O documento discute as leis de publicidade online no Brasil, destacando que: (1) a publicidade online se tornou essencial para o mercado brasileiro, representando R$14,8 bilhões em 2017; (2) existem regulamentações para proteger crianças, como restrições ao conteúdo e forma de veiculação de anúncios; (3) órgãos como o CONAR monitoram violações como falta de transparência na publicidade feita por influenciadores digitais.
2. disponibilização, a publicidade online há muito deixou de ser uma aposta para se tornar
item obrigatório no planejamento de mídia para alguns públicos, como crianças com
idade até 12 anos, que em 2017, conforme levantamento do ESPM Media Lab, foram
responsáveis por 52,5 bilhões de visualizações únicas de vídeos hospedados no
Youtube.
Essas ações de comunicação publicitária envolvendo o público infantil são
materializadas, em boa parte, por intermédio de influenciadores digitais numa
modalidade conhecida como publicidade indireta, onde se incluem o product placement
e o branded content. Registros históricos indicam que Alan Turing, considerado pai da
computação, tinha 7 anos de idade quando o mundo presenciou a primeira ação de
product placement: foi numa produção cinematográfica de 1919 chamada “The
Garage”.
Não houve registro de um unboxing, mas os protagonistas interagiam em meio a uma
série de referências a algumas marcas de óleos de motor e postos de combustíveis, que
permaneciam estáticas nas cenas como parte integrante de uma garagem, com total
coerência e naturalidade. Trazendo a questão para os dias atuais, poucas pessoas se
deram conta de que uma das fotos mais curtidas e compartilhadas da história, uma certa
selfie tirada pela Ellen DeGeneres durante a transmissão do Oscar de 2014, na verdade
era uma ação de merchandising contratada pelo fabricante do telefone celular, que
acabou viralizando.
Desde a primeira ação, há exatos 100 anos, aos dias de hoje, as ações de product
placement, em maior ou menor escala, têm em comum a sutileza que permeia a inserção
do produto divulgado numa dada situação, e a publicidade online não apenas não possui
o privilégio da invenção deste tipo de comunicação, mas deve observar as mesmas
regras criadas para a publicidade off-line.
Por exemplo, nosso Código de Defesa do Consumidor determina que a mensagem deve
ser clara o suficiente para que o consumidor identifique facilmente seu caráter
publicitário. De fevereiro a outubro de 2018 o CONAR (Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária) instaurou quarenta e seis processos éticos
relacionados à falta de clareza de cunho publicitário em peças de comunicação, grande
parte envolvendo influenciadores digitais. Para contornar essa questão, alguns
influenciadores têm adotado a hashtag “publipost” (#publipost) e algumas variações em
suas postagens comerciais.
No mesmo período, foram dezesseis processos éticos relacionados à publicidade voltada
para o público infanto-juvenil. Material publicitário voltado ao público infantil não é
considerado, por si só, ilegal. Ao se dialogar com o público infantil, contudo, é
fundamental que sejam observadas não apenas normas gerais que emolduram a
atividade de comunicação publicitária, mas também regras especiais decorrentes do
maior grau de proteção demandado pelo estágio ainda imaturo de desenvolvimento de
crianças e adolescentes. Há restrições na forma de sua veiculação e no seu conteúdo.
Não devem, dentre outros limites, dirigir mensagem imperativa de consumo diretamente
à criança, promover ou provocar discriminação. Há inclusive limitações à utilização de
elementos do universo infantil, podendo ser caracterizadas como abusivas, ou lesivas.
Adicionalmente, as mesmas vantagens propiciadas pelos meios digitais trazem
preocupações específicas, como a legislação aplicável ao tratamento dos dados obtidos
por meio de ferramentas de gestão disponíveis ao publisher que possibilitam a
3. segmentação do público-alvo das campanhas, acompanhamento do retorno e geração de
relatórios para fornecimento de informações de consumo de conteúdos e engajamento a
agências e anunciantes.
Deslizes são frequentes e a atuação do Ministério Público, do CONAR e entidades de
proteção à infância são onipresentes. Em dezembro do ano passado, o Ministério
Público de São Paulo ajuizou ação civil pública contra a Google na qual, dentre outros
pedidos, solicita a derrubada de uma série de vídeos disponíveis na plataforma Youtube
sob o argumento de violarem normas aplicáveis à publicidade direcionada ao público
infantil, bem como adoção de medidas de vigilância por parte da plataforma, de forma a
impedir seu uso para burlar tais normas, e de medidas que impeçam a monetização de
vídeos que violem direitos infanto-juvenis.
Algumas situações demandam, efetivamente, um olhar treinado para aferição de
cumprimento das normas aplicáveis. Nem sempre é simples identificar uma situação
onde a mensagem denote que o consumo trará superioridade, ou na sua falta,
inferioridade à criança. Afinal, já em um longínquo 1992, numa famosa campanha
televisiva que exaltava as qualidades de uma tesourinha estampada com dois
personagens infantis, se nossos publicitários defenderam a cantilena “eu tenho, você não
tem” como exaltação às crianças da década de 90, cujo comportamento teria sido ali
perfeitamente espelhado, o CONAR, por seu turno, a entendeu como instrumento apto a
estimular comportamentos antissociais.
Autores do texto:
* Dagoberto L. M. M. Chaves
dagoberto@cqs.adv.br
Advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas, coautor do livro Regulação e Novas
Tecnologias. Professor convidado do CEPED da UERJ, atuante nas áreas de tecnologia,
televisão e mídias digitais desde 2001.
* Camila Madlum Nunes
camila.madlum@cqs.adv.br
Advogada do escritório Cesnik, Quintino e Salinas, atuante nas áreas de propriedade
intelectual, direito do entretenimento, televisão e mídias digitais desde 2015.