SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 25
Baixar para ler offline
A casa abandonada
I
A Casa Abandonada
Pequenas coisas são pequenas coisas,
Simples, emprestadas, dadas noutros tempos, agora tão precisas,
A casa abandonada.
O ouro doutro tempo levado pelo vento,
Não pára. A árvore envelhecida.
Não sei de nada.
Fez-se assim a minha cara, pálida.
A mina procurada, palavra desejada.
Não há, gastou-se levada no ar,
Por outra janela estragada.
As flores, as rosas, os cravos na nova jarra,
Não choram outro tempo, mas não são nada.
As chaves partidas. As rugas enlutadas.
As novas luvas na mesa.
Outras conversas, fazem agora rezas,
As frases desencontradas, neste tempo de nada.
O pátio partido, o jardim começado,
O novo inquilino, inclinado.
Precisava agora daquela varanda, o lago espelhado,
Reflectindo a luz coada pela língua
Construída pelo bairro. Não tenho agora.,
A solidão na casa. Por essa casa já não há nada,
Que foi oiro que reflectia, vivia,
Foi vereda, agora só vala. Um país comprometido.
O muro sem telha.
A voz humana deslavada, na nova casa. Lua,
O que tenho no vidro dos olhos dela,
Esse pintainho que agora vive tão infinito
Como a casa abandonada.
Os retratos guardados nessa outra casa.
Esse cipreste verde, agudo.
Tão grave o meu uivo, um lar sem lar, alugado.
Por entre este vento, na fresta deste frio,
Caminho, como o coelho, branco. Da neve
Já deitada. Olho o campo, aberto.
A mãe não esquecida o meu irmão-filho,
Tão exausta a memória. O portão de verdete pintado.
Faz-se Shalom no Leste. Na nova casa,
22
Faz-se um chá quente. Na nossa conversa na cidade,
Não se sabe o que se soube. O velho agora não presta.
Toda molhada esta dor recente,
Não encontro nova luz no novo belo,
Um soberbo pinheiro,
Que se ergue como uma asa,
Tudo cheira a novo dinheiro,
Não tem os ratos sábios dela.
A longa triste inútil agora, a casa,
A casa por todos abandonada.
33
II
Pinheiro
Em volta do pinheiro novo,
ainda a rábula esquecida, o saco roto,
fendidos de memória, a rola, o canário, o pombo.
Todos tinham a infância perdida,
a bola saltando, a casa em ruínas.
foi visitado em família, a gravata amarela com riscas,
guardado.
recolhido, endeusado, o menino ria.
Agora já se pode fazer turismo,
beber coca cola, ponto barra barra.
Com as pinhas faziamos o fogo, agora lareira,
o pinheiro à nova janela.
Com estes aqueles bolsos rotos, cumpria.
Agora bandeira na floreira.
Deixávamos a rua , ainda havia outra, ladeira.
Quem pode ficar doente, a que preço?
os rostos completos em risco, carvão.
todos discutindo cerveja, a mulher baton,
mais promessas, agora descomplexos,
virtuais passados, quarentas e tais.
ninguém a quer, a casa.
quero amar bonito, fazer cera,
desculpar-me qualquer coisa,
a parede branca o íngreme do pinheiro.
Todos ficámos olhando para ele,
parecia mais verde,
que se queria tocar, todos mais novos
tão brancos e já puros, novo.
ficaram as cinzas da braseira, Inverno,
aquela chuva, a torrente de lama,
o que se fazia, o pão, a merendeira.
A manteiga promissora , a nova lenda.
Josefina tão magra, agora bela,
apetece tomar banho verde claro,
tão perfume, tão automóvel,
tão plasma, aquele catecismo horrível,
a fé tão bela.
44
Que não há conversa, telenovela,
um Portugal sem flanela, e esta ferida,
ferida, que eu encho de tão água.
E se a porta se abre , se a tormenta da figueira,
se faz mais árvore se fica ela,
se não se sabe o que fazer da frigideira,
põe-a à janela, para a vista do pátio,
ao pé da garagem, de quem vai de lá
para o pinheiro.
55
III
Amarela
Toda amarela, a casa, abandonada.
Gótica, no esquecimento, deixamos as pedras,
Deixamos a cor, faz-se agora a inauguração.
Vieram fanfarras, em festa, como não havia,
E precisava-se a estimativa de quando for grande.
Todos por um, um por todos, agora a família.
Pintámos da mesma cor os quatro quartos,
Amarela sem nos lembrarmos que era a mesma cor,
Parece que só lavámos a conversa, limpámos os verbos,
Já não precisamos daquela felicidade, amamos a nossa solidão.
Parece o jornal, a taberna, o Sr. João. As conversas
Redondas, as de agora com cantos , um redondo- rectangular
Para levar mais porrada, já não precisamos de corar.
O pai, na pirâmide, que se lixe vou fazer igual.
Todos com lugar, agora vivendo em caixinha.
A casa é um lugar, um sítio do coração,
Não é preciso aviar, compra-se hoje a creditar,
E não vem nada dessa lua inclinada, desse escorregar,
Dessas paixões constantes, desse ferver do tempo,
Fazer juras como a mulher elefante,
Já uma moda diferente, em cinema áudio Portugal.
Não precisamos desse lugar, há muito esquecemos com toda a razão,
É pena é o meu filho morrer, sem ver o seu novo pai
Fazer lembrar à irmã a cor,
É nas pressas, que a Psicologia se torna activa,
O mar pode ser um lar,
Fui buscar a casa amarela, aquela que todos abandonaram,
Erguer.
66
IV
Todo o mundo é composto de mudança
As mudanças, agora aquele homem não tem bigode,
O suíço já não usa suíças, já não se usa Provérbio,
2 homens da Ucrânia mudam a mesinha cabeceira,
Onde o meu avô pousou os óculos antes de deitar.
Em qualquer lugar a minha mulher ficou diferente,
Dá para pensar, como se o metrónomo evoluísse,
Para piano, como o meu cabelo ficar branco, e tudo de ses,
E o que era antes fosse estupidez, como o rei nu,
O que eu gostava daquela casa, também a minha avó.
A piscina é um empecilho, tem que se dar a volta a ela
Para ir comer os pastéis de bacalhau. E essa saudade tão forte,
Tanta felicidade, e sei que não era só eu, o pobre da minha rua também era
feliz, … era a infância.
A infância é um momento muito feliz, vemos as coisas pequenas
Muito grandes,
Aquilo que ainda não é.
O Miguel também era como eu, quando eu era pequeno. E isso basta-nos,
sabendo mesmo que um dia tudo se pode mudar.
Trim, toca na porta nova do novo prédio, são os homens das mudanças
é outro tempo,
O mundo composto de mudança.
77
V
Irmãos
Do mesmo sangue.
Do Cipriota, do Holandês,
Porquê tantos porquês.
Eu acho que irmãos é da mesma gema,
Embora o ovo seja Universal. Sabe-se que somos diferentes,
Mas mais iguais.
A casa que todos vão abandonando,
Era igual, minha irmã loira,
Como a casa amarela, agora são vivendas,
Vidas mais ricas e não tão cheias.
Vamos largando a memória como se fosse passado,
Sabendo que no nosso coração cresce, a saudade.
Deixamos lá os irmãos, já os pais somos nós. Os filhos,
É diferente, é um desafio.
Os irmãos são os pilares, o que fica no nosso lado,
Que obedecemos ao amor, da nossa igualha.
Não é um amor vertical, é paralelo, não convergente.
Nos nossos retratos, o nosso jornal de parede,
Da felicidade paralela, pungente.
O judeu é diferente, talvez não olhe o espelho a quente,
E só saiba a casa sacral, sem mundo mundano.
Posso estar irreverente, porque sei que necessariamente
O mundo é igual, embora não o diga também o capital.
Irmãos, não é uma ideia,
Reparem que vem daquela antiga casa comum,
Embora só lá vá buscar o retrato em família,
Tem tanta coisa valiosa naquela casa que não é sequer
A mobília, nem sequer a vista da janela,
Mais ainda que sangue,
a igualdade, em corpo,
um, dois, três, quatro
todos tão importantes,
irmãos.
88
VI
Velho vento
Já tão longa esta história, mais velha que o homem,
Quando começou a tocar o vento.
Havia na rua, de tempos a tempos
Um assobio de um amolador,
De tempos a tempos, fazendo mais dia,
Era um silvo gigante como a tempestade de vento,
Que fazia o mundo grande, de tão mágico.
Como posso ouvir música agora, de repente,
Na casa nova fechada, hermética por dentro,
Alma sempre bonita, de sorriso mais ou menos plástico,
Retalhada de autocarro ou de eléctrico.
Ainda dou o peito no mar, os cabelos ao vento,
Neste novo extraordinário, exacto, tão cómodo.
Mas a dor da dor do que foi dentro, e Do que
Fez o firmamento, só nunca isso se perceberá,
E se repercutirá no vento
E a casa abandonada será.
Tão velhos para deixar o vento, não sentir falta
Da melopeia inicial,
Ver teatro real, sentir o diferente, sentir Caligrafia
No verbo, saltar em tabuada o ferro.
Fica mais barata, sem catavento, pode pôr parabólica.
Também nem tudo se pode ter, um dente a doer,
Ai que falta me faz o cachecol, o nariz frio,
Sorrir no impreciso.
Esta mudança, tanta matança, a selvagem mutação,
Corre-se o mundo, sem regra de lés a lés.
Não se espera nada de quem há tanto tempo manda,
Que se aprende na escola, que se faz por ambição,
Que se apanha de repente, basta ser pensante e
Ser precisamente.
Que se deixe o vento passar, que as aranhas levem as teias,
Que se faça água outra vez no mar,
Os terríveis rinocerontes, com o Ionesco a cantar.
99
O meu amigo abriu a nova janela, não ficou preso na guilhotina,
Amandou-se pró ar. Morreu recordando no último momento
A casa que ele mudou de lugar.
Depois, fez uma brisa
Que me lembrou e me fez chorar,
Era mais um amigo, um vento,
Tão antigo como amigo,
O Velho vento, o tal.
101
0
VII
Divã
Foi o mais difícil de levar.
O sonho, o sonho de voar, feito daquele cadinho,
do pai, a mãe e o seu carinho. A promessa, a jura.
Toda a fé pura,
Misturadas, depuradas, entrecortadas, feitas na ambição sexual.
Na vida, na obstetrícia do adulto,
Que era preciso mudar.
Fica-nos na garganta outro divã no lugar.
Mesmo à mesa em famíla, o divã ocupa o topo,
Faz-se Freud na história para dormir.
Esquece-se o divã do jogo primário, inicial,
Dos relâmpagos das portas batendo,
Do amor jorrando, da catarata sexual.
Estamos velhos depois de um dia de boca aberta,
De acendermos um cigarro, de olharmos a lua de manhã.
Ficamos quites com a noite, dormimos para o lado do despertador.
Que se fique sem o rio da nossa terra, que se cresça na árvore de pedra,
Vá-se por essa rua fria.
A vida apesar de tudo é pouco tempo se calhar.
O Windows explica isso melhor que ninguém,
A depressão é necessária sem isso não havia Adilia Lopes, Pessoa
Se calhar não havia poesia, História. É isso que me faz
Também quando passo na casa abandonada, preciso dela,
Por favor.
Tudo se transforma no aço gâmico das palavras. Agora fogo.
Quero a chita do divã, bolor
Que se abra a escrivaninha, tudo no duplex em plástico
Com rótulo. Quero a chave no bolso ao pé da moeda do supermercado.
Tudo excelente Sr. Ministro, tudo farei para ser mais pobre, obrigado.
Já não dou pontapés nos Mercedes, já faço jogging na sueca.
Só não me deixem ser voluntariado na AMI, há lá um arquitecto, coitado.
Pode ser? Obrigado,
Já estou sentado no divã!
111
1
VIII
Nau portuguesa encontrada no estreito de Malaca
1563
Há muito tempo tinha-o. Fazia o que queria dele.
Navegava em sonhos malabares em cima de
Cadeiras no pátio.
Brincava-se às guerras, sofria-se bruto, conquistava-se,
Os povos, as novas planícies, as meninas de outras escolas.
Descobria-se, terras e o próprio sexo.
Enfolava-se as velas, com a coragem no peito,
Ou autodeterminação, autonomia, quando se aprendiam as
Palavras. Fazia-se de Camões na aventura poética das orações.
Começava-se um país pela ambição, e havia esse tempo,
Que há agora, mas no olvido do sonho utopia. E também no supermercado.
Padrões, arquétipos morais, sem se saber a liberdade, o estudo ambiental.
Sofria-se, onde agora só me resta isso num bolsinho do coração,
Antígona, é outro tempo, é a minha filha contente,
Nos mapas dos mares do Ocidente. Com tanta inquietação,
Com Florbela Espanca na canção.
Ao leme, a bombordo do verso livre, na amizade.
Descobrir, como se pode ser melhor, fazer mais.
Abrir Siza Vieira, esquartejar Jorge Sena, convidar Cesariny para a ceia.
Desligar a televisão, ouvir o eco na rádio, saber que há mais montanha que o
rato,
Moisés no Paulo Coelho, Platão na Paula Rego, sorrir a reforma
Como um sonho, trabalhar.
De facto já não preciso da casa,
também talvez por estar abandonada,
e não haver cadeiras para sentar. Mas
porque gosto deste lar, luar.
Depois de tanta circum navegação é tempo
De ancorar,
E descobrir,
A nau há muito afundada.
A casa abandonada.
121
2
IX
Já não se conseguem levantar
Já não se conseguem levantar,
Desde os 12 anos,
São coronéis, generais, alemães,
Fazem filhos até rebentar, pois, foi muito difícil,
Estava tudo muito escuro, 48 anos à vela.
Tinha que se deixar descendência, capitães, 25 de Abril.
Também era o meu pai, o meu avô, o meu irmão.
Mas foi uma festa tão precisa, parece que
Deus desta vez se comoveu.
Noutros sítios os verdes, noutros não condescendeu.
Levantar uma espinha quebrada, viciada, muito difícil,
Mesmo com o tele-marqueting-medecina.
Foi canções, saídas à noite até às tantas,
Abortos, trocar o passo à Europa, tolerar a direita.
Muitos vícios, pudera não sabíamos mais.
Mas a espinha direita só agora em ritual.
Às vezes vou lá, perceber, o que me falta tanto
Para crescer,
Aquele ditadorzinho que eu era, pequenino,
A ambicionar tanta rectidão, a querer ser mais que o pão,
No sentido do ladrão.
Pois falemos noutras coisas, no papel de parede, na metáfora
Do navio, na viagem da morte de que não se sabe nada.
Seja como for, estou crescido, deixem-me respirar,
Esqueçam as ideias com teoria, de esquerda, direita,
Fiquem as autocríticas, o que de bom se pode tirar do forno,
Comer o assado com todos.
Tire-se o correio, o folheto, “Cure-se em terapia ocupacional”,
Mesmo para aqueles
Que já não se conseguem levantar.
131
3
X
poema
a casa envolta em bruma,
uma casa levada,
nos ombros cíceres
do tempo.
A casa decomposta,
Transladada,
Mutou-se ,
Perdeu-se
Nos halos da verve.
Começou o fogo, a promessa,
Tudo se fez nada
Que se fez
Do silêncio,
A voz da casa abandonada,
Viaja por todos nós,
Precisamos conhecer esse velho,
Tempo, precisamos desse amor castanho,
Beber verbo,
Da nossa vinha verde, dar rebento,
Ai a casa amarela, perdida do novo,
Também tenho pena
De já não ter essa palavra,
Na voz que agora se faz única.
Se eu fosse um país,
Fazia de novo a língua materna,
E digitava,
poema.
141
4
XI
Arquitectónicamente Imperfeita
Há quem diga estragada, outros que começaram
E não acabaram. Ficaram a fazer, outros riram a bandeiras despregadas.
Fizeram cursos, foram para o estrangeiro,
a velha ameixieira vergava,
perderam a Língua outros a Matemática,
outros ficaram verbo, por vezes transitivo,
perderam-se,
porque a casa era imperfeita, não continha a rua,
o perigo da gripe ou dos plátanos,
a beira rio, só namorando,
As amantes chamaram, à atenção,
Que a casa era a mamã, e que era mulher também,
Não podia ficar assim, olhando tv.
2 cervejas, se faz favor,
num repente o silêncio ficou para trás,
Que agora tirava-se o mestrado, se ia para Porto Alegre,
Mas o começado não acabava. Ficava de repente o fim.
Todos naquele dia fizeram o totoloto, ficou, um, Sr. Milhões.
Bebeu-se na luta da autarquia,
E chegou-se enfim ao consenso,
A casa teria de ser reabilitada,
Com toda a gente lá dentro, lembrou um delfim,
Pois, nada, silêncio, pois, mais um gole de cerveja,
Pois, com certeza, é preciso ir mais longe do que Ícaro,
cuidar das asas
Comecemos a reconstrução pela casa abandonada,
Arquitectónicamente Imperfeita.
Bah.
151
5
XII
Capítulo à Lua
Exausta, estagnada, cinzenta,
Nua,
Luz emprestada, débito,
Enamorada.
No vidente, sem futuro,
Todavia “verba”,
Ácido ribonocleico de palavra,
Aço duro coronário,
Reflexo, eco espelho.
Faz dias que a não vejo, parece que pressinto
Esse luarejo, num Japão estereotipado lutando
Por razão.
Essa lua é a parceira distinta,
Que não se lava com tinta, e continua no tempo.
Olho espacial do verso, que se lança em americano
Capacete, ver Marte e o espaço.
Mas vê deus com infravermelhos,
Que nós ternamente cínicos vamos cumprimentando.
O retrato da mulher, fica no marido,
Mesmo com o automóvel a lavar.
Aos putos faz-lhe as loucuras
Dos patos, pondo-os a voar,
Ficarás sempre aqui neste lugar,
No meu coração aberto,
Ficará escrito
Este capítulo lunar.
161
6
XIII
Notícia
“Uma casa abandonada foi hoje a demolir,
Encontrava-se deserta, os seus ocupantes
foram de férias há já muito tempo para o pé do mar.
Encontraram-se drogas, seringas, bicas, garrafas de Whisky
E cigarros, muitos cigarros, cachimbos com bolor,
Numa secção da casa, estavam bonecas esventradas, com
Símbolos nazis nas paredes, havia também muitos soutiens queimados,
Cromos da bola e revistas pornográficas intactas.
Das janelas, viam-se árvores e muitos automóveis a passar.
Muitos intelectuais procuraram por um poema, outros entraram a cantar.
O especial do caso, é que se encontrou um cão lá dentro que sabia falar.
Em entrevista especial ao nosso repórter cultural: dizia que era um habitante
antigo daquela casa abandonada, tudo o que era vício não era originalmente
do lugar. Que havia ali uma família, muito feliz, muito certa e que era um lar.
Psicólogos clínicos analisaram este canídeo com testes indiciadores de grau
alcoólico. Pediatras veterinários, descobriram que aquele animal era ainda
muito jovem de um ano ou dois. O que era impossível, pelo testemunho do
agente graduado da polícia local: as portas estavam hermeticamente fechadas
há quarentas anos GMT universal. A polícia científica descobriu
tremuras no ladrar, o que indicava lógica e matematicamente que ele estava a
mentir. O Detective Abreu, que ainda usava ligas nas meias, achou que o cão
era um vadio e que todos aqueles objectos eram daquele.
Elegeu-se um advogado de defesa patrocinado pela liga animal. Um outro
Investigador da defesa encontrou 2 suspeitos que confessaram, em troca de
reabilitação, terem entrado pelo telhado, que o cão já lá estava, e o que tudo
que era mau era deles, que já pertencia ao pai, à mãe, ao avó, e que julga ele
na família foram sempre assim, levados do caralho.
No tribunal, o Juiz Presidente, o melhor, sentou-se (primeiro arrotou segundo
creio), e ponderou, que o cão tinha toda a razão, quando disse:
- Que ali ficou!
Porque só um cão pode ser assim tão fiel, ficar pobre sem ladrar, desenvolver
a inteligência ao ponto de falar. Aliás como se comprovou cientificamente, o
cão era na verdade um canídeo de porte rafeiro, portanto com defesas sociais
intactas, e que por ser cão, não lhe parecia usar ligas nas meias, nem com
171
7
possibilidade de ir ao CSI, ou simplesmente mentir por dinheiro, o que como
vulgarmente se sabe os cães não usam, até a ver, por isso, com o código penal
em vigor, revisto mais vezes que as páginas amarelas,
O cão está inocente!, vão todos dormir, atirou ainda o Juiz.
O cão era mais, ficar assim da mesma idade, só um ser tão leal e animal, ficou
escrito pelo amanuense, num jornal local.”
181
8
XIV
Deus
Deus, a palavra de todos,
Que todos sabem mentir.
Deus da outra casa, que agora não se encontra,
Deve estar nas arrumações.
Mas os outros matam-se por Ele,
Que não se sabe quem é,
Por isso deve ser muito importante,
E sempre explica o que não se vê.
Não mesmo assim não o levo para a casa nova.
É muito grande, Omnipotente,
E esta casa é tão pequena
Como o salário diminuscente.
191
9
XV
A bicicleta tinha uma mudança
A bicicleta tinha uma mudança
Que fazia uma cor, por detrás das árvores,
Acontecia a praia, mudava-se de Leiria para a Figueira
Com a casa no colo, a encher o meu primo e o automóvel,
Brincava-se ponto final,
O Pedro construía a areia,
Que mais tarde era um carro,
A Mila não se ouvia, e a Goreti sorria,
Não tinha nascido ainda o Miguel,
Nem o Walt Disney para mim, e havia o meu tio Lhó,
Que era muito bom,
Brincávamos no mar ao pé da vida séria dos pescadores, e eles gostavam de
nós.
Andávamos de bicicleta a pé, na corrida para a maré,
Um Atlântico poderoso, que nós não sabíamos ainda.
O Hotel e as Berlengas na campainha do teleférico da Nazaré.
Agora, passeio de esferográfica na mão, ouvindo Rui Costa poeta a cantar,
Procuro o novo, só encontro nada em plástico.
Eu queria tanto voltar a andar de bicicleta, ou a pé.
Não posso, desculpo-me na preguiça,
complico-me de estar complicado, quero dizer acomodado
Pois tá bem, cá fico no rodilho da estrada para a Figueira,
Bebendo uma bica ou café.
Qualquer dia entrego a bicicleta,
Mas tenho que reclamar ao patrão:
A bicicleta tinha uma mudança!
202
0
XVI
Geometria
Do ponto A, concreto, para o B abstracto.
Uma ponte, se considerarmos x, a recta
Que interacciona perpendicularmente o espaço intermédio,
Entre os pontos referidos. X igual.
O triângulo recto colide com o círculo,
Do parelograma, seguindo o quadrado.
Depende do ângulo, do resto se aprende na outra escola.
Na escola da vida, agora abandonada também.
Justamente. Mas.
Se faz léxico da Matemática, procure estudá-la,
Pois tinha que faltar qualquer coisa, o altar Sr. Dr.
Faltou-lhe o altar no casamento. Que era a bomba,
A guerra fria, tá bem eu também não sou tão bom, embora não diga.
Ora diga lá, 1,2,3, veja com o outro olho homem, assim
Não consigo fechar-lhe o peito deixei lá a agulha de coser.
Sai um decreto: toda a gente na Geometria:
Depois já sabem, o que querem saber.
Pois tem muita razão, mas a sopa também demora a cozer,
E a pá encrava constantemente no minério,
é por isso, que não há melhor salário?
Isso dos cocenos, não vem na tábua de logaritmos?
Pois 10.000 euros por mês eu só ganho 333. eu não continuei na escola,
E o sr. Já foi ao jardim?
É que está lá um canteiro, que fez o Sr. Arquitecto,
Fez um triângulo e a árvore não cabe lá.
Serei sempre pobre, Senhor, juro, prometo o pai nosso,
Será por não saber Geometria descritiva?
212
1
XVII
Estrelas
Lugar alugado
Não havia casa, era uma ilusão,
Um sonho azul,
Neste quarto a solidão,
Uma dor aguda, profunda,
É como não ter tido nunca este lugar onde dói, o coração.
Que se faz tarde, tão bonito,
As estrelas outra vez a brilharem, outra calma,
Doce água neste banho, um canto
No outro vizinho, o barulho da panela a ferver,
Sem melancolia, sem queimar,
Ouvir, que tamanho tem o sentido,
Que é dia sempre contigo mesmo na noite a doer.
A janela é uma janela como a tua aí no Sertão,
Só que a tua é de Jacarandá, a minha árvore é de pinho
E faz-se de uma semente, tu és o fruto ainda em flor.
O que doa, é bom viver mas dessas mãos não me irei esquecer.
Água, mesmo a chover, a castanha terra a viver.
Mesmo em Luanda deve ser, tão bonito ainda mais,
O poente com tanta cor.
Desse lugar quer-se sempre voltar, namorar.
Vou ao fado, dizer diferente, deixar a água correr.
Às 12 horas todo o mundo toma o comprimido,
Os primeiros, os que nunca os tomaram.
Até vão ver estrelas!
222
2
XVIII
Liguei só para dizer que já estou na casa nova
Até já fui ao cinema
Estou lá na nova, há já uma semana,
É formidável, mas já fui ao café, pensei nela,
Mas ela já está nova também. Mudou muito,
Todos melhor, novo. Eu até acho que sim,
Mas não sei se é para durar.
Socorro estou fechado na cozinha, o pato fechou a
Porta à chave, como a minha avó, presa como uma galinha,
e eu sentado no divã. A História repete-se o homem é que não.
Está estudado, o homem sofre evolução, como a sociedade, no percurso
dialéctico não sei bem de quê. Mesmo o dinheiro, ontem era escudo,
Hoje euro mais que o dólar, só a libra não sei quê.
Ai se eu tivesse um Megafone, ligado em rede, do plasma ao pc,
Acordava esta gente, que se derrota facilmente, Oh homem viver para quê?.
A casa nova perfeita não tem jardim, tem o tal Pinheiro, pintada de amarelo,
E pronto, põe lá o divã,
A escrivaninha não é um quarto, é a minha voz,
No espaço comum do prédio, pronto, o barbacue.
Ou sem barbacue, com automóvel à porta, ou sem
Arroz simples mas não chinês, pudim flan holandês.
Já penso noutra casa nova, só com colchão de água.
Ou com elefante a tirar água, a beber teatro aberto,
No esplendor da relva por fim.
Se calhar isto é ainda muito burguês, não é por ser rico,
É a inutilidade que me chateia, da falta, falta-me melhor palavra,
Fraternidade.
Mas isso já é outra história, sem interesse algum,
Não tem poesia, verbos mediáticos, não engrandece o firmamento.
Falta-me a realidade, falta-nos.
Mas é tão tarde,
Desculpem-me,
Liguei só para dizer que já estou na casa nova.
232
3
XIX
Lua cheia, intervalo
Corre uma brisa
De pedras pequeninas,
Pequeninas, são estrelas
Que correm do mar,
Vão até à janela,
Olhar,
Ver sonhar.
Deixam carreiros no regresso,
De pedras pequeninas, ligeiramente amarelas,
Deitadas pela luz solar.
242
4
XX
Ao sair da casa
A morte saiu à estrada, num dia terrível,
Um pressentimento, tarde de mais,
Já não tenho o meu filho,
Mataram-no na estrada.
É uma dor grande de esquecimento,
De perder.
Era um grandíssimo rapaz, não tinha palavra
Que encontrasse para o dizer.
É o nosso filho pois claro também
Não estamos preparados para isso,
Nem podemos, julgo eu.
Desaparecer, é mais duro que isso,
O sol não se canta assim,
E era o que eu sabia.
Voltei lá, tinha uma sapatilha no chão do quarto
O automóvel atirou-a para depois do muro.
Fica tudo diferente, como Van Gogh,
aquela seara sempre com vento.
252
5
XXI
A Casa abandonada
Finalmente abandonada,
Já não podendo voltar.
FimConstantino Alves , Lisboa, Julho de 2006

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano
20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano
20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_anoEdna Soares
 
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephens
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephensThoughtless thoughtless-01-s-c-stephens
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephensLudmila Moreira
 
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang) barbara cartland-www.livros grat...
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang)   barbara cartland-www.livros grat...Um rouxinol cantou... (a nightingale sang)   barbara cartland-www.livros grat...
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang) barbara cartland-www.livros grat...blackink55
 
Cheiro De Feijao
Cheiro De FeijaoCheiro De Feijao
Cheiro De FeijaoTop Cat
 
Cheiro De Feijao, Estrelas E Sonhos
Cheiro De Feijao, Estrelas E SonhosCheiro De Feijao, Estrelas E Sonhos
Cheiro De Feijao, Estrelas E SonhosVVCX
 
Cnl 2ºeliminatória
Cnl 2ºeliminatóriaCnl 2ºeliminatória
Cnl 2ºeliminatóriaJoana Barata
 
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJLETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJAntonio Cabral Filho
 
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereia
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereiaE-book de Júlio Dinis, O canto da sereia
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereiaCarla Crespo
 

Mais procurados (18)

Primeiroscontos
PrimeiroscontosPrimeiroscontos
Primeiroscontos
 
O Feiticeiro
O FeiticeiroO Feiticeiro
O Feiticeiro
 
20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano
20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano
20170222160429 thumb be__l._portuguesa_8_ano
 
Adeola
AdeolaAdeola
Adeola
 
02 presente de uma noite
02 presente de uma noite02 presente de uma noite
02 presente de uma noite
 
Contos da Lili
Contos da LiliContos da Lili
Contos da Lili
 
Pollyanna
PollyannaPollyanna
Pollyanna
 
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephens
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephensThoughtless thoughtless-01-s-c-stephens
Thoughtless thoughtless-01-s-c-stephens
 
Palavras do mundo 10 ct8 prof.ª fátima carvalho
Palavras do mundo   10 ct8 prof.ª fátima carvalhoPalavras do mundo   10 ct8 prof.ª fátima carvalho
Palavras do mundo 10 ct8 prof.ª fátima carvalho
 
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang) barbara cartland-www.livros grat...
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang)   barbara cartland-www.livros grat...Um rouxinol cantou... (a nightingale sang)   barbara cartland-www.livros grat...
Um rouxinol cantou... (a nightingale sang) barbara cartland-www.livros grat...
 
Cheiro De Feijao
Cheiro De FeijaoCheiro De Feijao
Cheiro De Feijao
 
Cheiro De Feijao, Estrelas E Sonhos
Cheiro De Feijao, Estrelas E SonhosCheiro De Feijao, Estrelas E Sonhos
Cheiro De Feijao, Estrelas E Sonhos
 
O segredo
O segredoO segredo
O segredo
 
A borboleta que dançou de mestra
A borboleta que dançou de mestraA borboleta que dançou de mestra
A borboleta que dançou de mestra
 
Cnl 2ºeliminatória
Cnl 2ºeliminatóriaCnl 2ºeliminatória
Cnl 2ºeliminatória
 
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJLETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
LETRAS TAQUARENSES Nº 61 NOV/DEZ 2014 * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ
 
Caminhos Carroçáveis
Caminhos CarroçáveisCaminhos Carroçáveis
Caminhos Carroçáveis
 
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereia
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereiaE-book de Júlio Dinis, O canto da sereia
E-book de Júlio Dinis, O canto da sereia
 

Semelhante a A casa abandonada

A árvore que dava dinheiro domingos pellegrin
A árvore que dava dinheiro   domingos pellegrinA árvore que dava dinheiro   domingos pellegrin
A árvore que dava dinheiro domingos pellegrinAlessandra souza
 
Um EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRiaUm EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRiaMaria Maló
 
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóBy c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóRosa Silva
 
Monsaraz Alentejo
Monsaraz AlentejoMonsaraz Alentejo
Monsaraz AlentejoBiaEsteves
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalMaria Ferreira
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalmaria54cunha
 
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndress
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndressA noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndress
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndressbloggerfph
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalmaria54cunha
 
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHAO POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHAASPASIA57
 
Paulina Chiziane - Niketche – uma História de Poligamia.pdf
Paulina Chiziane  -  Niketche – uma História de Poligamia.pdfPaulina Chiziane  -  Niketche – uma História de Poligamia.pdf
Paulina Chiziane - Niketche – uma História de Poligamia.pdfCarolinaDeCastroCerv1
 
Legendas2
Legendas2Legendas2
Legendas2shakti5
 

Semelhante a A casa abandonada (20)

A árvore que dava dinheiro domingos pellegrin
A árvore que dava dinheiro   domingos pellegrinA árvore que dava dinheiro   domingos pellegrin
A árvore que dava dinheiro domingos pellegrin
 
Um EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRiaUm EspaçO, Uma EstóRia
Um EspaçO, Uma EstóRia
 
Gravado no tempo
Gravado no tempoGravado no tempo
Gravado no tempo
 
à Sombra do flamboyant
à Sombra do flamboyantà Sombra do flamboyant
à Sombra do flamboyant
 
Monsaraz
MonsarazMonsaraz
Monsaraz
 
Monsaraz
MonsarazMonsaraz
Monsaraz
 
Monsaraz
MonsarazMonsaraz
Monsaraz
 
O anoitecer na beira
O anoitecer na beiraO anoitecer na beira
O anoitecer na beira
 
Casa de vo
Casa de voCasa de vo
Casa de vo
 
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóBy c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
 
Monsaraz Alentejo
Monsaraz AlentejoMonsaraz Alentejo
Monsaraz Alentejo
 
Monsaraz
MonsarazMonsaraz
Monsaraz
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_total
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_total
 
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndress
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndressA noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndress
A noite de Natal-SophiaMelloBrynerAndress
 
Conto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_totalConto sophia noite.natal_total
Conto sophia noite.natal_total
 
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHAO POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
 
Casa de vo
Casa de voCasa de vo
Casa de vo
 
Paulina Chiziane - Niketche – uma História de Poligamia.pdf
Paulina Chiziane  -  Niketche – uma História de Poligamia.pdfPaulina Chiziane  -  Niketche – uma História de Poligamia.pdf
Paulina Chiziane - Niketche – uma História de Poligamia.pdf
 
Legendas2
Legendas2Legendas2
Legendas2
 

Mais de Constantino Alves

Mais de Constantino Alves (20)

Contos
ContosContos
Contos
 
A casa da Mosca Fosca
A casa da Mosca FoscaA casa da Mosca Fosca
A casa da Mosca Fosca
 
Sombras chinesas
Sombras chinesasSombras chinesas
Sombras chinesas
 
O gato e o escuro atividades
O gato e o escuro atividadesO gato e o escuro atividades
O gato e o escuro atividades
 
História da Carochinha
História da CarochinhaHistória da Carochinha
História da Carochinha
 
O gato e o escuro
O gato e o escuroO gato e o escuro
O gato e o escuro
 
A menina que detestava livros
A menina que detestava livrosA menina que detestava livros
A menina que detestava livros
 
A Princesa que bocejava Actividades
A Princesa que  bocejava ActividadesA Princesa que  bocejava Actividades
A Princesa que bocejava Actividades
 
A noite dos animais inventados
A noite dos animais inventadosA noite dos animais inventados
A noite dos animais inventados
 
Uma aventura
Uma aventuraUma aventura
Uma aventura
 
O mercador de coisa nenhuma teatro
O mercador de coisa nenhuma teatroO mercador de coisa nenhuma teatro
O mercador de coisa nenhuma teatro
 
O senhor do seu nariz (adaptação teatral)
O senhor do seu nariz (adaptação teatral)O senhor do seu nariz (adaptação teatral)
O senhor do seu nariz (adaptação teatral)
 
Os monstros
Os monstrosOs monstros
Os monstros
 
As estórias cá dentro da cabeça
As estórias cá dentro da cabeçaAs estórias cá dentro da cabeça
As estórias cá dentro da cabeça
 
O pato patareco do daniel adalberto
O pato patareco do daniel adalbertoO pato patareco do daniel adalberto
O pato patareco do daniel adalberto
 
A conquista de ceuta 1415
A conquista de ceuta 1415A conquista de ceuta 1415
A conquista de ceuta 1415
 
Imagens da vida quotidiana na Idade Medieval
Imagens da vida quotidiana na Idade MedievalImagens da vida quotidiana na Idade Medieval
Imagens da vida quotidiana na Idade Medieval
 
As aventuras de pinóquio teste
As aventuras de pinóquio testeAs aventuras de pinóquio teste
As aventuras de pinóquio teste
 
Jogo do Coelhinho Branco
Jogo do Coelhinho BrancoJogo do Coelhinho Branco
Jogo do Coelhinho Branco
 
regras do jogo "O Coelhinho Branco"
regras do jogo "O Coelhinho Branco"regras do jogo "O Coelhinho Branco"
regras do jogo "O Coelhinho Branco"
 

A casa abandonada

  • 1. A casa abandonada I A Casa Abandonada Pequenas coisas são pequenas coisas, Simples, emprestadas, dadas noutros tempos, agora tão precisas, A casa abandonada. O ouro doutro tempo levado pelo vento, Não pára. A árvore envelhecida. Não sei de nada. Fez-se assim a minha cara, pálida. A mina procurada, palavra desejada. Não há, gastou-se levada no ar, Por outra janela estragada. As flores, as rosas, os cravos na nova jarra, Não choram outro tempo, mas não são nada. As chaves partidas. As rugas enlutadas. As novas luvas na mesa. Outras conversas, fazem agora rezas, As frases desencontradas, neste tempo de nada. O pátio partido, o jardim começado, O novo inquilino, inclinado. Precisava agora daquela varanda, o lago espelhado, Reflectindo a luz coada pela língua Construída pelo bairro. Não tenho agora., A solidão na casa. Por essa casa já não há nada, Que foi oiro que reflectia, vivia, Foi vereda, agora só vala. Um país comprometido. O muro sem telha. A voz humana deslavada, na nova casa. Lua, O que tenho no vidro dos olhos dela, Esse pintainho que agora vive tão infinito Como a casa abandonada. Os retratos guardados nessa outra casa. Esse cipreste verde, agudo. Tão grave o meu uivo, um lar sem lar, alugado. Por entre este vento, na fresta deste frio, Caminho, como o coelho, branco. Da neve Já deitada. Olho o campo, aberto. A mãe não esquecida o meu irmão-filho, Tão exausta a memória. O portão de verdete pintado. Faz-se Shalom no Leste. Na nova casa,
  • 2. 22 Faz-se um chá quente. Na nossa conversa na cidade, Não se sabe o que se soube. O velho agora não presta. Toda molhada esta dor recente, Não encontro nova luz no novo belo, Um soberbo pinheiro, Que se ergue como uma asa, Tudo cheira a novo dinheiro, Não tem os ratos sábios dela. A longa triste inútil agora, a casa, A casa por todos abandonada.
  • 3. 33 II Pinheiro Em volta do pinheiro novo, ainda a rábula esquecida, o saco roto, fendidos de memória, a rola, o canário, o pombo. Todos tinham a infância perdida, a bola saltando, a casa em ruínas. foi visitado em família, a gravata amarela com riscas, guardado. recolhido, endeusado, o menino ria. Agora já se pode fazer turismo, beber coca cola, ponto barra barra. Com as pinhas faziamos o fogo, agora lareira, o pinheiro à nova janela. Com estes aqueles bolsos rotos, cumpria. Agora bandeira na floreira. Deixávamos a rua , ainda havia outra, ladeira. Quem pode ficar doente, a que preço? os rostos completos em risco, carvão. todos discutindo cerveja, a mulher baton, mais promessas, agora descomplexos, virtuais passados, quarentas e tais. ninguém a quer, a casa. quero amar bonito, fazer cera, desculpar-me qualquer coisa, a parede branca o íngreme do pinheiro. Todos ficámos olhando para ele, parecia mais verde, que se queria tocar, todos mais novos tão brancos e já puros, novo. ficaram as cinzas da braseira, Inverno, aquela chuva, a torrente de lama, o que se fazia, o pão, a merendeira. A manteiga promissora , a nova lenda. Josefina tão magra, agora bela, apetece tomar banho verde claro, tão perfume, tão automóvel, tão plasma, aquele catecismo horrível, a fé tão bela.
  • 4. 44 Que não há conversa, telenovela, um Portugal sem flanela, e esta ferida, ferida, que eu encho de tão água. E se a porta se abre , se a tormenta da figueira, se faz mais árvore se fica ela, se não se sabe o que fazer da frigideira, põe-a à janela, para a vista do pátio, ao pé da garagem, de quem vai de lá para o pinheiro.
  • 5. 55 III Amarela Toda amarela, a casa, abandonada. Gótica, no esquecimento, deixamos as pedras, Deixamos a cor, faz-se agora a inauguração. Vieram fanfarras, em festa, como não havia, E precisava-se a estimativa de quando for grande. Todos por um, um por todos, agora a família. Pintámos da mesma cor os quatro quartos, Amarela sem nos lembrarmos que era a mesma cor, Parece que só lavámos a conversa, limpámos os verbos, Já não precisamos daquela felicidade, amamos a nossa solidão. Parece o jornal, a taberna, o Sr. João. As conversas Redondas, as de agora com cantos , um redondo- rectangular Para levar mais porrada, já não precisamos de corar. O pai, na pirâmide, que se lixe vou fazer igual. Todos com lugar, agora vivendo em caixinha. A casa é um lugar, um sítio do coração, Não é preciso aviar, compra-se hoje a creditar, E não vem nada dessa lua inclinada, desse escorregar, Dessas paixões constantes, desse ferver do tempo, Fazer juras como a mulher elefante, Já uma moda diferente, em cinema áudio Portugal. Não precisamos desse lugar, há muito esquecemos com toda a razão, É pena é o meu filho morrer, sem ver o seu novo pai Fazer lembrar à irmã a cor, É nas pressas, que a Psicologia se torna activa, O mar pode ser um lar, Fui buscar a casa amarela, aquela que todos abandonaram, Erguer.
  • 6. 66 IV Todo o mundo é composto de mudança As mudanças, agora aquele homem não tem bigode, O suíço já não usa suíças, já não se usa Provérbio, 2 homens da Ucrânia mudam a mesinha cabeceira, Onde o meu avô pousou os óculos antes de deitar. Em qualquer lugar a minha mulher ficou diferente, Dá para pensar, como se o metrónomo evoluísse, Para piano, como o meu cabelo ficar branco, e tudo de ses, E o que era antes fosse estupidez, como o rei nu, O que eu gostava daquela casa, também a minha avó. A piscina é um empecilho, tem que se dar a volta a ela Para ir comer os pastéis de bacalhau. E essa saudade tão forte, Tanta felicidade, e sei que não era só eu, o pobre da minha rua também era feliz, … era a infância. A infância é um momento muito feliz, vemos as coisas pequenas Muito grandes, Aquilo que ainda não é. O Miguel também era como eu, quando eu era pequeno. E isso basta-nos, sabendo mesmo que um dia tudo se pode mudar. Trim, toca na porta nova do novo prédio, são os homens das mudanças é outro tempo, O mundo composto de mudança.
  • 7. 77 V Irmãos Do mesmo sangue. Do Cipriota, do Holandês, Porquê tantos porquês. Eu acho que irmãos é da mesma gema, Embora o ovo seja Universal. Sabe-se que somos diferentes, Mas mais iguais. A casa que todos vão abandonando, Era igual, minha irmã loira, Como a casa amarela, agora são vivendas, Vidas mais ricas e não tão cheias. Vamos largando a memória como se fosse passado, Sabendo que no nosso coração cresce, a saudade. Deixamos lá os irmãos, já os pais somos nós. Os filhos, É diferente, é um desafio. Os irmãos são os pilares, o que fica no nosso lado, Que obedecemos ao amor, da nossa igualha. Não é um amor vertical, é paralelo, não convergente. Nos nossos retratos, o nosso jornal de parede, Da felicidade paralela, pungente. O judeu é diferente, talvez não olhe o espelho a quente, E só saiba a casa sacral, sem mundo mundano. Posso estar irreverente, porque sei que necessariamente O mundo é igual, embora não o diga também o capital. Irmãos, não é uma ideia, Reparem que vem daquela antiga casa comum, Embora só lá vá buscar o retrato em família, Tem tanta coisa valiosa naquela casa que não é sequer A mobília, nem sequer a vista da janela, Mais ainda que sangue, a igualdade, em corpo, um, dois, três, quatro todos tão importantes, irmãos.
  • 8. 88 VI Velho vento Já tão longa esta história, mais velha que o homem, Quando começou a tocar o vento. Havia na rua, de tempos a tempos Um assobio de um amolador, De tempos a tempos, fazendo mais dia, Era um silvo gigante como a tempestade de vento, Que fazia o mundo grande, de tão mágico. Como posso ouvir música agora, de repente, Na casa nova fechada, hermética por dentro, Alma sempre bonita, de sorriso mais ou menos plástico, Retalhada de autocarro ou de eléctrico. Ainda dou o peito no mar, os cabelos ao vento, Neste novo extraordinário, exacto, tão cómodo. Mas a dor da dor do que foi dentro, e Do que Fez o firmamento, só nunca isso se perceberá, E se repercutirá no vento E a casa abandonada será. Tão velhos para deixar o vento, não sentir falta Da melopeia inicial, Ver teatro real, sentir o diferente, sentir Caligrafia No verbo, saltar em tabuada o ferro. Fica mais barata, sem catavento, pode pôr parabólica. Também nem tudo se pode ter, um dente a doer, Ai que falta me faz o cachecol, o nariz frio, Sorrir no impreciso. Esta mudança, tanta matança, a selvagem mutação, Corre-se o mundo, sem regra de lés a lés. Não se espera nada de quem há tanto tempo manda, Que se aprende na escola, que se faz por ambição, Que se apanha de repente, basta ser pensante e Ser precisamente. Que se deixe o vento passar, que as aranhas levem as teias, Que se faça água outra vez no mar, Os terríveis rinocerontes, com o Ionesco a cantar.
  • 9. 99 O meu amigo abriu a nova janela, não ficou preso na guilhotina, Amandou-se pró ar. Morreu recordando no último momento A casa que ele mudou de lugar. Depois, fez uma brisa Que me lembrou e me fez chorar, Era mais um amigo, um vento, Tão antigo como amigo, O Velho vento, o tal.
  • 10. 101 0 VII Divã Foi o mais difícil de levar. O sonho, o sonho de voar, feito daquele cadinho, do pai, a mãe e o seu carinho. A promessa, a jura. Toda a fé pura, Misturadas, depuradas, entrecortadas, feitas na ambição sexual. Na vida, na obstetrícia do adulto, Que era preciso mudar. Fica-nos na garganta outro divã no lugar. Mesmo à mesa em famíla, o divã ocupa o topo, Faz-se Freud na história para dormir. Esquece-se o divã do jogo primário, inicial, Dos relâmpagos das portas batendo, Do amor jorrando, da catarata sexual. Estamos velhos depois de um dia de boca aberta, De acendermos um cigarro, de olharmos a lua de manhã. Ficamos quites com a noite, dormimos para o lado do despertador. Que se fique sem o rio da nossa terra, que se cresça na árvore de pedra, Vá-se por essa rua fria. A vida apesar de tudo é pouco tempo se calhar. O Windows explica isso melhor que ninguém, A depressão é necessária sem isso não havia Adilia Lopes, Pessoa Se calhar não havia poesia, História. É isso que me faz Também quando passo na casa abandonada, preciso dela, Por favor. Tudo se transforma no aço gâmico das palavras. Agora fogo. Quero a chita do divã, bolor Que se abra a escrivaninha, tudo no duplex em plástico Com rótulo. Quero a chave no bolso ao pé da moeda do supermercado. Tudo excelente Sr. Ministro, tudo farei para ser mais pobre, obrigado. Já não dou pontapés nos Mercedes, já faço jogging na sueca. Só não me deixem ser voluntariado na AMI, há lá um arquitecto, coitado. Pode ser? Obrigado, Já estou sentado no divã!
  • 11. 111 1 VIII Nau portuguesa encontrada no estreito de Malaca 1563 Há muito tempo tinha-o. Fazia o que queria dele. Navegava em sonhos malabares em cima de Cadeiras no pátio. Brincava-se às guerras, sofria-se bruto, conquistava-se, Os povos, as novas planícies, as meninas de outras escolas. Descobria-se, terras e o próprio sexo. Enfolava-se as velas, com a coragem no peito, Ou autodeterminação, autonomia, quando se aprendiam as Palavras. Fazia-se de Camões na aventura poética das orações. Começava-se um país pela ambição, e havia esse tempo, Que há agora, mas no olvido do sonho utopia. E também no supermercado. Padrões, arquétipos morais, sem se saber a liberdade, o estudo ambiental. Sofria-se, onde agora só me resta isso num bolsinho do coração, Antígona, é outro tempo, é a minha filha contente, Nos mapas dos mares do Ocidente. Com tanta inquietação, Com Florbela Espanca na canção. Ao leme, a bombordo do verso livre, na amizade. Descobrir, como se pode ser melhor, fazer mais. Abrir Siza Vieira, esquartejar Jorge Sena, convidar Cesariny para a ceia. Desligar a televisão, ouvir o eco na rádio, saber que há mais montanha que o rato, Moisés no Paulo Coelho, Platão na Paula Rego, sorrir a reforma Como um sonho, trabalhar. De facto já não preciso da casa, também talvez por estar abandonada, e não haver cadeiras para sentar. Mas porque gosto deste lar, luar. Depois de tanta circum navegação é tempo De ancorar, E descobrir, A nau há muito afundada. A casa abandonada.
  • 12. 121 2 IX Já não se conseguem levantar Já não se conseguem levantar, Desde os 12 anos, São coronéis, generais, alemães, Fazem filhos até rebentar, pois, foi muito difícil, Estava tudo muito escuro, 48 anos à vela. Tinha que se deixar descendência, capitães, 25 de Abril. Também era o meu pai, o meu avô, o meu irmão. Mas foi uma festa tão precisa, parece que Deus desta vez se comoveu. Noutros sítios os verdes, noutros não condescendeu. Levantar uma espinha quebrada, viciada, muito difícil, Mesmo com o tele-marqueting-medecina. Foi canções, saídas à noite até às tantas, Abortos, trocar o passo à Europa, tolerar a direita. Muitos vícios, pudera não sabíamos mais. Mas a espinha direita só agora em ritual. Às vezes vou lá, perceber, o que me falta tanto Para crescer, Aquele ditadorzinho que eu era, pequenino, A ambicionar tanta rectidão, a querer ser mais que o pão, No sentido do ladrão. Pois falemos noutras coisas, no papel de parede, na metáfora Do navio, na viagem da morte de que não se sabe nada. Seja como for, estou crescido, deixem-me respirar, Esqueçam as ideias com teoria, de esquerda, direita, Fiquem as autocríticas, o que de bom se pode tirar do forno, Comer o assado com todos. Tire-se o correio, o folheto, “Cure-se em terapia ocupacional”, Mesmo para aqueles Que já não se conseguem levantar.
  • 13. 131 3 X poema a casa envolta em bruma, uma casa levada, nos ombros cíceres do tempo. A casa decomposta, Transladada, Mutou-se , Perdeu-se Nos halos da verve. Começou o fogo, a promessa, Tudo se fez nada Que se fez Do silêncio, A voz da casa abandonada, Viaja por todos nós, Precisamos conhecer esse velho, Tempo, precisamos desse amor castanho, Beber verbo, Da nossa vinha verde, dar rebento, Ai a casa amarela, perdida do novo, Também tenho pena De já não ter essa palavra, Na voz que agora se faz única. Se eu fosse um país, Fazia de novo a língua materna, E digitava, poema.
  • 14. 141 4 XI Arquitectónicamente Imperfeita Há quem diga estragada, outros que começaram E não acabaram. Ficaram a fazer, outros riram a bandeiras despregadas. Fizeram cursos, foram para o estrangeiro, a velha ameixieira vergava, perderam a Língua outros a Matemática, outros ficaram verbo, por vezes transitivo, perderam-se, porque a casa era imperfeita, não continha a rua, o perigo da gripe ou dos plátanos, a beira rio, só namorando, As amantes chamaram, à atenção, Que a casa era a mamã, e que era mulher também, Não podia ficar assim, olhando tv. 2 cervejas, se faz favor, num repente o silêncio ficou para trás, Que agora tirava-se o mestrado, se ia para Porto Alegre, Mas o começado não acabava. Ficava de repente o fim. Todos naquele dia fizeram o totoloto, ficou, um, Sr. Milhões. Bebeu-se na luta da autarquia, E chegou-se enfim ao consenso, A casa teria de ser reabilitada, Com toda a gente lá dentro, lembrou um delfim, Pois, nada, silêncio, pois, mais um gole de cerveja, Pois, com certeza, é preciso ir mais longe do que Ícaro, cuidar das asas Comecemos a reconstrução pela casa abandonada, Arquitectónicamente Imperfeita. Bah.
  • 15. 151 5 XII Capítulo à Lua Exausta, estagnada, cinzenta, Nua, Luz emprestada, débito, Enamorada. No vidente, sem futuro, Todavia “verba”, Ácido ribonocleico de palavra, Aço duro coronário, Reflexo, eco espelho. Faz dias que a não vejo, parece que pressinto Esse luarejo, num Japão estereotipado lutando Por razão. Essa lua é a parceira distinta, Que não se lava com tinta, e continua no tempo. Olho espacial do verso, que se lança em americano Capacete, ver Marte e o espaço. Mas vê deus com infravermelhos, Que nós ternamente cínicos vamos cumprimentando. O retrato da mulher, fica no marido, Mesmo com o automóvel a lavar. Aos putos faz-lhe as loucuras Dos patos, pondo-os a voar, Ficarás sempre aqui neste lugar, No meu coração aberto, Ficará escrito Este capítulo lunar.
  • 16. 161 6 XIII Notícia “Uma casa abandonada foi hoje a demolir, Encontrava-se deserta, os seus ocupantes foram de férias há já muito tempo para o pé do mar. Encontraram-se drogas, seringas, bicas, garrafas de Whisky E cigarros, muitos cigarros, cachimbos com bolor, Numa secção da casa, estavam bonecas esventradas, com Símbolos nazis nas paredes, havia também muitos soutiens queimados, Cromos da bola e revistas pornográficas intactas. Das janelas, viam-se árvores e muitos automóveis a passar. Muitos intelectuais procuraram por um poema, outros entraram a cantar. O especial do caso, é que se encontrou um cão lá dentro que sabia falar. Em entrevista especial ao nosso repórter cultural: dizia que era um habitante antigo daquela casa abandonada, tudo o que era vício não era originalmente do lugar. Que havia ali uma família, muito feliz, muito certa e que era um lar. Psicólogos clínicos analisaram este canídeo com testes indiciadores de grau alcoólico. Pediatras veterinários, descobriram que aquele animal era ainda muito jovem de um ano ou dois. O que era impossível, pelo testemunho do agente graduado da polícia local: as portas estavam hermeticamente fechadas há quarentas anos GMT universal. A polícia científica descobriu tremuras no ladrar, o que indicava lógica e matematicamente que ele estava a mentir. O Detective Abreu, que ainda usava ligas nas meias, achou que o cão era um vadio e que todos aqueles objectos eram daquele. Elegeu-se um advogado de defesa patrocinado pela liga animal. Um outro Investigador da defesa encontrou 2 suspeitos que confessaram, em troca de reabilitação, terem entrado pelo telhado, que o cão já lá estava, e o que tudo que era mau era deles, que já pertencia ao pai, à mãe, ao avó, e que julga ele na família foram sempre assim, levados do caralho. No tribunal, o Juiz Presidente, o melhor, sentou-se (primeiro arrotou segundo creio), e ponderou, que o cão tinha toda a razão, quando disse: - Que ali ficou! Porque só um cão pode ser assim tão fiel, ficar pobre sem ladrar, desenvolver a inteligência ao ponto de falar. Aliás como se comprovou cientificamente, o cão era na verdade um canídeo de porte rafeiro, portanto com defesas sociais intactas, e que por ser cão, não lhe parecia usar ligas nas meias, nem com
  • 17. 171 7 possibilidade de ir ao CSI, ou simplesmente mentir por dinheiro, o que como vulgarmente se sabe os cães não usam, até a ver, por isso, com o código penal em vigor, revisto mais vezes que as páginas amarelas, O cão está inocente!, vão todos dormir, atirou ainda o Juiz. O cão era mais, ficar assim da mesma idade, só um ser tão leal e animal, ficou escrito pelo amanuense, num jornal local.”
  • 18. 181 8 XIV Deus Deus, a palavra de todos, Que todos sabem mentir. Deus da outra casa, que agora não se encontra, Deve estar nas arrumações. Mas os outros matam-se por Ele, Que não se sabe quem é, Por isso deve ser muito importante, E sempre explica o que não se vê. Não mesmo assim não o levo para a casa nova. É muito grande, Omnipotente, E esta casa é tão pequena Como o salário diminuscente.
  • 19. 191 9 XV A bicicleta tinha uma mudança A bicicleta tinha uma mudança Que fazia uma cor, por detrás das árvores, Acontecia a praia, mudava-se de Leiria para a Figueira Com a casa no colo, a encher o meu primo e o automóvel, Brincava-se ponto final, O Pedro construía a areia, Que mais tarde era um carro, A Mila não se ouvia, e a Goreti sorria, Não tinha nascido ainda o Miguel, Nem o Walt Disney para mim, e havia o meu tio Lhó, Que era muito bom, Brincávamos no mar ao pé da vida séria dos pescadores, e eles gostavam de nós. Andávamos de bicicleta a pé, na corrida para a maré, Um Atlântico poderoso, que nós não sabíamos ainda. O Hotel e as Berlengas na campainha do teleférico da Nazaré. Agora, passeio de esferográfica na mão, ouvindo Rui Costa poeta a cantar, Procuro o novo, só encontro nada em plástico. Eu queria tanto voltar a andar de bicicleta, ou a pé. Não posso, desculpo-me na preguiça, complico-me de estar complicado, quero dizer acomodado Pois tá bem, cá fico no rodilho da estrada para a Figueira, Bebendo uma bica ou café. Qualquer dia entrego a bicicleta, Mas tenho que reclamar ao patrão: A bicicleta tinha uma mudança!
  • 20. 202 0 XVI Geometria Do ponto A, concreto, para o B abstracto. Uma ponte, se considerarmos x, a recta Que interacciona perpendicularmente o espaço intermédio, Entre os pontos referidos. X igual. O triângulo recto colide com o círculo, Do parelograma, seguindo o quadrado. Depende do ângulo, do resto se aprende na outra escola. Na escola da vida, agora abandonada também. Justamente. Mas. Se faz léxico da Matemática, procure estudá-la, Pois tinha que faltar qualquer coisa, o altar Sr. Dr. Faltou-lhe o altar no casamento. Que era a bomba, A guerra fria, tá bem eu também não sou tão bom, embora não diga. Ora diga lá, 1,2,3, veja com o outro olho homem, assim Não consigo fechar-lhe o peito deixei lá a agulha de coser. Sai um decreto: toda a gente na Geometria: Depois já sabem, o que querem saber. Pois tem muita razão, mas a sopa também demora a cozer, E a pá encrava constantemente no minério, é por isso, que não há melhor salário? Isso dos cocenos, não vem na tábua de logaritmos? Pois 10.000 euros por mês eu só ganho 333. eu não continuei na escola, E o sr. Já foi ao jardim? É que está lá um canteiro, que fez o Sr. Arquitecto, Fez um triângulo e a árvore não cabe lá. Serei sempre pobre, Senhor, juro, prometo o pai nosso, Será por não saber Geometria descritiva?
  • 21. 212 1 XVII Estrelas Lugar alugado Não havia casa, era uma ilusão, Um sonho azul, Neste quarto a solidão, Uma dor aguda, profunda, É como não ter tido nunca este lugar onde dói, o coração. Que se faz tarde, tão bonito, As estrelas outra vez a brilharem, outra calma, Doce água neste banho, um canto No outro vizinho, o barulho da panela a ferver, Sem melancolia, sem queimar, Ouvir, que tamanho tem o sentido, Que é dia sempre contigo mesmo na noite a doer. A janela é uma janela como a tua aí no Sertão, Só que a tua é de Jacarandá, a minha árvore é de pinho E faz-se de uma semente, tu és o fruto ainda em flor. O que doa, é bom viver mas dessas mãos não me irei esquecer. Água, mesmo a chover, a castanha terra a viver. Mesmo em Luanda deve ser, tão bonito ainda mais, O poente com tanta cor. Desse lugar quer-se sempre voltar, namorar. Vou ao fado, dizer diferente, deixar a água correr. Às 12 horas todo o mundo toma o comprimido, Os primeiros, os que nunca os tomaram. Até vão ver estrelas!
  • 22. 222 2 XVIII Liguei só para dizer que já estou na casa nova Até já fui ao cinema Estou lá na nova, há já uma semana, É formidável, mas já fui ao café, pensei nela, Mas ela já está nova também. Mudou muito, Todos melhor, novo. Eu até acho que sim, Mas não sei se é para durar. Socorro estou fechado na cozinha, o pato fechou a Porta à chave, como a minha avó, presa como uma galinha, e eu sentado no divã. A História repete-se o homem é que não. Está estudado, o homem sofre evolução, como a sociedade, no percurso dialéctico não sei bem de quê. Mesmo o dinheiro, ontem era escudo, Hoje euro mais que o dólar, só a libra não sei quê. Ai se eu tivesse um Megafone, ligado em rede, do plasma ao pc, Acordava esta gente, que se derrota facilmente, Oh homem viver para quê?. A casa nova perfeita não tem jardim, tem o tal Pinheiro, pintada de amarelo, E pronto, põe lá o divã, A escrivaninha não é um quarto, é a minha voz, No espaço comum do prédio, pronto, o barbacue. Ou sem barbacue, com automóvel à porta, ou sem Arroz simples mas não chinês, pudim flan holandês. Já penso noutra casa nova, só com colchão de água. Ou com elefante a tirar água, a beber teatro aberto, No esplendor da relva por fim. Se calhar isto é ainda muito burguês, não é por ser rico, É a inutilidade que me chateia, da falta, falta-me melhor palavra, Fraternidade. Mas isso já é outra história, sem interesse algum, Não tem poesia, verbos mediáticos, não engrandece o firmamento. Falta-me a realidade, falta-nos. Mas é tão tarde, Desculpem-me, Liguei só para dizer que já estou na casa nova.
  • 23. 232 3 XIX Lua cheia, intervalo Corre uma brisa De pedras pequeninas, Pequeninas, são estrelas Que correm do mar, Vão até à janela, Olhar, Ver sonhar. Deixam carreiros no regresso, De pedras pequeninas, ligeiramente amarelas, Deitadas pela luz solar.
  • 24. 242 4 XX Ao sair da casa A morte saiu à estrada, num dia terrível, Um pressentimento, tarde de mais, Já não tenho o meu filho, Mataram-no na estrada. É uma dor grande de esquecimento, De perder. Era um grandíssimo rapaz, não tinha palavra Que encontrasse para o dizer. É o nosso filho pois claro também Não estamos preparados para isso, Nem podemos, julgo eu. Desaparecer, é mais duro que isso, O sol não se canta assim, E era o que eu sabia. Voltei lá, tinha uma sapatilha no chão do quarto O automóvel atirou-a para depois do muro. Fica tudo diferente, como Van Gogh, aquela seara sempre com vento.
  • 25. 252 5 XXI A Casa abandonada Finalmente abandonada, Já não podendo voltar. FimConstantino Alves , Lisboa, Julho de 2006