O documento discute a interação entre estratégia organizacional e estratégia de recursos humanos. Apresenta tipologias que classificam os diferentes argumentos sobre o assunto e o modelo dominante baseado em recursos. Também discute limitações desse modelo e conclusões sobre convergências e divergências no debate.
Reflexão Sobre a Liderança e Tarefas do Gestor Público na Mudança das Organiz...
Estratégia de Recursos Humanos e Organizacional
1. ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL E ESTRATÉGIA DE RECURSOS
HUMANOS: UMA INTERAÇÃO NECESSÁRIA
José Carlos Marucci
Banco Central do Brasil
Ubiratã Tortato
PUCPR e Faculdade Cenecista Pres. Kennedy
E-mail: jcmarucci@uol.com.br, utortato@hotmail.com
Resumo
O presente artigo pretende apresentar discussões correntes envolvendo a interação entre a
estratégia organizacional e a estratégia de recursos humanos. Inicialmente uma breve introdução ao
assunto será feita para em seguida apresentarem-se algumas tipologias que classificam os diferentes
argumentos e o modelo dominante, a visão baseada em recursos, bem como, suas limitações. A
conclusão é feita analisando-se as convergências e divergências envolvidas no debate.
Palavras-Chave: organizações, estratégia organizacional, recursos humanos
Abstract
The present text intends to present the current discussion regarding the interaction between
organizational strategy and strategy of human resources. Initially a brief introduction is made to the
subject. Soon after we present some typologies that classify the different involved arguments and the
dominant model, the based-resources vision, and the debate concerning its limitations.The conclusion
is made trying to analyze the convergences and divergences involved in the debate.
Key words: organizations, strategy, human resources
Objetivos
O objetivo deste artigo é investigar, na literatura de administração, o relacionamento entre
indivíduo e organização. A primeira vista parece que esses dois níveis de análise excluem-se entre si,
pois na análise da organização, segundo o ponto de vista do poder, o papel atribuído a indivíduos é
secundário. Por outro lado, se consideramos a predominância da dimensão do indivíduo parece que há
uma tendência a concebermos a estratégia organizacional como resultado determinista das ações
independentes dos indivíduos. Se é que podemos afirmar assim, isso ocorre como se houvesse uma
dicotomia entre os determinismos do indivíduo ou da organização. A tentativa de conciliar estas duas
perspectivas tem sido efetuada pelos estudos de cultura e comportamento organizacional, cujos
resultados, aparentemente, tem sido mais bem sucedidos em explicar a interação do que em propor
esquemas de intervenção, e quando fez isso a tendência foi de surgimento de resultados mais a longo
prazo. A outra alternativa é tentar conciliar a estratégia organizacional com uma estratégia de recursos
humanos que enfatize a dimensão do indivíduo.
As tentativas de abordar a interação entre indivíduo e organização já vem de longa data na
literatura de administração. Um estudo do início da década de 60, elaborado por ARGYRIS (1975), já
tinha por objetivo apresentar idéias preliminares sobre a reestruturação das organizações considerando
as energias e aptidões que os seres humanos têm a oferecer-lhes. Nesse estudo efetuou-se um
levantamento das tentativas anteriores em abordar o assunto: Henri Saint-Simon, Augusto Comte, Max
2. Weber, Mayo, Thompson, Blau e Scott, Gouldner e Selznik entre outros foram autores que apontaram
a importância do indivíduo nas organizações.
Desta época até o início dos anos 80 as referências sobre o assunto são escassas, mas a partir
de meados dos anos 80, pressões por mudanças nesses conceitos mais tradicionais na gestão de
recursos humanos, ocasionadas, principalmente, pela ascensão de empresas e de técnicas de gestão
japonesas, contribuíram para o crescimento acentuado no interesse sobre o assunto. No entanto, as
pesquisas voltaram-se para a melhoria no desempenho da organização resultante da mudanças na
forma de se administrar os recursos humanos (RH), o que vem sendo denominado de gestão
estratégica de recursos humanos (GERH).
O presente texto pretende apresentar essa discussão atual a respeito da interação entre
estratégia organizacional e estratégia de recursos humanos. Nas partes seguintes apresentam-se
algumas tipologias e classificações, que ordenam ou agrupam os diferentes argumentos envolvidos, os
modelos de alinhamento ou de ajuste e a visão baseada em recursos, e o debate acerca de suas
limitações. A conclusão é efetuada tentando-se analisar os pontos convergentes e divergentes
envolvidos.
Modelos
Uma classificação abrangente das pesquisas apresentadas foi efetuada por SWIERCZ (1995),
que numa revisão de artigos publicados sobre GERH propôs um arcabouço organizacional composto
por quatro perspectivas teóricas, a fim de ordenar as discussões. A perspectiva de ajuste (fit), ou
conformidade, propõe que RH deve integrar-se ao processo de planejamento organizacional por meio
de ajustes interno (complementaridade entre as atividades de RH) e externo (congruência entre RH e
planejamento estratégico). A perspectiva econômica considera a organização como um conjunto
amplo de recursos, sendo RH uma fonte de recursos distinta e única de vantagem competitiva
sustentada. A perspectiva funcional atribui a RH uma função de staff, ou seja, de aconselhamento e
subordinação às funções de linha, alinhando as estratégias das unidades funcionais à estratégia global
de RH. E, a perspectiva tipológica busca desenvolver conjuntos de tipos ideais que tornam possível
desenvolver teorias, ordenar indicadores, identificar e pesquisar relações, comparar diferentes
descobertas e agregar elementos.
Uma outra classificação foi proposta por DYER e KOCHAN (1994), que resumiram os
estudos em duas correntes principais. Os teóricos do modelo múltiplo (MMT) que constróem uma
tipologia de estratégia de RH e descrevem ou prescrevem as condições sob as quais os vários tipos
trabalham melhor. E, os teóricos do modelo dominante (DMT) que estão menos preocupados com
contingências e mais interessados nos detalhes e na publicação de seus modelos ou estratégias nas
firmas. Os MMT enfatizam o ambiente estratégico preocupando-se com os relacionamentos de fora
para dentro (outside in) e os DMT enfatizam a estratégia de RH preocupando-se com os
relacionamentos de dentro para fora (inside out). Nas estratégias de RH, a perspectiva dos MMT
divide-se em tradicional, que aplica poucas práticas de RH, a baseada em remuneração, que aplica as
práticas de RH, exceto participação dos empregados e emprego formal, e a baseada em participação,
que aplica as práticas de RH e integra RH ao planejamento formal dos negócios. Na perspectiva dos
DMT os provedores de capital e os gerentes de topo manejam o poder, ao passo que empregados e
sindicatos pouco fazem. Com isso as políticas variam de acordo com a necessidades dos mais fortes
sendo difícil, então, o uso dos modelos de envolvimento e ganhos mútuos.
Se nesse trabalho a divisão entre os teóricos é efetuada conforme o entendimento acerca do
relacionamento entre a organização e o ambiente, o artigo de WOOD (1992) propõe que as estratégias
organizacionais e de RH sejam analisadas da perspectiva da estrutura do processo decisório. A
perspectiva clássica (de cima para baixo) avalia a gestão de RH de modo derivado, ou seja, partindo da
estratégia da corporação. A abordagem contemporânea (de baixo para cima) apoia-se em três
argumentos: a) a concepção não deve e não pode ser separada da execução; b) o processo de
formulação da estratégia é tão ou mais importante que o conteúdo das estratégias; e c) todos os
membros da organização tem um papel na formulação das estratégias. Nesse contexto a administração
de RH é redefinida como o desenvolvimento administrativo centrado no funcionário, supondo que a
qualidade da liderança e das relações humanas contribuem decisivamente para o bom desempenho da
organização.
3. No modelo de alinhamento organizacional proposto por SEMLER (1997), o alinhamento se
refere à extensão na qual há um ajuste sistemático entre estratégia, estrutura e cultura organizacionais,
que se combinam para criar um todo sinérgico que torna possível atingir-se as metas estabelecidas na
estratégia organizacional. Esses elementos combinam-se em dois modelos: no modelo processual de
organização valores e normas formam o contexto organizacional e no modelo dinâmico de
relacionamento o alinhamento é função do grau de correlação entre as variáveis organizacionais
operando numa rede dinâmica de relacionamentos. Segundo o autor quanto mais forte o alinhamento
maior probabilidade de se atingir metas, de se obter efeitos positivos na cultura organizacional e de
tornar as organizações mais competitivas ou bem sucedidas.
O caso de empresas multinacionais é mais complexo, pois envolve a coordenação das políticas
de recursos humanos em ambientes culturais e econômicos diferentes. HANNON, HUANG e JAW
(1995) analisam como a tensão entre integração global e a conformidade local (GI-LR) afetam as
dimensões e determinantes da estratégia internacional de recursos humanos (EIRH). Esse modelo é a
base para o esquema de RH utilizado. A EIRH pode ser autônoma, receptiva ou ativa dependendo da
extensão da sua integração global e da sua conformidade local. A dependência dos recursos da matriz
e as redes de relacionamento no ambiente institucional também influenciam as políticas e práticas de
RH da subsidiária. Assim a EIRH é função dos recursos da matriz, dos recursos locais, das instituições
anfitriãs e do grau de participação da matriz na propriedade da subsidiária.
Em outro estudo em empresas multinacionais BIRD e SCHON (1995), pesquisando empresas
japonesas localizadas no EUA, procuram mostrar que a seleção e o mix de práticas de RH são
determinados pela estratégia da firma e pelas obrigações ambientais. A estratégia de negócio é
analisada utilizando-se da tipologia de MILES e SNOW (1978), que as classifica em prospectora,
defensora e analista. A estratégias de RH propostas são de três tipos. A estratégia de utilização exige o
mínimo comprometimento e o máximo de utilização de habilidades, mediante aquisição e dispensa de
pessoal de acordo com as necessidades de curto prazo e combinação das habilidades dos empregados
com as tarefas requeridas. A estratégia de acumulação requer máximo envolvimento e execução de
habilidades, mediante aquisição de pessoal com potencial latente e desenvolvimento desse potencial
em função das necessidades da organização. A estratégia de facilitação baseia-se na criação e geração
de novos conhecimentos, mediante aquisição de pessoal automotivado e encorajado ao
autodesenvolvimento. Da combinação entre estratégias de negócios e de RH formam-se os tipos
defensor/acumulador, analisador/facilitador e explorador/utilizador.
Nas referências observaram-se os diferentes ambientes nos quais as empresas multinacionais
operam, que também podem ser entendidos como variações, mais ou menos prováveis, de um mesmo
ambiente organizacional. A idéia era a de que conforme o tipo de ambiente deveria haver uma
estratégia organizacional e de RH mais adequada. Essa idéia poderia ser generalizada num sentido de
que o ambiente junto com outras variáveis fornecem informações que, ao serem percebidas ou
captadas pela organização, contribuiriam para a formação das referências a partir das quais as
estratégias seriam definidas e implementadas.
BAMBERGER e FIEGEMBAUM (1996) ajudam nesse tipo de compreensão ao proporem a
teoria dos pontos de referência estratégicos (SRP). Os SRP são definidos como alvos ou benchmarks
que os administradores usam para avaliar escolhas, tomar decisões estratégicas e sinalizar sistemas e
prioridades organizacionais. Os tomadores de decisão avaliam suas posições no processo/meios e
resultados/fins (dimensão interna), gerados com base no passado, presente ou futuro (dimensão
temporal) e os interesses dos competidores, clientes, fornecedores e outros participantes (dimensão
externa) O espaço criado por essas três dimensões é o ponto de referência estratégico. Se a firma
estiver acima de seu SRP, tende a perceber os novos problemas como ameaças e a se comportar de
modo averso ao risco, conservador e defensivo. Se estiver abaixo do seu ponto de referência,
perceberá os novos problemas como oportunidades e se empenhará em uma maneira mais ousada.
Quando aplicadas a questões de RH algumas características próprias emergem. Na dimensão interna,
os meios são as atividades que adicionam valor a organização e os fins são resultados em termos de
custo ou valor. Na dimensão externa, competidores exercem sua influência através de políticas,
práticas, desempenhos, mercado de trabalho e por recursos; clientes são afetados por sua relação com
os empregados e pela interdependência entre RH e demais sistemas/unidades organizacionais; e
instituições participam da política de RH ao representar a comunidade ou grupos específicos junto à
4. organização. A dimensão temporal é considerada pelos administradores de RH no contexto de
referências passadas ou futuras.
CONNOLY e DOWN (1997) também tentaram classificar os tipos de estratégia e de
empresas. Propõem um modelo com três tipos de estratégia de RH: na recentralização estratégica, as
funções críticas de RH são concentradas; nas economias de escala dirigidas, serviços básicos de RH
são centralizados, priorizando a redução de custos; e na distribuição de linha, as atividades de RH são
transferidas para linha afim de melhorar o atendimento na ponta. Por sua vez, as companhias tendem a
cair numa das três categorias: as conselheiras, que delegam as decisões operacionais e estratégicas
para as unidades, identificam e desenvolvem futuros líderes; as influenciadoras, que retém autoridade
estratégica e operacional sobre um certo número de funções centralizadas; e as diretoras, que tendem
ao controle estratégico e operacional, centralizando RH para obter ganhos de escala, minimizar riscos
e promover consistência.
Visão baseada em recursos
A chamada visão baseada em recursos tem sido a perspectiva dominante nos estudos sobre a
interação entre estratégia organizacional e de RH. Os teóricos desta visão argumentam que a vantagem
competitiva sustentada se origina de um único pacote de recursos que os competidores não podem
imitar facilmente devido a sua escassez, especialização e conhecimento tácito. Essa visão é construída
basicamente em torno de quatro suposições: a) os recursos humanos devem adicionar valor ao
processo de produção, b) as habilidades da firma devem ser raras, c) que os investimentos em capital
humano não sejam facilmente imitados, e d) que os recursos humanos, fontes de vantagens
competitivas, não estejam sujeitos a substituição devido aos avanços tecnológicos. Apesar de
predominante, esse ponto de vista está longe de ser aceito sem restrições acerca de seus resultados e
práticas de implementação. As críticas mais presentes, como será observado mais adiante, se
relacionam a seus aspectos contraditórios e a dificuldade de separar e medir o papel de RH na
melhoria do desempenho da firma.
COFF (1997) propõe um modelo para analisar e arcar com os dilemas gerados por ativos
humanos, ou seja, formas de se lidar com efeitos da aplicação de modelos da visão baseada em
recursos. O modelo proposto apresenta uma estrutura para análise dos ativos humanos e gestão dos
dilemas administrativos associados. Basicamente está dividido em três partes/fases interrelacionadas.
A primeira, atributos dos ativos humanos, tem por características a especificidade, que pode ser geral
ou da firma, a complexidade social externa e interna e a ambigüidade causal, ou seja, incertezas a
respeito de quais fatores contribuem para o sucesso. A segunda, dilemas administrativos, é sintetizada
na ameaça de turnover e nos dilemas de informação (contratação/seleção adversa e motivação/risco
moral). E a terceira, as estratégias para arcar com os mecanismos anteriores, podem ser: de retenção,
para manter empregados sem alocação de renda; de participação na renda, para promover a retenção
pelo aumento de salários acima do mercado de trabalho; de design organizacional, para envolver a
cultura e estrutura no alinhamento das metas individuais com as da organização; e de informação,
para buscar informações escassas a fim de suavizar os problemas de risco moral e seleção adversa.
MUELLER (1996), por sua vez, avança um pouco mais ao propor um ajuste na visão baseada
em recursos efetuando uma abordagem evolucionária para a estratégia de RH, ou seja, fazendo um
corte temporal na análise. A noção ortodoxa da GERH concentra-se em quatro pontos: a) a gestão se
antecipa e lê corretamente desafios externos; b) a combinação entre as políticas de RH e dessas com a
estratégia da firma são condições para a vantagem competitiva; c) a alta administração procura atingir
simultaneamente os objetivos do negócio e a integração estratégica; e d) a alta administração articula
as políticas. Além disso alguns problemas foram apontados: os ajustes interno e externo não podem ser
maximizados simultaneamente; algumas características GERH negam-se umas as outras
(comprometimento e flexibilidade, cooperação e competição individual, profissional especializado e
apoio amplo na GERH); há pouca evidência de vínculo direto entre GERH e desempenho da firma; e o
excesso de racionalismo. A partir dessas restrições e limitações da visão baseada em recursos, o autor
introduz a noção de barreiras a mobilidade de recursos (BMR). Cinco proposições que criam BMRs
são efetuadas: a) a criação da vantagem sustentada acontece num processo evolucionário, incremental
e lento; b) exige uma intenção persistente; c) utiliza processos subjacentes de formação de habilidades
5. que podem ser facilitados ou acelerados, mas não substituídos pelas atividades de desenvolvimento da
GERH; d) utiliza modelos de cooperação espontânea; e e) é particularmente efetiva se há
interdependência de recursos. Por fim o autor conclui que o que é verdadeiramente valioso para a
organização é a arquitetura social que resulta das atividades de formação contínua de habilidades,
formas espontâneas de cooperação, conhecimento tácito que se acumula como efeito colateral não
planejado de comportamento organizacional intencional. Assim, a prosperidade da organização
emerge lentamente e incrementalmente ao longo do tempo, com baixa visibilidade da cooperação e
resistência a imitação.
KAMOCHE (1996), por sua vez, sugere mudanças nas suposições da visão baseada em
recursos propondo uma visão baseada na capacidade, onde o valor é maximizado quando as
capacidades são desdobradas/dispostas para utilizar recursos nas suas atividades mais satisfatórias.
Recursos humanos referem-se ao estoque acumulado de conhecimentos e habilidades com os quais a
firma constrói expertises identificáveis. Capacidade de RH é a capacidade da firma em segurar, nutrir,
reter e dispor dos recursos humanos. As rotinas organizacionais são a base para a visão das ligações
entre os modelos da firma e a seqüência de ações e para construção da capacidade de RH. Da interação
entre recursos e capacidades surge a noção de competência de recursos humanos (CRH), que é
habilidade da firma em gerar um estoque de conhecimentos e aprendizado coletivo que a permita
fornecer produtos/serviços essenciais através das pessoas. A CRH não é estática podendo degenerar
em incompetência, sendo seu corolário as políticas de prevenção contra a erosão das CRH. A
conversão das CRH em ativos estratégicos dependem da escassez de habilidades de alta qualidade,
expertise e capacidades organizacionais, da inimitabilidade dos recursos, da não-substitutibilidade dos
RHs, e da apropriabilidade do valor criado. O autor aponta algumas dificuldades e tensões potenciais
na distribuição da renda na utilização de CRH. Falta de distinção entre tecnologia da firma e capital
humano do indivíduo, controle limitado dos empregados, a ação coletiva dos empregados ou sua
ameaça, perda de empregados chave são algumas delas.
Visões alternativas
Até aqui verificaram-se as diferentes propostas de tipologias para a interação entre estratégia
organizacional e de RH. Este tópico pretende apenas ilustrar algumas possíveis visões alternativas.
Resumindo o que foi visto, talvez fosse possível afirmar que esses modelos e classificações têm uma
finalidade voltada principalmente para a melhoria do desempenho organizacional. É uma visão mais
instrumental e pragmática da GERH centrada no nível de análise e nos possíveis interesses das
organizações. As visões alternativas verificadas estão mais focalizadas no indivíduo, dentro de uma
abordagem, digamos, humanista. A dimensão do poder também é importante nessas alternativas, não
que os modelos até aqui descritos deixem de lado esta questão, mas ela é mais explicitada.
Uma visão alternativa, que procura ser mais uma crítica do que uma opção ao modelo da
gestão estratégica de recursos humanos, é a análise da estrutura estratégica efetuada por ENRIQUEZ
(1997). O autor procura sustentar o argumento de que apesar de parecer que o indivíduo jamais
ocupou na história um papel com tanta evidência como atualmente, de fato, esse indivíduo nunca
esteve tão encerrado nas malhas das organizações e tão pouco livre em relação ao seu corpo, modo de
pensar e psique. Isso não significa que o indivíduo não possa ser, sob certas condições, criador da
história, mas que tudo na sociedade é construído para fazer o indivíduo crer que é livre e criador.
Dessa forma, procura-se construir essa idéia a partir das estruturas organizacionais presentes ao longo
da história. Segundo o autor houveram cinco tipos básicos de estrutura organizacional: a estrutura
carismática, a estrutura burocrática (seguindo o proposto por Max Weber), a estrutura cooperativa
democrática (tal como definida por Chester Barnard), a estrutura tecnocrática e a estrutura estratégica.
A estrutura estratégica é caracterizada em confrontação com a estrutura tecnocrática. A
estrutura tecnocrática é fundada na crença da racionalidade ilimitada, com o poder pertencendo aos
experts que supõem possuir conhecimento que lhes possibilita antecipar e resolver problemas. As
questões relevantes são de ordem técnica em detrimento das de ordem política, pois os experts são os
definidores de modos de pensar e de modelos de ação que devem servir de normas e de regras de
funcionamento. Na estrutura estratégica se leva em conta a complexidade e a racionalidade limitada. O
planejamento é substituído pela estratégia e a capacidade estratégica é transferida de uma elite
possuidora de conhecimentos para toda a organização. Os indivíduos não são mais pressionados a
6. terem conhecimentos amplos em certas áreas, mas sim a serem capazes de adquirir continuamente
novos conhecimentos nas áreas mais variadas, as mais pertinentes para a empresa num dado momento.
Isso acontece para que a empresa não seja surpreendida por processos desconhecidos para os quais
esteja despreparada para enfrentar.
Os limites da estrutura estratégica, colocados pelo autor, referem-se a perseguição de objetivos
inconciliáveis como demandar um espírito individualista e um forte espírito de equipe, conclamar à
iniciativa e à criatividade e reclamar a participação de todos, mas se desenvolver num ambiente em
que o mercado financeiro determina estratégia, o que diminui as possibilidades de participação.
Com a definição de estrutura estratégica, examina-se como o indivíduo é preso nessa armadilha.
Isso é feito analisando-se :
a) o tipo de personalidade: através da exigência de comprometimento apenas com a organização,
pela identidade do indivíduo com a empresa e com seus chefes e pelo o uso da apatia, como
expressão da perversão, e da teatralidade, afim de impressionar colaboradores, demonstrar
magnificência e ressaltar marcas de sucesso.
b) instâncias da personalidade postas em prática: exigência de indivíduos que queiram ser sujeitos de
seu destino e agentes da história, mas que, de fato, são alienados, além de possuírem egos
grandiosos, identidades compactas (não conhecem dúvida, angústia e remorso) e múltiplas (agem
segundo as situações e interlocutores, e devem ser capazes de provocar entusiasmo ou medo, que
dinamizam grupos).
c) papel do indivíduo na organização: a estrutura estratégica reconhece o indivíduo, conhecendo-o,
dando a impressão de ser respeitado e valorizado, pois a empresa assim o necessita para sua
sobrevivência. A comunicação exprime a capacidade do indivíduo em colocar e resolver
problemas melhorando a coesão e o rendimento da equipe. A desconfiança também é um
elemento na medida em que um aliado é sempre temporário, podendo-se transformar em
adversário ou em traidor e, mais adiante, novamente em um parceiro.
d) destino das pulsões: na estrutura estratégica a libido é canalizada para o trabalho, a identidade e a
coesão social, a pulsão de morte é escamoteada pela redução dos conflitos internos e
retardamento da emulação/competição através da ideologia do consenso, e a pulsão de agressão é
atenuada pela necessidade de não mais eliminar os adversários exteriores, pois podem se revelar
úteis noutra ocasião.
e) concepção do trabalho: a empresa visa a ser uma comunidade de trabalho, de vida e do
pensamento. O sentido do trabalho está na coesão do grupo e na performance apresentada. A
guerra é total, extrapolando o campo econômico. E há a predominância do capital financeiro
sobre a produção.
Verifica-se assim, uma crítica ao modelo econômico da visão baseada em recursos ao atacar
os seus principais pressupostos. No entanto, essa crítica poderia ser atenuada considerando-se que é
mais válida na análise das relações entre indivíduo e organização em determinados ambientes
institucionais do que em outros.
Embora tenha por objetivo revisitar o conceito de identidade, o análise de CALDAS e WOOD
(1997) também pode ser entendida como uma tentativa de generalizar as possibilidades de interação
entre os diversos níveis de análise envolvidos nas dimensões do sujeito e do objeto nos estudos
organizacionais. Primeiramente exploram-se as origens do termo identidade na filosofia clássica, na
noção psicanalítica de Freud e nos teóricos da psicologia diferencial e em particular Erik Erikson, que
introduziu o termo crise de identidade para descrever a privação do controle central sobre si mesmo
pelo qual somente o agente interior do ego poderia ser responsabilizado. Essa noção psicanalítica de
identidade individual tomou o sentido de unicidade e continuidade de um processo localizado no
indivíduo, porém influenciado pela sua cultura. Assim o indivíduo passa a ser reconhecido como
diferente dos demais e similar aos membros da mesma classe. Após investigar o uso do termo em
diferentes contextos o autor generaliza a idéia de que cada campo científico, escola de pensamento e
perspectiva teórica tem se apropriado da idéia de identidade à sua maneira, procurando definir o
conceito segundo seus próprios objetivos e interesses.
A partir desse histórico os autores apresentam sua proposta de um quadro conceitual composto
de duas dimensões básicas. A dimensão do objeto focal distingue as perspectivas existentes através da
diferenciação dos objetos sobre os quais o conceito é utilizado, ou seja, indivíduo, grupo, organização
e humanidade. E a dimensão da observação distingue os conceitos a partir de diferentes pontos de
7. observação, desde os internos até os externos, considerados nos elementos self, comportamento,
autopercepção e imagem. Da interação entre essas duas dimensões resultam em células que procuram
refletir as diferentes dimensões envolvidas na amplitude do campo de estudo do conceito de
identidade.
Seis quadrantes ou agrupamentos reúnem as contribuições que, apesar de distintas, tem muitos
pontos em comum, onde procuram abordar a evolução histórica, as interligações e as áreas ainda não
preenchidas por teorias. O primeiro agrupamento, o da identidade individual, que abrange os
quadrantes do self e do comportamento, foi a partir de onde o conceito de identidade expandiu-se. No
segundo agrupamento, o da identidade como autoconceito que relaciona identidade individual com
grupal, a identidade é entendida como um atributo sócio-cognitivo individual e grupal. O terceiro
agrupamento, que reúne a dimensão da organização com a do self e do comportamento, a identidade
organizacional compreende as crenças partilhadas pelos membros sobre o que é central, distintivo e
duradouro na organização. O quarto agrupamento, o da autopercepção a nível organizacional, a
identidade é uma função da forma pela qual a organização percebe-se a si mesma. No quinto
agrupamento, o foco é a compreensão de como as organizações administram sua imagem externa e
como tal imagem afeta-as. E no sexto agrupamento compreende as pesquisas que discutem, dentro e
fora das organizações, conceitos de identidade a nível macro. Com esse quadro pode-se observar que a
pesquisa sobre identidade tem caminhado no sentido do individual para o coletivo e do ponto de
observação interno para o externo.
Posteriormente inclui-se uma terceira dimensão aplicando-a aos níveis do indivíduo e da
organização afim de se analisar as suas implicações sobre os conceitos e responder a indagação sobre a
compatibilidade da noção de identidade com as novas configurações organizacionais. Ao efetuar
análise do contexto atual os autores verificam que a identidade não é mais vista exclusivamente como
uma entidade autônoma, estática e duradoura, mas como um processo de construção, uma atividade
humana, mediada pelo uso da linguagem e ligada à socialização do indivíduo por meio de interação
simbólica com seu meio. Dessa forma, durante a existência de um indivíduo, a identidade pode ser
adquirida e perdida, passando por períodos de autenticidade e falsidade.
A conclusão dos autores, após analisar vários estudos, é que as categorias mencionadas foram
criadas para um modelo de organização e uma forma de análise organizacional em extinção. Quanto
ao conceito de identidade, considera-se que há necessidade de repensar o conceito. Finalmente, a
identidade pode ser vista como uma exigência do mercado, não sendo assim uma características
inerente ou natural, o que envolve questões mais de imagem, estilo e retórica do que de valores,
princípios e características centrais.
Conclusão
A intenção do artigo foi fazer um levantamento da situação atual das pesquisas sobre a
interação entre estratégia organizacional e estratégia de recursos humanos. Após apresentar as
diferentes tipologias e classificações das discussões sobre a assunto, mostrou-se a visão baseada em
recursos e as discussões ao seu redor e propostas alternativas. Caberia tentar responder as
congruências e divergências entre as diversas abordagens aqui relatadas.
Parece que alguns pontos comuns podem ser destacados:
a) a importância crescente dos recursos humanos como elemento de competitividade;
b) a necessidade de coerência entre as diversas políticas e práticas de RH, a estratégia da
organização e o ambiente;
c) os resultados de RH não são mensuráveis financeiramente no curto prazo, mas emergem a longo
prazo;
d) a relação entre RH e melhoria no desempenho organizacional não foi fortemente estabelecida;
e) há aspectos contraditórios/paradoxais nos modelos de GERH atuais;
f) comprometimento do indivíduo com a organização como requisito para a GERH.
Quanto à divergências, a principal se encontra na visão baseada em recursos, onde a maioria
dos autores encontraram dificuldades em estabelecer a relação entre RH e desempenho e procuraram
encontrar outras variáveis ou conceitos que poderiam mediar a relação, ou seja, que estivessem
influenciando as demais variáveis. Parece que até aí há um certo consenso, mas, verificando as
diferentes alternativas formuladas há uma certa dificuldade em atribuir-lhe pontos em comum, a
8. impressão é que a discussão ainda não chegou a um ponto onde possam ser assinalados alguns
consensos.
Dessa forma, foi possível verificar que os princípios utilizados na análise de RH, descontadas
algumas especificidades, podem servir de referência para compreensão das estratégias organizacionais
e que recursos humanos não podem ser analisados fora do seu contexto organizacional e ambiental.
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