeites‖ emocionais e vibracionais. Em
muitos casos, a dor é passageira, mas se o indivíduo desejar, sempre pode somar
emoções a ela, criando ilimitáveis e infinitos motivos para sofrer.


38
     PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 44.
39
     Idem.Pg. 44.
43




       Portanto, melhorando a qualidade de manas, desenvolvendo buddhi,
abandonando condicionamentos mentais negativos, inúmeros resultados positivos irão
surgir nos demais corpos do indivíduo, até mesmo, no corpo físico, o Anna-maya-kosa.




                                       3.
                  4.     A VISÃO DO YOGA DE SAÚDE E DE DOENÇA
44



            Estando o Yoga ancorado sobre a visão holística do ser, seu objetivo é que o
indivíduo tenha tanto saúde mental quanto a física. Para o Yoga, a doença reflete um
desequilíbrio interno, e significa um ―nível de distanciamento entre o ego e o Ser.
Quanto mais distantes nos encontramos de nós mesmos, ou seja, da nossa essência
eterna e divina, mais doentes nos encontramos. Todas as doenças físicas e mentais são
sintomas desta causa primeira. A dor (duhkha) é o mecanismo de nos trazer para mais
perto de nós mesmos, para percebermos aquilo que clama internamente pedindo
atenção.‖40


            ―Nosso Ser existe em uma dimensão que transpõe o corpo físico. Somos
sentimentos, pensamentos, energia potencializada. Estas dimensões fazem parte da
nossa percepção do mundo e com elas criamos a nossa realidade relativa instante a
instante. Tornamo-nos aquilo que projetamos com nossa mente distanciada da
Realidade Absoluta que somos. Com tudo isso, vamos criando padrões e crenças,
condutas, hábitos, tendências que vão gerando dor, levando sofrimento e produzindo
enfermidades no corpo físico como forma de liberar a energia antagônica e destoante do
Ser.‖41


            Para que a saúde do indivíduo se reestabeleça, é necessário o reencontro com o
seu Ser divino. Para isso, a liberação               dos   samskáras, que significa o
descondicionamento, o desapego dos hábitos, crenças e atitudes negativas que geraram
a doença é o único caminho para a cura a nível físico, energético, emocional, mental, e
espiritual.


            Para Patañajali, a causa de todos os sofrimentos ou duhkha, são os klésas, ou
cinco aflições humanas que são:
            1. Ignorância: não sabemos quem somos na realidade, desconhecemos nossa
                natureza divina;
            2. Egoísmo: é a identificação do vidente com o visto, isto é, crença em que o
                não Ser é o Ser;
            3. Apego: apego a tudo aquilo que gera prazer;


40
     PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 339.
41
     Idem, idem, pg. 339.
45



         4. Aversão: ao que gera dor;
         5. Medo da morte, ou intenso apego à vida.


         Para ele, os klésas constituem as raíses do karma, sendo que a ignorância é o
fator primeiro das causas do nosso sofrimento e, consequentemente, da geração do
karma. No Yoga Sutra I-33 Patañjali explica a maneira de se manter a mente livre de
perturbações que podem causar todo tipo de dor: ―Quando a mente é perturbada por
pensamentos impróprios, a constante ponderação sobre os opostos é o remédio.‖42


         A ponderação sobre os opostos é o remédio mais eficiente para tratar dos maus
hábitos e condicionamentos, enfim, dos implusos que carregamos desde vidas passadas.
Sempre que o meditador estiver agindo ou pensando de acordo com seus
condicionamentos e impulsos que o levam a agir e pensar de maneira contrária aos seus
novos ideais, a ponderação e a consideração sobre o oposto de suas tendências
indesejáveis é o melhor remédio. Este sutra é considerado por Taimni como ―uma das
leis mais importantes sobre a construção do caráter, uma lei que a moderna psicologia
reconhece e recomenda quando lida com os problemas da autocultura.‖43


         Para o Yoga, a única maneira de remover hábitos, pensamentos e atitudes que
possuem más raízes é atacar o problema na origem , alterando os pensamentos e atitudes
indesejáveis. E os maus hábitos mentais só poderão ser mudados quando substituídos
pelos seus opostos: agressividade por passividade, ódio por amor, etc.


         Na realidade, no último estágio do Yoga não existe esta dualidade, e nem
mesmo a consideração sobre os oposto será necessária. ―O Yoga propõe um caminho de
libertação dos pares de opostos, para se atingir o estado de equilíbrio e felicidade, além
da dualidade. Na dualidade há o (des) equilíbrio e a (im)perfeição e no estado de
Unidade há equilíbro e perfeição.‖44


         O Yoga possui várias técnicas que promovem a aproximação do ego ao Ser,
como a prática dos ãsanas, dos kriyãs purificatórios, dos mudrãs, dos bandhas, dos

42
   TAIMNI. Ob. Cit. Pg. 185.
43
   TAIMNI. Ob. Cit. Pg. 185.
44
   PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 341.
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Meditação

  • 1. 0 CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES DE YOGA – 2010/2011 CASA DE YOGA SHANTI-OM INSTRUTORA: MARIA LAURA GARCIA PACKER ALUNA: DANIELA TARTARI BRUSCO MEDITAÇÃO: UM CAMINHO PARA A AUTO-CURA. FLORIANÓPOLIS 2011
  • 2. 1 “A verdadeira felicidade pode ser atingida mas sua fonte eterna está dentro do homem, e não fora. Ao dirigir a atenção para dentro, e não totalmente para fora, um portal se abre naquilo que pode, até então, ter parecido uma parede sem passagem. Aqueles que aprendem a passar através deste portal adentram um mundo novo.”1 Ao meu amor Artur 11 GARDNER, Adelaide. Meditação, Um Estudo Prático. Tradução Pedro R.M. de Oliveira. Ed. Teosófica: Brasília, 1991. Pg. 24 e 25.
  • 3. 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 1. O QUE É MEDITAÇÃO 6 1.1. Técnicas de meditação 7 1.2. A meditação segundo o Yoga de Patanjali 14 1.2.1. Pratyãhãra 17 1.2.2. Dhãrana 19 1.2.3. Dhyãna 19 1.2.4. Samãdhi 20 1.3. A meditação segundo o budismo 21 1.3.1. Os Caminhos do Budismo 23 1.3.2. O Visuddhimagga 24 1.3.3. O processo de purificação 25 1.3.4. A concentração e os jhanas 26 1.4. A meditação na Bhagavad-Gita 29 2. OS SAMSKÁRAS E OS VÁSANAS 34 2.1. Os samskáras e os vásanas na estrutura psíquica do ser humano 34 2.1.1. Samskára (impressões) 34 2.1.2. Vásanas (tendências) 35 2.2. Samskáras e condicionamentos emocionais 36 2.3. A tirania dos samskáras 37 2.4. Samskáras e a ilusão ou maya 39 2.5. O fim dos samskáras 41 3. O VISÃO DO YOGA DE SAÚDE E DOENÇA 44 3.1. Pequena nota sobre doenças, genética e dor 46 4. A MEDITAÇÃO E A SAÚDE 49 5. DESCOBERTAS CIENTÍFICAS SOBRE A MEDITAÇÃO 52 6. CONCLUSÃO 57 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 59
  • 4. 3 INTRODUÇÃO A influência da meditação no ocidente teve início no século XX, mais precisamente nas décadas de 60 e 70, quando o interesse ocidental pela meditação ganhou força. Algumas décadas depois, as coisas mudaram. Atualmente, a meditação se faz presente na nossa cultura, e, especialmente nos Estados Unidos, milhões de norte- americanos incorporaram a meditação a suas vidas super ocupadas. Aqui no Brasil, o yoga e a meditação também já ganharam espaço na academia e inúmeras pesquisas científicas são realizadas a fim de se conhecer os efeitos da prática do yoga e da meditação. Chamando a atenção por seus efeitos terapêuticos, a meditação hoje ocupa lugar nos negócios, nas profissões e no mundo acadêmico. Segundo Daniel Goleman ―as pessoas meditam em seus trabalhos para aumentar sua eficiência, médicos e psicoterapeutas ensinam-na a seus pacientes e estudantes universitários escrevem sobre ela‖2. Adelaide Gardner na sua obra ―Meditação, Um Estudo Prático‖ também aponta para uma atração da psicologia ocidental para as tradicionais doutrinas orientais, sendo que o mais notável paralelo é o que foi feito por Carl Jung, psicólogo que ―dispôs as quatro fases da psicanálise numa ordem que convida a uma íntima comparação com Patanjali e toda a antiga tradição da busca pela iluminação: primeiro vem a confissão – a recordação e o encarar os fatos da confusa experiência passada; depois a explicação e a compreensão – o uso da mente racional para apreciar o significado do passado; em seguida vem a reeducação, um período em que a inteligência criativa deveria ser exortada a operar e a liberdade da experiência criativa não apenas descoberta mas usada e desfrutada. Finalmente, vem a fase da transformação – para aqueles capazes de progredir até este ponto. Nesta última fase, o ―homem velho‖ é deixado de lado e um novo espírito emerge de dentro, criativo, restaurador, trazendo à velha vida uma nova visão de seu significado e intenção.‖ 2 GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa.Tradução Marcos Bagno. 5ª Edição. Editora Ática. São Paulo: 1997.Pg. 22.
  • 5. 4 No entanto, apesar de seus efeitos práticos e terapêuticos, a verdadeira intenção da meditação é a ampliação da consciência, da sabedoria, ou seja, é uma busca espiritual. O propósito da nossa existência terrena é o desenvolvimento da nossa sabedoria, e para que isso ocorra progressivamente, em um dado momento se torna necessária a compreensão da natureza da nossa mente e da nossa capacidade de se auto- direcionar e a meditação é um método que nos impulsiona neste sentido. Além do desenvolvimento individual, é preciso estar atento para o fato de que a humanidade como um todo necessita desenvolver uma compreensão mais rica e profunda sobre sua própria natureza. Porém, esta compreensão deve ter origem a partir de uma profunda percepção, de uma visão intuitiva e, portanto, da visão interior de cada um, o que pode surgir a partir de práticas meditativas. Segundo Adelaide Gardner ―A psicanálise tem feito muito para descobrir os vários níveis da mente humana, mas no homem há algo mais do que apenas uma variedade de modos de sentir e de pensar. A técnica de meditação foi concebida, e ainda existe, para auxiliar os homens individualmente a descobrirem dentro de si próprios aquele centro profundamente oculto da Vida uma criativa que é o direito inato de todo membro da raça humana. A partir desse centro pode-se compreender muito do que seria de outra forma obscuro. A partir desse nível muito pode ser feito pelo mundo pois, embora nosso mundo necessite de alimento para as suas milhões de bocas famintas, com ainda maior urgência, de luz para a escuridão de suas miríades de almas humanas.‖3 O propósito deste trabalho é explicar em linguagem simples e direta os processos que ocorrem na mente daquele que pratica a meditação e em que medida estes processos serão responsáveis pelo melhoramento da qualidade de vida do meditador e, principalmente, na qualidade da sua saúde, implicando por vezes, na cura completa de doenças. No presente trabalho será analisada a relação entre o desenvolvimento da prática da meditação e o processo de cura de doenças, levando-se em conta a visão do yoga, 3 GARDNER, Adelaide. Ob. Cit. pg. 26.
  • 6. 5 segundo a qual ―toda doença é apenas um reflexo do desequilíbrio interno‖4, e que ―existe apenas uma doença, que é o nível de distanciamento entre o ego e o ser‖. De maneira expositiva, não exaustiva e através de explicação simplificada, algumas técnicas de meditação serão apresentadas como métodos de auto-treinamento que podem conduzir a elevação do nível de consciência do praticante. Outras formas de meditação serão apresentadas como um panorama da meditação que se faz presente nas mais antigas tradições orientais, budistas, hinduístas, judaicas e até mesmo cristãs. Por fim, serão apresentados alguns casos práticos de cura através da meditação. 4 PACKER, Maria Laura Garcia. A Senda do Yoga. Filosofia, Prática e Terapêutica. 2ª edição. Blumenau: Nova Letra; 2009.pg. 339.
  • 7. 6 1. O QUE É MEDITAÇÃO De acordo com Joseph Goldstein, mestre de meditação, meditação é pura matemática: ―todos os sistemas de meditação têm por meta o Um ou o Zero – a união com Deus ou o esvaziamento. A via para o Um é através da concentração n´Ele; para o Zero é a penetração no vazio da própria mente.‖5 Matemática ou não, a prática da meditação tem como objetivo senão a cessação, ao menos o apaziguamento das modificações mentais, capazes de elevar o pensamento humano a níveis superiores aos do persistente diálogo interno pessoal, insistentemente preocupado com afazeres mundanos. Segundo Pedro Kupfer6: meditar é parar de pensar. Adelaide Gardner cita que ―Patanjali descreve a natureza do pensamento e a origem e estrutura da mente pessoal da seguinte forma: O Homem é, em essência, puro espírito (purusha); o homem essencial existe tanto além como dentro da mente. A associação de espíritos humanos individuais (purushas) com a forma de energia chamada pensamento (manas) leva à consciência da experiência individual – sensações, sentimentos, reproduções interiores do ambiente, percebidas individualmente – e assim à formação das mentes pessoais. A mente pessoal é normalmente apenas uma série de respostas e idéias automáticas que ligam um homem, com mais ou menos êxito, ao seu ambiente. A pura consciência humana (purusha) jaz dentro e além do conjunto pessoal de automatismos (vasanas) e é responsável por eles, mas não é usualmente capaz de tornar o cérebro de vigília cônscio de sua existência, pois os automatismos, carregados pesadamente com sentimentos (kama), são muito dominantes no campo da vida pessoal. Assim, enquanto os automatismos permanecem incontestados, o homem espiritual é por eles isolado da consciência de vigília. Resulta que a natureza pessoal é infeliz, gastando- se a vida diária em incidentes confusos e pouco compreendidos, isolada do Eu interno percebedor: o purusha sempiterno, o vidente. É a ignorância da verdadeira natureza e existência do Eu que leva a uma conduta resultante e dor, dor que, felizmente, no fim, leva o homem a buscar a explicação de seus sofrimentos e, assim, da própria vida. Se e quando os automatismos puderem ser serenados e o Eu descoberto por trás do 5 GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa, pg. 16. 66 KUPFER, Pedro. Ob. Cit. Pg. 8.
  • 8. 7 comportamento conflitante da mente e dos sentimentos, só então os relacionamentos fundamentais poderão ser compreendidos, tornando possíveis a iluminação e a felicidade.‖7 Com a prática da meditação o homem desenvolve a capacidade de observar-se, de perceber os automatismos de sua mente, as samskaras e os vasanas, e com isso, conhecer melhor a sua própria natureza. Com ela, o homem é capaz de descobrir que existem vários níveis de pensamento e que pode direcionar a sua atenção para o nível que desejar, desde que sua mente esteja treinada para isso. Por isso as várias técnicas de meditação existentes podem ser adaptadas a cada personalidade diferente, permitindo que todo ser humano seja capaz de meditar. Como foi dito na citação acima de Patanjali, a meditação permite a prática da não identificação com os mecanismos da mente e do corpo ligados aos sentidos, a erradicação das samskaras, e com isso, pode-se descobrir um caminho de retorno à natureza divina humana. Através da meditação e com a cessação das modificações mentais, o retorno ao passado e a projeção do futuro cessam e o viver o momento presente se torna então possível. E viver no presente é o que dá plenitude ao ser. 1.1. As técnicas de meditação A mente humana pode ser dividida em consciência sensorial, referente aos sentidos — visão, audição, olfato, paladar, tato — e consciência mental. Esta última atravessa níveis grosseiros como ódio ou desejo até níveis mais sutis como calma e claridade. Nela estão incluídos os processos intelectuais, os sentimentos e emoções, a memória e os sonhos. A meditação é uma atividade da consciência mental. Ela envolve uma parte da mente que observa, analisa e lida com o resto da mente. Para praticar a meditação existem várias técnicas, sendo que a tradição clássica da meditação divide estas técnicas em cinco categorias: concentrada (concentrar), conscienciosa (plena atenção), devocional (intuitiva), criativa (visualização) e reflexiva (reflexão). As técnicas 7 GARDNER, Adelaide. Ob. Cit. pg. 13 e 14.
  • 9. 8 constituem importante instrumento para o alcance do propósito maior da meditação que é o treinamento e a sutilização da mente até o alcance de estados mentais e espirituais mais elevados. Cada pessoa deve praticar uma das técnicas de meditação e através da auto- percepção descobrir com qual delas se identifica melhor, a ponto de poder alcançar seu objetivo maior. Além disso, é importante conhecer os caminhos aos quais cada técnica irá induzir a mente do meditador. Estes caminhos estão descritos em tratados como o Visuddhimagga budista, considerada a mais ampla e detalhada obra de psicologia tradicional dos estados de consciência humana. Buda identificou que pessoas com temperamentos diferentes se adaptam melhor a alguns tipos de meditação e até mesmo a temas de meditação que a outros. O Visuddhimagga também identifica os locais mais adequados para meditação de acordo com o tipo de personalidade do meditador, mas isso será tema tratado mais adiante. Sendo a meditação um estado mental de percepção ampliada, a sua prática pode ser formal ou informal. Ela será formal quando o meditador sentar diariamente, no mesmo horário e local, alinhando o corpo, se sintonizar com a respiração e praticar a técnica que julgar ser a mais apropriada. Este tipo de meditação gera uma disposição interna que acaba por mobilizar a presença contínua do percebimento da realidade. Ela será informal quando praticada a partir da focalização da mente sempre no momento presente, em todas as atividades que se está praticando, por exemplo, trabalhando, caminhando, cozinhando, andando de ônibus. Com a prática da meditação formal ou informal a meditação pode se tornar um meio de vida. Com isso, também é desenvolvida a plena atenção, que é a via principal para a concentração. Se não há concentração, a mente é atraída para as mais diversas direções, indo para lá e para cá sem atingir qualquer objetivo ou propósito. E, ao iniciar a prática da meditação, o primeiro ponto que se percebe é a intensa modificação mental e a desconexão entre os caminhos percorridos pela mente, durante todo o período desperto, e, inclusive, à noite, durante os sonhos. Mas, entre os pensamentos existe um espaço vazio, e é ali que reside o Ser.
  • 10. 9 O ato de olhar para a mente e observar a sua condição diminui a intensidade do fluxo dos pensamentos, e pode revelar o espaço vazio que existe entre eles. Quanto mais observada, mais apaziguada a mente se torna. A transformação da mente é um processo lento e gradual, porém pode ser iniciado a qualquer momento, com o treinamento da plena atenção por meio da respiração consciente, da conscientização de cada ato da rotina diária e pela consciência do momento presente8. A seguir, serão apresentadas algumas técnicas de meditação formal mais conhecidas, porém, não de maneira exaustiva. Como o objetivo deste trabalho não é constituir um manual de meditação, mas sim apresentar seus benefícios, aquele que pretende praticar alguma das técnicas deverá se instruir em livros apropriados para praticar a meditação que entender mais apropriada. 1. Meditação da Respiração: o meditador senta, observa e se conscientiza da sua respiração. O objetivo é não controlar a respiração, apenas observá-la, sem qualquer julgamento e sem identificação com os pensamentos que vão surgindo na mente. 2. Meditação de fixação ocular ou trátaka: o meditador escolhe um ponto qualquer e deve fixar seus olhos nele por um longo período. O ponto pode ser na parede, ou a chama de uma vela. Com a fixação ocular, o meditador promove também a fixação da mente em um único foco. Toda vez que a mente se afasta do ponto, o meditador deve retornar novamente a ele. 3. Meditação Vipassana: vipassana significa ―ver claramente‖. Esta técnica é baseada na auto-observação. O meditador deve sentar e observar um objeto que se destaca no momento presente, podendo ser a respiração, uma dor no corpo, um sentimento. A mais conhecida é a plena atenção nas narinas, no ar que entra e que sai, sem se identificar com os pensamentos que surgem na mente. O primeiro plano desta técnica é desenvolver a percepção na respiração, e o segundo plano é perceber a transitoriedade de todas as coisas. 88 PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 292.
  • 11. 10 4. Meditação nos Chakras: esta meditação consiste em levar a consciência para cada um dos chakras, mentalizando a figura correspondente a ele, e a sua cor, iniciando pelo muladhara chakra e finalizando no sahasrara. 5. Meditação no yantra: yantras são símbolos ou diagramas que representam imagens do macrocosmos que se refletem no microcosmos. As suas imagens se comunicam diretamente com o Eu profundo. Podem ser desenhadas em papel, pedra, madeira ou no chão, podendo constituir imagens geométricas simples ou bastante complexas. Nesta meditação, o meditador deve fixar o olhar sobre a figura e visualizá-la mentalmente, até o ponto de ser capaz de desconstituir mentalmente a figura e após, reconstruí-la novamente. 6. Meditação em mandalas: as mandalas foram concebidas para serem instrumentos de meditação. Para Jung, renomado psicólogo, as mandalas representam a unidade e a totalidade da psique e abrangem o consciente e o inconsciente. Nesta meditação, deve ser desenvolvido o olhar da alma, treinando a visão interna do objeto. 7. Nispanda Bhava: concentração no mundo sonoro. Nesta técnica, o meditador deve levar sua atenção para os sons do momento presente em que se encontra, procurando não julgar, nem se apegar a eles. A partir de um momento, o meditador deve escolher um único som contínuo e fixar nele a sua atenção, voltando para ele toda a vez que a mente se distrair. 8. Mantra So’Ham: so’ ham significa eu sou e é o som natural da respiração. Aqui, o meditador deve trazer a atenção para a inspiração, quando produz o som so e para a exalação, quando produz o som ham. Então, inala produzindo mentalmente o som SO, e exala produzindo HAM. A plena atenção na respiração e no som produz profunda concentração e acalma a mente. 9. Meditação no mantra OM: o meditador deve sentar-se e trazer sua atenção para o ponto entre as sobrancelhas repetindo mentalmente o mantra OM,
  • 12. 11 continuamente, com a língua parada, tocando no céu da boca, de preferência no palato mole. 10. Atma-vicara: é a meditação da investigação do EU – ―quem sou eu?‖. O meditador senta, com a mente apaziguada e repete mentalmente: ―eu não sou o meu corpo físico e nem as sensações que o afetam...‖. Depois: ―eu não sou o meu corpo emocional e nem as emoções que emanam dele...‖. Depois: ―eu não sou o meu corpo mental nem os pensamentos que passam por ele...‖. Praticando a observação, o meditador passa então a mentalmente se perguntar ―quem sou eu‖. Seja qual for a técnica escolhida sempre que se pratica meditação se estará lidando com a consciência, com a mente e com o cérebro. Consciência é algo inerente a todo ser humano e está ligada a atributos pessoais como individualidade, personalidade, inteligência e vontade própria, mas em um grau superlativo e transcendente. Individualmente, ela está relacionada àquilo que conhecemos como alma humana, que é a identidade suprema dos seres humanos e que está conectada com a Consciência Cósmica superior ou bhagavan. A consciência seria purusha individualizado, sem a sua percepção pela mente. Quando transcendemos a mente, aumentamos a nossa consciência e podemos, ainda que por breves instante, perceber purusha em nós. A consciência pode variar de acordo com o conhecimento de cada um, da intensidade de sua perspicácia, com a sua educação e experiência – quanto mais educada e experiente, maior a sua consciência. Sendo a consciência ligada á capacidade do indivíduo de perceber o mundo e de se perceber no mundo, quando o conhecimento do ser humano e o alcance dos objetos de conhecimento se aprofundam, assim como o seu entendimento, a mente pode desenvolver seu pleno potencial. A mente, então, é um instrumento da consciência e nela estão contidos os condicionamentos, padrões de pensamento, memória e raciocínio. A mente trabalha ininterruptamente, mesmo quando estamos dormindo. Para o yoga, a mente é citta.
  • 13. 12 Citta é uma palavra ―derivada de cit ou citt (IV-34), um dos três aspectos do Paramãtmã, chamado Sat-cit-ãnanda no Vedanta. Este é o aspecto em que se baseia o lado-forma do universo e através do qual ele é criado. O reflexo deste aspecto na alma individual, que é um microcosmo, é chamado citta. Citta é assim, aquele instrumento ou meio através do qual jivãtmã materializa seu mundo individual, nele vive e evolui, até que se torne perfeito e unido com o Paramãtmã. Em termos gerais, citta corresponde à mente da psicologia moderna, mas tem um alcance e um campo de atuação mais abrangente. (...) Não devemos, entretanto, cometer o erro de imaginar que citta como uma espécie de meio material moldado sob diferentes formas quando diferentes tipos de imagens mentais são produzidas. Fundamentalmente, sua natureza é a da consciência, que é imaterial, mas afetada pela matéria. De fato, pode-se dizer que citta é um produto de ambos, consciência e matéria, ou purusha e prakriti, sendo ambos necessários para seu funcionamento. É como uma tela intangível, que permite que a luz da consciência seja manifestada no mundo manifestado. Mas o segredo real de sua natureza essencial subjaz na origem do universo manifestado e somente pode ser conhecido quando se atinge a Iluminação.‖9 Por fim, temos o órgão material humano, o cérebro, que dá lugar para a manifestação material da mente humana, e que coordena todo o sistema nervoso, o qual, por sua vez, permite que o indivíduo perceba e interaja com o meio. O cérebro é o local onde ocorrem as funções mentais e é formado por neurônios que transferem informações entre si. É no cérebro que informações oriundas dos sentidos são processadas, onde ocorre a comunicação com o mundo físico, onde acontece o raciocínio, a concentração, a criatividade e imaginação. É nele que ocorrem as incessantes modificações que se quer ver acalmadas pela meditação. A meditação irá trabalhar com estes três elementos: cérebro, mente e consciência. O domínio da mente acontece com o desenvolvimento da respiração, da plena atenção e da concentração. 99 TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 20.
  • 14. 13 As técnicas de desenvolvimento e controle da respiração é, na realidade, o controle da energia vital, ou pranayãma, sobre o qual será discorrido mais adiante. A plena atenção é desenvolvida praticando a focalização mental em um único ponto. Com isso, é possível perceber cada vez que a mente sai do foco, ou seja, se modifica, e trazer ela novamente aquele ponto. Isso desenvolve o observador interno, aquele que percebe as modificações mentais e que está atento de si mesmo durante todo o dia, e durante todas as atividades do meditador. O meditador desenvolvido permite que agir de acordo com a consciência e não de acordo com os condicionamentos mentais. Para se alcançar o estado meditativo, primeiramente, é necessário desenvolver a concentração da mente em um único ponto. Isso é dhãrana do Yoga, o sexto membro do Yoga Sutra de Patãnjali, que antecede a meditação e é um estado de não movimentação da mente, apenas focalização em um único ponto. Vários objetos, figuras e imagens podem servir para foco de concentração. Eles serão um meio para atingir o estado meditativo. Quando a mente consegue se concentrar inteiramente no objeto ele irá tornar-se um ponto de obstrução, e somente quando ele desaparecer a meditação ocorrerá. Por fim, a respiração também deve ser levada em conta, já que no oriente ela é considerada um fenômeno fisiológico, psíquico e prânico. O controle da respiração é um meio de controle da mente. Sempre que focamos a respiração, a mente volta para o momento presente. A seguir, uma breve apresentação da meditação no Yoga, no budismo e no Bhagavad-Gita irá mostrar que elementos como mente, consciência, respiração, concentração estarão sempre presentes quando se trata de meditação.
  • 15. 14 1.2. A meditação, segundo o Yoga de Patañjali I-2) ―Yogas citta-vritt-nirodhah‖ I -2) Yoga é a inibição das modificações da mente.10 A meditação ou dhyãna é o objetivo do yoga. É para a meditação que a prática dos ásanas deve ser direcionada. A meditação é o que dá sentido ao yoga. Para Patañjali, no Yoga-Sutra, ―III. 1. Concentração é o confinamento da mente dentro de uma área mental limitada (objeto de concentração). III.2.Fluxo ininterrupto (da mente) na direção do objeto (escolhido para meditação) é contemplação. III.3. A mesma (contemplação), quando há consciência somente do objeto de meditação e não de si mesma (a mente), é samãdhi.”11 De acordo com Maria Laura Garcia Packer, a meditação é resultado de pratyãhãra, que é a reeducação dos sentidos ou o recolhimento dos sentidos que irá, por sua vez, conduzir à concentração ou dhãrana. O resultado da concentração em um único objeto, sem mais modificações mentais, é a contemplação ou dhyãna. O último estágio de concentração da mente é o desaparecimento da mente da consciência sobre si mesma: o samãdhi. Antes de entrar no estudo destes termos, é importante mencionar que o Raja Yoga, cuja obra clássica e autorizada pela tradição antiga da Índia é o Yoga Sutra de Patañjali, determina os métodos e práticas que podem levar um indivíduo ao total domínio da mente. O objetivo final do Yoga é a autorrealização, que pode ser atingida pelo domínio das aflições humanas, do klesas, e pela total cessação das modificações mentais ou cittavrittis. O método de autorrealização descrito por Patañjali possui oito passos, sendo eles: 1. Yama: conjunto de condutas morais e éticas, refreamentos; 10 Yoga Sutra de Patanjali, citado em TAIMNI, I.K. A Ciência do Yoga. Comentários sobre os Yoga- sutras de Patanjali à luz do pensamento moderno. Tradução Milton Lavrador. Brasília, Editora Teosófica, 2006. 4ª edição, pg. 19. 1111 TAIMNI.I.K. ob. Cit. Pgs, 217, 219 e 221.
  • 16. 15 2. Niyama: conjunto de condutas disciplinares, auto-disciplina; 3. Ásana: posturas psicofísicas; 4. Prãnayãma: controle do prana – energia vital; 5. Pratyãhãra: recolhimento ou retração dos sentidos; 6. Dhãrana: concentração; 7. Dhyãna: meditação; 8. Samãdhi: êxtase. Antes de prosseguir com o estudo dos 4 últimos passos, que serão os mais discorridos a seguir, cabe mencionar alguns pontos importantes sobre yamas e nyamas, posto que ambos são de extrema importância para a vida e para a prática daquele que tem como objetivo a prática da meditação. “Yamas correspondem ao desenvolvimento de uma conduta moral e ética sadia, capaz de evitar toda e qualquer dor em quem quer que seja. Yama em sânscrito, significa morte, ou seja, deixar morrer tudo o que em nós se torne obstáculo para atingir a iluminação.‖12 As condutas morais e éticas, ou yamas, consistem em:  Ahimsã: não violência contra toda e qualquer forma de vida;  Satya: veracidade ou abstenção da mentira, perfeita coerência entre pensamento, palavras e atos;  Asteya: abstenção do roubo;  Brahmacarya: domínio das energias ou não perversão sexual;  Aparigraha: não possessividade e abandono da ânsia pela conquista e manutenção de bens materiais. Os niyamas ―correspondem aos aspectos internos que necessitam ser desenvolvidos na senda de retorno, o caminho à consciência. Caracterizam o florescimento das virtudes da alma e despertam nossa natureza real.‖13Portanto, os nyamas são sempre referente à vida interior. 12 PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 27. 13 Idem, pg. 28.
  • 17. 16 Estas condutas auto-disciplinares ou regras de vida, consistem em:  Sãuca: ou pureza nos aspectos físico, mental e emocional;  Santosa: ou contentamento. É a alegria, o deleite que surge, natural e espontaneamente, resultante do desapego dos frutos da ação e da indiferença em relação às circunstâncias;  Tapas: ou auto-esforço, perseverança. É a vontade forte empregada para superar limitações e alcançar o objetivo.  Svãdhyãyã: auto-estudo. É estudar-se a si próprio, é a meditação sobre si mesmo;  Isvara-pranidhãna: ou entraga ao Absoluto, ou a Deus. É entregar a Deus todas as suas ações, implicando em total renúncia aos frutos de qualquer ação, já que todos os passos são entregues a Deus. Por fim, é importante falar sobre o controle do prãna, ou prãnayãmas, que constituem o quarto passo do caminho da Autorrealização do Yoga, que foram acima mencionados. O prãna ou energia vital é responsável pela conexão entre o corpo e a mente, ou seja, ele é o elo que une a matéria e a energia. Por conseguinte, ―expressando-se através da mente, a consciência não pode entrar em contato com a matéria e atuar através dela sem a presença intermediária do prãna. A matéria, em associação com a energia, não pode afetar a consciência, a não ser por intermédio de prãna.” De acordo com o Yoga Sutra II- 49 de Patañjali: ―Isto tendo sido (realizado), (segue-se) prãnayãma, que é a cessação de inspiração e expiração”.14 O objetivo do controle da respiração através da prática dos prãnayãmas é obter o controle consciente das correntes prânicas do corpo e por consequência, obter o controle dos cittavrittis, ou modificações mentais e as mudanças na consciência. Os prãnayãmas preparam, então, a mente para os passos seguintes: dhãrana, dhyána e samãdhi. Assim, “Yamas e Nyamas eliminam as perturbações causadas pelos desejos e pelas emoções descontroladas. Ásana e prãnayãma eliminam as perturbações provenientes do corpo físico. Pratyãhara, desligando a mente dos órgãos sensoriais, 14 TAINMI, I.K. Ob. Cit. Pg. 204.
  • 18. 17 isola o mundo externo e as impressões por ele produzidas na mente. A mente fica, pois, completamente isolada do mundo externo (...). Somente nestas condições é que é possível a prática exitosa de dhãrana, dhyãna e samãdhi.”15 1.2.1. Pratyãhãra De acordo com o Yoga Sutra II-54: ―Em pratyãhãra, ou abstração, é como se os sentidos imitassem a mente, retirando-se dos objetos.”16 Para que ocorra a concentração, é necessário que ocorra um estado de relaxamento que dê condições para que a mente seja acalmada ou serenizada. Isso significa que a mente deve estar e estado de não reação, não identificação com sentidos, com aversão ou com apego. Para isso, o recolhimento dos sentidos é absolutamente imprescindível, pois sem eles, a mente se distrai, seguindo os sentidos e impedindo a concentração em um único objeto. De acordo com o Samkhya, depois da formação do ego, ocorre uma bifurcação entre os mundos objetivo e subjetivo, sendo que os cinco sentidos serão a base da percepção do mundo externo, com seus elementos e qualidades sensíveis. Pratyãhãra seria o recolhimento destes sentidos de modo a fazer com que eles não atuem sobre a faculdade da ação e que a mente não se identifique com o que foi sentido. Para que isso ocorra, é necessário que o ato de recolhimento, ou supressão, seja consciente e voluntário, pois se assim não for, ocorrerá uma repressão inconsciente, que acabará por resultar no indivíduo um sentimento de perda. Praticando pratyãhãra, os desejos, o prazer e a dor são dominados uma vez que a percepção torna-se uma tomada de consciência e não uma identificação física. A importância de pratyãhãra reside no fato de que ele trata da relação do homem com o mundo exterior. ―Em primeiro lugar, o mundo exterior se dá à consciência como sensação, há um estímulo e uma resposta da consciência. Quando esta resposta passa por uma elaboração mental, o que era sensação se transforma em percepção: a sensação de ruído se transforma na percepção de que caiu alguma coisa. Em segundo lugar, 15 Idem, ob. Cit. Pg. 217. 16 TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 211.
  • 19. 18 determinados estímulos produzem como reação estados emocionais, ou seja, uma disposição geral do organismo que se traduz, por exemplo, como ira, medo, pesar ou deleite. Quando as emoções perduram, transformam-se em sentimentos: amor, ódio, tristeza, etc. Daí que o controle dos sentidos abarque uma gama imensa de fenômenos subjetivos: sensação, percepção, emoção, sentimento, o que, sem dúvida, repercute intensamente nas relações do ego com o mundo e consigo mesmo.‖17 Neste contexto, as sensações são o principal alvo de pratyãhãra, em especial, as sensações de calor, de frio, de dor e de deleite. Isso porque o sistema nervoso humano, da maneira como é formado e, sendo os impulsos nervosos de natureza química, porém com propriedades elétricas, levam os seres humanos a facilmente confundirem os sentidos ou serem confundidos por eles. Por exemplo: se colocarmos alternadamente uma mão em um balde de água fria e depois em um de água quente, em pouco tempo não saberemos distinguir qual é o com água quente e qual é o com água fria. Às vezes, um frio intenso queima e é recebido como uma sensação de calor. Por outras, em um estado de febre muita alta, sente-se calafrios. A explicação de pratyãhãra dada por Taimni é mais física, porém não mesmo profunda e consiste no fato de que os estímulos externos provocam vibrações nos órgãos sensoriais. Se a mente não estiver ligada ao órgão sensorial, estas vibrações permanecem desapercebidas. Isso ocorre, em parte, e com algumas vibrações, no nosso dia a dia. Por exemplo: quando um barulho constante produzido por um relógio de parede não é percebido por alguém trabalhando compenetrado na sala. No entanto, apesar de ignorarmos algumas vibrações no dia a dia, outras são absolutamente incontroláveis. E é delas que estamos nos referindo quando se trata de supressão dos sentidos. Na realidade, pratyãhãra implica numa total e voluntária abstração dos sentidos, na exclusão da atenção ou concentração em qualquer objeto do mundo exterior,―a retirada da mente para dentro de si mesma. É um tipo de abstração tão completo que os órgãos sensoriais param de funcionar.‖18 17 HENRIQUES, Antônio Renato. Yoga e Conciência: a Filosofia Psicológica dos Yoga-Sutras de Pátañjali. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984., pg. 202. 18 TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 213.
  • 20. 19 1.2.2. Dhãrana O próximo passo é a concentração, ou dhãrana. De acordo com o Yoga Sutra III-I: ―Concentração é o confinamento da mente dentro de uma área limitada (objeto de concentração).19 Como a mente está sempre em um processo ininterrupto de movimentação, ela deve ser fixada em um único objeto mental e sempre que se distrair dele, ela deve imediatamente a ele retornar. Este objeto pode ser interno ou externo ao corpo. O objetivo do meditador deve ser, pouco a pouco, impedir a fuga da mente do objeto e a permanência da concentração nele, pelo máximo de tempo possível, com a maior nitidez e fixação possíveis. Diz-se que a movimentação mental fica limitada ao objeto porque um objeto possui vários aspectos aos quais a mente pode se apegar durante o processo de concentração. Por exemplo, se a concentração for sobre uma flor, a mente pode se concentrar nas folhas, no caule, nas pétalas, na cor. São campos de movimentação mental, mas delimitados sempre na flor. Se a mente for para o jardim, para o vaso onde ela está plantada, ou para o bouquê recebido no último aniversário, ocorreu a distração e ela deve retornar à flor, unicamente. Esta repetição do retorno da mente ao objeto acaba por cansar a mente, que em um dado momento, de tanto ser a ele trazida, irá repousar naturalmente sobre ele. O objeto ―deve funcionar como um centro gravitacional da atenção, que, apesar de dinâmica, não escapa de um determinado campo. Com isto a concentração mental é adquirida e a atenção fixada passa de dinâmica à imóvel. A partir deste momento, iniciamos o processo de dhyãna.”20 1.2.3. Dhyãna De acordo com o Yoga Sutra III-2: “Fluxo ininterrupto (da mente) na direção do objeto (escolhido para meditação) é contemplação.”21 19 Idem, pg. 217. 20 HENRIQUES. Ob. Cit. Pg. 205. 2121 TAIMNI, I.K. Ob. Cit. Pg. 219.
  • 21. 20 Como foi mencionado no último parágrafo do item anterior, quando o fluxo da mente é ininterrupto em direção a um único objeto, sem qualquer interferência de qualquer outro pensamento e pelo tempo que desejar, ocorre então dhyãna, ou contemplação. Se houver a interrupção por outro pensamento, ocorre a distração e acaba o estado contemplativo. Neste estágio ocorre do meditador poder aumentar o espaço vazio entre um pensamento e outro. Como nestes espaços vazios não há o trabalho da mente (vrittis), o alargamento destes espaços conduz ao próximo estágio, para além da mente, para o encontro com o SER, ou o samãdhi. 1.2.4. Samãdhi O último estágio passo da Autorrealização é o samãdhi. Yoga Sutra III-3: “A mesma (contemplação), quando há consciência somente do objeto de meditação e não de si mesma (a mente), é samãdhi. Para melhor explicar o samãdhi, vale citar as palavras de Taimni: ―Quando o estado de dhyãna tiver sido bem estabelecido e a mente puder reter o objeto da meditação sem quaisquer distrações, será possível conhecer o objeto muito mais intimamente do que no pensamento comum, mas, mesmo então, não será possível obter um conhecimento direto da sua verdadeira essência e a realidade nele oculta parecerá escapar ao yogi. Ele é semelhante a um general que alcançou os portões do forte que tem de conquistar, os quais, no entanto, estão fechados, e ele é incapaz de entrar. O que se interpõe entre ele e a realidade do objeto que ele quer conhecer? III-3 dá uma resposta a esta pergunta. A própria mente está impedindo a compreensão da verdadeira essência do objeto da meditação. Todas as distrações foram completamente eliminadas e a consciência está plenamente focada no objeto de meditação. De que modo a mente interfere na total compreensão da essência do objeto? Interpondo a consciência de si mesma entre a realidade oculta por trás do objeto e a consciência do yogi. É esta autoconsciência, ou subjetividade, pura e simples, que serve como véu para separá-la do objeto e ocultar a realidade que o yogi está procurando.‖22 2222 TAIMNI, I.K. ob. Cit. Pg. 221.
  • 22. 21 É o desaparecimento da autoconsciência, o desapego final da mente, que fará com que os portões se abram para o samãdhi. Quando some a autoconsciência, desaparece também a relação sujeito-objeto (de dhyãna) e o meditador entra em total unidade com o próprio objeto, ocorrendo a realidade oculta por trás do objeto. Aqui, o meditador ultrapassa o último estágio da mente ou da matéria prakriti, e entra em contato com purusha. ―Podemos compreender agora como os tattvas descritos pelo Samkya estão, na prática do Yoga, imersos uns nos outros, no sentido inverso ao de sua emanação: através do pratyãhãra, os sentidos se retiram do mundo exterior e convergem na faculdade mental (manas); através do dhãranã e do dhyãna, as modalidades do psiquismo são suspensas e unificadas ao eu individual (ahamkara); no samãdhi com suporte, o eu individual se reabsorve em Buddhi, o princípio de pura inteligência, sem forma e supra-individual; e mais adiante veremos como, na última forma de samãdhi, a própria Buddhi é absorvida no Ser absoluto.‖23 1.3. A meditação do budismo “Ó mente! Por que pairas incansavelmente assim sobre as cambiantes circunstâncias da vida? Por que me deixas tão confuso e inquieto? Porque me incitas a coligir tantas coisas? És como o arado que se quebra em pedaços antes de começar a arar. És como o leme que se desmantela, no momento em que te aventuras neste mar da vida e da morte. Para que servem os muitos renascimentos se não fazemos bom uso desta vida? Ó mente minha! Uma vez me levaste a nascer como rei e outra me levaste a nascer como um pária e a mendigar meu alimento. Às vezes me faz nascer em divinas mansões dos deuses e a morar na luxúria e êxtase, depois me atiras nas chamas do inferno. 23 HENRIQUES, Antônio Renato. Ob.cit. pg. 208
  • 23. 22 Ó minha tola, tola mente! Assim me conduziste por longos e diversos caminhos e sempre te fui obediente e dócil. Mas agora que ouvi os ensinamentos de Buda, não mais me perturbarás ou me causarás sofrimentos. Busquemos juntos a Iluminação, humilde e pacientemente. Ó mente minha! Se pudesses aprender que tudo é não-substancial e transitório. Se pudesses aprender a não te apegares às coisas, por elas não ansiares, a não dares vazão à cobiça, ira e tolice, então, poderemos caminhar em paz. Se rompermos os grilhões dos desejos com a espada da sabedoria, se não nos abalarmos com as mutáveis circunstâncias da vida, com a vantagem ou desvantagem, com o bem ou o mal, com a perda ou lucro, com o louvor ou o abuso, então,poderemos viver em paz. Ó mente querida! Foste tu que primeiro despertaste em nós a fé e foste tu que sugeriste a nossa procura da Iluminação. Por que, facilmente, dás lugar à cobiça, ao amor pelo conforto e ao prazer novamente? Ó minha mente! Por que saltitas para cá e para lá, sem um definido propósito? Cruzemos este bravio mar da ilusão. Até aqui agi como desejaste, mas agora deves agir como eu quiser e juntos seguiremos os ensinamentos de Buda. Ó mente querida! Estas montanhas. Estes rios e mares são inconstantes e fontes de sofrimento. Onde, neste mundo de ilusão, poderemos encontrar paz? Sigamos o ensinamento de Buda e atinjamos a outra praia da Iluminação.”24 24 KYOKAI, Bukkyo Dendo, Sociedade para a divulgação do Budismo. A Doutrina de Buda. 4ª edição. Impresso por RRDonnelley Moore. Pg. 156, 157 e 158.
  • 24. 23 1.3.1. Os Caminhos do Budismo25 Para o Buda, aqueles que buscam a iluminação devem fazer de suas mentes um castelo e decorá-lo. Para o budismo, existem três caminhos que aquele que busca a iluminação deve seguir: 1) disciplina do comportamento prático; 2) correta concentração da mente; 3) sabedoria. A disciplina é referente ao controle dos sentidos e do comportamento, a concentração refere-se ao cultivo da mente pura e tranquila e a sabedoria é a capacidade de compreensão das Quatro Nobres Verdades: 1) conhecer o fato do sofrimento e sua natureza; 2) conhecer a fonte do sofrimento; 3) conhecer o que constitui o término do sofrimento; 4) conhecer o Nobre Caminho que leva ao término do sofrimento. A análise dos três Caminhos revelam os Oito Nobres Caminhos, os quatro pontos de vista a serem considerados, os quatro corretos procedimentos, as cinco faculdades do poder a serem empregadas e a perfeição das seis práticas. Os Oito Nobres caminhos são: 1) a percepção correta: compreender as Quatro Verdades, acreditar na lei da causa e efeito e não ser enganado pelas aparências e desejos; 2) pensamento correto: não nutrir desejos, não ser ganancioso e irritadiço e não praticar atos nocivos; 3) fala correta: evitar palavras falsas, inúteis, abusivas e ambíguas; 4) comportamento correto: não matar nenhuma forma de vida, não roubas e não cometer adultério; 5) meio de vida correto: evitar a vida que possa causar vergonha; 6) esforço correto: dar o melhor de si e agir com diligência; 7) atenção correta: manter mente pura e atenta; 8) concentração correta: manter a mente correta e tranqüila, procurando a compreensão da sua pura essência. 25 Este item foi resumido do livro A Doutrina de Buda. 4ª edição. Impresso por RRDonnelley Moore, página 164 à 177.
  • 25. 24 Os quatro pontos de vista a serem considerados são: 1)Considerar o corpo impuro e procurar afastar todo o apego a ele; 2) Considerar os sentidos como fonte de sofrimento, sejam sentimentos de dor ou prazer; 3) Considerar a mente como estando em constante estado de fluência; 4) Considerar a impermanência de todas as coisas. Os quatro procedimentos corretos são: 1) evitar o início do mal; 2) eliminar todo o mal; 3) induzir a prática de boas ações; 4) prosseguimento das boas ações que começaram. As cinco faculdades do poder são: 1) fé em acreditar; 2) vontade em se esforçar; 3) boa e segura memória; 4) concentração mental; 5) manter clara a sabedoria. As seis práticas perfeitas para atingir a sabedoria são: 1) prática da caridade; 2) prática de observar os preceitos; 3) prática da tolerância; 4) prática do esforço; 5) prática da concentração mental; 6) prática da sabedoria. Os discípulos de Buda ainda devem praticar cinco preceitos: não matar, não roubar, não cometer adultério, não mentir e não se intoxicar com nenhuma substância. Este seria, de modo bem resumido, o código de conduta do budismo, para que a mente se liberte das causas de suas modificações e para a cessação do sofrimento do indivíduo. Na prática, o clássico budista Visuddhimagga dá uma noção da aplicação dos preceitos de conduta e de seus efeitos sobre os processos mentais no caminho da Iluminação, que passa pela meditação. Como o objetivo deste trabalho não é o de exaurir o tema da meditação, a seguir será dada uma pequena noção da meditação na obra clássica budista. 1.3.2. O Visuddhimagga O clássico budista Visuddhimagga, é considerado por Daniel Goleman ―a mais ampla e detalhada psicologia tradicional dos estados de consciência.‖26 Ele começa indicando os melhores ambientes para praticar a meditação e as atitudes que preparam o 26 GOLEMAN, Daniel. A Mente Meditativa.Tradução Marcos Bagno. 5ª Edição. Editora Ática. São Paulo: 1997.Pg. 25.
  • 26. 25 meditador para a prática. Descreve também como o meditador deve treinar sua atenção e o que ele encontra pelo caminho da meditação até atingir o estado de nirvana. Para o Visuddhimagga, a meditação deve começar pelo cultivo da virtude ou da pureza moral. O cultivo sistemático da pureza e da virtude no pensamento, na palavra e na ação do meditador o ajudam a concentrar energia para alterar a consciência no estado de meditação. De acordo com esta obra, pensamentos impuros ou não virtuosos são uma perda de energia e de tempo. Por exemplo, fantasias sexuais, raiva, ódio induzem à distração no momento de meditar. O ―treinamento‖ budista para atingir a Iluminação possui três grandes divisões: o processo de purificação, a concentração meditativa e a introvisão. Os três estão intimamente ligados: ―esforços para purificar a mente facilitam a concentração inicial, que permite a introvisão sustentada. Desenvolvendo a concentração ou a introvisão, a pureza se torna, em vez de um ato de vontade, fácil e natural para o meditador. A introvisão fortalece a pureza, enquanto ajuda a concentração; a forte concentração pode ter como subprodutos a introvisão e a pureza. A interação não é linear; o desenvolvimento de qualquer uma facilita as outras.‖27 1.3.3. O processo de purificação O processo de purificação tem inicio com a observância de um código de disciplina para leigos, nocivos e monges totalmente ordenados. O leigo deve não matar, não roubar, não ter relações sexuais ilegais, não mentir e não se intoxicar. Para os demais a lista de abstenções se amplia, mas de qualquer maneira, a intenção das proibições é a preparação para a meditação, tendo em vista que a pureza deve ser embutida nas atitudes mentais do meditador, de onde surgirão o discurso, a ação e o pensamento puros e adequados. A intenção é liberar a mente de pensamentos ―impuros‖ como remorso, culpa, vergonha, que irão atrapalhar a meditação. Assim, o comportamento também deve ser controlado porque ele acaba por afetar a mente e a produção de pensamentos. A conduta moral pura tem o objetivo de purificar e acalmar a mente. 27 Idem, pg. 27.
  • 27. 26 Para ter a mente calma, dominada e pura, é necessário a contenção dos sentidos por meio da atentividade. É o pratyãhãra do Yoga Sutra de Patañjali. ―Na atentividade, o controle dos sentidos advém através do cultivo do hábito de simplesmente observar percepções sensoriais, sem permitir que estimulem a mente em cadeias de pensamentos. A atentividade é a atitude de prestar aos estímulos sensoriais o mínimo de atenção. Quando sistemicamente desenvolvida na prática do vipassana (ver as coisas como são), a atentividade torna-se o caminho para o estado nirvânico.‖28 Na prática, a atentividade desenvolve o observador. O meio de vida correto também é indicado para o meditador, por exemplo, a fonte de seus recursos financeiros deve ser tal que não cause desconfianças, as posses devem ser mínimas, a alimentação deve ser moderada, o suficiente para garantir a saúde física, a morada deve ser ao largo do mundo, no caso de impossibilidade, deve o meditador ter um local próprio, exclusivo e retirado para meditação, a preocupação indevida com o corpo deve ser evitada. O meditador, ainda, deve agir sem avidez e cercar-se de pessoas que pensam como ele. Por fim, praticando estas ações, o meditador não deve se orgulhar das suas práticas e de seus frutos, em detrimento daqueles que não as praticam. Todas as conquistas são perdidas no orgulho, prejudicando a pureza. 1.3.4. A concentração Então, a pureza é o estado psicológico fundamental para a concentração, sendo ela responsável pela eliminação sistemática de fontes de distração. Já a concentração requer a não distração e sua meta é fixar a mente em um único objeto (tal como a concentração do Yoga Sutra de Patañjali). Para o Visuddhimagga, os diferentes objetos de concentração possuem consequências diferentes para o resultado da meditação e a natureza, a profundidade e subprodutos da concentração. Ele indica quarenta temas de meditação: 28 GOLEMAN, Daniel. Ob. Cit. Pg. 28.
  • 28. 27 - ―Dez kasinas, rodas coloridas com cerca de trinta centímetros de circunferência: terra, água, fogo, ar, azul-escuro, amarelo, vermelho-sangue, branco, luz, espaço delimitado; - Dez asubbas, cadáveres repulsivos, decompostos: Por exemplo, um cadáver intumescido, um cadáver corroído, um cadáver infectado de vermes, etc., incluindo um esqueleto; - Dez reflexões: sobre os atributos de Buda, a Doutrina, o sangha, paz, a própria pureza da pessoa, a própria liberalidade da pessoa, a própria posse de qualidades divinas da pessoa, ou sobre a inevitabilidade da morte; contemplação sobre as 32 partes do corpo ou na inspiração- expiração; - Quatro estados sublimes: benevolência, compaixão, alegria na alegria de outrem e serenidade; - Quatro contemplações sem forma: do espaço infinito, da consciência infinita, do reino do nada e do reino da ―nem percepção nem não percepção‖; a repugnância da comida; - Os quatro elementos físicos: terra, ar, fogo, água como forças abstratas (isto é, extensão, mobilidade, calor, coesão).‖29 Para Buda, o temperamento de cada pessoa se enquadra melhor com um determinado tipo de meditação e local para meditação. O budismo também recomenda um mestre para apontar o caminho ao discípulo, devendo ele ser escolhido de acordo com o nível de progresso na prática da meditação. Na concentração, a unidirecionalidade da mente por longos períodos é resultado do progresso da prática da meditação e, quando o meditador consegue alcançar longos períodos de concentração, ele também é capaz de abandonar hábitos mentais antagônicos. É, na realidade, o resultado da prática do desapego aos condicionamentos mentais. O alcance de estágio onde o período de concentração leva o meditador a experimentar estados de beatitude, e, por ser um estágio muito próximo da ―absorção total‖, é chamado de ―concentração acesso‖. Neste estágio o meditador pode 29 GOLEMAN, Daniel. Ob. Cit. Pg. 31.
  • 29. 28 experimentar sensações de alegria, arrebatamento, prazer, serenidade, ele pode vir a ter visões, assustadoras, inclusive, mas é um estado precário de meditação. A meta do meditador deve ir além dessas sensações e destas visões e, para alcançar o próximo estágio, o meditador deve abandonar estas sensações. Quando houver o abandono, o meditador penetra totalmente no objeto de concentração, rompendo totalmente com a consciência normal e atingindo o primeiro jhana, ou absorção total. Os pensamentos cessam assim como as percepções sensoriais e corporais. Assim o primeiro jhana é atingido quando o meditador atinge simultaneamente, a atenção sustentada no objeto e a consciência é dominada pelo êxtase, pela beatitude e pela unidirecionalidade. Alcançado o primeiro jhana a meta do meditador passa a ser o alcance de jhanas mais profundos, sendo o último o oitavo. Para atingir o próximo estágio, o meditador sempre será impelido a se desapegar dos êxitos alcançados no estágio anterior. A seguir é apresentado o esquema das etapas das vias de concentração com as sensações alcançadas por cada jhana. O esquema é tal que é visível que cada jhana repousa no anterior, sendo necessário sempre o desapego para atingir o estágio superior. A progressão em cada jhana implica na sutilização progressiva da matéria mental e na consciência. Este esquema conta o livro A Mente Meditativa de Daniela Goleman, pg. 38: 1- Estados de acesso: pensamentos estorvantes superados, outros pensamentos permanecem. Consciência de dados sensoriais e estados corporais. O primeiro objeto de concentração domina o pensamento. Sensações de êxtase, felicidade, serenidade. Pensamentos iniciais sustentados no primeiro objeto. Centelhas de luz ou leveza corporal. 2- 1º Jhana: cessam todos os pensamentos estorvantes, a percepção sensorial, a consciência da dor corporal, a atenção inicial e ininterruptamente sustentada ao primeiro objeto de concentração. Sensações de êxtase, beatitude e unidirecionalidade.
  • 30. 29 3- 2º Jhana: Sensações de êxtase, beatitude e unidirecionalidade.. Nenhum pensamento do primeiro objeto de concentração. 4- 3º Jhana: sensações de beatitude, unidirecionalidade e serenidade. O êxtase cessa. 5- 4º Jhana: serenidade e unidirecionalidade, beatitude. Todas as sensações corporais de prazer cessam. 6- 5º Jhana: consciência do espaço infinito. Serenidade e unidirecionalidade. 7- 6º Jhana: consciência infinita do não objeto. Serenidade e unidirecionalidade. 8- 7º Jhana: Consciência do nada, serenidade e unidirecionalidade. 9- 8º Jhana: nem percepção nem não percepção, serenidade e unidirecionalidade. Apesar da sua complexidade para os olhos de um liego, o Visuddhimagga entende que o domínio dos jhanas não passa de um jogo de uma mente bem treinada na concentração, tendo isso importância secundária para atingir a sabedoria arguta ou puñña. Esta é alcançada começando pela atentividade, prosseguindo pela introvisão ou vipassana e terminando no nirvana. A obra clássica aponta ainda outros caminhos, que não serão aqui tratados. 1.4. A meditação na Bhagavad-Gita Na Bhagavad-Gita a meditação está presente no capítulo VI – O Yoga do Autodomínio: 1. O Senhor Bem-aventurado disse: Aquele que realiza tal ação como dever, independentemente do fruto da ação, é um asceta, é um Iogue, e não aquele que carece de fogo e rituais. 2. O que se chama renúncia, deves conhecê-lo como Yoga, Oh Pandava, tampouco ninguém torna-se um Iogue sem renunciar a vontade formativa. 3. Para o Sábio que busca o Yoga, a ação é chamada meio; para o mesmo sábio entronizado no Yoga, a serenidade é chamada o meio. 4. Quando um homem não sente apego pelos objetos dos sentidos nem por ações, renunciando à vontade formativa, então diz-se que está entronizado no Yoga.
  • 31. 30 5. Que ele eleve o eu mediante o SER, e que o eu não se deprima, pois, verdadeiramente, o SER é o amigo do eu, e também o SER é o inimigo do eu; 6. O SER é o amigo do eu daquele em quem o eu é vencido pelo SER; mas para o eu não subjugado, em verdade o SER torna-se hostil como um inimigo. 7. O EU superior daquele que é auto-controlado e pacífico, é uniforme no frio e no calor, no prazer e na dor, bem como na honra e na desonra. 8. O Iogue que, firmemente, se satisfaz com a sabedoria e o conhecimento, aquele cujos sentidos estão subjugados, aquele para quem um torrão de terra, uma pedra e ouro são a mesma coisa, diz-se que está harmonizado. 9. Excele quem considera imparcialmente bemquerentes, amigos e inimigos, estranhos, neutros, estrangeiros e parentes, bem como virtuosos e iníquos. 10. Que o Iogue se dedique constantemente ao Yoga, permanecendo em um local secreto, com o pensamento e o eu subjugados, livre de cobiça e de expectativa. 11. Em um lugar puro, e firme para sentar, de sua propriedade, nem muito alto, nem muito baixo, tendo sobre si um pano, uma pele de antílope negro e erva kusha, um sobre o outro. 12. Ali, havendo tornado a mente unidirecional, com o pensamento e as funções dos sentidos subjugados, firme em seu assento, ele pratica Yoga para a purificação do eu. 13. Mantendo o corpo, a cabeça e o pescoço eretos, imovelmente firme, olhando para a ponta do nariz, com o olhar vago; 14. Com o eu sereno, sem temos, firme no voto do Brahmachãri, a mente controlada pensando em Mim, harmonizado, que permaneça sentado aspirando por Mim. 15. O Iogue, sempre assim unido com o SER, com a mente controlada segue para a Paz, para a Bem-aventurança suprema que habita em Mim. 16. Em verdade, Yoga não é para quem come demais, nem para quem se abstem em excesso, nem para quem é demasiado afeito a dormir, nem para quem é demasiado afeito à vigília, Oh Arjuna. 17. O Yoga mata todo sofrimento para aquele que é moderado na comida e na diversão, moderado na realização das ações, moderado no sono e na vigília. 18. Quando seu pensamento subjugado está fixo no SER, livre da cobiça de todas as coisas desejáveis, então se diz que [o Iogue]”está harmonizado”.
  • 32. 31 19. Assim como uma lâmpada não tremeluz em um lugar sem vento, a tal se assemelha o Iogue de pensamento subjugado, absorto no Yoga do SER. 20. Aquele no qual a mente acha repouso, aquietada pela prática do Yoga; aquele no qual o Iogue vendo o SER por meio do SER, com o SER se satisfaz; 21. No SER ele encontra o deleite supremo que a Razão pode alcançar além dos sentidos, onde estabelecido, [o Iogue] não se move da Realidade. 22. Que, havendo-a obtido, pensa não haver maior ganho além dela; onde está estabelecido, ele não é abalado por qualquer sofrimento; 23. Esta desconexão do vínculo com a dor, deve conhecer-se pelo nome de Yoga. A este Yoga deve-se aderir com uma firme convicção e mente livre de desalento. 24. Abandonado sem reserva todos os desejos nascidos da imaginação, controlando com a mente o agregado dos sentidos por todos os lados. 25. Que pouco ganhe tranqüilidade, por meio da Razão controlada com firmeza; tendo feito que a mente habite no SER, que não pense em nada. 26. Controlando a mente com tanta frequência quanto ela for oscilante e instável, que a traga sob o controle do SER. 27. A alegria suprema vem para esse Yogue cuja nem é pacífica, cuja natureza passional é calma, que é imaculado e da natureza do ETERNO. 28. O Iogue que assim sempre harmonizando o eu, eliminou o pecado, facilmente se deleita com a bem-aventurança infinita do contato com o ETERNO. 29. O eu, harmonizado pelo Yoga, vê o SER que habita em todos os seres, e todos os seres no SER; em toda a parte vê o mesmo. 30. Aquele que Me vê em toda a parte, e vê tudo em mim, Eu nunca o abandonarei, e ele jamais se perderá de Mim. 31. Aquele que, estabelecido na unidade, Me adora, habitando em todos os seres, esse Iogue vive em Mim, seja qual for seu modo de vida. 32. Aquele que, através da semelhança com o SER, Oh Arjuna, vê igualdade em tudo, seja agradável ou doloroso, é considerado um Iogue perfeito. 33. Arjuna disse: Eu não vejo um alicerce para esse Yoga que Tu declaraste existir pela equanimidade, devido ao desassossego; 34. Pois a mente é em verdade inquieta, Oh Krishna; é impetuoso, forte e difícil de subjugar. Julgo que é tão difícil de controlar quanto o vento.
  • 33. 32 35. O Senhor Bem-aventurado disse: Sem dúvida, Oh potentemente armado, a mente é difícil de subjugar e inquieta; porém ela pode ser controlada pela prática constante e pelo desapego. 36. Eu penso que o Ioga é difícil de alcançar por um eu descontrolado; mas para quem controla o Eu, é alcançável pela energia dirigida apropriadamente. 37. Arjuna disse: Aquele que não se subjulgou, mas que possui fé, com a mente divagando longe do Yoga, fracassando em alcançar a perfeição no Yoga, que senda percorre, Oh Krishna? 38. Tendo fracassado em ambos, Oh potentemente armado, está ele destruído como uma nuvem despedaçada, indeciso, iludido na senda do ETERNO? 39. Digna-te, Oh Krishna, a dissipar completamente esta minha dúvida; pois além de Ti não há ninguém que possa encontrar para dissipar esta dúvida. 40. O Senhor Bem-aventurado disse: Oh filho de Prithã, nem neste mundo nem na vida vindoura há destruição para ele; jamais ninguém que trabalhe com retidão, Oh amado, percorre a senda da perdição. 41. Após alcançar os mundos das ações puras, e havendo habitado lá por anos imemoriais, quem não alcançou o Yoga renasce numa casa pura e abençoada; 42. Ou pode até nascer em uma família de sábios Iogues; porém, semelhante nascimento é muito difícil de se obter neste mundo. 43. Ali recupera características pertencentes ao seu corpo anterior, e com estas trabalha novamente para alcançar a perfeição, Oh alegria dos Kuru-s. 44. O [Iogue], por aquelas práticas anteriores, se vê irresistivelmente impelido. Apenas por desejar conhecer o Yoga, até quem busca o Yoga vai além da palavra Brãhmica. 45. Porém, o Iogue que trabalha com assiduidade, purificado do pecado, plenamente aperfeiçoado através de múltiplos nascimentos, alcança a meta suprema. 46. O Iogue é maior do que os ascetas; é considerado até maior do que os sábios; o Iogue é maior do que os homens de ação; portanto, torna-te um Iogue, Oh Arjuna.
  • 34. 33 47. E entre todos os Iogues, ao que está pleno de fé, com o SER interior habitando em Mim, ao que Me adora, é por Mim considerado como o mais completamente harmonizado.”30 É importante notar que o capítulo inicia com o sutra em que o Senhor Krishna explica para Arjuna a importância do desapego com relação ao resultado que se espera de alguma ação. No caso da meditação, o desapego é o que vai resultar o alcance do samadhi. No entanto, a vontade e a determinação do meditador é fundamental para o alcance dos resultados. A questão principal é o apego ―a que‖. Até se chegar ao desapego total, o meditador vai se despegando de alguns padrões mentais para ascender a um mais elevado. Uma vez atingido um mais elevado, ele novamente necessita se desapegar para atingir um patamar mais alto, e assim, sucessivamente, até o desapego final. Outra questão importante com relação ao apego aos frutos de uma ação é que este apego pode acabar por produzir expectativa e a ansiedade, sendo que ambas, por sua vez, podem gerar decepções e uma série de resultados pouco positivos que podem acabar por atrapalhar o caminho daquele que deseja praticar a meditação. Nota-se também que o Sr. Krishna explica as atitudes mentais que o Iogue deve praticar: o desapego, a serenidade, auto-conhecimento, auto-controle, equanimidade diante das circunstâncias (frio/calor, prazer/dor, honra/desonra); o sub-julgação dos sentidos. Esta seriam atitudes internas que preparam o yogue para o Yoga, que é a desconexão do vínculo com a dor (nº23). Em seguida, o Sr. Krishna sugere o local onde a prática da meditação deve acontecer, a postura corporal e a atitude mental. Veja que a dificuldade do controle mental é questionada por Arjuna e reconhecida pelo Mestre, que menciona a necessidade de várias vidas no caminho da prática e de trabalho assíduo para se conseguir atingir o estado de aperfeiçoamento do Yoga. No entanto, é na busca pelo Senhor dentro de si mesmo que se encontra a harmonia com o próprio SER divino. 30 BHAGAVAD-GITÃ. A Canção do Senhor. Tradução de Ricardo Lindemann. Brasília, Editora teosófica, 2010.
  • 35. 34 2. OS SAMSKÁRAS E OS VÁSANAS 2.1. Os samskáras e os vasanás na estrutura psíquica do ser humano Não há como se falar em meditação sem antes mencionar e explicar termos como samskáras e vásanas. Eles já foram mencionados anteriormente neste trabalho, mas cabe aqui uma parada importante para compreender o que eles significam, de que maneira estão ligados com doenças e com a meditação. 2.1.1 Samskára (impressões) Pátanjali denomina ―os processos mentais (chittavritti) deixam na mente impressões subconscientes‖, samskára. ―Estas impressões permanecem na mente de modo latente, influenciando a vida psíquica, são o que o Yoga chama também de "sementes" (bíja), que produzem "tendências" (vásana), novos pensamentos, redemoinhos mentais (vrittis). Cabe ao praticante de Yoga impedir o surgimento dos samskára e destruir as impressões e tendências que buscam atualização‖31. Quando as tendências ou impressões são atualizadas, elas se transformam em hábito (mental) e se o hábito não for superado, suprimido ou sublimado, ele se transformará em samskára. Os vícios, manias e hábitos repetitivivos são samskáras. Para visualizar melhor o conceito, podemos imagimar que samskáras são como cicatrizes, marcas, impressões deixadas na mente, e, consequentemente, no corpo astral. Estas cicatrizes podem ter origem tanto em situações de cunho positivo, quando em situações de cunho negativo. ―Por exemplo: se alguém experimenta um cafezinho num intervalo de trabalho, tendo isto como algo agradável, tenderá a repetir a experiência em todos os intervalos de trabalho, e se sentirá necessitado de um café no dia em que tal atualização não for possível.‖32 Esse é um bom exemplo para compreender o que o samskára significa no nosso dia a dia e percebermos que os mecanismos mentais e seus automatismos são, na maioria das vezes, fruto dos samskáras e dos vásanas, que a seguir serão analisados. 31 HENRIQUES, Antônio Renato. Yoga e Consciência: a Filosofia Psicológica dos Yoga-Sutras de Patãnjali. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984, pg. 85. 32 Idem, Idem.
  • 36. 35 ―Para Pátañjali samskára é o mesmo que memória, já que sem memória não permaneceria na mente impressão alguma, e tampouco haveria desejo de reprisar qualquer ato que fosse.‖33 2.1.2 Vásana (tendências) A palavra vásana é usada por Pátañjali num sentido quase igual ao de samskára, e pode ser entendida como tendência latente ou impulso. A pequena diferença entre ambas consiste no fato de que samskára possui uma conotação estática de impressão, registro, e vásana possui uma conotação dinâmica da impressão, constituindo a manifestação do samskára em forma de tendência ou desejo. No entanto, a distinção é feita por poucos teóricos e, em essência, ambos são iguais, ou a mesma coisa. Neste trabalho, trataremos ambos como sendo a mesma coisa. A distinção pode ser feita mediante a leitura cuidadosa e analítica do texto, tendo em mente o principal ponto distintivo entre amos: a impressão fixa e da tendência manifesta pelos desejos. Os processos mentais são uma contínua descarga de vásanas (se considerar o seu dinamismo, a manifestação do samskára) que constituem os vrittis. É importante notar que o ser humano está constantemente atualizando seus vásanas e são eles que condicionam o caráter do indivíduo. Estes condicionamentos estão de acordo com a herança das experiências vividas e com a situação kármica de cada um. Então, os samskáras, que são as impressões do passado ocorridas nesta vida ou em outra, movem-nos através de comportamentos padrões e repetitivos, juntamente com outros fatores (sociais e culturais, por exemplo) que moldam nosso comportamento. Mais de 87%34 dos pensamentos que passam pela mente de um ser humano a cada dia são repetitivos. Podem estar configurados em situações diferentes e povoados por personagens diferentes, mas no fundo, o processo é repetitivo. Daí o condicionamento humano. 33 Idem, idem. 34 http://yogajournal.terra.com.br/show_yoga.php?id=1258, por Sandro Bosco, visitado em 09/05/2011.
  • 37. 36 2.2. Samskáras e condicionamentos emocionais Agora então vamos citar um exemplo da atuação de um samskára em um nível incosciente das atividades mentais. Se uma mulher é estuprada por seu pai quando tem dezesseis anos, este fato deixa um rastro em sua organização psicológica, e este rastro é um samskára. O modo dela se relacionar com outros homens nunca mais será o mesmo. Em várias situações de vida, este rastro influenciará seu comportamento emocional profundamente. Isto significa que o samskára não é nem neutro nem mudo. Melhor dizendo, é dotado de um dinamismo poderoso – uma carga emocional. Gera emoções, atrações e repulsões que modificarão a vida interna desta pessoa significativamente. Sendo associado com tantas memórias traumáticas e dolorosas, o samskára não permanece calado; ele se expressa de um modo consciente ou inconsciente. Isto se aplica a todos os samskára – não apenas para alguns casos particulares. Percebendo ou não, em suas profundezas, os samskáras estão constantemente berrando para serem curados. Agora, supomos que esta mulher, ao invés de ser estuprada com dezesseis anos, tenha sido atacada quando ela tinha três anos. Sua experiência foi ainda mais terrível e traumática, porque como uma garotinha, ela não tinha meios de compreender o que estava acontecendo. Para ela, a agressão foi como um assassinato. Mas o choque foi tão insuportável que ela esquece tudo, apagando completamente o episódio de sua memória consciente. O samskára foi armazenado com uma carga emocional ainda maior do que no caso da menina de dezesseis anos; e neste caso, o samskára está completamente inconsciente. Mais tarde, como adulta, sua vida emocional e sexual inteira será minada por um trauma escondido do qual ela é completamente desinformada. O critério para que um grande samskára seja impresso não é dor, mas intensidade. Fortes samskáras são gravados no corpo astral quando um episódio é associado com intensidade emocional. Isso se deve ao fato de que quando se enfrenta uma situação com forte carga emocional, todos os sentidos estão amplamente abertos, e o indivíduo está totalmente ciente e vigilante. Não é uma nuvem obscura que é
  • 38. 37 imprimida na memória, mas um conjunto definido e preciso de pensamentos, sentimentos e percepções. Nem todos os samskáras são criados a partir de grandes eventos, mas sim, das fortes reações emocionais que o próprio indivíduo gera a partir do evento.Os samskáras podem ser dotados de forte carga emocional, quando são chamados grandes samskáras ou de pequena carga emocional, quando são chamados micro- samskáras ou samskáras aceitáveis. Não importa qual, todos eles estão armazenados na nossa mente. As impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos são em parte mantidas no subconsciente da mente e, quando os sentidos recebem o estímulo apropriado, estas impressões podem ser relembradas. Exemplo disso são músicas antigas que, quando escutadas no presente, fazem com que o indivíduo viva novamente seu passado ou cheiros que experimentados no presente, remetem a situações vividas no passado. Por isso, Patanjali diz que os samskáras são o mesmo que memória. 2.3.A tirania dos samskáras Se admitirmos que estamos em busca de liberdade, aquela liberdade da alma, que liberta a nossa natureza divina, então fica claro que os principais obstáculos para que esta liberdade se realize são os samskáras. ―De acordo com as Upanishads, os capítulos finais dos Vedas, assim que o último laço de samskáras no coração for desatado, o estado mais alto de consciência é conhecido, liberdade absoluta é alcançada, e martyo 'mrto bhavati ―o mortal fica imortal.‖35 Há circunstâncias na vida que limitam e restringem a liberdade do indivíduo e a mais impressionante delas são os samskáras. São eles os responsáveis pelo ser humano viver numa constante ilusão, sob o véu de maya. Em sânscrito, maya significa ―mágico‖. Os samskáras funcionam numa ditadura absoluta e mágica, sobre a qual poucos se importam ou mesmo se dão conta. A ditadura começa antes do nascimento e não pára com a morte. Obstrói o livre arbítrio de manhã até a noite, em cada dia gasto neste planeta e são passados de uma vida para a outra. 35 http://www.clairvision.org/portugues/regressao-a-terapia-de-vidas-passadas-para-a-libertacao-imediata.html#Cap1, consulta em 03/05/2011.
  • 39. 38 Os samskáras também possuem a tendência de se repetir eternamente. Como uma ferida emocional do samskára pode ser extremamente dolorosa, ela não consegue permanecer neutra, ela clama pela cura. A carga emocional associada a ele é tão intensa que se não for resolvida tende a gerar circunstâncias que permitem que se expresse. Em muitos casos, isto resultará na repetida vivência de circunstâncias semelhantes, de vida para vida. ―No Yoga os impulsos inconscientes possuem uma dimensão muito ampla, pois estão associados à idéia do karma. São as ações que cobram suas conseqüências num circuito de causa e efeito, em que os atos se registram como expressões de experiências agradáveis ou desagradáveis, em que as impressões se transformam em tendências que, ao se atualizarem na consciência, conduzem irremediavelmente e de novo ao ato. Este círculo é rompido quando o espírito (Purusha) deixa de ser arrastado pela matéria (Prakrití); a ignorância se desfaz quando o yogi adquire o discernimento e faz uso das técnicas do Yoga. Escreve Pátañjali: "Hetu-phálashrayálambanaih samgrihítatvád eshám abháve tad- abhávah"."Estando interligados (samgrihitatvád) como causa-efeito, substrato- objeto (ashraya = apoio, suporte, 'substrato'; alambanaih = objeto), os efeitos desaparecem (abhávah) quando a causa desaparece (abháve)".Y. S. - IV, 11‖36 Outra tendência do mecanismo dos samskáras é fazer com que o indivíduo crie circunstâncias de vida pelas quais eles podem se manifestar. Eles não só aumentam a dor e emoções atuais através da superimposição, mas também manipulam o indivíduo a criar dificuldades nas quais as emoções podem ser vividas de novo. Eles atuam como tendências latentes, influenciando fortemente no destino das pessoas. 2.4. Samskáras e a ilusão, ou maya. 36 Henriques. Ob. Cit. Pg. 86.
  • 40. 39 Para entender um pouco melhor sobre como a mente e os samskáras funcionam e como eles criam uma realidade falsa para o indivíduo, atrapalhando a percepção do presente, vamos a um exemplo. O sujeito entra na cozinha de um amigo onde há um cheiro particular no ar. Imediatamente este cheiro o faz lembrar uma cozinha onde ele passou parte de sua infância. Nesta cozinha havia um gato que dormia embaixo da mesa, e havia uma velha senhora trabalhando. Todos os tipos de recordações voltam à sua mente. Se ele se sentia bem naquela cozinha, o sentimento bom volta a enquanto ele está na cozinha de seu amigo. Assim, talvez, ele se sinta confortável e fale para seu amigo ―gostei da sua cozinha!‖ Agora, suponhamos que o sujeito se sentia extremamente incômodo com a sua avó, porque ela o forçava a comer alcachofras que ele odiava. E neste dia em particular acontece que seu amigo está cozinhando alcachofras. O mal-estar será relembrado – a ansiedade no peito, a tensão em sua barriga. Ele não está se sentindo realmente ansioso e tenso, mas as lembranças são vívidas. De qualquer maneira, ele está completamente separado da cozinha de seu amigo enquanto as recordações acontecem. Se o amigo estiver falando com ele nesse momento, é bem provável que ele tenha que lhe pedir que repita o que disse. Ele foi seqüestrado por este episódio do passado. Este exemplo presume que o sujeito poderia, conscientemente, se lembrar do episódio durante o qual o samskára foi impresso. Suponha agora que o sujeito tenha esquecido tudo sobre a sua avó. É provável que algo diferente aconteça. Ele entra na casa de seu amigo, o clima geral e o cheiro ativam uma conexão inconsciente com o episódio esquecido, e resulta num certo mal-estar. Há um certo grau de ansiedade em seu peito e tensão em sua barriga, e ele não sabe o porquê. Ele não se lembra de qualquer detalhe específico da cozinha da sua avó, só o mal-estar existe. O fardo emocional do passado é superimposto sobre a consciência atual pelo vínculo do cheiro, mas o sujeito não percebe isto. Ele só está ciente de duas coisas: a cozinha e o seu desconforto. Então, ele bem pode pensar: ―eu não gosto da vibração desta casa!‖, ou ―eu não me sinto confortável com estas pessoas‖. Claro que, a cozinha é exatamente a mesma, é só a percepção do sujeito que muda. Olhando assim, percebe-se que o julgamento é completamente irrelevante e
  • 41. 40 absurdo, entretanto, tudo isso vem à mente do sujeito de forma muito natural e logicamente. Enquanto o indivíduo permanece neste modo de reação, ele pode pensar que o que está vendo é a cozinha de seu amigo. Mas ele está se enganando completamente, pois em seu mundo, ele está vendo a cozinha da sua avó, cheia de projeções inconscientes de alcachofra-fantasmas, e o que seu amigo está vendo na cozinha dele é completamente diferente. A cozinha projetada na mente não tem nada a ver com a cozinha real, não é nada mais que uma construção mental. Naquele momento, o sujeito está completamente desconectado; ele está vivendo em um mundo imaginário, como se fosse uma gaiola; ele está em qualquer lugar, menos ―aqui e agora‖. Seu julgamento é prejudicado por um fator não visto, e qualquer decisão importante que tivesse que tomar nesta cozinha, provavelmente seria distorcida. O próximo passo é ver que essas superimposições acontecem constantemente, não apenas durante o dia, mas até mesmo durante os sonhos. Ciente disto ou não, a situação é tal que inúmeras memórias parecidas estão constantemente nublando a percepção atual do mundo. Com muita frequência, vários samskáras são ativados simultaneamente, cada um sobrepondo seu próprio conjunto de emoções e impressões que aumentam a confusão. Muitos samskáras secundários não são associados a uma emoção evidente, mas só com um sentimento vago de mal-estar ou alegria. Quando ativados, eles apenas sobrepõem uma certa atração ou repulsão, uma névoa sutil sobre a percepção atual. Somadas às influências de todos os samskáras-gigantes, aos de tamanho médio e aos pequenos, têm-se uma noção do que é maya (ilusão). Não há nenhuma necessidade de negar a realidade física do mundo para concluir que vivemos em completo maya ou ilusão. Mestres hindus gostam, frequentemente, de enfatizar o caráter dramático desta situação. Nós gastamos nosso tempo ficando chateados com os dramas de nossa vida, mas todos estes dramas são apenas ninharias, comparados à tragédia de estarmos, permanentemente, isolados em uma nuvem de ilusão, uma gaiola, gerada pelos
  • 42. 41 samskáras. Nós nunca vemos o mundo, nós apenas podemos ver o nosso mundo, que está cheio dos fantasmas do nosso passado. Nós estamos desconectados e vivemos em uma nuvem, e nós nem mesmo suspeitamos disto. ―Demonstra o Yôga que os samskáras e vásanas são grandes obstáculos à iluminação, o inconsciente se opõe à ascese, por isso se impõe seu necessário domínio e conscientização. Há também o medo, pois as pulsões inconscientes temem não se atualizarem, e o ego teme sucumbir às forças totalizadoras do inconsciente. A satisfação dos desejos e a manifestação de formas são impulsos egóicos de exteriorização, mas realizar um desejo é esgotá-lo, e a plenitude de ser das formas está na consumação das mesmas. Donde se fala de uma ânsia de não ser, as tendências kármicas querem todas se auto-destruir, satisfazer-se. Todo o universo material (Prakrití) caminha em direção ao repouso, à reabsorção numa unidade original.‖37 Uma maneira de sair da nuvem e, se não retornar, mas chegar mais perto de purusha pode ser pela prática do Yoga e da meditação, uma vez que ambos atuam de maneira e livrar a mente de seus condicionamentos, da ―tirania‖ dos samskáras. 2.5. O fim dos samskáras Com a prática da meditação, os samskáras ou a ação deles pode ser neutralizada ou eles podem até mesmo ser completamente erradicados. Porém, até não se atingir o mais alto grau de Iluminação ou mesmo o samãdhi, os samskáras permanecerão pelo motivo de que a nossa mente/ manas é formada por eles e pelos vãsanas. A substância real do corpo astral é feita de samskáras. Ou seja, a maioria dos indivíduos vive identificada com o mano-maya-kosa, ou corpo ilusório, que é constituído pela matéria mental, astral, e emoções. Ele é a sede dos desejos e das paixões humanas, constituído pelos cinco órgãos do conhecimento. ―A mente atua por meio dos cinco sentidos. É pelos órgãos dos sentidos que ela capta a informação das experiências sensoriais e as transforma em percepções mentais. Este estado mental é associado com a gama de emoções e sentimentos, portanto, este 37 HENRIQUES, Antônio Renato. Ob. Cit. Pg. 87.
  • 43. 42 invólucro é uma mistura de pensamentos e emoções e na maioria das vezes não sabemos se estamos sentindo ou pensando. Esta mente está mais identificada com os padrões emocionais e sensações do que verdadeiramente com o Eu Superior. É a mente reativa.‖38 A grande mudança na vida do indivíduo que medita ocorre quando ele consegue adentrar totalmente em uma camada diferente de sua consciência. É a mudança de consciência passando a viver ligado aos sentimentos e não simplesmente reagindo às emoções. É quando ele passa a desenvolver buddhi, e abandona progressivamente manas. Isso significa que a meditação desenvolve o vijñãna-maya-kósa. O vijñãna-maya- kosa é o corpo feito de conhecimento. ―É a mente superior. Aquela que investiga, discerne, intui. Nela temos todo o poder da sabedoria em latência. Cabe-nos estimulá-la com elevados e sutis pensamentos para poder pôr em ação o mais alto estado de consciência. Seu estado predominante é o sáttvico, de equilíbrio e luminosidade. É portador da luz interior. Nele está o poder do conhecimento que tem como sua propriedade o discernimento (viveka) e determinação. Podemos ativar este invólucro por meio da meditação, cantos de mantras e elevados sentimentos e pensamentos.‖39 Esta passagem de manas para buddhi corresponde a uma verdadeira transformação alquímica pela qual todos os corpos irão passar. Esta transformação é lenta e gradual, mas pouco a pouco a mente reativa vai perdendo sua força e sua capacidade de prender o indivíduo em rotinas mecânicas e vai crescendo a intensidade e a presença constante da autoconsciência. Com isso, o indivíduo pode passar a distinguir a dor do sofrimento, percebendo a diferença da natureza de ambas: a dor é invevitável na condição humana e deriva da existência em um corpo físico. Ela é física. Já o sofrimento e fruto de uma reação da mente/manas à dor. A mente é capaz de aumentar a intensidade da dor e acrescer a ela vários ―enfeites‖ emocionais e vibracionais. Em muitos casos, a dor é passageira, mas se o indivíduo desejar, sempre pode somar emoções a ela, criando ilimitáveis e infinitos motivos para sofrer. 38 PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 44. 39 Idem.Pg. 44.
  • 44. 43 Portanto, melhorando a qualidade de manas, desenvolvendo buddhi, abandonando condicionamentos mentais negativos, inúmeros resultados positivos irão surgir nos demais corpos do indivíduo, até mesmo, no corpo físico, o Anna-maya-kosa. 3. 4. A VISÃO DO YOGA DE SAÚDE E DE DOENÇA
  • 45. 44 Estando o Yoga ancorado sobre a visão holística do ser, seu objetivo é que o indivíduo tenha tanto saúde mental quanto a física. Para o Yoga, a doença reflete um desequilíbrio interno, e significa um ―nível de distanciamento entre o ego e o Ser. Quanto mais distantes nos encontramos de nós mesmos, ou seja, da nossa essência eterna e divina, mais doentes nos encontramos. Todas as doenças físicas e mentais são sintomas desta causa primeira. A dor (duhkha) é o mecanismo de nos trazer para mais perto de nós mesmos, para percebermos aquilo que clama internamente pedindo atenção.‖40 ―Nosso Ser existe em uma dimensão que transpõe o corpo físico. Somos sentimentos, pensamentos, energia potencializada. Estas dimensões fazem parte da nossa percepção do mundo e com elas criamos a nossa realidade relativa instante a instante. Tornamo-nos aquilo que projetamos com nossa mente distanciada da Realidade Absoluta que somos. Com tudo isso, vamos criando padrões e crenças, condutas, hábitos, tendências que vão gerando dor, levando sofrimento e produzindo enfermidades no corpo físico como forma de liberar a energia antagônica e destoante do Ser.‖41 Para que a saúde do indivíduo se reestabeleça, é necessário o reencontro com o seu Ser divino. Para isso, a liberação dos samskáras, que significa o descondicionamento, o desapego dos hábitos, crenças e atitudes negativas que geraram a doença é o único caminho para a cura a nível físico, energético, emocional, mental, e espiritual. Para Patañajali, a causa de todos os sofrimentos ou duhkha, são os klésas, ou cinco aflições humanas que são: 1. Ignorância: não sabemos quem somos na realidade, desconhecemos nossa natureza divina; 2. Egoísmo: é a identificação do vidente com o visto, isto é, crença em que o não Ser é o Ser; 3. Apego: apego a tudo aquilo que gera prazer; 40 PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 339. 41 Idem, idem, pg. 339.
  • 46. 45 4. Aversão: ao que gera dor; 5. Medo da morte, ou intenso apego à vida. Para ele, os klésas constituem as raíses do karma, sendo que a ignorância é o fator primeiro das causas do nosso sofrimento e, consequentemente, da geração do karma. No Yoga Sutra I-33 Patañjali explica a maneira de se manter a mente livre de perturbações que podem causar todo tipo de dor: ―Quando a mente é perturbada por pensamentos impróprios, a constante ponderação sobre os opostos é o remédio.‖42 A ponderação sobre os opostos é o remédio mais eficiente para tratar dos maus hábitos e condicionamentos, enfim, dos implusos que carregamos desde vidas passadas. Sempre que o meditador estiver agindo ou pensando de acordo com seus condicionamentos e impulsos que o levam a agir e pensar de maneira contrária aos seus novos ideais, a ponderação e a consideração sobre o oposto de suas tendências indesejáveis é o melhor remédio. Este sutra é considerado por Taimni como ―uma das leis mais importantes sobre a construção do caráter, uma lei que a moderna psicologia reconhece e recomenda quando lida com os problemas da autocultura.‖43 Para o Yoga, a única maneira de remover hábitos, pensamentos e atitudes que possuem más raízes é atacar o problema na origem , alterando os pensamentos e atitudes indesejáveis. E os maus hábitos mentais só poderão ser mudados quando substituídos pelos seus opostos: agressividade por passividade, ódio por amor, etc. Na realidade, no último estágio do Yoga não existe esta dualidade, e nem mesmo a consideração sobre os oposto será necessária. ―O Yoga propõe um caminho de libertação dos pares de opostos, para se atingir o estado de equilíbrio e felicidade, além da dualidade. Na dualidade há o (des) equilíbrio e a (im)perfeição e no estado de Unidade há equilíbro e perfeição.‖44 O Yoga possui várias técnicas que promovem a aproximação do ego ao Ser, como a prática dos ãsanas, dos kriyãs purificatórios, dos mudrãs, dos bandhas, dos 42 TAIMNI. Ob. Cit. Pg. 185. 43 TAIMNI. Ob. Cit. Pg. 185. 44 PACKER, Maria Laura Garcia. Ob. Cit. Pg. 341.