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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED
CURSO DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM HISTÓRIA
ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS
FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL:
O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968)
FLORIANÓPOLIS, SC
2013
 
ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS
FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL:
O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968)
Trabalho de Conclusão apresentado ao
Curso de Bacharelado e Licenciatura em
História do Centro de Ciências Humanas
e da Educação, da Universidade do
Estado de Santa Catarina, como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em História.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Rosa
Hagemeyer
FLORIANÓPOLIS, SC
2013
 
ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS
FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL:
O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968)
Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de Bacharelado e Licenciatura em
História do Centro de Ciências Humanas e da Educação, da Universidade do Estado
de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
História.
Banca Examinadora
Orientador: __________________________________________________________
(Prof. Dr. Rafael Rosa Hagemeyer)
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: ____________________________________________________________
(Prof. Dr. Reinaldo Lindolfo Lohn)
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: ____________________________________________________________
(Profa. Dra. Rosângela Miranda Cherem)
Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis, SC (28/06/2013)
 
Para o Gustavo, sempre presente
 
AGRADECIMENTOS
Este Trabalho de Conclusão de Curso, resultado maior de perseverante,
aprofundada e paciente pesquisa, não poderia existir sem a assistência direta ou
indireta de várias pessoas e instituições, às quais gostaria de agradecer.
Agradeço ao Claudio Tozzi por ter inspirado este trabalho, bem como por sua
atenção marcada por disponibilidade e simpatia em responder ao meu contato,
conceder uma entrevista e doar 3 livros que estavam esgotados sobre seu trabalho.
Agradeço ao meu orientador Rafael Hagemeyer pela interlocução sempre
humorada, auspiciosa e produtiva nesta e em outras empreitadas.
Agradeço aos professores do Curso de História da UDESC pela formação
docente e de pesquisador, matriz de meu conhecimento, a qual sempre pautada na
ética, responsabilidade e profissionalismo.
Agradeço às professoras Anita Koneski (CEART-UDESC) e Viviane Borges
(FAED-UDESC) e ao professor Gustavo Motta (ECA-USP) pela interlocução sempre
profícua no decorrer da elaboração deste e de outros trabalhos.
Agradeço à professora Rosângela Cherem (PPGAV-CEART-UDESC) e ao
professor Reinaldo Lohn (PPGH-FAED-UDESC) pela interlocução e pelo aceite em
compor a banca examinadora deste trabalho.
Agradeço ao Programa Institucional de Iniciação Científica (PROBIC) da
UDESC por ter me auxiliado por 2 anos com uma bolsa, que indiretamente a este
trabalho, possibilitou-me construir um pensamento de pesquisador sempre disposto
a reavaliar minha produção e seu alcance na sociedade.
Agradeço aos meus pais Clélia e Pedro e demais familiares pela formação
educacional que me proporcionaram, sem a qual eu jamais chegaria onde hoje estou.
Agradeço aos amigos de universidade e de vida: Antonio Nakazima Junior,
Flávio Gentil, Iara Perin e Mariane Martins pela amizade marcada por bom humor,
inteligência e interlocução intelectual, possibilitando alguns dos melhores momentos
vividos por mim nestes últimos 4 anos.
Agradeço imensamente ao meu companheiro Gustavo Cambraia Giraldes por
sua elegância, leveza e paciência que me inspiraram em todo o processo de
elaboração deste trabalho. Também peço desculpas a ele por aquele fim de semana
que não fui a Gaspar, porque eu precisava escrever este TCC.
 
“A arte não era só um objeto de você
contemplar, não era mais uma pintura de
cavalete, mas era uma pintura trabalhada
mesmo com as tintas que se utilizavam
para pintar placas, dos meios de
comunicação de massa. Enfim, era uma
linguagem bastante revolucionária em
termos de você trabalhar com uma
técnica quase que muito simples, mas
com uma força muito grande, não é?”
(Claudio Tozzi)
 
RESUMO
MEDEIROS, Alexandre Pedro de. Fragmentos de arte engajada e resistência no
Brasil: o trabalho de Claudio Tozzi (1964-1968). 2013. 112 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharelado e Licenciatura em História) – Centro de Ciências Humanas e
da Educação, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
A crise instalada com o golpe civil-militar de 31 de março de 1964 impulsionou a
transformação do campo cultural em local, por excelência, de resistência ao regime
militar até a edição, em 1968, do Ato Institucional nº 5. Neste período, atuou uma
vanguarda que colocava em pauta a necessidade de articulação entre arte e política.
Esquematizada por Hélio Oiticica em 1967, esta vanguarda estava comprometida
com a criação de novos objetos, assim, superando a estrutura do cavalete e as
convenções da arte contemplativa entendida como burguesa. Tal estratégia se
resumiria em uma vontade de atuação do artista na sociedade, o qual a partir de seu
trabalho colaboraria na tarefa conscientizadora de oposição à ditadura militar a partir
de proposições de arte pública. Neste sentido, o artista visual paulistano Claudio
Tozzi desenvolveu no período 1964-1968 uma poética engajada, a partir da qual
fabricou trabalhos comprometidos em problematizar a realidade política e social do
Brasil. Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como principal objetivo analisar
como esta tomada de posição de resistência por Tozzi frente aos problemas
políticos, sociais e estéticos significava nas obras. Neste período, o artista inspirado
em Marcel Duchamp e na Arte Pop desenvolveu uma operação de apropriação
racional ou intencional de imagens e objetos, a qual deslocava os elementos
apropriados a fim de subverter sua significação original, porém, guardando o vestígio
da referência, em prol de um discurso formado pela relação desses itens no trabalho
construído. Deste modo, a partir dos trabalhos USA e abUSA (1966), Nós somos os
guardiões-mór da sagrada democracia nacional (1967) e de três painéis do ambiente
Bandido da Luz Vermelha (1967), são analisados aqui os possíveis sentidos
interpretados na apreensão entre o anseio e o “resultado” das obras de Tozzi. Assim,
buscar-se-á na perspectiva de uma História relacional da Arte, na qual é
imprescindível a compreensão do diálogo estabelecido entre fenômenos artísticos e
fenômenos políticos, sociais, econômicos, entre outros, a apreensão dos sentidos
expostos pela interpretação histórica. Nesta via, são interpretadas nos trabalhos de
Tozzi: críticas ao golpe de 1964 que instalou um regime autoritário contra o qual era
necessário se manifestar; ao apoio estadunidense a esse golpe e à repressão das
manifestações de resistência; ao governo do general-presidente Castello Branco de
forma irônica pela contestação do caráter de salvaguarda da democracia nacional
imposto pelos militares, bem como, a partir da apropriação de personagens e temas
preexistentes, o artista propunha narrativas referentes às mitologias urbanas, à
marginalidade em São Paulo, à liberação sexual e às conquistas de atuação política
e social pelas mulheres.
Palavras-chave: História da Arte Brasileira Contemporânea. Ditadura Militar
Brasileira (1964-1968). Resistência Cultural. Artes Visuais e Política. Claudio Tozzi.
 
ABSTRACT
MEDEIROS, Alexandre Pedro de. Fragments of engaged art and resistance in Brazil:
Claudio Tozzi’s work (1964-1968). 2013. 112 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado e Licenciatura em História) – Centro de Ciências Humanas e da
Educação, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
The crisis installed by the civil-military coup d’État on March 31, 1964, stimulated the
transformation of the cultural field into a place, by excellence, of resistance to the
military regime until the expedition, in 1968, of the 5 Institutional Act. In this period, a
vanguard that put in question the necessity of articulation between art and politics
acted out". Organized by Helio Oiticica in 1967, this vanguard was engaged in the
creation of new objects, thereby, overcoming the easel structure and the
contemplative art conventions understood as bourgeois. That strategy would be
resumed in an artist's acting will in the society, which through its work would
collaborate in the conscientizing task of opposition to the military dictatorship through
public art propositions. In this sense, the visual artist from Sao Paulo Claudio Tozzi
developed between 1964 to 1968 a engaged poetics, through which made works
engaged in problematizing the politic and social realities in Brazil. This Graduation
Conclusion Work has as its main objective to analyze how this position of resistance
assumed by Tozzi against the political, social and aesthetic problems meant in his
artworks. In this period, the artist inspired in Marcel Duchamp and in Pop Art
developed an operation of rational or intentional appropriation of images and objects,
which dislocated the appropriate elements to subvert its original meaning, yet,
keeping the reference trace, towards a reasoning constructed by the relation of these
items in the built work. Thus, through the artworks USA e abUSA (1966), Nós somos
os guardiões-mór da sagrada democracia nacional (1967) and three panels from
Bandido da Luz Vermelha (1967) ambient, the possible meanings interpreted in the
seizure between the intention and the “result” of Tozzi’s works are analyzed.
Therefore, it will be searched in the perspective of an Art relational History, in which it
is indispensable the comprehension of the established dialogue between artistic
phenomena and political, social, economic ones, among other things, the
apprehension of the senses exposed by historical interpretation. Thereby, it is
interpreted in Tozzi’s work: criticisms to the 1964 coup that installed an authoritarian
regime against which it was necessary to manifest; to the american support to this
coup and to the repression of the resistance manifestations; to Castello Branco’s
general-president government in an ironic way by the contestation of the safeguard
feature from the national democracy imposed by the military, as well as, from the
appropriation of preexisting characters and themes, the artist proposed narratives
regarding urban mythologies, Sao Paulo marginality, sexual liberation and the
political and social action achievements by women.
Keywords: History of Contemporary Brazilian Art. Brazilian Military Dictatorship
(1964-1968). Cultural Resistance. Visual Arts and Politics. Claudio Tozzi.
 
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 REVOLUÇÃO NA ARTE: ARTE E POLÍTICA NO BRASIL DOS ANOS 1960..... 19
3 FRAGMENTOS DE TOZZI: ARTE COMO RESISTÊNCIA ................................... 39
4 IMAGENS ALEGÓRICAS, ARTES PERIFÉRICAS: O BANDIDO NAS ARTES.. 66
5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 85
APÊNDICES.............................................................................................................. 91
ANEXO....................................................................................................................112
  9
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é o resultado maior de uma perseverante, aprofundada e
paciente pesquisa, deste modo, creio ser conveniente expor como cheguei a
perceber a necessidade de escrever sobre a arte engajada, a resistência cultural e o
trabalho do artista visual Claudio Tozzi no Brasil no período de 1964 a 1968.
Inicialmente, desde os estudos em História da Arte que realizei no Ensino
Médio até as extensas leituras na universidade, desenvolvi um interesse em
compreender como as artes visuais relacionavam-se com o mundo, a realidade
social e política, e como isso interferia na criação artística. Como é de se supor, o
próximo passo seria a descoberta de uma ampla rede de artistas e intérpretes
(historiadores, críticos, filósofos etc.) interessados na articulação entre arte e política.
Além disso, ao longo dos estudos, fui nutrindo um interesse especial pelos trabalhos
figurativos dos anos 1960, principalmente os ligados à Arte Pop estadunidense.
Assim, certo dia, lembrando-me que o Brasil vivera uma ditadura militar
iniciada em 1964, perguntei-me o que os artistas estavam fazendo neste momento,
que no Brasil era ao mesmo tempo libertador e opressivo. Após algumas pesquisas
na internet e em livros eu tinha algumas respostas, as quais não me deixaram muito
satisfeito na época, por tratarem mais de música, cinema e teatro do que
propriamente das “artes plásticas”, como eram chamadas na época. É certo que eu
tinha encontrado muitas coisas sobre Hélio Oiticica, Lygia Clark e Pape,
considerados os expoentes de uma arte de vanguarda na década de 1960, porém,
parecia-me que havia muito mais, e realmente tinha.
Então, aliei meu interesse à figuração e à Arte Pop com a vontade de
descobrir artistas que tinham sido influenciados por ela. Com isto encontrei uma
ampla rede que, no Brasil dos anos 1960, desenvolveu-se principalmente de 1963 a
1968. Havia o trabalho de Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, Antonio Dias,
Marcello Nitsche, entre outros. E ali estava também o trabalho de Claudio Tozzi,
com o qual desenvolvi uma afinidade quase que instantânea. Talvez porque fosse
ele o artista que mais tinha se aproximado da Arte Pop (OLIVEIRA, 1993, p. 221).
Deste modo, fui entrando em contato com obras que eram muito marcadas
por uma força comunicativa direta – utilizando setas, imagens de personagens
conhecidos da política nacional e cores primárias – a qual fui descobrindo que
estava diretamente conectada a uma articulação entre arte e política. Não por acaso,
  10
Claudio, que era estudante de Arquitetura da Universidade de São Paulo e
participante do movimento estudantil, realizaria uma arte engajada, comprometida
com a problematização da realidade social e política e resistente ao regime militar.
Este era em meados de 2012 o quadro da pesquisa que resultaria neste trabalho.
A partir disto, no período transcorrido de um ano, li de livros clássicos de
História da Arte a manuais de guerrilha urbana, produzi fichamentos, assisti a filmes
da época e a documentários históricos, frequentei aulas de Estética, Teoria, História
e Crítica de Arte, conversei com muita gente e até entrevistei Claudio Tozzi. Toda
esta experiência compõe, sem dúvida, o teor deste trabalho.
Eu, enfim, percorria um problema de pesquisa: como que, a partir da posição
de artista engajado, Tozzi fabricava trabalhos marcados por esse engajamento? Ou
melhor, como essa tomada de posição frente aos problemas políticos, sociais e
estéticos marcou suas obras. Com isso, evidente que eu deveria tomar algumas
precauções teórico-metodológicas.
Sendo assim, utilizo este espaço da introdução para confiar ao leitor – neste
caso, especificamente, os membros de uma banca examinadora (constituída por
historiadores), amigos e talvez colegas de área interessados no tema – um conjunto
de informações que, em minha ânsia de ser compreendido, disponibilizo para
conhecimento antes da leitura do trabalho propriamente dito. Isto é, uma série de
advertências que indicam de onde o autor fala, talvez já (se) apoiando (em) suas
preferências teórico-metodológicas. Neste sentido, inicio esta caminhada de escrita
advertindo aos que, por ventura, decidiram ler o trabalho, sobre os estudos
empreendidos pelas disciplinas históricas da área fenomênica da arte.
A História da Arte é vista como a disciplina histórica por excelência, imbuída
de explicar os fenômenos artísticos ao longo do tempo e que, no decorrer de seu
desenvolvimento, enquanto especialidade, se transformou em reduto de intelectuais
que não poucas vezes desprezam, contraditoriamente, o caráter de investigação
histórica da História da Arte. Pois a história da arte é, antes de tudo, história e,
enquanto tal, não deve apenas efetuar uma leitura de um trabalho artístico, pois
esse é o papel do crítico, mas sim, construir uma interpretação de sentido histórico
da arte em sua linguagem própria que é a narração enquanto discurso. “Para lá do
aparente”, utilizando a expressão do professor Alberto Cipiniuk (2003, p. 30), a
história da arte deve se ocupar da explicação dos fenômenos artísticos a partir da
identificação de relações das quais eles são produtos, relações essas que não
  11
dizem respeito tão-somente ao campo artístico, sendo “preciso recorrer a muitos
outros fenômenos absolutamente heterogêneos” (ARGAN, 2005, p. 32-33), mas
também aos campos de ressonância cultural a eles relacionados: político, social,
econômico, educativo, entre outros.
Nesta via, o historiador e crítico de arte italiano Giulio Carlo Argan, em um
ensaio publicado em 1969, de extrema lucidez e contribuição teórica à disciplina
história da arte, expõe, segundo Paulo Sergio Duarte (2008, p. 23-25), “a mais
adequada visão de história a ser aplicada ao campo da arte […] absolutamente atual
e capaz de dar conta dos fenômenos contemporâneos”. O autor nos oferece, de
início, a seguinte advertência: “o que [nós, historiadores da arte] avaliamos não é um
tipo de obra, mas um tipo de processo, uma maneira de relacionar-se” (ARGAN,
2005, p. 22). A partir disso, parece ser uma obviedade, mas faz-se mister ressaltar
que a obra de arte enquanto artefato cultural de produção humana é sempre
resultado de um conjunto de relações, sendo assim, nunca é um fato isolado, mas
sim um produto de uma realidade social.
Por isso, defendo uma História relacional da Arte, que “procura situar a obra
considerando, além dos aspectos ou valores estéticos que lhes são específicos,
outros como os econômicos e sociais” (CIPINIUK, 2003, p. 31), afinal, os tais valores
estéticos não são entidades metafísicas estáticas como alguns pensam, mas
discursos produzidos em contextos históricos específicos e que fazem sentido
enquanto situados nesse. Dito de modo mais desenvolvido, no cerne dessa questão
residem dois históricos problemas referentes ao campo específico da história da arte.
Primeiramente, de acordo com Argan (2005, p. 35), em um certo momento –
aquele do sopro inicial da história da arte – e, além dele, pensou-se a história da arte
como história política, sendo essa compreendida como “A” história da civilização e,
por isso, do poder e do progresso. Pois bem, poderíamos antes de tudo, criticar a
noção do historiador italiano de história política como história do progresso que
justificaria as relações entre autoridade e poder. Já há algum tempo e de modo mais
acirrado nas últimas décadas, a história política é história das relações de poder e,
não necessariamente, é justificada pelo progresso, mas interpretada na presença
dos movimentos de diferentes atores políticos, não apenas a autoridade, mas,
inclusive – e nas últimas décadas principalmente –, aqueles a quem se
convencionou chamar de “excluídos da história”, isto é, daquela história política
criticada por Argan. Deste modo, por pensar o movimento da história da arte como
  12
cíclico e não como progressivo, o autor a concebe como “história da cultura, mas de
uma cultura sui generis, estruturada e dirigida pelo empenho operativo de um
trabalho a ser executado de maneira a ter valor de exemplar” (ARGAN, 2005, p. 67)
e, nessa via, concebe o âmbito da cultura como toda vivência, isto é, experiência,
que se for de um tempo passado é virtualidade aberta no tempo presente.
Em segundo lugar, articulando-se ao pensamento elaborado acima, pois se
cultura é experiência e as experiências passadas tornam-se memória que a qualquer
momento pode ser ativada pelo exercício de imaginação, o qual é processado pelo
homem que produz obras de arte, então, arte é fazer e o artista é um homo faber. A
partir disso, vale lembrar que a consciência que concebe a obra de arte, a
consciência do artista, é construída das relações do artista com o meio em que vive,
seus desejos pessoais, suas ideias sobre arte, seus conhecimentos técnicos, entre
outras coisas, que se convertem em poética, a qual “é um determinado gosto
convertido em programa de arte, onde por gosto se entende toda a espiritualidade
de uma época ou de uma pessoa tornada expectativa de arte” (PAREYSON, 1997, p.
17), dito de outro modo, citando Lionello Venturi, Argan (2005, p. 29) diz que “gosto”:
compreende as idéias sobre a arte e as preferências artísticas, os
conhecimentos técnicos, os modos convencionais de representação, as
normas ou as tradições iconográficas e, até mesmo, certas predileções
estilísticas geralmente comuns aos artistas do mesmo círculo cultural.
Sendo assim, a poética media o processo estrutural de construção do objeto artístico,
mas não o define, pois é somente tradução do gosto do artista em normas e
operações que servem de guia ao fazer.
Entretanto, arte não é tão-somente executar um projeto previamente
idealizado e, após revisar as três definições tradicionais de arte; como fazer,
conhecer ou exprimir, o filósofo valdostano Luigi Pareyson defende seu pensamento
de arte como formatividade, pois “arte é também invenção […] é um tal fazer que,
enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer” (PAREYSON, 1997, p. 25-26,
grifos do autor). Neste sentido, execução e invenção decorrem pari passu e dão
lugar à obra de arte original que, para Pareyson, são as características da forma e
logo, “a atividade artística consiste propriamente no ‘formar’, isto é, exatamente num
executar, produzir e realizar, que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir”
(PAREYSON, 1997, p. 26). Enfim, em outras palavras, a arte também é
conhecimento, porque ensina maneiras novas de ver a realidade e expressa-se,
  13
enquanto é forma, como organismo vivo que se organizou e vive por conta própria a
partir da compressão e do compêndio das experiências culturais “na unidade de um
objeto para oferecer-se simultaneamente, como um todo, à percepção” (ARGAN,
2005, p. 30).
Por outro lado, se o objeto artístico, uma vez lançado ao rio da vida, oferece-
se à percepção, assinalo os referenciais dos quais parto a fim de construir uma
interpretação histórica consciente e coerente acerca do trabalho de Claudio Tozzi.
Deste modo, a partir do eixo hermenêutico, pretendo interpretar as obras do
artista expondo seus possíveis sentidos, considerando estes como apreensão entre
o anseio e o “resultado”, e construídos pela operação de quem busca fundá-los
(CAUQUELIN, 2005, p. 94-96). Os hermeneutas concebem a obra de arte como
organismo vivo, unidade estruturada em si mesma que contém a universalidade na
unidade, o qual está sempre aí aberto, em expansão, convidando-nos a jogar com
ele. Para Gadamer, a obra como jogo indica sua condição de participação, daquele
que vai jogar junto (GADAMER, 1985, p. 39), isto é, o sentido não habita o trabalho
artístico, mas ele se dá a partir do diálogo no movimento do jogo. Pois a
interpretação é processo infinito, aliás, fundado na obra que sempre está por
terminar que, segundo Luigi Pareyson,
[…] ocorre quando se instaura uma simpatia, uma congenialidade, uma
sintonia, um encontro entre um dos infinitos aspectos da forma e um dos
infinitos pontos de vista da pessoa: interpretar significa conseguir sintonizar
toda a realidade de uma forma através da feliz adequação entre um dos
seus aspectos e a perspectiva pessoal de quem a olha. (PAREYSON, 1997,
p. 226, grifo meu)
A crítica a este pensamento poderia caracterizá-lo enquanto subjetivista e
relativista, contudo, é preciso lembrar que o mundo (sentido), que surge com a obra
no jogo, é linguagem. É pela linguagem que fazemos surgir o mundo (CAUQUELIN,
2005, p. 101). Ainda assim objeções podem ser feitas à congenialidade de Pareyson
como condição de penetração na obra a fim de desvelá-la, pois se poderia cair na
perdição do sentido aparente, entretanto, ressalto que é aí, na apreensão entre o
anseio e o “resultado”, que pode entrar a contribuição da história. Já disse que a
hermenêutica está preocupada em interpretar as possibilidades semânticas da obra
de arte, logo rejeita a redutibilidade da obra a um “a priori”, como se houvesse uma
verdade única que estaria oculta e se revelaria na interpretação. Assim, a história,
ao traçar uma genealogia, convida-nos a compreender a complexidade do que é a
  14
obra. Tal genealogia nos auxilia “a re-situar a obra – cujas determinações extra-
artísticas podem assim ser compreendidas –, a reconstruir uma parte dos elementos
que serviram para sua elaboração” (CAUQUELIN, 2005, p. 112).
Creio que ao leitor – se informado na História da Arte contemporânea
brasileira – tenha saltado a aproximação desta proposta com as proposições da
vanguarda brasileira dos anos 1960, esquematizada por Hélio Oiticica, em 1967,
como “Nova Objetividade”. Aí, no limite, a interpretação como participação,
interpenetração, vivência, é a própria obra. Arte é diálogo, condição de abertura e
também de ambiguidade, de uma infinidade de significados, não atribuídos à
primeira vista e que convivem na forma-significante que tem a obra. Para Umberto
Eco, “tal ambiguidade se torna – nas poéticas contemporâneas – uma das
finalidades explícitas da obra” (ECO, 2008, p. 22). Esta questão, como veremos,
apresentar-se-á nos trabalhos de Tozzi que analisarei nos capítulos 2 e 3, os quais
utilizam a ironia e a paródia como formas de expressão, típicas do processo de
apropriação de objetos e desvio de significado pelo discurso efetuado pelo artista.
Assim, como mencionarei várias vezes ao longo deste trabalho a palavra obra, que
fique explícita minha apropriação do conceito de “obra aberta” de Eco, no sentido de
uma abertura à participação-criação da obra (em seu sentido) pelo público, diferente
de um convencionalismo contemplativo da arte.
Esta questão, em sintonia com as proposições de Giulio Argan, as quais
esbocei acima, conduz-nos a interpretar a obra de arte não como reflexo de seu
contexto, mas como um jogo, um diálogo fundado na relação entre artista e mundo,
como afirmou Pierre Francastel, que a arte nos diz mais sobre os anseios e modos
de pensar do grupo social no qual está inserido o artista do que sobre os
acontecimentos ou contexto no qual esse grupo existe (FRANCASTEL, 2011, p. 17).
Ora, este esboço teórico deve ser compreendido como guia na escrita deste
trabalho, não caracterizando necessariamente uma “prisão teórica”, mas sim uma
lente dentre as possíveis com as quais os historiadores interpretam os fenômenos
artísticos no tempo.
A partir das premissas do que concebo ser uma história relacional da arte,
neste trabalho pretendo traçar uma interpretação histórica sobre os significados, os
quais produzidos através das tramas construídas entre apropriações e
frequentações da vanguarda brasileira, em trabalhos do artista visual paulistano
  15
Claudio Tozzi, mais especificamente no período logo após ao golpe civil-militar de
1964, que instalou um regime militar no Brasil, até a edição do AI-5 em 1968.
Aliás, qualquer pesquisador que estuda o período compreendido entre 1964 e
1985 no Brasil, depara-se com a querela terminológica acerca do golpe
empreendido em 31 de março de 1964 e da ditadura instalada em seguida. Deste
modo, assumo neste debate a seguinte posição: o golpe foi arquitetado por militares
autoritários, setores liberais e tecnoburocratas civis contra as propostas de reformas
de base de João Goulart, que possibilita a interpretação de que foi “’essencialmente
político’” (SOARES, 1994, p. 45 apud FICO, 2004, p. 54, grifo do autor) –
condensando assim a defesa dos interesses de capital internacional e associado dos
empresários articulada às motivações dos militares golpistas: caos administrativo e
desordem política, o receio de se instalar o comunismo no país e os atentados
cometidos à hierarquia e disciplina militares (FICO, 2004, p. 53-54). Deste modo,
houve um movimento frequentado por civis e militares que encaminhou o golpe, que
me faz optar pela interpretação de que a derrubada de Jango foi um golpe civil-
militar.Contudo, estando os “chefes da revolução” no poder, isto é, os militares – no
golpe prevaleceu a atuação dos militares – uma série de cisões entre civis e
militares ocorreriam, principalmente após o Ato Institucional nº 2, quando o general-
presidente Castello Branco adia a eleição presidencial e estende seu mandato,
causando descontentamento e afastamento dos setores liberais. Neste momento, o
que fora um golpe civil-militar tornava-se um regime militar. A questão ainda seria
acirrada em 1967, quando se decretara a Lei de Segurança Nacional que impôs a
Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra a toda a sociedade
brasileira, ou seja, militarizando a sociedade civil. Com o Ato Institucional nº 5 no
final de 1968, que declarava o fechamento do Congresso Nacional, e todas as
atrocidades cometidas neste período, ratificava-se a ideia de que aquilo era uma
ditadura militar (FICO, 2004, p. 52).
Nesta via, destaco neste trabalho a produção do artista visual paulistano
nascido Claudio José Tozzi, em 7 de outubro de 1944, o qual de 1964 a 1969 se
graduou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(FAU-USP). Seus primeiros trabalhos estão vinculados a sua carreira de artista
gráfico, como o cartaz vencedor para o XI Salão Paulista de Arte Moderna, realizado
em 1963. Com o ingresso na USP, foi muito influenciado por um círculo de
intelectuais engajados na transformação social, como os professores Sérgio Ferro e
  16
Flávio Império e o físico e teórico de arte Mário Schenberg, sua produção se acirra e
alcança tons de comprometimento político a partir da incorporação de imagens da
natureza moderna inventada pela experiência de vida na cidade: imagens
circulantes no cotidiano dos meios de comunicação de massa (KIYOMURA;
GIOVANNETTI, 2005, p. 23).
A utilização de um atualizado vocabulário pop como proposição de resistência
cultural ao regime autoritário é característica de vários artistas visuais brasileiros,
como Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro e Antonio Dias, contudo, no jovem
artista Claudio Tozzi – pois não podemos perder de vista que na ocasião do golpe
ele tinha 19 anos – podemos encontrar nitidamente o desejo da vanguarda de
incorporação de tendências internacionais articulado a uma linguagem crítica e a
utilização de novas técnicas e novos materiais (considerados inferiores pelo círculo
tradicional da arte) para fabricação dos trabalhos, assim como a apropriação de
elementos de uma iconografia urbana que, naquele momento, atingiam uma posição
de crítica ao establishment autoritário nos primeiros anos do governo militar.
Entretanto, mesmo com inúmeros trabalhos artísticos relacionados à
retomada da figuração na arte brasileira, à resistência cultural à ditadura militar e às
apropriações da Arte Pop, a produção de Claudio Tozzi no período 1964-1968 é
raramente citada em livros de história da arte brasileira contemporânea e, quando
aparece, é apenas lembrada pela bandeira Guevara usada por Hélio Oiticica em
1968. Porém, os estudos precursores, iniciados em 1989 pelo museólogo Fábio
Magalhães, com a publicação de “Obra em construção: 25 anos de trabalho de
Claudio Tozzi”, bem como pelo crítico de arte Jacob Klintowitz, com “O Universo
construído da Arte”, estabelecem, pode-se dizer, os primeiros trabalhos de
interpretação da obra de Tozzi em perspectiva histórica. Deste modo, tornaram-se o
discurso oficial sobre o trabalho do artista.
Contudo, estudos mais recentes, de 2005, dos jornalistas Leila Kiyomura e
Bruno Giovannetti, que apresentam um espectro de discursos de artistas, críticos,
historiadores, amigos e do próprio Claudio sobre a obra do artista, têm mais em
comum com a minha proposta, a qual é interpretar a rede de relações estabelecidas
pelo artista com seu tempo (de 1964 a 1968) e as pessoas e ideias que frequentou,
através da análise de diferentes discursos construídos sobre o artista e sua obra.
Tendo em vista essa escassez de interpretações críticas e históricas sobre o
trabalho de Claudio Tozzi, compartilho a dificuldade de criar uma interpretação que
  17
dê conta de identificar e explicar o conjunto de relações estabelecidas que
resultaram em obras de arte engajada e, ao mesmo tempo, desejo que meu trabalho
possa suscitar novas problemáticas para a pesquisa histórica dos trabalhos do
artista visual paulistano.
Diante desta empreitada e suas dificuldades – divergências de informações
contidas em livros e em páginas eletrônicas da internet, raríssimas informações
sobre o processo criador dos trabalhos que eu tinha destacado na pesquisa e falta
de informações referentes à localização das obras atualmente – contatei Claudio
Tozzi através de e-mail, ao que ele respondeu e prontamente se disponibilizou para
conceder entrevista. Neste processo segui as sugestões da pesquisadora do Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas (Cpdoc/FGV), Verena Alberti, que indica a elaboração de um roteiro
individual de entrevista cruzando as questões decorridas da pesquisa sobre o tema
com os resultados de pesquisa biográfica (ALBERTI, 2005, p. 92).
Pois bem, no caso de minha pesquisa o tema e a biografia se confundiam,
pois tomavam como problema a produção de um artista. Então, elaborei diretamente
um roteiro contendo 27 itens a serem perguntados a Tozzi (ver Apêndice A), o qual
enviei por e-mail ao artista com um semana de antecedência à entrevista. Esta foi
realizada no dia 6 de dezembro de 2012 no ateliê do artista no bairro do Sumaré, em
São Paulo, e teve duração de aproximadamente 53 minutos. Claudio respondeu
prontamente e com riqueza de detalhes todas as minhas perguntas, além de –
finalizada a sessão e assinado o termo de autorização para uso da entrevista neste
trabalho – ter me mostrado alguns trabalhos que estava separando para enviar a
Tate Modern de Londres por ocasião de uma exposição internacional de Arte Pop.
Em seguida, efetuei a passagem da entrevista em formato oral para o escrito,
também conforme sugestões de Verena Alberti, seguindo os processos de
transcrição, conferência da transcrição e copidesque (ALBERTI, 2005, p. 173-229).
Atualmente a entrevista com folha de rosto, ficha técnica e sumário totalizando 20
páginas encontra-se disponível para consulta a qualquer pesquisador interessado no
tema (ver Apêndice B).
Apesar de não aprofundar ao longo deste trabalho questões referentes à
História Oral, gostaria de ressaltar que o uso consciente de trechos da entrevista
concedida por Claudio Tozzi parte do princípio que,
  18
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A
memória não é um sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da
sobrevivência do passado ‘tal como foi’, e que se daria no inconsciente de
cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que
estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que
povoam nossa consciência atual. (BOSI, 1983, p. 17)
A fim de ordenar conceitualmente o trabalho, resolvi dividí-lo em três capítulos,
nos quais interpreto algumas obras escolhidas especificamente a partir da “grade
teórico-metodológica” delineada acima.
O capítulo 1, intitulado Revolução na arte: arte e política no Brasil dos anos
1960, anseia preparar o leitor para defrontar com as análises referentes, sobretudo,
aos trabalhos desenvolvidos por Claudio Tozzi no período de 1964 a 1968. Um
panorama da articulação de arte e política no Brasil dos anos 1960, não pretende
ser nem um manual – que ofereceria um programa tautológico de ação, nem um
detalhamento extensivo de quem, como e porquê propôs e/ou fez essa articulação.
Entretanto, minha proposta é a de averiguar algumas proposições e ações
emblemáticas que influenciaram Tozzi em sua atividade artística e política. Trata-se,
portanto, de esboçar uma genealogia do engajamento do artista paulistano através
da elaboração de um guia teórico e histórico que dê conta de perceber as
frequentações, que ocorreram direta ou indiretamente, operados por Tozzi, assim
como os posicionamentos teóricos e metodológicos assumidos em minha escrita
dessa narrativa histórica.
O capítulo 2, intitulado Fragmentos de Tozzi: arte como resistência, abre a
exposição das interpretações históricas efetuadas sobre os trabalhos selecionados
de Claudio Tozzi, especificamente aqueles que miravam atuar como resistência à
ditadura militar. Neste sentido, são analisadas duas obras em relação com o mundo
que as rodeiam a fim de percebermos as apropriações e frequentações efetuadas
pelo artista visual na construção de seus trabalhos.
O capítulo 3, intitulado Imagens alegóricas, artes periféricas: o bandido nas
artes, analisa as relações intertextuais entre Bandido da Luz Vermelha, de 1967, e
outros trabalhos artísticos contemporâneos a esse ambiente de Tozzi. Assim, a
partir de um tom ensaístico, traço as apropriações e frequentações operadas pelo
artista paulistano com a Arte Pop de New York pelo trabalho de Roy Lichtenstein,
com as proposições “marginais” de Hélio Oiticica e com os filmes O Bandido da Luz
Vermelha, de Rogério Sganzerla, e Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard.
  19
2 REVOLUÇÃO NA ARTE: ARTE E POLÍTICA NO BRASIL DOS ANOS 1960
Atualmente, é praticamente um senso comum caracterizar os anos 1960
como marcados por um ímpeto revolucionário, o qual se estende em vários sentidos
e com significados diversos aos níveis político, econômico, cultural, pessoal, entre
outros. Tanto que é possível observarmos o apogeu desse clima com les
événements de 68 promovidos por estudantes e trabalhadores franceses, bem como,
com a Primavera de Praga, as manifestações estadunidenses contra a guerra no
Vietnã ou ainda com os hippies e a contracultura.
Contudo, o maio de 68, como é conhecido, guarda relações com projetos de
ação no mundo – produtos e produtores de ressonância que, por vezes, passam
despercebidos. Na tentativa de compreender esse movimento politizado, concordo
com a afirmação de Marcelo Ridenti: “na década de 1960, a utopia que ganhava
corações e mentes era a revolução” (RIDENTI, 2000, p. 44, grifo meu). Porém,
convém nos perguntarmos: que espécie de utopia é a revolução?
Primeiramente, é preciso destacar o caráter de movimento da revolução, de
inquietação, de desejo de mudança frente aos valores hegemônicos. Mas como
poderiam os artistas a partir de seu fazer específico – a fabricação de objetos
estéticos, participar da revolução?
Eu proponho, a fim de construir uma resposta coerente a essa questão,
observar como o filósofo francês Mikel Dufrenne examinou as possibilidades de
relações da arte com a política. Vale lembrar que os acontecimentos do maio de 68
francês, dos quais como professor na Universidade de Nanterre participou ao lado
dos estudantes, marcaram profundamente uma mudança no pensamento do filósofo.
Inicialmente, questionando-nos sobre a atitude que poderia assumir um artista na
sociedade, é possível constatar que ele pode tomar posição de indiferença a uma
situação ou de recusa. Analisando mais de perto uma posição de recusa, podemos
examinar que essa pode gerar um desejo de mudança que talvez desague em
engajamento político do artista, cogitando que, para Mikel Dufrenne:
É política toda ação que exerce um impacto no campo social sobre a vida
social. E esse impacto é suficiente para que uma ação que não implica um
engajamento deliberado se encontre objetivamente engajada à sua revelia:
muitas ações que se crêem ou se pretendem neutras são, apesar disso,
políticas. (DUFRENNE, 1976, p. 290-291 apud FIGURELLI, 2007, p. 148)
  20
Portanto, o filósofo defende uma ação política em campo expandido, o que é
visto com positividade a partir de um engajamento à gauche, de uma politização à
esquerda que é só o que interessa para o destino da arte, estando implícito nesse
projeto “uma certa recusa do iníquo, de tudo o que triunfa, menospreza, oprime,
desnatura, uma certa amizade com o mundo, uma certa exigência de liberdade, um
certo gosto pela dança e por tudo que ela tem de generoso e de despreocupado”
(DUFRENNE, 1974, p. 12 apud AMARAL, 2003, p. 8). Pensando na realidade
brasileira dos anos 1960, tal consideração faz lembrar a definição de esquerda,
aproximando-se da utilizada por Jacob Gorender, empregada por Marcelo Ridenti
como “forças políticas críticas da ordem capitalista estabelecida, identificadas com
as lutas dos trabalhadores pela transformação social” (RIDENTI, 2000, p. 17, nota 1).
Ora, se o engajamento político do artista no sentido de produzir uma arte
comprometida com a transformação social faz sentido é porque
O artista tem conhecimento de que detém um certo estatuto, que
desempenha – ou fazem-no desempenhar – um papel, que não pode
acreditar na neutralidade da arte a menos que ignore o destino das obras a
partir do momento em que entram no circuito comercial, e talvez mesmo sua
gênese, quando ele pensa só estar seguindo sua fantasia ou só
obedecendo a seu apelo. Então ele se sente responsável, não apenas pela
obra que cria, mas pelo uso que dela é feito, os efeitos por ela produzidos.
Perdida a inocência, denunciando o álibi: não faço política, é necessário que
ele tome partido, e não apenas como cidadão, mas como artista e, portanto,
sem renunciar a sê-lo. (DUFRENNE, 1974 apud AMARAL, 2003, p. 14).
Nesta via, sugiro, a partir de Dufrenne, como possibilidade de articulação
entre arte e política, a utopia, o pensamento utópico. Para além de uma querela
filológica, o filósofo defende uma utopia que ocorre no tempo da história como
“pensamento do possível que se anuncia no real e nele encontra um começo de
realização” (DUFRENNE, 1974, p. 175 apud FIGURELLI, 2007, p. 153). Sendo
assim, o discurso utópico se efetiva no engajamento que desagua em ação. Deste
modo, ressalto que, na leitura de Dufrenne, a utopia, como inquietação sobre o real,
conduz à ação sobre ele a fim de lutar contra a ideologia, a qual é qualificada como
discurso hegemônico, aquele que justifica e mantém a dominação sobre os
oprimidos (DUFRENNE, 2007, p. 151). Portanto, diferentemente dos discursos do
saber-poder,
A utopia não procura convencer pessoas indiferentes à força de argumentos
ou seduzi-las à força de artifícios; ela se dirige àqueles que, no mesmo
lugar, partilham da mesma experiência; àqueles que consentem porque co-
  21
sentem; e ela não lhes dirige sua palavra, ela é sua palavra. (DUFRENNE,
1974, p. 199 apud FIGURELLI, 2007, p. 153)
Pautado, então, na vivência, o lugar por excelência de verificação do discurso
utópico é na práxis, tendo como ação imediata o efeito de discurso revolucionário.
Como característica do processo reflexivo de produção de conhecimento,
objeções sempre são lançadas, principalmente em um tema tão complexo como
esse de arte e política. Em suma, a principal objeção que se faz à ideia de
politização do artista é que ele condicionaria seu trabalho à política, preocupando-se
mais em transmitir um conteúdo, o que na tese dos iludidos defensores da arte pela
arte deformaria o próprio caráter estético da obra de arte. Entretanto, a arte, assim
como a política, são formas de cultura, donde a consideração sobre a relação entre
elas requer uma problematização histórica da produção cultural como
produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou
reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão,
reprodução ou transformação do sistema social, relativa a todas as práticas
e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação de
sentido. (CANCLINI, 1982, p. 29)
Desses fenômenos, a arte é um dos níveis mais significativos, logo fazendo
parte da esfera cultural que é o “terreno onde política, poder e dominação são
mediados” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 14 apud NAPOLITANO, 2011b, p. 26).
Resumindo, voltamos à questão da (não) neutralidade da arte, pois o seu campo
específico de atuação está conectado a outros, cabendo aí ao artista tomar uma
posição frente à mediação que exerce entre arte, sociedade e política.
Posicionando-se como artista engajado, se empenhará “em prol de uma causa
ampla, coletiva e ancorada em ‘imperativo moral e ético’ que acaba desembocando
na política, mas não parte dela” (NAPOLITANO, 2011b, p. 29). Isto é, como diz Luigi
Pareyson,
Trata-se então de fins não a serem perseguidos com a arte mas a serem
conseguidos na arte: está em jogo não uma subordinação da arte a um fim
social, mas a assunção de tal fim na própria arte; não que a arte consiga ser
arte se o alcançar, mas a arte o alcança porque conseguiu ser arte. A esta
dupla e oposta possibilidade encontram-se expostas as poéticas, que
podem prescrever ao artista a difusão de determinadas idéias religiosas, ou
políticas, ou filosóficas em determinados ambientes, ou classes, ou povos,
ou nações; e podem fazê-lo legitimamente, enquanto, de per si, auspiciam
não a subordinação instrumental da arte àqueles fins, mas o advento de
uma arte inspirada naqueles princípios e no desejo de difundi-los.
(PAREYSON, 1997, p. 120-121)
  22
Partindo, então, de um caráter que não destrói a preocupação estética, ou
ainda, que não transforma seu trabalho em mero veículo de proposições políticas, o
artista engajado não tem a política como ponto de partida, mas sim como ponto de
chegada, a partir de sua atuação como cidadão no mundo. “Em suma: em vez de
politizar a arte, estetizar a política” (FIGURELLI, 2007, p. 155).
Deste modo, é possível observar que, a partir de um engajamento à esquerda,
o artista faz de seu trabalho uma experiência de liberdade, questão que repercute no
que disse o historiador e crítico de arte Giulio Argan, “a história da arte não está
ligada à história do poder ou da autoridade, mas, através da história do trabalho, à
da liberdade” (ARGAN, 2005, p. 40). O artista, assim, parte de uma posição de
trabalho não-alienante, oposta à realidade do trabalhador que “vendeu sua força de
trabalho ao capital, por lhe faltarem os meios materiais para a produção de uma
mercadoria” (MARX, 1996, p. 475), transformando-se a partir de um processo que
mutila o trabalhador em trabalhador parcial, o qual se aperfeiçoa em uma função
exclusiva e a repete continuamente (MARX, 1996, p. 456). Ora, se na divisão do
trabalho assalariado, o trabalhador não possui o que produz e causa alienação da
própria atividade realizada, então, esse processo não engloba o artista, pois ele
possui consciência do processo de produção de sua obra – apesar de que, com a
arte contemporânea, isso vem se diluindo e mesmo já se tenha incutido o regime de
divisão do trabalho em ateliês, além da utilização de materiais como tintas, pincéis,
espátulas e outras ferramentas que tenham sido produzidas pela indústria e
compradas pelo artista – e não está condicionado a nenhum outro fim que não seja
o estético, o de produzir um trabalho artístico. Trata-se, portanto, de um
engajamento no qual o artista, a partir de sua posição de trabalhador não-alienado,
insere-se na luta pela tomada de consciência dos trabalhadores em prol da mudança
do mundo.
Como já foi citado acima, a utopia que marcou a década de 1960 foi a
revolução. Neste espectro, os artistas do período nos diversos segmentos; música,
cinema, teatro, literatura e artes plásticas, empreenderam lutas políticas e culturais,
que foram compreendidas por Marcelo Ridenti a partir da tese de “utopia
revolucionária romântica […] [que] valorizava acima de tudo a vontade de
transformação, a ação dos seres humanos para mudar a História, num processo de
construção do homem novo” (RIDENTI, 2000, p. 24, grifo do autor). Contudo,
versões diferentes desse romantismo apareceram no Brasil ao longo da década,
  23
mesmo antes e depois do golpe civil-militar de 1964, o qual se configurou como uma
ruptura no pensamento utópico-revolucionário de esquerda. Portanto, a partir de
uma aproximação da definição de Dufrenne sobre utopia com a tese de “utopia
revolucionária romântica” de Ridenti, é possível dizer que, assim, o conceito de
utopia é deslocado. No calor dos acontecimentos dos anos 1960, a utopia, como
sociedade imaginária ideal – projeto irrealizável de uma sociedade equilibrada e
pacífica –, dá lugar a um projeto do possível que pretende atuar no espaço-tempo
humano, envolvendo aqueles que se engajam nesse projeto a intervir com ações na
realidade questionada. Talvez aqui o pensamento utópico já adiantaria a questão
referente ao horizonte de expectativa na pós-modernidade: não mais o sentido
teleológico do progresso apesar de tudo, mas uma possibilidade de futuro melhor,
possível a partir de intervenções no presente que, porém, não nos dão garantias se
a empreitada se realizará, causando um desconforto que pode desaguar em
proposições radicais de conformados ou inconformados, sobreviventes de um
mundo no qual impera a tensão das incongruências: sucesso/fracasso,
crucial/irrelevante, central/periférico, global/local.
Neste sentido, uma problemática que estaria presente em praticamente todo o
pensamento intelectual e artístico do período é a consideração do popular.
Característica da fase nacionalista do popular é a experiência do Centro Popular de
Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), que integrou, de certa
forma, o programa de reformas de base de João Goulart, na tarefa de desenvolver
uma consciência popular que serviria de alicerce à libertação nacional. Atuantes no
período 1961-1964, os CPCs guardavam em seu projeto político-cultural a herança
do nacional-popular lido pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) que se resumia em
levar a arte ao povo a partir do caminho da arte popular revolucionária, a qual
objetivava restituir ao povo a posse de si mesmo e tomar posição de sujeito da
história (AMARAL, 2003, p. 322).
A primeira sistematização teórica cepecista é de Carlos Estevam Martins, que
em 1962 escreveu o “Anteprojeto do Manifesto do CPC”, no qual anunciava, na ótica
de “arte popular revolucionária”, a supremacia do conteúdo na obra de arte,
destacando que “a qualidade essencial do artista brasileiro, em nosso tempo, é a de
tomar consciência da necessidade e da urgência da revolução brasileira e tanto da
necessidade quanto da urgência” (MARTINS, 1979 apud AMARAL, 2003, p. 323).
Nesta via, o que importa é a força de comunicação da arte enquanto canal
  24
transmissor, que seria reiterada por Ferreira Gullar – presidente do CPC do Rio de
Janeiro após Carlos Estevam Martins – em “Cultura posta em questão”, ensaio/livro
terminado no início de 1963 e publicado às vésperas do golpe civil-militar de 1964:
A tese dos “comprometidos”, que já está esboçada na análise da primeira
tese, consiste em afirmar, não apenas o caráter ideológico da obra de arte,
como a necessidade que ela atue como veículo de conscientização do
público. Essa posição implica uma atitude consciente, da parte do autor,
com respeito à realização da obra e a seu significado: pode-se dizer que o
autor “comprometido” parte de uma visão dentro da qual a realidade se dá
explicada e seu propósito é transmitir, menos uma perplexidade, do que
uma consciência. (GULLAR, 2002, p. 44, grifo do autor)
Portanto, na visão do CPC, a possibilidade de articulação entre arte e política
é uma necessidade no sentido de conscientização do povo frente aos problemas
que enfrenta. Todavia, essa tarefa de desalienação e de libertação nacional
marcada por uma utopia de identidade nacional genuinamente popular seria em
pouco tempo criticada como “pedagogia política” que se explicitava em obras que
pretendiam conscientizar as massas. Como nos diz o historiador Marcos Napolitano:
[…] essa postura, por mais que se tentasse, não conseguia resolver o velho
dilema da aliança entre intelectual e povo: o primeiro, ao falar pelo segundo,
construía seu discurso por meio de um conjunto de representações
simbólicas que tendiam a desconsiderar as possíveis características do
povo “real”, em todas as suas contradições. (NAPOLITANO, 2008, p. 52)
Logo, essa proposta de arte engajada se fundava em certo potencial
autoritário sobre o povo ao ser tratado como “massa inerte, inculta, despolitizada […],
cuja consciência política precisava ser despertada” (ROUANET, 1988, p. 3 apud
RIDENTI, 2000, p. 31). Enfim, de maneira frustrante, a atuação dos artistas se
efetivava quase que absolutamente apenas em seu meio social imediato, o público
estudantil (lembro que o CPC atuava sob a égide da UNE). As experiências de
ampliar o circuito pelo qual a arte engajada passava, como os espetáculos de rua ou
em porta de fábrica, se configuravam como saídas precárias e não materializavam a
popularidade que o CPC objetivava. Deste modo, apesar de eficaz no meio
estudantil, a experiência do CPC não atingia o seu público-alvo, assim,
caracterizando uma impotência de romper as fronteiras desse meio (NAPOLITANO,
2001, p. 106).
Nesta via, saliento também que, apesar de uma preocupação com as artes
plásticas enunciada, por exemplo, por Ferreira Gullar em seu “Cultura posta em
  25
questão”, a experiência do CPC marcaria, sobretudo, as três artes de espetáculo: o
teatro, o cinema e a música. Tal predomínio marcava a influência direta que o
Movimento de Cultura Popular (MCP), fundado em Recife e ligado à Secretaria de
Educação do município na gestão de Miguel Arraes, tivera sobre o CPC, pois nas
ações da organização pernambucana prevalecia o teatro por sua característica de
relação com o coletivo (AMARAL, 2003, p. 317), donde se poderia atingir em maior
expressão a “ingênua consciência” do povo. Em depoimento contido no filme
Tropicália, de Marcelo Machado, Tom Zé, que participou do CPC da Bahia, reitera o
caráter didático-conscientizador cepecista: “CPC era a classe universitária reunida
pra fazer arte para as outras escolas, pra manter vivo o espírito de confrontação com
o capitalismo” (TROPICÁLIA, 2012). Esta hegemonia estaria pautada também na
própria circulação da obra de artes plásticas, a qual estava intimamente ligada aos
grupos de elite, tanto porque o artista plástico não se preocupava em estabelecer
uma relação com o grande público. Grosso modo, esta é a crítica de Ferreira Gullar
à situação da pintura e da escultura no Brasil em 1963, a qual o levaria a dizer que:
Em condições normais, se o artista plástico dependesse do público para
sobreviver, morreria de fome. Quem o sustenta, portanto, é aquela minoria
abastada que aprendeu a lição da burguesia européia do século XIX.
Compra suas obras, porque, no futuro, elas valerão muito. Logo, compra-as,
na maioria dos casos, não por entendê-las, não por amá-las, mas porque
comprá-las é um bom investimento, e porque é sinal de cultura gostar-se de
obras de arte audaciosas… Então, para quem fala o artista plástico de hoje?
Se não é para o público, se não é para a crítica, se não é para os seus
compradores – é para ninguém. Queira ele ou não, tenha ele ou não o que
dizer, o seu papel na sociedade capitalista atual é quase que apenas criar
um pretexto para especulações e investimentos não-produtivos. (GULLAR,
2002, p. 80)
Apesar da análise um tanto apressada do poeta maranhense – se pensarmos
na ruptura neoconcreta que se iniciara com a I Exposição Neoconcreta em 1959, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), da qual o próprio Ferreira
Gullar participou, que exaltava uma ideia orgânica de arte, “da obra como uma trama
de relacionamentos complexos com o espectador” (RIBEIRO, 2003, p. 125) – não
era infundada a interpretação de que os artistas plásticos em sua maioria produziam
obras de caráter contemplativo que circulavam no mercado elitista de arte. Todavia,
como já citei acima, alguns artistas se movimentavam a fim de em suas
experimentações estéticas, incluir o público como participador, agente propulsor de
sentido na obra de arte. Obviamente, refiro-me aos trabalhos de Lygia Clark,
  26
inicialmente com os Bichos, de 1960, e de Hélio Oiticica, desde o início dos anos
1960, com Penetráveis, Bólides e Parangolés, que marcaram uma passagem do
moderno ao contemporâneo a partir de investigações da questão sensorial,
chamando o público, a partir da atuação corporal, a participar como elemento
constituinte da obra (DUARTE, 2008, p. 53-58). Portanto, eu acredito ser importante
pensarmos tais proposições em seu aspecto revolucionário, não apenas no campo
artístico, mas também no político, isto é, permeando os exercícios de liberdade.
Com o advento do golpe civil-militar de 31 de março de 1964, instalou-se um
sentimento de derrota na esquerda brasileira. Assim, a equação político-cultural do
CPC, na qual consciência social (ideologia) subordinava-se ao ser social (condições
materiais), era invertida, a consciência social era então priorizada na luta contra a
ditadura, pois o fim da política nacionalista reformista de Jango e o autoritarismo
político-institucional instalado pelos militares golpistas questionavam as posições da
esquerda, principalmente aquela ligada ao PCB (NAPOLITANO, 2008, p. 49). Deste
modo, no momento logo após ao golpe notou-se um inchaço da esfera cultural,
“supervalorizada, inclusive, porque era, bem ou mal, o único espaço de atuação da
esquerda derrotada” (NAPOLITANO, 2011a, p. 43). Foi esse inchaço que, por
exemplo, permitiu a Roberto Schwarz lançar sua célebre frase sobre o período 1964-
1969: “Apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no
país […] [que] Assinala, além de luta, um compromisso” (SCHWARZ, 2005, p. 8,
grifo do autor). Uma hegemonia que se fundava agora em uma produção cultural
autônoma que era cada vez mais atraída ao mercado de bens simbólicos, até
porque os elos da arte engajada com o povo tinham sido cortados com o
fechamento de organizações e espaços culturais como o CPC da UNE.
De fato, desde 1963 alguns artistas brasileiros frequentavam novos territórios
artísticos, os quais tendiam a um realismo diferente daquele enunciado pelo CPC,
distinto de um programa praticamente socialista de elevar o nível cultural do povo a
partir de um realismo embutido de traços regionalistas que invocava os estereótipos
do homem simples e da luta de classes. Aos poucos se difundiam no Brasil as novas
tendências figurativas europeias, pois
Ao iniciar os anos 60, a figura emergia de forma tão freqüente que o
fenômeno de uma nova figuração ficou patente. Dessa vez, diferente da
anterior, ou seja, não representativa, mas alusiva, expressiva, podendo ter
caráter fantástico ou grotesco, passando rapidamente da condição de uma
figuração representativa de estados subjetivos, sentimentais, para uma
  27
figuração vinculada à imagem do significado proposto pelo artista, que se
abria a uma percepção do mundo atual da paisagem urbana, das imagens
que povoam seu cotidiano. Configurava-se uma tomada de consciência de
uma geração sobre o estado da sociedade e da civilização, abordando uma
problemática mais crítica e subversiva, uma arte polêmica que dava
possibilidades da colocação de compromissos morais e políticos ante a
realidade. (ALVARADO, 1999, p. 13)
Neste momento, a “nova figuração” – termo criado pelo crítico Michel Ragon,
em 1961, para indicar uma retomada da figura entre pintores parisienses (RIBEIRO,
2003, p. 126), aportava na Galeria Relevo, em 1964, no Rio de Janeiro, com artistas
parisienses relacionados a Mythologies Quotidiennes na exposição “Nova Figuração
da Escola de Paris”. Organizada pela marchande e crítica de arte Ceres Franco,
essa mostra marcou fundamentalmente o contato de artistas brasileiros com a neo-
figuração francesa antes mesmo de eles terem estabelecido uma relação mais direta
com a Arte Pop inglesa e estadunidense (OLIVEIRA, 1994, p. 156).
Em São Paulo, um ano após a fundação do Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo (MAC-USP), isto é, em 1964, o historiador da arte
Walter Zanini, então diretor da instituição, trazia a mostra do grupo Phases,
constituído por artistas surrealistas dissidentes da linha revolucionária e histórica de
André Breton. A exposição, tendo em torno de 200 obras de mais de 50 artistas, foi
a primeira de nível internacional a investir nas pesquisas recentes sobre a imagem
naquele momento. Além disso, a capital paulista sediava a Bienal de São Paulo, que
apenas em sua nona edição, em 1967, reuniria maior concentração de trabalhos
relacionados às novas figurações, predominando os exemplares de Arte Pop
estadunidense no “Ambiente USA: 1957-1967” (RIBEIRO, 2003, p. 126).
Contudo, viria do teatro e da música popular a reação mais decisiva ao
regime militar instalado em abril de 1964. O espetáculo “Opinião”, escrito por
Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, e protagonizado por Nara
Leão, Zé Keti e João do Vale, estreou em 11 de dezembro de 1964 e guardava uma
herança cepecista/pecebista de frente única aliada em prol da defesa da nação, bem
como buscava desenvolver uma comunicação popular. Assim, “Opinião” marcou
uma resposta cultural e política da esquerda derrotada no golpe e a revisão do
debate em torno do nacional-popular (NAPOLITANO, 2008, p. 51-52). Vale lembrar
que na lógica nacionalista-popular do governo de João Goulart a configuração do
nacional dava-se pelo popular, por exemplo, como disse Ferreira Gullar em seu
“Cultura posta em questão”, de 1963: “A cultura popular tem caráter eminentemente
  28
nacional e mesmo nacionalista” (GULLAR, 2002, p. 29). Contudo, com o golpe civil-
militar de 1964, abriu-se uma discussão na perspectiva de pensar os problemas
socioculturais no aspecto mais popular do que nacional, reduzindo a amplitude da
frente única nacionalista e apostando mais no popular – não como consciência
ingênua, a fim da construção de uma resistência ao regime militar. Deste modo, o
colapso do nacional-popular significava também a falência de uma esquerda
nacionalista e anti-imperialista, a qual nutria um sentimento que, para Caetano
Veloso, admirador do cinema e da canção estadunidense, soava como algo raso
(TROPICÁLIA, 2012). Daí surgiria uma esquerda ampla, congregando, entre outros,
dissidentes do PCB, partido que inevitavelmente sofrera um racha com o golpe
desfechado pelos militares. Então,
Com o movimento de 64, interrompendo-se a deriva “progressista” por onde
parecia ingressar o processo político brasileiro, é criada uma situação até
certo ponto paradoxal: o país, encaminhado pelos trilhos modernos e
selvagens da industrialização dependente, encontra suas elites cultas
fortemente marcadas por uma disposição que, em sentido amplo,
poderíamos dizer “de esquerda”. O campo intelectual poderá desempenhar
então, nessas condições, ainda que de forma não homogênea, um papel de
“foco de resistência” à implantação do projeto representado pelo movimento
militar. (HOLLANDA & GONÇALVES, 1986, p. 20-21)
Traduzida para as artes visuais, a proposta de resistência ocorreria pelo
diálogo crítico com a realidade sociocultural brasileira nas obras, das quais o
espectador era chamado a participar, rompendo-se o tendão meramente
contemplativo da arte.
Concomitantemente a uma meditação sobre a crise do nacional-popular com
a ruptura do golpe de 1964, que estimulou um processo de autonomia de
intelectuais e artistas frente às disposições partidárias fragilizadas, os artistas
lançaram mão de novas investigações em seus ateliês, articulando novas
concepções de arte ao contato com a realidade política e social. Claudio Tozzi, em
entrevista concedida a mim em dezembro de 2012, resumiu bem como se deu tal
ruptura nas artes visuais:
Quer dizer, a arte não era só um objeto de você contemplar, não era mais
uma pintura de cavalete, mas era uma pintura trabalhada mesmo com as
tintas que se utilizavam para pintar placas, dos meios de comunicação de
massa. Enfim, era uma [silêncio] linguagem bastante revolucionária em
termos de você trabalhar com uma técnica quase que muito simples, mas
com uma força muito grande, não é? (TOZZI, 2012, p. 5)
  29
Isto é, ao mesmo tempo em que buscavam romper o tendão contemplativo da
arte – associado a um embrionário mercado de arte brasileiro restrito às elites, os
artistas buscaram assumir uma posição de aproximação entre arte e vida a partir da
postura participativa, deles em relação à realidade e do público em relação às obras.
Deste modo, uma nova “utopia revolucionária romântica” era construída. A
partir da crítica ao nacional-popular cepecista, agora, acirrada pela fratura causada
pela implantação do regime militar, a utopia que despontava era a de uma
vanguarda brasileira elaborada como estratégia de uma arte engajada (REIS, 2006,
p. 22). Um dos primeiros artistas a endossar um programa de vanguarda foi
Waldemar Cordeiro, reconhecido por alguns como “papa do concretismo naquele
período” (depoimento de Sérgio Ferro apud RIDENTI, 2000, p. 179). Em artigo
publicado na revista “HABITAT” nº 77, de 1964, Cordeiro atento às novas
configurações do campo artístico a níveis internacional e nacional, assumia uma
“Nova Figuração” não representativa em termos convencionais ou simbólicos, mas
como uma intencionalidade a partir de um realismo histórico construído na
linguagem da arte contemporânea que apresentaria a realidade (CORDEIRO, 1978,
p. 53). Assim, não casualmente, a posição do artista, no quadro do colapso do
nacional-popular, é de uma crise da representação. De certo modo, a vanguarda que
se anunciava continha em si uma crítica ao modelo cepecista de “arte popular
revolucionária”, a qual desaguava em um figurativismo mecânico, e intencionava
uma ação de intervenção direta no real. Neste sentido,
O novo conceito proposto pela vanguarda rejeita a ideia de uma arte como
representação. Enquanto produtora de uma realidade específica, a arte
renuncia a traduzir em figuras realidades alheias ao seu próprio universo. O
real já se encontra implicitamente contido na obra de arte vanguardista, na
qualidade de opção sobre o uso dos materiais que a história oferece, e que
podem ser valores, mitos, instrumentos técnicos, etc., sempre tomados
como possibilidades da forma e não como referentes de alusões simbólicas.
(SAMPAIO, 1993, p. 8)
No período em que vigorou esta vanguarda, aproximadamente de 1964 a
1968, quando “boa parte dos artistas brasileiros pretendia, ao fazer arte, estar
fazendo política” (ARANTES, 1986, p. 69), seu pensamento utópico consistia em
concentrar, em uma síntese dialética, as contradições de um país subdesenvolvido:
o nacional e o internacional, o artesanal e o industrial, o avançado e o precário, o
nordeste e o sudeste, a cultura popular e a cultura de massa. A partir de Marcelo
Ridenti, pode-se pensar que a crítica efetuada pelo meio artístico à realidade social
  30
e política brasileira é ressonância do trauma ético-cultural e político-moral (RIDENTI,
2000, p. 53) advindo da instalação de um regime militar que, além de castrar as
liberdades individuais, incentivava e acelerava o desenvolvimento de uma sociedade
de consumo no Brasil e, por conseguinte, de uma cultura de massa. Este processo
de repressão e incentivo pelo Estado autoritário das ações relacionadas à esfera
cultural, consolidando um mercado de bens de consumo cultural (ORTIZ, 1994, p.
113-116), pode ser chamado de modernização conservadora, pois tende à
manipulação das vidas e dos meios de comunicação de massa para fins autoritários
em nome da segurança nacional. É possível dizer ainda que foi do combate a um
outro discurso – o discurso autoritário dos militares golpistas que pretendiam
“eliminar o comunismo, a ‘subversão’, a corrupção etc. que impediriam a caminhada
do Brasil rumo ao seu destino de ‘país do futuro’” (FICO, 2004, p. 36), que o discurso
utópico revolucionário de vanguarda teve seu apogeu, visando, assim, ao combate
pela via da resistência.
Este clima de “cisão fáustica” – expressão utilizada por Marshall Berman para
caracterizar um desencanto dos intelectuais frente às contradições do capitalismo e
do mundo moderno – culminou na cultura de vanguarda de países do Terceiro
Mundo em “visões, ações e criações revolucionárias” (BERMAN, 2007, p. 57)
marcadas pela identidade “subdesenvolvida”. Logo, não seria casual que Hélio
Oiticica, ao sistematizar o estado da arte de vanguarda brasileira, proferisse como
seu lema: “DA ADVERSIDADE VIVEMOS!” (OITICICA, 2006, p. 168).
No panorama da resistência, a primeira manifestação das artes visuais após o
golpe civil-militar de 1964 foi, segundo muitos críticos – Ferreira Gullar, Mário
Pedrosa e Frederico Morais, por exemplo (REIS, 2005, p. 81) – a exposição “Opinião
65” que, de agosto a setembro de 1965, ocorreu no MAM-RJ. Inspirando-se no show
“Opinião” (citado anteriormente) do ano anterior, a marchande e crítica Ceres Franco
e o marchand Jean Boghici, proprietário da Galeria Relevo, reuniram artistas
brasileiros e internacionais que, de certo modo, desenvolviam trabalhos próximos
marcados pela figuração e por experimentações de participação do público. Para o
historiador da arte e curador Paulo Reis: “o nome da exposição evocava as urgentes
opiniões da classe artística ao regime então instalado, a uma nova configuração da
arte brasileira […] e também aquela possibilidade geral dos cidadãos em externar
opiniões” (REIS, 2005, p. 82).
  31
A esta urgência de externar opiniões sobre o regime militar instaurado, Mário
Pedrosa, um dos críticos mais influentes do período, em artigo de 1966 intitulado
“Opinião… Opinião… Opinião”, chamaria de “calor comunicativo social da mostra,
sobretudo da jovem equipe brasileira” (PEDROSA, 2007, p. 101). Esta força de
comunicação foi gerada, naquele momento, pela apropriação de personagens da
realidade social e política transformados em mitologias que geralmente se
relacionavam ao universo urbano: o General, a Miss, o bandido, o desaparecido, o
desempregado, entre outros. Assim, lembro, a partir de Roland Barthes, a atualidade
do mito na sociedade/cultura de consumo, na qual sua função é naturalizar o
histórico, destruir quaisquer lembranças de sua produção, deste modo, efetivando
sua definição semiológica enquanto “fala despolitizada” (BARTHES, 2009, p. 235,
grifo do autor).
Portanto, os meios de comunicação de massa são tomados como os locais
por excelência que despolitizam uma forma/personagem já conhecida, que neste
momento se junta ao rol das mitologias da sociedade capitalista. Descaracteriza-se
o conteúdo humano da representação, associando-a a um tipo que possui
propriedades a serem consumidas. No entanto, a tarefa dos artistas visuais que se
apropriam dos mitos contemporâneos é a contramão dessa operação de
despolitização das pessoas – quando Rubens Gerchman pinta um desaparecido, ele
quer enfatizar tanto o caráter político e social do desaparecimento (novamente um
sequestro operado pela ditadura?) quanto o caráter despolitizador/mistificador dos
meios de comunicação de massa, percebendo-o como não apenas mais um que
aparece no jornal juntamente com tantos outros. Além disso, os materiais e técnicas
tradicionais de produção artística eram substituídos ou atuavam em conjunto com
materiais precários, refugos e tintas de base plástica. Vale ressaltar também que foi
em “Opinião 65” que Hélio Oiticica apresentou seus parangolés, os quais acionavam
uma participação corporal-vivencial do público e rompiam com a definição tradicional
de obra em sua apresentação material, pois nem era a capa-parangolé a obra/objeto
e nem era o corpo um suporte dessa obra. Esta desmaterialização que marcaria a
arte contemporânea, em Oiticica aparecia enquanto proposição de vivência. Vestir o
parangolé, enquanto vivência, é que era a obra.
Nesta via, despontavam atitudes de negação da instituição Arte e seus
lugares-comuns, que tendiam a propor uma antiarte. Esta nova percepção do objeto
artístico aliada a novas formas de criação artística fez Mário Pedrosa, em artigo de
  32
1966 intitulado “Crise do condicionamento artístico”, afirmar que nesse momento de
crise do mundo, do homem e da arte, os artistas brasileiros já não estavam mais
pautados pelos parâmetros da arte moderna e, assim, sugeriu: “chamai a isso de
arte pós-moderna, para significar a diferença” (PEDROSA, 2007, p. 92).
Assim, em dezembro de 1965, inspirado na experiência carioca de “Opinião
65”, Waldemar Cordeiro em conjunto com os artistas-arquitetos Sérgio Ferro e Flávio
Império, organizou em São Paulo, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP),
a exposição “Propostas 65”. A mostra que contou com 48 artistas atuantes no Brasil,
pretendia “fazer um inventário do ‘realismo atual do Brasil’ não apenas por meio da
apresentação de obras, mas também de sessões de debates com o público”
(COUTO, 2012, p. 74). Surgia, então, mais uma força, agora vinda de São Paulo, a
engrossar o caldo em torno da discussão da vanguarda.
Deste debate surgiu o texto de Mário Schenberg, “Um novo realismo”, no qual
o crítico afirmava que com as exposições “Opinião 65” e “Propostas 65”, assim como,
com a premiação de Wesley Duke Lee em Tóquio e de Antonio Dias e Roberto
Magalhães em Paris, havia aparecido um novo realismo na arte brasileira. Ressalto
que para Schenberg essa novidade estaria relacionada a um novo humanismo
democrático e social, que trouxe para as artes visuais a incorporação de materiais
precários e a despreocupação com o requinte artesanal. Neste sentido,
aproximando-se de Sérgio Ferro, Schenberg via o novo realismo como “uma forma
de arte participante” (SCHENBERG, 1978, p. 62), a qual se desdobraria a outros
campos que não apenas o artístico, podendo, assim, ser uma “arma” para a
conscientização nacional a partir de um posicionamento contrário à ideologia
autoritária (REIS, 2006, p. 40). Sendo assim, o maior mérito histórico do CPC, o
alerta da necessidade de uma arte engajada, manifestava-se em 1965 como utopia
revolucionária do futuro, visando a construção de um homem novo crítico da utopia
autoritária e da modernização conservadora imposta com base nela.
No ano seguinte, a experiência seria repetida e “Opinião 66” e “Propostas 66”
ocorreriam. O vigor que “Opinião” parecia ter perdido abundou em “Propostas 66”,
retomando-se a questão (sempre presente neste momento) de uma arte de
vanguarda. Tal preocupação, beirando uma mania, expressava-se na organização
em temas da exposição no dia 12 de dezembro, na qual no item “2 – PROPOSTA”
do “TEMA 1 – CONCEITUAÇÃO DA ARTE NAS CONDIÇÕES HISTÓRICAS
  33
ATUAIS DO BRASIL” podemos ver uma série de seções (3.1, 3.1.1, 3.1.1.1…)
dedicada à arte de vanguarda (ver Anexo A).
Ressalto que, no programa desta neovanguarda brasileira, a arte engajada
não reduziria o trabalho dos artistas a instrumentos de conscientização nacional e de
transformação social, mas expressaria as próprias contradições do trabalho artístico
em uma sociedade de consumo/cultura de massa/ditadura militar. Havia muitos
motivos para, nos anos 1960, principalmente, ser decretada a morte da arte (e do
artista), quando a arte moderna falira. Porém, contrariando um quadro apocalíptico,
a arte transformou-se em outra coisa, em arte contemporânea ou “arte pós-
moderna” (se preferirmos a ideia de Mário Pedrosa). Em uma cultura de massa
marcada pelo efêmero e pelo culto à obsolescência, o trabalho do artista, produtor
de obras de valor único e exemplar, não teria lugar, assim como, em uma sociedade
que vivia sob a castração da liberdade de expressão criativa.
Neste sentido, no texto “A Arte na Sociedade Unidimensional”, de 1967,
Herbert Marcuse interpreta de modo otimista um novo devir da arte. Para o filósofo
alemão, a morte da arte significava a morte de uma linguagem tradicional que lhe
parecia incapaz de comunicar o mundo contemporâneo, principalmente as
manifestações da juventude rebelde que colocavam em pauta a linguagem artística
como linguagem revolucionária (MARCUSE, 2000, p. 259). Pois se a arte, através
da faculdade cognitiva da imaginação, guarda sua afinidade com a liberdade, em
uma realidade em que o sentido e a ordem são impostas pelos meios de repressão,
“as artes por si mesmas assumem uma posição política: a posição do protesto, da
repulsa e da recusa” (MARCUSE, 2000, p. 262).
Portanto, como dito anteriormente quando falava de Mikel Dufrenne, o artista
acaba desembocando na política em um momento de “quase fusão entre política e
cultura” (RIDENTI, 2000, p. 55), bem como se engaja a partir de uma revolução no
seu próprio modo de fazer arte, a qual estaria relacionada organicamente a um
engajamento político. Isto é,
Na obra de arte orgânica, os conteúdos político-morais que o autor deseja
expressar estão necessariamente subordinados à organicidade do todo.
Significa que esses conteúdos (queira-o ou não o autor) se tornam partes
justamente do todo da obra para cuja constituição contribuem. A obra
engajada só pode ser bem-sucedida quando o próprio engajamento é o
princípio unificador que a perpassa (inclusive em sua forma). (BÜRGER,
2008, 176)
  34
Deste modo, no trabalho do artista da dita neovanguarda, há uma tensão
entre a experimentação estética e a crítica social e política que se resolve, ou pelo
menos deveria, na obra de arte. De certa forma, foi neste clima que, já em
“Propostas 66”, Hélio Oiticica afirmaria que a tendência específica da vanguarda
brasileira naquele momento era a busca de uma “nova objetividade”, o que no ano
posterior desaguaria na exposição organizada pelo artista no MAM-RJ.
Não seria exagerado dizer que “Nova Objetividade Brasileira”, ocorrida em
abril de 1967, formularia a síntese do programa da arte de vanguarda iniciado com
“Opinião 65”, assim como fecharia um ciclo analítico da arte brasileira dita pós-
moderna (PEDROSA, 2007, p. 92). Ressalto que, não casualmente, as exposições
nesse período tomaram uma grande importância pois, com o fechamento das
organizações culturais após o golpe de 1964, elas foram trazidas “para o próprio
cerne do processo de construção poética do experimentalismo dos anos 60, ligado
quase sempre à construção e criação de novos espaços” (REIS, 2005, p. 166).
Neste sentido, as apropriações efetuadas pelos artistas brasileiros das tendências
figurativas ou não-figurativas as mais diversas possíveis – Novo Realismo, Nova
Figuração, Arte Pop, Realismo Mágico, entre outros, encontravam-se contempladas
no “Esquema geral da Nova Objetividade”, de autoria de Hélio Oiticica que, em seu
início, dizia:
Nova Objetividade seria a formulação de um estado da arte brasileira de
vanguarda atual, cujas principais características são: 1: vontade construtiva
geral; 2: tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro do
cavalete; 3: participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica
etc.); 4: abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos,
sociais e éticos; 5: tendência para proposições coletivas e conseqüente
abolição dos “ismos” característicos da primeira metade do século na arte
de hoje (tendência esta que pode ser englobada no conceito de “arte pós-
moderna” de Mário Pedrosa); 6: ressurgimento e novas formulações do
conceito de antiarte. (OITICICA, 2006, p. 154)
Isto é, como se das adversidades vividas – a ditadura militar, a castração, o
medo, o subdesenvolvimento – os artistas fizessem seus trabalhos que, para citar
uma artista que neste clima de conflito estava em Paris, amiga de Oiticica, Lygia
Clark, incidiam “numa mudança radical do mundo em vez de ser somente uma
interpretação do mesmo” (FIGUEIREDO, 1996, p. 59, grifo do autor).
Vale ressaltar que a expressão Nova Objetividade é criação da vanguarda
alemã dos anos 1920 à época do Expressionismo. Após a Primeira Grande Guerra,
  35
observou-se uma ascendente politização dos artistas que, como os arquitetos
Gropius e Mendelson, entre 1918 e 1920, reuniram-se inicialmente no
Novembergroupe tomando posição contrária ao nazismo em formação. Porém, o
grupo brevemente foi dissolvido pelos nazistas, levando à criação da Neue
Sachlichkeit (Nova Objetividade), sintoma do desespero de artistas como Grosz e
Beckmann em superar o romantismo alemão e adaptar a ideia expressionista às
novas precisões construtivas, tentando elaborar uma arte mais simples mesmo que
no fim não tenham se sucedido bem. No limite dessa experiência há a escola
Bauhaus, a qual continua o curso (ainda ligada ao Expressionismo), porém, expõe-
se com um anseio construtivo na arte muito forte que desaguava em uma integração
da arte na sociedade (MORAIS, 1975, p. 92).
Não casualmente, a vontade construtiva elaborada a partir da participação da
arte na sociedade, seria vocação em comum de ambas proposições de arte de
vanguarda, tanto no Brasil de 1965-1967 – que expressaria “a arte como arquitetura
de uma sociedade livre” (MARCUSE, 2000, p. 270), quanto na Alemanha dos anos
1920. Curiosamente, as experiências brasileira e alemã também guardam
semelhanças quanto ao cerceamento da liberdade – ditadura militar e Terceiro Reich
ou Alemanha nazista, respectivamente, lembrando que a Bauhaus foi fechada em
1933, logo após a ascensão de Adolf Hitler do Partido Nacional Socialista Alemão
dos Trabalhadores (NSDAP) ao poder (ARGAN, 1992, p. 269).
O debate em torno da posição ética tomada pelo artista e da participação do
público na obra de arte se alarga e invade até o território restrito da Bienal de São
Paulo, especificamente em sua nona edição em 1967. Esta exposição contou com
uma grande concentração de trabalhos ligados às novas figurações e principalmente
à Arte Pop estadunidense, a qual praticamente tomava conta do “Ambiente USA:
1957-1967”. Não obstante, um filme de curta-metragem produzido sobre a IX Bienal,
intitulado emblematicamente como “Arte Pública”, apresentava o sucesso de público
e a proposições de artistas brasileiros como Wesley Duke Lee, Antonio Dias, Glauco
Rodrigues, Rubens Gerchman, Pedro Escosteguy, Carlos Vergara, Hélio Oiticica,
Lygia Clark e outros. Os títulos que abrem e fecham o vídeo denunciam a
ressonância da vanguarda na exposição. Logo no início temos: “Na longa marcha da
cultura, a função da vanguarda é demarcar o caminho que leva ao futuro” (ARTE,
1967), que pode ser lido como um grande sintoma da utopia revolucionária de
vanguarda, projetando-se na práxis a fim de construir um novo futuro e um novo
  36
homem. Porém, mais crítico que isso seria a seguinte afirmação que fecha o vídeo:
“A Arte Pública é uma convocação geral para a união de todos em tôrno dos temas
primordiais da cultura e da liberdade” (ARTE, 1967).
Deste modo, se estas afirmações libertárias em um vídeo expositivo de um
evento oficial como a Bienal de São Paulo foram possíveis, é porque o ano de 1967
deflagrou uma “popularidade” da arte engajada. O Brasil vivia um clima intenso de
esquerda, porém, este acontecimento cultural contrastava com o regime militar cada
vez mais instalado na realidade política e social brasileira (NAPOLITANO, 2008, p.
59). O ano de 1967 marcou ainda uma série de fenômenos jurídico-políticos como a
promulgação de nova Constituição, a qual entrou em vigor em 15 de março de 1967
com a posse do presidente Costa e Silva, a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança
Nacional, que legalizavam o discurso autoritário do regime militar no Brasil.
Este ainda seria um ano decisivo para a esquerda, que se dividia entre
aqueles que defendiam a luta política ou a luta armada contra a ditadura. Neste
sentido, o PCB vinha perdendo cada vez mais quadros para novas entidades
clandestinas que surgiam no calor do espírito romântico da revolução pela via da
guerrilha, como a Ação Libertadora Nacional (ALN), que, sob liderança do dissidente
comunista Carlos Marighella, defendia a supremacia da ação sobre a teoria
(RIDENTI, 2000, p. 166). Não por acaso, com seu programa de vanguarda
guerrilheira do povo, a ALN atrairia, dentre as organizações clandestinas, o maior
número de artistas, incluídos aí Sérgio Ferro, Antônio Benetazzo e mesmo Claudio
Tozzi (RIDENTI, 2000, p. 180; TOZZI, 2012, p. 5).
Entretanto, para a historiadora e crítica de arte Aracy Amaral, apesar do
desejo de romper com o isolamento e de buscar formas de comunicação com um
público maior, nas artes visuais, contrastando com o teatro, o cinema e a música
popular, a relação com o coletivo teria ocorrido de maneira frouxa, daí “o político
tocaria o artista plástico ‘de leve’” (AMARAL, 2003, p. 329). Seguindo sua análise de
1968, presente no artigo “Dos carimbos à bolha”, percebe-se que Amaral duvidava
muito de uma arte pública tal como ela se propunha: “Que significa isso, ‘arte
pública’? Só porque sai à praça de Ipanema ou pela Avenida Brasil, é arte pública?”
(AMARAL, 1982, p. 147). Contudo, vê que nos anos 1960 surge um rol de trabalhos
artísticos que se voltam para o espaço público, tendo a “cidade com suporte”, mas
que se limitavam a comentar a realidade política e social, falhando na direção de
uma desmistificação e deselitização do campo artístico.
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Porém, esse ceticismo de Aracy Amaral vem aos poucos, com as pesquisas
historiográficas mais recentes de Paulo Reis e Artur Freitas, sendo questionado e
confrontado com as proposições engajadas de vários artistas engajados na tarefa da
resistência cultural, sobretudo com a formulação da vanguarda que seria nomeada
por Hélio Oiticica como “Nova Objetividade”. Apesar do aspecto lúdico-dionisíaco
que salta aos olhos dos trabalhos, no contexto de uma ditadura militar, isso se
transformava mesmo em luta pela libertação dos sujeitos castrados pelo
autoritarismo, pois compunha exercícios de uma nova percepção (crítica) frente à
realidade acompanhada por uma nova objetividade orientada na proposição de
vivências e na participação do público.
No decorrer de 1967 e, principalmente, em 1968, as manifestações de arte
pública ou arte na rua aumentavam. Em São Paulo, a exposição de bandeiras, em
1967, de Nelson Leirner e Flávio Motta. No Rio de Janeiro, a Festa das Bandeiras,
em janeiro, e a I Feira de Arte, em agosto de 1968. “Um mês de arte pública”,
promovido pelo “Diário de Notícias” e organizado por Frederico de Morais no Parque
do Flamengo, seria o mais importante evento neste sentido. Exposições de artistas
de vanguarda ao ar livre, aulas para crianças, oficinas de arte a pessoas leigas,
indicavam o apogeu da função social do artista como propositor em sua busca da
participação/vivência do público. “Apocalipopótese”, liderada por Hélio Oiticica, em
sua convulsão dadaísta de acontecimentos simultâneos sem lógica explícita,
indicava tanto o ponto máximo da Nova Objetividade, quanto um tom profético e de
premonição do apocalipse da vanguarda: o clima era tenso e alegre, bem como de
comunidade e violência (MORAIS, 1975, p. 99). Com o fim de 1968 vinha a ruptura,
o Ato Institucional nº 5 (AI-5) anunciando a marginalidade da vanguarda, a censura e
o exílio. Restava aos artistas a aceitação do autoritarismo a partir da autocensura, o
inconformismo através do êxodo para o exterior, o engajamento pela inserção na
contra-arte ou arte-guerrilha, ou ainda, no caso de artistas que pegaram em armas,
segundo Jacob Gorender, pela “imersão geral na luta armada” (RIDENTI, 2000, p.
41). Neste processo, Claudio Tozzi seguiu por uma via diferente: aderiu de certo
modo à autocensura e modificou sua poética, porém, continuou seguindo com uma
proposição política que, a partir de 1969, com o aprofundamento de sua
preocupação formal – como podemos ver a partir da série “Astronautas”, não mais
se mostrava explicitamente como em seus trabalhos do período de 1964 a 1968.
  38
Talvez pela incipiência de uma comunicação em sua forma mais pública, a
resistência dos artistas visuais, “longe de constituir um espaço político fechado e
isolado do seu oposto” (NAPOLITANO, 2011a, p. 21), não tenha ficado tão evidente
como a dos músicos, por exemplo, que se apresentavam em programas televisivos
como o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, os quais atraíam
multidões em suas plateias – contrastando com o público telespectador restrito –
repletas de jovens que participavam ora aplaudindo, ora vaiando.
Contudo, saliento que este trabalho se insere na perspectiva de uma crítica
ao ceticismo à resistência dos artistas visuais no período de 1964 a 1968,
concentrando-se principalmente a partir de 1965. Neste intuito, os dois capítulos que
seguem são exercícios de interpretação histórica do trabalho do artista visual
Claudio Tozzi nesse período, o qual, perceber-se-á em seguida, conectava-se às
proposições da neovanguarda brasileira e mesmo estava inserido nessa. Tozzi
participou como artista engajado da revolução na arte, a qual buscava a
transformação da arte e da sociedade através de uma estetização da política – como
proposta na leitura de Mikel Dufrenne, Luigi Pareyson e Marcos Napolitano. Era a
partir de sua posição como artista de vanguarda que as proposições críticas eram
elaboradas: apropriando-se de manchetes de jornais em um momento ou das
mitologias urbanas, como o bandido da luz vermelha, em outro, a fim de participar
da realidade na obra, intervindo na realidade social e propondo soluções para ela.
Por fim, para sanar possíveis dúvidas que possam surgir, o viés deste
trabalho não está pautado em um julgamento de se, e o quanto, Claudio Tozzi
logrou êxito em sua aproximação com o público e se seus trabalhos foram
compreendidos. Os dois capítulos que seguem analisam as proposições do artista
paulistano e suas apropriações de objetos da realidade brasileira, assim como suas
aproximações com outros artistas que se engajaram na revolução na arte e na
transformação social pela via da arte como resistência cultural e política.
  39
3 FRAGMENTOS DE TOZZI: ARTE COMO RESISTÊNCIA
Este capítulo abre a exposição das interpretações históricas efetuadas sobre
os trabalhos selecionados de Claudio Tozzi, especificamente aqueles que miravam
atuar como resistência à ditadura militar. Neste sentido, são analisadas duas obras
em relação com o mundo que as rodeiam a fim de percebermos as apropriações e
frequentações efetuadas pelo artista visual na construção de seus trabalhos.
Em dezembro de 1977 – por ocasião da exposição “Objeto na arte: Brasil
anos ‘60”, sob coordenação e supervisão de Daisy Peccinini de Alvarado, realizada
em 1978 no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP) – em depoimento para o Departamento de Pesquisa e Documentação Arte
Brasileira da FAAP, Claudio Tozzi disse o seguinte:
Uma das características da arte brasileira de vanguarda dos anos ‘60, é a
preocupação com o coletivo. Na pintura refletia-se principalmente, a
temática social. Os fatos políticos eram narrados pela figura; a obra exigia
do espectador, não apenas uma atitude de contemplação, mas tinha o
intuito de incitar seu pensamento, levá-lo à reflexão e ao debate (…) (TOZZI,
1978, p. 221)
Tozzi analisava, 10 anos depois, a situação da vanguarda a fim de se inserir
neste contexto e nesta proposição. A relação do artista com uma arte engajada se
inicia com sua entrada na FAU-USP em 1964 onde, por exemplo, frequentou aulas
com Sérgio Ferro no curso de História da Arte, o qual também orientou Claudio com
relação à atuação política (MAGALHÃES, 2007, p. 25), o que desembocaria na
participação de ambos na ALN de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira
(conhecido na entidade clandestina como Toledo). Estabelecia-se uma rede de
frequentações que incluíam desde o ateliê de Sérgio e Flávio Império até o Curso de
Formação de Professores de Desenho do Museu de Arte de São Paulo (MASP), no
qual Flávio Motta integrava os artistas-arquitetos da FAU com os artistas que
utilizavam elementos da Arte Pop em seus trabalhos (OLIVEIRA, 1993, p. 57). Tais
relações com professores, teóricos e críticos marcaram a produção de Tozzi,
principalmente a concepção de Mário Schenberg de “Novo Realismo”, já explicitada
anteriormente, que via surgir no Brasil em 1965 uma arte participante (SCHENBERG,
1978, p. 62), que fora compreendida por Tozzi, em depoimento ao Jornal do Brasil,
como “instrumento para despertar no povo uma conscientização crítica” (GUEVARA,
1967 apud KIYOMURA; GIOVANNETTI, 2005, p. 24).
  40
Como destaquei no capítulo anterior, vários artistas estiveram empenhados
na revolução na arte, a qual previa o engajamento do artista com a transformação
social. Esta questão aparecia, por exemplo, no ideário da vanguarda deste período –
o “Esquema geral da Nova Objetividade”, de Hélio Oiticica, no qual se ressaltava a
vontade de participação do artista na sociedade, assim como seu posicionamento
frente aos problemas sociais, políticos e éticos da realidade brasileira (OITICICA,
2006, p. 154). Nesta via, Claudio Tozzi se apropriou de maneira singular das
análises que circulavam no meio artístico e intelectual do período 1966-1967, as
quais ressoam na formulação de sua poética engajada. Por isso, trago para a
discussão dois trabalhos do artista que foram produzidos sob este calor
comunicativo e de resistência cultural à ditadura militar: USA e abUSA, de 1966, e
Nós somos os guardiões-mor da sagrada democracia nacional, de 1967, fabricados,
segundo Leila Kiyomura e Bruno Giovannetti, “no clima da geração da briga,
[quando] Tozzi deixou-se envolver, cada vez mais, pelos movimentos de massa”
(KIYOMURA; GIOVANNETTI, 2005, p. 23).
Em clima de tensão provocado pela vivência em um Estado autoritário, as
obras operaram como críticas aos acontecimentos recentes – em 1966 e 1967, no
Brasil. Inicialmente, vale destacar que, notadamente Tozzi, ao incorporar elementos
figurativos em seus trabalhos, não abriu mão do legado construtivista advindo do
movimento concreto e da ruptura neoconcreta, bem como de sua formação em
arquitetura, o que era comum entre os artistas englobados na arte de vanguarda
daquele momento (SOARES, 2008, p. 127). Em entrevista, o artista afirma esta
característica em seus primeiros trabalhos: “[…] eles têm uma estrutura construtiva.
Então, cada imagem que eu colocava era dentro de um campo já estruturado, já
trabalhado” (TOZZI, 2012, p. 9). Assim, unia-se ao desejo de revolucionar a
linguagem da arte a resistência a todo tipo de autoritarismo – na arte e na vida
política e social, como disse Claudio em depoimento a Fábio Magalhães,
A década de 1960 é caracterizada por uma grande necessidade de
mudanças e rupturas. As artes plásticas se apropriaram de novos conceitos
e transformaram sua linguagem. A pop-art, realizada principalmente nos
Estados Unidos, preocupava-se mais com a glamourização de imagens de
consumo pré-existentes, algo mais próximo à repetição de imagens das
prateleiras de um supermercado, à redundância de imagens e ícones
imediatamente reconhecíveis. No Brasil, prefiro usar a palavra nova
figuração, pois tem uma conotação específica, com um conteúdo referido ao
que ocorria no País, ligado à conjuntura da época. Vivíamos uma situação
de opressão e repressão sob o regime militar. A pintura era parte da nossa
resistência. Como você falou, nossa arte continha um engajamento
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Arte engajada de Tozzi contra a ditadura

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED CURSO DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM HISTÓRIA ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL: O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968) FLORIANÓPOLIS, SC 2013
  • 2.   ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL: O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968) Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Bacharelado e Licenciatura em História do Centro de Ciências Humanas e da Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Rafael Rosa Hagemeyer FLORIANÓPOLIS, SC 2013
  • 3.   ALEXANDRE PEDRO DE MEDEIROS FRAGMENTOS DE ARTE ENGAJADA E RESISTÊNCIA NO BRASIL: O TRABALHO DE CLAUDIO TOZZI (1964-1968) Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de Bacharelado e Licenciatura em História do Centro de Ciências Humanas e da Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em História. Banca Examinadora Orientador: __________________________________________________________ (Prof. Dr. Rafael Rosa Hagemeyer) Universidade do Estado de Santa Catarina Membro: ____________________________________________________________ (Prof. Dr. Reinaldo Lindolfo Lohn) Universidade do Estado de Santa Catarina Membro: ____________________________________________________________ (Profa. Dra. Rosângela Miranda Cherem) Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis, SC (28/06/2013)
  • 4.   Para o Gustavo, sempre presente
  • 5.   AGRADECIMENTOS Este Trabalho de Conclusão de Curso, resultado maior de perseverante, aprofundada e paciente pesquisa, não poderia existir sem a assistência direta ou indireta de várias pessoas e instituições, às quais gostaria de agradecer. Agradeço ao Claudio Tozzi por ter inspirado este trabalho, bem como por sua atenção marcada por disponibilidade e simpatia em responder ao meu contato, conceder uma entrevista e doar 3 livros que estavam esgotados sobre seu trabalho. Agradeço ao meu orientador Rafael Hagemeyer pela interlocução sempre humorada, auspiciosa e produtiva nesta e em outras empreitadas. Agradeço aos professores do Curso de História da UDESC pela formação docente e de pesquisador, matriz de meu conhecimento, a qual sempre pautada na ética, responsabilidade e profissionalismo. Agradeço às professoras Anita Koneski (CEART-UDESC) e Viviane Borges (FAED-UDESC) e ao professor Gustavo Motta (ECA-USP) pela interlocução sempre profícua no decorrer da elaboração deste e de outros trabalhos. Agradeço à professora Rosângela Cherem (PPGAV-CEART-UDESC) e ao professor Reinaldo Lohn (PPGH-FAED-UDESC) pela interlocução e pelo aceite em compor a banca examinadora deste trabalho. Agradeço ao Programa Institucional de Iniciação Científica (PROBIC) da UDESC por ter me auxiliado por 2 anos com uma bolsa, que indiretamente a este trabalho, possibilitou-me construir um pensamento de pesquisador sempre disposto a reavaliar minha produção e seu alcance na sociedade. Agradeço aos meus pais Clélia e Pedro e demais familiares pela formação educacional que me proporcionaram, sem a qual eu jamais chegaria onde hoje estou. Agradeço aos amigos de universidade e de vida: Antonio Nakazima Junior, Flávio Gentil, Iara Perin e Mariane Martins pela amizade marcada por bom humor, inteligência e interlocução intelectual, possibilitando alguns dos melhores momentos vividos por mim nestes últimos 4 anos. Agradeço imensamente ao meu companheiro Gustavo Cambraia Giraldes por sua elegância, leveza e paciência que me inspiraram em todo o processo de elaboração deste trabalho. Também peço desculpas a ele por aquele fim de semana que não fui a Gaspar, porque eu precisava escrever este TCC.
  • 6.   “A arte não era só um objeto de você contemplar, não era mais uma pintura de cavalete, mas era uma pintura trabalhada mesmo com as tintas que se utilizavam para pintar placas, dos meios de comunicação de massa. Enfim, era uma linguagem bastante revolucionária em termos de você trabalhar com uma técnica quase que muito simples, mas com uma força muito grande, não é?” (Claudio Tozzi)
  • 7.   RESUMO MEDEIROS, Alexandre Pedro de. Fragmentos de arte engajada e resistência no Brasil: o trabalho de Claudio Tozzi (1964-1968). 2013. 112 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado e Licenciatura em História) – Centro de Ciências Humanas e da Educação, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. A crise instalada com o golpe civil-militar de 31 de março de 1964 impulsionou a transformação do campo cultural em local, por excelência, de resistência ao regime militar até a edição, em 1968, do Ato Institucional nº 5. Neste período, atuou uma vanguarda que colocava em pauta a necessidade de articulação entre arte e política. Esquematizada por Hélio Oiticica em 1967, esta vanguarda estava comprometida com a criação de novos objetos, assim, superando a estrutura do cavalete e as convenções da arte contemplativa entendida como burguesa. Tal estratégia se resumiria em uma vontade de atuação do artista na sociedade, o qual a partir de seu trabalho colaboraria na tarefa conscientizadora de oposição à ditadura militar a partir de proposições de arte pública. Neste sentido, o artista visual paulistano Claudio Tozzi desenvolveu no período 1964-1968 uma poética engajada, a partir da qual fabricou trabalhos comprometidos em problematizar a realidade política e social do Brasil. Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como principal objetivo analisar como esta tomada de posição de resistência por Tozzi frente aos problemas políticos, sociais e estéticos significava nas obras. Neste período, o artista inspirado em Marcel Duchamp e na Arte Pop desenvolveu uma operação de apropriação racional ou intencional de imagens e objetos, a qual deslocava os elementos apropriados a fim de subverter sua significação original, porém, guardando o vestígio da referência, em prol de um discurso formado pela relação desses itens no trabalho construído. Deste modo, a partir dos trabalhos USA e abUSA (1966), Nós somos os guardiões-mór da sagrada democracia nacional (1967) e de três painéis do ambiente Bandido da Luz Vermelha (1967), são analisados aqui os possíveis sentidos interpretados na apreensão entre o anseio e o “resultado” das obras de Tozzi. Assim, buscar-se-á na perspectiva de uma História relacional da Arte, na qual é imprescindível a compreensão do diálogo estabelecido entre fenômenos artísticos e fenômenos políticos, sociais, econômicos, entre outros, a apreensão dos sentidos expostos pela interpretação histórica. Nesta via, são interpretadas nos trabalhos de Tozzi: críticas ao golpe de 1964 que instalou um regime autoritário contra o qual era necessário se manifestar; ao apoio estadunidense a esse golpe e à repressão das manifestações de resistência; ao governo do general-presidente Castello Branco de forma irônica pela contestação do caráter de salvaguarda da democracia nacional imposto pelos militares, bem como, a partir da apropriação de personagens e temas preexistentes, o artista propunha narrativas referentes às mitologias urbanas, à marginalidade em São Paulo, à liberação sexual e às conquistas de atuação política e social pelas mulheres. Palavras-chave: História da Arte Brasileira Contemporânea. Ditadura Militar Brasileira (1964-1968). Resistência Cultural. Artes Visuais e Política. Claudio Tozzi.
  • 8.   ABSTRACT MEDEIROS, Alexandre Pedro de. Fragments of engaged art and resistance in Brazil: Claudio Tozzi’s work (1964-1968). 2013. 112 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado e Licenciatura em História) – Centro de Ciências Humanas e da Educação, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. The crisis installed by the civil-military coup d’État on March 31, 1964, stimulated the transformation of the cultural field into a place, by excellence, of resistance to the military regime until the expedition, in 1968, of the 5 Institutional Act. In this period, a vanguard that put in question the necessity of articulation between art and politics acted out". Organized by Helio Oiticica in 1967, this vanguard was engaged in the creation of new objects, thereby, overcoming the easel structure and the contemplative art conventions understood as bourgeois. That strategy would be resumed in an artist's acting will in the society, which through its work would collaborate in the conscientizing task of opposition to the military dictatorship through public art propositions. In this sense, the visual artist from Sao Paulo Claudio Tozzi developed between 1964 to 1968 a engaged poetics, through which made works engaged in problematizing the politic and social realities in Brazil. This Graduation Conclusion Work has as its main objective to analyze how this position of resistance assumed by Tozzi against the political, social and aesthetic problems meant in his artworks. In this period, the artist inspired in Marcel Duchamp and in Pop Art developed an operation of rational or intentional appropriation of images and objects, which dislocated the appropriate elements to subvert its original meaning, yet, keeping the reference trace, towards a reasoning constructed by the relation of these items in the built work. Thus, through the artworks USA e abUSA (1966), Nós somos os guardiões-mór da sagrada democracia nacional (1967) and three panels from Bandido da Luz Vermelha (1967) ambient, the possible meanings interpreted in the seizure between the intention and the “result” of Tozzi’s works are analyzed. Therefore, it will be searched in the perspective of an Art relational History, in which it is indispensable the comprehension of the established dialogue between artistic phenomena and political, social, economic ones, among other things, the apprehension of the senses exposed by historical interpretation. Thereby, it is interpreted in Tozzi’s work: criticisms to the 1964 coup that installed an authoritarian regime against which it was necessary to manifest; to the american support to this coup and to the repression of the resistance manifestations; to Castello Branco’s general-president government in an ironic way by the contestation of the safeguard feature from the national democracy imposed by the military, as well as, from the appropriation of preexisting characters and themes, the artist proposed narratives regarding urban mythologies, Sao Paulo marginality, sexual liberation and the political and social action achievements by women. Keywords: History of Contemporary Brazilian Art. Brazilian Military Dictatorship (1964-1968). Cultural Resistance. Visual Arts and Politics. Claudio Tozzi.
  • 9.   SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 REVOLUÇÃO NA ARTE: ARTE E POLÍTICA NO BRASIL DOS ANOS 1960..... 19 3 FRAGMENTOS DE TOZZI: ARTE COMO RESISTÊNCIA ................................... 39 4 IMAGENS ALEGÓRICAS, ARTES PERIFÉRICAS: O BANDIDO NAS ARTES.. 66 5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 85 APÊNDICES.............................................................................................................. 91 ANEXO....................................................................................................................112
  • 10.   9 1 INTRODUÇÃO Este trabalho é o resultado maior de uma perseverante, aprofundada e paciente pesquisa, deste modo, creio ser conveniente expor como cheguei a perceber a necessidade de escrever sobre a arte engajada, a resistência cultural e o trabalho do artista visual Claudio Tozzi no Brasil no período de 1964 a 1968. Inicialmente, desde os estudos em História da Arte que realizei no Ensino Médio até as extensas leituras na universidade, desenvolvi um interesse em compreender como as artes visuais relacionavam-se com o mundo, a realidade social e política, e como isso interferia na criação artística. Como é de se supor, o próximo passo seria a descoberta de uma ampla rede de artistas e intérpretes (historiadores, críticos, filósofos etc.) interessados na articulação entre arte e política. Além disso, ao longo dos estudos, fui nutrindo um interesse especial pelos trabalhos figurativos dos anos 1960, principalmente os ligados à Arte Pop estadunidense. Assim, certo dia, lembrando-me que o Brasil vivera uma ditadura militar iniciada em 1964, perguntei-me o que os artistas estavam fazendo neste momento, que no Brasil era ao mesmo tempo libertador e opressivo. Após algumas pesquisas na internet e em livros eu tinha algumas respostas, as quais não me deixaram muito satisfeito na época, por tratarem mais de música, cinema e teatro do que propriamente das “artes plásticas”, como eram chamadas na época. É certo que eu tinha encontrado muitas coisas sobre Hélio Oiticica, Lygia Clark e Pape, considerados os expoentes de uma arte de vanguarda na década de 1960, porém, parecia-me que havia muito mais, e realmente tinha. Então, aliei meu interesse à figuração e à Arte Pop com a vontade de descobrir artistas que tinham sido influenciados por ela. Com isto encontrei uma ampla rede que, no Brasil dos anos 1960, desenvolveu-se principalmente de 1963 a 1968. Havia o trabalho de Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, Antonio Dias, Marcello Nitsche, entre outros. E ali estava também o trabalho de Claudio Tozzi, com o qual desenvolvi uma afinidade quase que instantânea. Talvez porque fosse ele o artista que mais tinha se aproximado da Arte Pop (OLIVEIRA, 1993, p. 221). Deste modo, fui entrando em contato com obras que eram muito marcadas por uma força comunicativa direta – utilizando setas, imagens de personagens conhecidos da política nacional e cores primárias – a qual fui descobrindo que estava diretamente conectada a uma articulação entre arte e política. Não por acaso,
  • 11.   10 Claudio, que era estudante de Arquitetura da Universidade de São Paulo e participante do movimento estudantil, realizaria uma arte engajada, comprometida com a problematização da realidade social e política e resistente ao regime militar. Este era em meados de 2012 o quadro da pesquisa que resultaria neste trabalho. A partir disto, no período transcorrido de um ano, li de livros clássicos de História da Arte a manuais de guerrilha urbana, produzi fichamentos, assisti a filmes da época e a documentários históricos, frequentei aulas de Estética, Teoria, História e Crítica de Arte, conversei com muita gente e até entrevistei Claudio Tozzi. Toda esta experiência compõe, sem dúvida, o teor deste trabalho. Eu, enfim, percorria um problema de pesquisa: como que, a partir da posição de artista engajado, Tozzi fabricava trabalhos marcados por esse engajamento? Ou melhor, como essa tomada de posição frente aos problemas políticos, sociais e estéticos marcou suas obras. Com isso, evidente que eu deveria tomar algumas precauções teórico-metodológicas. Sendo assim, utilizo este espaço da introdução para confiar ao leitor – neste caso, especificamente, os membros de uma banca examinadora (constituída por historiadores), amigos e talvez colegas de área interessados no tema – um conjunto de informações que, em minha ânsia de ser compreendido, disponibilizo para conhecimento antes da leitura do trabalho propriamente dito. Isto é, uma série de advertências que indicam de onde o autor fala, talvez já (se) apoiando (em) suas preferências teórico-metodológicas. Neste sentido, inicio esta caminhada de escrita advertindo aos que, por ventura, decidiram ler o trabalho, sobre os estudos empreendidos pelas disciplinas históricas da área fenomênica da arte. A História da Arte é vista como a disciplina histórica por excelência, imbuída de explicar os fenômenos artísticos ao longo do tempo e que, no decorrer de seu desenvolvimento, enquanto especialidade, se transformou em reduto de intelectuais que não poucas vezes desprezam, contraditoriamente, o caráter de investigação histórica da História da Arte. Pois a história da arte é, antes de tudo, história e, enquanto tal, não deve apenas efetuar uma leitura de um trabalho artístico, pois esse é o papel do crítico, mas sim, construir uma interpretação de sentido histórico da arte em sua linguagem própria que é a narração enquanto discurso. “Para lá do aparente”, utilizando a expressão do professor Alberto Cipiniuk (2003, p. 30), a história da arte deve se ocupar da explicação dos fenômenos artísticos a partir da identificação de relações das quais eles são produtos, relações essas que não
  • 12.   11 dizem respeito tão-somente ao campo artístico, sendo “preciso recorrer a muitos outros fenômenos absolutamente heterogêneos” (ARGAN, 2005, p. 32-33), mas também aos campos de ressonância cultural a eles relacionados: político, social, econômico, educativo, entre outros. Nesta via, o historiador e crítico de arte italiano Giulio Carlo Argan, em um ensaio publicado em 1969, de extrema lucidez e contribuição teórica à disciplina história da arte, expõe, segundo Paulo Sergio Duarte (2008, p. 23-25), “a mais adequada visão de história a ser aplicada ao campo da arte […] absolutamente atual e capaz de dar conta dos fenômenos contemporâneos”. O autor nos oferece, de início, a seguinte advertência: “o que [nós, historiadores da arte] avaliamos não é um tipo de obra, mas um tipo de processo, uma maneira de relacionar-se” (ARGAN, 2005, p. 22). A partir disso, parece ser uma obviedade, mas faz-se mister ressaltar que a obra de arte enquanto artefato cultural de produção humana é sempre resultado de um conjunto de relações, sendo assim, nunca é um fato isolado, mas sim um produto de uma realidade social. Por isso, defendo uma História relacional da Arte, que “procura situar a obra considerando, além dos aspectos ou valores estéticos que lhes são específicos, outros como os econômicos e sociais” (CIPINIUK, 2003, p. 31), afinal, os tais valores estéticos não são entidades metafísicas estáticas como alguns pensam, mas discursos produzidos em contextos históricos específicos e que fazem sentido enquanto situados nesse. Dito de modo mais desenvolvido, no cerne dessa questão residem dois históricos problemas referentes ao campo específico da história da arte. Primeiramente, de acordo com Argan (2005, p. 35), em um certo momento – aquele do sopro inicial da história da arte – e, além dele, pensou-se a história da arte como história política, sendo essa compreendida como “A” história da civilização e, por isso, do poder e do progresso. Pois bem, poderíamos antes de tudo, criticar a noção do historiador italiano de história política como história do progresso que justificaria as relações entre autoridade e poder. Já há algum tempo e de modo mais acirrado nas últimas décadas, a história política é história das relações de poder e, não necessariamente, é justificada pelo progresso, mas interpretada na presença dos movimentos de diferentes atores políticos, não apenas a autoridade, mas, inclusive – e nas últimas décadas principalmente –, aqueles a quem se convencionou chamar de “excluídos da história”, isto é, daquela história política criticada por Argan. Deste modo, por pensar o movimento da história da arte como
  • 13.   12 cíclico e não como progressivo, o autor a concebe como “história da cultura, mas de uma cultura sui generis, estruturada e dirigida pelo empenho operativo de um trabalho a ser executado de maneira a ter valor de exemplar” (ARGAN, 2005, p. 67) e, nessa via, concebe o âmbito da cultura como toda vivência, isto é, experiência, que se for de um tempo passado é virtualidade aberta no tempo presente. Em segundo lugar, articulando-se ao pensamento elaborado acima, pois se cultura é experiência e as experiências passadas tornam-se memória que a qualquer momento pode ser ativada pelo exercício de imaginação, o qual é processado pelo homem que produz obras de arte, então, arte é fazer e o artista é um homo faber. A partir disso, vale lembrar que a consciência que concebe a obra de arte, a consciência do artista, é construída das relações do artista com o meio em que vive, seus desejos pessoais, suas ideias sobre arte, seus conhecimentos técnicos, entre outras coisas, que se convertem em poética, a qual “é um determinado gosto convertido em programa de arte, onde por gosto se entende toda a espiritualidade de uma época ou de uma pessoa tornada expectativa de arte” (PAREYSON, 1997, p. 17), dito de outro modo, citando Lionello Venturi, Argan (2005, p. 29) diz que “gosto”: compreende as idéias sobre a arte e as preferências artísticas, os conhecimentos técnicos, os modos convencionais de representação, as normas ou as tradições iconográficas e, até mesmo, certas predileções estilísticas geralmente comuns aos artistas do mesmo círculo cultural. Sendo assim, a poética media o processo estrutural de construção do objeto artístico, mas não o define, pois é somente tradução do gosto do artista em normas e operações que servem de guia ao fazer. Entretanto, arte não é tão-somente executar um projeto previamente idealizado e, após revisar as três definições tradicionais de arte; como fazer, conhecer ou exprimir, o filósofo valdostano Luigi Pareyson defende seu pensamento de arte como formatividade, pois “arte é também invenção […] é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer” (PAREYSON, 1997, p. 25-26, grifos do autor). Neste sentido, execução e invenção decorrem pari passu e dão lugar à obra de arte original que, para Pareyson, são as características da forma e logo, “a atividade artística consiste propriamente no ‘formar’, isto é, exatamente num executar, produzir e realizar, que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir” (PAREYSON, 1997, p. 26). Enfim, em outras palavras, a arte também é conhecimento, porque ensina maneiras novas de ver a realidade e expressa-se,
  • 14.   13 enquanto é forma, como organismo vivo que se organizou e vive por conta própria a partir da compressão e do compêndio das experiências culturais “na unidade de um objeto para oferecer-se simultaneamente, como um todo, à percepção” (ARGAN, 2005, p. 30). Por outro lado, se o objeto artístico, uma vez lançado ao rio da vida, oferece- se à percepção, assinalo os referenciais dos quais parto a fim de construir uma interpretação histórica consciente e coerente acerca do trabalho de Claudio Tozzi. Deste modo, a partir do eixo hermenêutico, pretendo interpretar as obras do artista expondo seus possíveis sentidos, considerando estes como apreensão entre o anseio e o “resultado”, e construídos pela operação de quem busca fundá-los (CAUQUELIN, 2005, p. 94-96). Os hermeneutas concebem a obra de arte como organismo vivo, unidade estruturada em si mesma que contém a universalidade na unidade, o qual está sempre aí aberto, em expansão, convidando-nos a jogar com ele. Para Gadamer, a obra como jogo indica sua condição de participação, daquele que vai jogar junto (GADAMER, 1985, p. 39), isto é, o sentido não habita o trabalho artístico, mas ele se dá a partir do diálogo no movimento do jogo. Pois a interpretação é processo infinito, aliás, fundado na obra que sempre está por terminar que, segundo Luigi Pareyson, […] ocorre quando se instaura uma simpatia, uma congenialidade, uma sintonia, um encontro entre um dos infinitos aspectos da forma e um dos infinitos pontos de vista da pessoa: interpretar significa conseguir sintonizar toda a realidade de uma forma através da feliz adequação entre um dos seus aspectos e a perspectiva pessoal de quem a olha. (PAREYSON, 1997, p. 226, grifo meu) A crítica a este pensamento poderia caracterizá-lo enquanto subjetivista e relativista, contudo, é preciso lembrar que o mundo (sentido), que surge com a obra no jogo, é linguagem. É pela linguagem que fazemos surgir o mundo (CAUQUELIN, 2005, p. 101). Ainda assim objeções podem ser feitas à congenialidade de Pareyson como condição de penetração na obra a fim de desvelá-la, pois se poderia cair na perdição do sentido aparente, entretanto, ressalto que é aí, na apreensão entre o anseio e o “resultado”, que pode entrar a contribuição da história. Já disse que a hermenêutica está preocupada em interpretar as possibilidades semânticas da obra de arte, logo rejeita a redutibilidade da obra a um “a priori”, como se houvesse uma verdade única que estaria oculta e se revelaria na interpretação. Assim, a história, ao traçar uma genealogia, convida-nos a compreender a complexidade do que é a
  • 15.   14 obra. Tal genealogia nos auxilia “a re-situar a obra – cujas determinações extra- artísticas podem assim ser compreendidas –, a reconstruir uma parte dos elementos que serviram para sua elaboração” (CAUQUELIN, 2005, p. 112). Creio que ao leitor – se informado na História da Arte contemporânea brasileira – tenha saltado a aproximação desta proposta com as proposições da vanguarda brasileira dos anos 1960, esquematizada por Hélio Oiticica, em 1967, como “Nova Objetividade”. Aí, no limite, a interpretação como participação, interpenetração, vivência, é a própria obra. Arte é diálogo, condição de abertura e também de ambiguidade, de uma infinidade de significados, não atribuídos à primeira vista e que convivem na forma-significante que tem a obra. Para Umberto Eco, “tal ambiguidade se torna – nas poéticas contemporâneas – uma das finalidades explícitas da obra” (ECO, 2008, p. 22). Esta questão, como veremos, apresentar-se-á nos trabalhos de Tozzi que analisarei nos capítulos 2 e 3, os quais utilizam a ironia e a paródia como formas de expressão, típicas do processo de apropriação de objetos e desvio de significado pelo discurso efetuado pelo artista. Assim, como mencionarei várias vezes ao longo deste trabalho a palavra obra, que fique explícita minha apropriação do conceito de “obra aberta” de Eco, no sentido de uma abertura à participação-criação da obra (em seu sentido) pelo público, diferente de um convencionalismo contemplativo da arte. Esta questão, em sintonia com as proposições de Giulio Argan, as quais esbocei acima, conduz-nos a interpretar a obra de arte não como reflexo de seu contexto, mas como um jogo, um diálogo fundado na relação entre artista e mundo, como afirmou Pierre Francastel, que a arte nos diz mais sobre os anseios e modos de pensar do grupo social no qual está inserido o artista do que sobre os acontecimentos ou contexto no qual esse grupo existe (FRANCASTEL, 2011, p. 17). Ora, este esboço teórico deve ser compreendido como guia na escrita deste trabalho, não caracterizando necessariamente uma “prisão teórica”, mas sim uma lente dentre as possíveis com as quais os historiadores interpretam os fenômenos artísticos no tempo. A partir das premissas do que concebo ser uma história relacional da arte, neste trabalho pretendo traçar uma interpretação histórica sobre os significados, os quais produzidos através das tramas construídas entre apropriações e frequentações da vanguarda brasileira, em trabalhos do artista visual paulistano
  • 16.   15 Claudio Tozzi, mais especificamente no período logo após ao golpe civil-militar de 1964, que instalou um regime militar no Brasil, até a edição do AI-5 em 1968. Aliás, qualquer pesquisador que estuda o período compreendido entre 1964 e 1985 no Brasil, depara-se com a querela terminológica acerca do golpe empreendido em 31 de março de 1964 e da ditadura instalada em seguida. Deste modo, assumo neste debate a seguinte posição: o golpe foi arquitetado por militares autoritários, setores liberais e tecnoburocratas civis contra as propostas de reformas de base de João Goulart, que possibilita a interpretação de que foi “’essencialmente político’” (SOARES, 1994, p. 45 apud FICO, 2004, p. 54, grifo do autor) – condensando assim a defesa dos interesses de capital internacional e associado dos empresários articulada às motivações dos militares golpistas: caos administrativo e desordem política, o receio de se instalar o comunismo no país e os atentados cometidos à hierarquia e disciplina militares (FICO, 2004, p. 53-54). Deste modo, houve um movimento frequentado por civis e militares que encaminhou o golpe, que me faz optar pela interpretação de que a derrubada de Jango foi um golpe civil- militar.Contudo, estando os “chefes da revolução” no poder, isto é, os militares – no golpe prevaleceu a atuação dos militares – uma série de cisões entre civis e militares ocorreriam, principalmente após o Ato Institucional nº 2, quando o general- presidente Castello Branco adia a eleição presidencial e estende seu mandato, causando descontentamento e afastamento dos setores liberais. Neste momento, o que fora um golpe civil-militar tornava-se um regime militar. A questão ainda seria acirrada em 1967, quando se decretara a Lei de Segurança Nacional que impôs a Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra a toda a sociedade brasileira, ou seja, militarizando a sociedade civil. Com o Ato Institucional nº 5 no final de 1968, que declarava o fechamento do Congresso Nacional, e todas as atrocidades cometidas neste período, ratificava-se a ideia de que aquilo era uma ditadura militar (FICO, 2004, p. 52). Nesta via, destaco neste trabalho a produção do artista visual paulistano nascido Claudio José Tozzi, em 7 de outubro de 1944, o qual de 1964 a 1969 se graduou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Seus primeiros trabalhos estão vinculados a sua carreira de artista gráfico, como o cartaz vencedor para o XI Salão Paulista de Arte Moderna, realizado em 1963. Com o ingresso na USP, foi muito influenciado por um círculo de intelectuais engajados na transformação social, como os professores Sérgio Ferro e
  • 17.   16 Flávio Império e o físico e teórico de arte Mário Schenberg, sua produção se acirra e alcança tons de comprometimento político a partir da incorporação de imagens da natureza moderna inventada pela experiência de vida na cidade: imagens circulantes no cotidiano dos meios de comunicação de massa (KIYOMURA; GIOVANNETTI, 2005, p. 23). A utilização de um atualizado vocabulário pop como proposição de resistência cultural ao regime autoritário é característica de vários artistas visuais brasileiros, como Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro e Antonio Dias, contudo, no jovem artista Claudio Tozzi – pois não podemos perder de vista que na ocasião do golpe ele tinha 19 anos – podemos encontrar nitidamente o desejo da vanguarda de incorporação de tendências internacionais articulado a uma linguagem crítica e a utilização de novas técnicas e novos materiais (considerados inferiores pelo círculo tradicional da arte) para fabricação dos trabalhos, assim como a apropriação de elementos de uma iconografia urbana que, naquele momento, atingiam uma posição de crítica ao establishment autoritário nos primeiros anos do governo militar. Entretanto, mesmo com inúmeros trabalhos artísticos relacionados à retomada da figuração na arte brasileira, à resistência cultural à ditadura militar e às apropriações da Arte Pop, a produção de Claudio Tozzi no período 1964-1968 é raramente citada em livros de história da arte brasileira contemporânea e, quando aparece, é apenas lembrada pela bandeira Guevara usada por Hélio Oiticica em 1968. Porém, os estudos precursores, iniciados em 1989 pelo museólogo Fábio Magalhães, com a publicação de “Obra em construção: 25 anos de trabalho de Claudio Tozzi”, bem como pelo crítico de arte Jacob Klintowitz, com “O Universo construído da Arte”, estabelecem, pode-se dizer, os primeiros trabalhos de interpretação da obra de Tozzi em perspectiva histórica. Deste modo, tornaram-se o discurso oficial sobre o trabalho do artista. Contudo, estudos mais recentes, de 2005, dos jornalistas Leila Kiyomura e Bruno Giovannetti, que apresentam um espectro de discursos de artistas, críticos, historiadores, amigos e do próprio Claudio sobre a obra do artista, têm mais em comum com a minha proposta, a qual é interpretar a rede de relações estabelecidas pelo artista com seu tempo (de 1964 a 1968) e as pessoas e ideias que frequentou, através da análise de diferentes discursos construídos sobre o artista e sua obra. Tendo em vista essa escassez de interpretações críticas e históricas sobre o trabalho de Claudio Tozzi, compartilho a dificuldade de criar uma interpretação que
  • 18.   17 dê conta de identificar e explicar o conjunto de relações estabelecidas que resultaram em obras de arte engajada e, ao mesmo tempo, desejo que meu trabalho possa suscitar novas problemáticas para a pesquisa histórica dos trabalhos do artista visual paulistano. Diante desta empreitada e suas dificuldades – divergências de informações contidas em livros e em páginas eletrônicas da internet, raríssimas informações sobre o processo criador dos trabalhos que eu tinha destacado na pesquisa e falta de informações referentes à localização das obras atualmente – contatei Claudio Tozzi através de e-mail, ao que ele respondeu e prontamente se disponibilizou para conceder entrevista. Neste processo segui as sugestões da pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (Cpdoc/FGV), Verena Alberti, que indica a elaboração de um roteiro individual de entrevista cruzando as questões decorridas da pesquisa sobre o tema com os resultados de pesquisa biográfica (ALBERTI, 2005, p. 92). Pois bem, no caso de minha pesquisa o tema e a biografia se confundiam, pois tomavam como problema a produção de um artista. Então, elaborei diretamente um roteiro contendo 27 itens a serem perguntados a Tozzi (ver Apêndice A), o qual enviei por e-mail ao artista com um semana de antecedência à entrevista. Esta foi realizada no dia 6 de dezembro de 2012 no ateliê do artista no bairro do Sumaré, em São Paulo, e teve duração de aproximadamente 53 minutos. Claudio respondeu prontamente e com riqueza de detalhes todas as minhas perguntas, além de – finalizada a sessão e assinado o termo de autorização para uso da entrevista neste trabalho – ter me mostrado alguns trabalhos que estava separando para enviar a Tate Modern de Londres por ocasião de uma exposição internacional de Arte Pop. Em seguida, efetuei a passagem da entrevista em formato oral para o escrito, também conforme sugestões de Verena Alberti, seguindo os processos de transcrição, conferência da transcrição e copidesque (ALBERTI, 2005, p. 173-229). Atualmente a entrevista com folha de rosto, ficha técnica e sumário totalizando 20 páginas encontra-se disponível para consulta a qualquer pesquisador interessado no tema (ver Apêndice B). Apesar de não aprofundar ao longo deste trabalho questões referentes à História Oral, gostaria de ressaltar que o uso consciente de trechos da entrevista concedida por Claudio Tozzi parte do princípio que,
  • 19.   18 Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é um sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado ‘tal como foi’, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. (BOSI, 1983, p. 17) A fim de ordenar conceitualmente o trabalho, resolvi dividí-lo em três capítulos, nos quais interpreto algumas obras escolhidas especificamente a partir da “grade teórico-metodológica” delineada acima. O capítulo 1, intitulado Revolução na arte: arte e política no Brasil dos anos 1960, anseia preparar o leitor para defrontar com as análises referentes, sobretudo, aos trabalhos desenvolvidos por Claudio Tozzi no período de 1964 a 1968. Um panorama da articulação de arte e política no Brasil dos anos 1960, não pretende ser nem um manual – que ofereceria um programa tautológico de ação, nem um detalhamento extensivo de quem, como e porquê propôs e/ou fez essa articulação. Entretanto, minha proposta é a de averiguar algumas proposições e ações emblemáticas que influenciaram Tozzi em sua atividade artística e política. Trata-se, portanto, de esboçar uma genealogia do engajamento do artista paulistano através da elaboração de um guia teórico e histórico que dê conta de perceber as frequentações, que ocorreram direta ou indiretamente, operados por Tozzi, assim como os posicionamentos teóricos e metodológicos assumidos em minha escrita dessa narrativa histórica. O capítulo 2, intitulado Fragmentos de Tozzi: arte como resistência, abre a exposição das interpretações históricas efetuadas sobre os trabalhos selecionados de Claudio Tozzi, especificamente aqueles que miravam atuar como resistência à ditadura militar. Neste sentido, são analisadas duas obras em relação com o mundo que as rodeiam a fim de percebermos as apropriações e frequentações efetuadas pelo artista visual na construção de seus trabalhos. O capítulo 3, intitulado Imagens alegóricas, artes periféricas: o bandido nas artes, analisa as relações intertextuais entre Bandido da Luz Vermelha, de 1967, e outros trabalhos artísticos contemporâneos a esse ambiente de Tozzi. Assim, a partir de um tom ensaístico, traço as apropriações e frequentações operadas pelo artista paulistano com a Arte Pop de New York pelo trabalho de Roy Lichtenstein, com as proposições “marginais” de Hélio Oiticica e com os filmes O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, e Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard.
  • 20.   19 2 REVOLUÇÃO NA ARTE: ARTE E POLÍTICA NO BRASIL DOS ANOS 1960 Atualmente, é praticamente um senso comum caracterizar os anos 1960 como marcados por um ímpeto revolucionário, o qual se estende em vários sentidos e com significados diversos aos níveis político, econômico, cultural, pessoal, entre outros. Tanto que é possível observarmos o apogeu desse clima com les événements de 68 promovidos por estudantes e trabalhadores franceses, bem como, com a Primavera de Praga, as manifestações estadunidenses contra a guerra no Vietnã ou ainda com os hippies e a contracultura. Contudo, o maio de 68, como é conhecido, guarda relações com projetos de ação no mundo – produtos e produtores de ressonância que, por vezes, passam despercebidos. Na tentativa de compreender esse movimento politizado, concordo com a afirmação de Marcelo Ridenti: “na década de 1960, a utopia que ganhava corações e mentes era a revolução” (RIDENTI, 2000, p. 44, grifo meu). Porém, convém nos perguntarmos: que espécie de utopia é a revolução? Primeiramente, é preciso destacar o caráter de movimento da revolução, de inquietação, de desejo de mudança frente aos valores hegemônicos. Mas como poderiam os artistas a partir de seu fazer específico – a fabricação de objetos estéticos, participar da revolução? Eu proponho, a fim de construir uma resposta coerente a essa questão, observar como o filósofo francês Mikel Dufrenne examinou as possibilidades de relações da arte com a política. Vale lembrar que os acontecimentos do maio de 68 francês, dos quais como professor na Universidade de Nanterre participou ao lado dos estudantes, marcaram profundamente uma mudança no pensamento do filósofo. Inicialmente, questionando-nos sobre a atitude que poderia assumir um artista na sociedade, é possível constatar que ele pode tomar posição de indiferença a uma situação ou de recusa. Analisando mais de perto uma posição de recusa, podemos examinar que essa pode gerar um desejo de mudança que talvez desague em engajamento político do artista, cogitando que, para Mikel Dufrenne: É política toda ação que exerce um impacto no campo social sobre a vida social. E esse impacto é suficiente para que uma ação que não implica um engajamento deliberado se encontre objetivamente engajada à sua revelia: muitas ações que se crêem ou se pretendem neutras são, apesar disso, políticas. (DUFRENNE, 1976, p. 290-291 apud FIGURELLI, 2007, p. 148)
  • 21.   20 Portanto, o filósofo defende uma ação política em campo expandido, o que é visto com positividade a partir de um engajamento à gauche, de uma politização à esquerda que é só o que interessa para o destino da arte, estando implícito nesse projeto “uma certa recusa do iníquo, de tudo o que triunfa, menospreza, oprime, desnatura, uma certa amizade com o mundo, uma certa exigência de liberdade, um certo gosto pela dança e por tudo que ela tem de generoso e de despreocupado” (DUFRENNE, 1974, p. 12 apud AMARAL, 2003, p. 8). Pensando na realidade brasileira dos anos 1960, tal consideração faz lembrar a definição de esquerda, aproximando-se da utilizada por Jacob Gorender, empregada por Marcelo Ridenti como “forças políticas críticas da ordem capitalista estabelecida, identificadas com as lutas dos trabalhadores pela transformação social” (RIDENTI, 2000, p. 17, nota 1). Ora, se o engajamento político do artista no sentido de produzir uma arte comprometida com a transformação social faz sentido é porque O artista tem conhecimento de que detém um certo estatuto, que desempenha – ou fazem-no desempenhar – um papel, que não pode acreditar na neutralidade da arte a menos que ignore o destino das obras a partir do momento em que entram no circuito comercial, e talvez mesmo sua gênese, quando ele pensa só estar seguindo sua fantasia ou só obedecendo a seu apelo. Então ele se sente responsável, não apenas pela obra que cria, mas pelo uso que dela é feito, os efeitos por ela produzidos. Perdida a inocência, denunciando o álibi: não faço política, é necessário que ele tome partido, e não apenas como cidadão, mas como artista e, portanto, sem renunciar a sê-lo. (DUFRENNE, 1974 apud AMARAL, 2003, p. 14). Nesta via, sugiro, a partir de Dufrenne, como possibilidade de articulação entre arte e política, a utopia, o pensamento utópico. Para além de uma querela filológica, o filósofo defende uma utopia que ocorre no tempo da história como “pensamento do possível que se anuncia no real e nele encontra um começo de realização” (DUFRENNE, 1974, p. 175 apud FIGURELLI, 2007, p. 153). Sendo assim, o discurso utópico se efetiva no engajamento que desagua em ação. Deste modo, ressalto que, na leitura de Dufrenne, a utopia, como inquietação sobre o real, conduz à ação sobre ele a fim de lutar contra a ideologia, a qual é qualificada como discurso hegemônico, aquele que justifica e mantém a dominação sobre os oprimidos (DUFRENNE, 2007, p. 151). Portanto, diferentemente dos discursos do saber-poder, A utopia não procura convencer pessoas indiferentes à força de argumentos ou seduzi-las à força de artifícios; ela se dirige àqueles que, no mesmo lugar, partilham da mesma experiência; àqueles que consentem porque co-
  • 22.   21 sentem; e ela não lhes dirige sua palavra, ela é sua palavra. (DUFRENNE, 1974, p. 199 apud FIGURELLI, 2007, p. 153) Pautado, então, na vivência, o lugar por excelência de verificação do discurso utópico é na práxis, tendo como ação imediata o efeito de discurso revolucionário. Como característica do processo reflexivo de produção de conhecimento, objeções sempre são lançadas, principalmente em um tema tão complexo como esse de arte e política. Em suma, a principal objeção que se faz à ideia de politização do artista é que ele condicionaria seu trabalho à política, preocupando-se mais em transmitir um conteúdo, o que na tese dos iludidos defensores da arte pela arte deformaria o próprio caráter estético da obra de arte. Entretanto, a arte, assim como a política, são formas de cultura, donde a consideração sobre a relação entre elas requer uma problematização histórica da produção cultural como produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social, relativa a todas as práticas e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação de sentido. (CANCLINI, 1982, p. 29) Desses fenômenos, a arte é um dos níveis mais significativos, logo fazendo parte da esfera cultural que é o “terreno onde política, poder e dominação são mediados” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 14 apud NAPOLITANO, 2011b, p. 26). Resumindo, voltamos à questão da (não) neutralidade da arte, pois o seu campo específico de atuação está conectado a outros, cabendo aí ao artista tomar uma posição frente à mediação que exerce entre arte, sociedade e política. Posicionando-se como artista engajado, se empenhará “em prol de uma causa ampla, coletiva e ancorada em ‘imperativo moral e ético’ que acaba desembocando na política, mas não parte dela” (NAPOLITANO, 2011b, p. 29). Isto é, como diz Luigi Pareyson, Trata-se então de fins não a serem perseguidos com a arte mas a serem conseguidos na arte: está em jogo não uma subordinação da arte a um fim social, mas a assunção de tal fim na própria arte; não que a arte consiga ser arte se o alcançar, mas a arte o alcança porque conseguiu ser arte. A esta dupla e oposta possibilidade encontram-se expostas as poéticas, que podem prescrever ao artista a difusão de determinadas idéias religiosas, ou políticas, ou filosóficas em determinados ambientes, ou classes, ou povos, ou nações; e podem fazê-lo legitimamente, enquanto, de per si, auspiciam não a subordinação instrumental da arte àqueles fins, mas o advento de uma arte inspirada naqueles princípios e no desejo de difundi-los. (PAREYSON, 1997, p. 120-121)
  • 23.   22 Partindo, então, de um caráter que não destrói a preocupação estética, ou ainda, que não transforma seu trabalho em mero veículo de proposições políticas, o artista engajado não tem a política como ponto de partida, mas sim como ponto de chegada, a partir de sua atuação como cidadão no mundo. “Em suma: em vez de politizar a arte, estetizar a política” (FIGURELLI, 2007, p. 155). Deste modo, é possível observar que, a partir de um engajamento à esquerda, o artista faz de seu trabalho uma experiência de liberdade, questão que repercute no que disse o historiador e crítico de arte Giulio Argan, “a história da arte não está ligada à história do poder ou da autoridade, mas, através da história do trabalho, à da liberdade” (ARGAN, 2005, p. 40). O artista, assim, parte de uma posição de trabalho não-alienante, oposta à realidade do trabalhador que “vendeu sua força de trabalho ao capital, por lhe faltarem os meios materiais para a produção de uma mercadoria” (MARX, 1996, p. 475), transformando-se a partir de um processo que mutila o trabalhador em trabalhador parcial, o qual se aperfeiçoa em uma função exclusiva e a repete continuamente (MARX, 1996, p. 456). Ora, se na divisão do trabalho assalariado, o trabalhador não possui o que produz e causa alienação da própria atividade realizada, então, esse processo não engloba o artista, pois ele possui consciência do processo de produção de sua obra – apesar de que, com a arte contemporânea, isso vem se diluindo e mesmo já se tenha incutido o regime de divisão do trabalho em ateliês, além da utilização de materiais como tintas, pincéis, espátulas e outras ferramentas que tenham sido produzidas pela indústria e compradas pelo artista – e não está condicionado a nenhum outro fim que não seja o estético, o de produzir um trabalho artístico. Trata-se, portanto, de um engajamento no qual o artista, a partir de sua posição de trabalhador não-alienado, insere-se na luta pela tomada de consciência dos trabalhadores em prol da mudança do mundo. Como já foi citado acima, a utopia que marcou a década de 1960 foi a revolução. Neste espectro, os artistas do período nos diversos segmentos; música, cinema, teatro, literatura e artes plásticas, empreenderam lutas políticas e culturais, que foram compreendidas por Marcelo Ridenti a partir da tese de “utopia revolucionária romântica […] [que] valorizava acima de tudo a vontade de transformação, a ação dos seres humanos para mudar a História, num processo de construção do homem novo” (RIDENTI, 2000, p. 24, grifo do autor). Contudo, versões diferentes desse romantismo apareceram no Brasil ao longo da década,
  • 24.   23 mesmo antes e depois do golpe civil-militar de 1964, o qual se configurou como uma ruptura no pensamento utópico-revolucionário de esquerda. Portanto, a partir de uma aproximação da definição de Dufrenne sobre utopia com a tese de “utopia revolucionária romântica” de Ridenti, é possível dizer que, assim, o conceito de utopia é deslocado. No calor dos acontecimentos dos anos 1960, a utopia, como sociedade imaginária ideal – projeto irrealizável de uma sociedade equilibrada e pacífica –, dá lugar a um projeto do possível que pretende atuar no espaço-tempo humano, envolvendo aqueles que se engajam nesse projeto a intervir com ações na realidade questionada. Talvez aqui o pensamento utópico já adiantaria a questão referente ao horizonte de expectativa na pós-modernidade: não mais o sentido teleológico do progresso apesar de tudo, mas uma possibilidade de futuro melhor, possível a partir de intervenções no presente que, porém, não nos dão garantias se a empreitada se realizará, causando um desconforto que pode desaguar em proposições radicais de conformados ou inconformados, sobreviventes de um mundo no qual impera a tensão das incongruências: sucesso/fracasso, crucial/irrelevante, central/periférico, global/local. Neste sentido, uma problemática que estaria presente em praticamente todo o pensamento intelectual e artístico do período é a consideração do popular. Característica da fase nacionalista do popular é a experiência do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), que integrou, de certa forma, o programa de reformas de base de João Goulart, na tarefa de desenvolver uma consciência popular que serviria de alicerce à libertação nacional. Atuantes no período 1961-1964, os CPCs guardavam em seu projeto político-cultural a herança do nacional-popular lido pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) que se resumia em levar a arte ao povo a partir do caminho da arte popular revolucionária, a qual objetivava restituir ao povo a posse de si mesmo e tomar posição de sujeito da história (AMARAL, 2003, p. 322). A primeira sistematização teórica cepecista é de Carlos Estevam Martins, que em 1962 escreveu o “Anteprojeto do Manifesto do CPC”, no qual anunciava, na ótica de “arte popular revolucionária”, a supremacia do conteúdo na obra de arte, destacando que “a qualidade essencial do artista brasileiro, em nosso tempo, é a de tomar consciência da necessidade e da urgência da revolução brasileira e tanto da necessidade quanto da urgência” (MARTINS, 1979 apud AMARAL, 2003, p. 323). Nesta via, o que importa é a força de comunicação da arte enquanto canal
  • 25.   24 transmissor, que seria reiterada por Ferreira Gullar – presidente do CPC do Rio de Janeiro após Carlos Estevam Martins – em “Cultura posta em questão”, ensaio/livro terminado no início de 1963 e publicado às vésperas do golpe civil-militar de 1964: A tese dos “comprometidos”, que já está esboçada na análise da primeira tese, consiste em afirmar, não apenas o caráter ideológico da obra de arte, como a necessidade que ela atue como veículo de conscientização do público. Essa posição implica uma atitude consciente, da parte do autor, com respeito à realização da obra e a seu significado: pode-se dizer que o autor “comprometido” parte de uma visão dentro da qual a realidade se dá explicada e seu propósito é transmitir, menos uma perplexidade, do que uma consciência. (GULLAR, 2002, p. 44, grifo do autor) Portanto, na visão do CPC, a possibilidade de articulação entre arte e política é uma necessidade no sentido de conscientização do povo frente aos problemas que enfrenta. Todavia, essa tarefa de desalienação e de libertação nacional marcada por uma utopia de identidade nacional genuinamente popular seria em pouco tempo criticada como “pedagogia política” que se explicitava em obras que pretendiam conscientizar as massas. Como nos diz o historiador Marcos Napolitano: […] essa postura, por mais que se tentasse, não conseguia resolver o velho dilema da aliança entre intelectual e povo: o primeiro, ao falar pelo segundo, construía seu discurso por meio de um conjunto de representações simbólicas que tendiam a desconsiderar as possíveis características do povo “real”, em todas as suas contradições. (NAPOLITANO, 2008, p. 52) Logo, essa proposta de arte engajada se fundava em certo potencial autoritário sobre o povo ao ser tratado como “massa inerte, inculta, despolitizada […], cuja consciência política precisava ser despertada” (ROUANET, 1988, p. 3 apud RIDENTI, 2000, p. 31). Enfim, de maneira frustrante, a atuação dos artistas se efetivava quase que absolutamente apenas em seu meio social imediato, o público estudantil (lembro que o CPC atuava sob a égide da UNE). As experiências de ampliar o circuito pelo qual a arte engajada passava, como os espetáculos de rua ou em porta de fábrica, se configuravam como saídas precárias e não materializavam a popularidade que o CPC objetivava. Deste modo, apesar de eficaz no meio estudantil, a experiência do CPC não atingia o seu público-alvo, assim, caracterizando uma impotência de romper as fronteiras desse meio (NAPOLITANO, 2001, p. 106). Nesta via, saliento também que, apesar de uma preocupação com as artes plásticas enunciada, por exemplo, por Ferreira Gullar em seu “Cultura posta em
  • 26.   25 questão”, a experiência do CPC marcaria, sobretudo, as três artes de espetáculo: o teatro, o cinema e a música. Tal predomínio marcava a influência direta que o Movimento de Cultura Popular (MCP), fundado em Recife e ligado à Secretaria de Educação do município na gestão de Miguel Arraes, tivera sobre o CPC, pois nas ações da organização pernambucana prevalecia o teatro por sua característica de relação com o coletivo (AMARAL, 2003, p. 317), donde se poderia atingir em maior expressão a “ingênua consciência” do povo. Em depoimento contido no filme Tropicália, de Marcelo Machado, Tom Zé, que participou do CPC da Bahia, reitera o caráter didático-conscientizador cepecista: “CPC era a classe universitária reunida pra fazer arte para as outras escolas, pra manter vivo o espírito de confrontação com o capitalismo” (TROPICÁLIA, 2012). Esta hegemonia estaria pautada também na própria circulação da obra de artes plásticas, a qual estava intimamente ligada aos grupos de elite, tanto porque o artista plástico não se preocupava em estabelecer uma relação com o grande público. Grosso modo, esta é a crítica de Ferreira Gullar à situação da pintura e da escultura no Brasil em 1963, a qual o levaria a dizer que: Em condições normais, se o artista plástico dependesse do público para sobreviver, morreria de fome. Quem o sustenta, portanto, é aquela minoria abastada que aprendeu a lição da burguesia européia do século XIX. Compra suas obras, porque, no futuro, elas valerão muito. Logo, compra-as, na maioria dos casos, não por entendê-las, não por amá-las, mas porque comprá-las é um bom investimento, e porque é sinal de cultura gostar-se de obras de arte audaciosas… Então, para quem fala o artista plástico de hoje? Se não é para o público, se não é para a crítica, se não é para os seus compradores – é para ninguém. Queira ele ou não, tenha ele ou não o que dizer, o seu papel na sociedade capitalista atual é quase que apenas criar um pretexto para especulações e investimentos não-produtivos. (GULLAR, 2002, p. 80) Apesar da análise um tanto apressada do poeta maranhense – se pensarmos na ruptura neoconcreta que se iniciara com a I Exposição Neoconcreta em 1959, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), da qual o próprio Ferreira Gullar participou, que exaltava uma ideia orgânica de arte, “da obra como uma trama de relacionamentos complexos com o espectador” (RIBEIRO, 2003, p. 125) – não era infundada a interpretação de que os artistas plásticos em sua maioria produziam obras de caráter contemplativo que circulavam no mercado elitista de arte. Todavia, como já citei acima, alguns artistas se movimentavam a fim de em suas experimentações estéticas, incluir o público como participador, agente propulsor de sentido na obra de arte. Obviamente, refiro-me aos trabalhos de Lygia Clark,
  • 27.   26 inicialmente com os Bichos, de 1960, e de Hélio Oiticica, desde o início dos anos 1960, com Penetráveis, Bólides e Parangolés, que marcaram uma passagem do moderno ao contemporâneo a partir de investigações da questão sensorial, chamando o público, a partir da atuação corporal, a participar como elemento constituinte da obra (DUARTE, 2008, p. 53-58). Portanto, eu acredito ser importante pensarmos tais proposições em seu aspecto revolucionário, não apenas no campo artístico, mas também no político, isto é, permeando os exercícios de liberdade. Com o advento do golpe civil-militar de 31 de março de 1964, instalou-se um sentimento de derrota na esquerda brasileira. Assim, a equação político-cultural do CPC, na qual consciência social (ideologia) subordinava-se ao ser social (condições materiais), era invertida, a consciência social era então priorizada na luta contra a ditadura, pois o fim da política nacionalista reformista de Jango e o autoritarismo político-institucional instalado pelos militares golpistas questionavam as posições da esquerda, principalmente aquela ligada ao PCB (NAPOLITANO, 2008, p. 49). Deste modo, no momento logo após ao golpe notou-se um inchaço da esfera cultural, “supervalorizada, inclusive, porque era, bem ou mal, o único espaço de atuação da esquerda derrotada” (NAPOLITANO, 2011a, p. 43). Foi esse inchaço que, por exemplo, permitiu a Roberto Schwarz lançar sua célebre frase sobre o período 1964- 1969: “Apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país […] [que] Assinala, além de luta, um compromisso” (SCHWARZ, 2005, p. 8, grifo do autor). Uma hegemonia que se fundava agora em uma produção cultural autônoma que era cada vez mais atraída ao mercado de bens simbólicos, até porque os elos da arte engajada com o povo tinham sido cortados com o fechamento de organizações e espaços culturais como o CPC da UNE. De fato, desde 1963 alguns artistas brasileiros frequentavam novos territórios artísticos, os quais tendiam a um realismo diferente daquele enunciado pelo CPC, distinto de um programa praticamente socialista de elevar o nível cultural do povo a partir de um realismo embutido de traços regionalistas que invocava os estereótipos do homem simples e da luta de classes. Aos poucos se difundiam no Brasil as novas tendências figurativas europeias, pois Ao iniciar os anos 60, a figura emergia de forma tão freqüente que o fenômeno de uma nova figuração ficou patente. Dessa vez, diferente da anterior, ou seja, não representativa, mas alusiva, expressiva, podendo ter caráter fantástico ou grotesco, passando rapidamente da condição de uma figuração representativa de estados subjetivos, sentimentais, para uma
  • 28.   27 figuração vinculada à imagem do significado proposto pelo artista, que se abria a uma percepção do mundo atual da paisagem urbana, das imagens que povoam seu cotidiano. Configurava-se uma tomada de consciência de uma geração sobre o estado da sociedade e da civilização, abordando uma problemática mais crítica e subversiva, uma arte polêmica que dava possibilidades da colocação de compromissos morais e políticos ante a realidade. (ALVARADO, 1999, p. 13) Neste momento, a “nova figuração” – termo criado pelo crítico Michel Ragon, em 1961, para indicar uma retomada da figura entre pintores parisienses (RIBEIRO, 2003, p. 126), aportava na Galeria Relevo, em 1964, no Rio de Janeiro, com artistas parisienses relacionados a Mythologies Quotidiennes na exposição “Nova Figuração da Escola de Paris”. Organizada pela marchande e crítica de arte Ceres Franco, essa mostra marcou fundamentalmente o contato de artistas brasileiros com a neo- figuração francesa antes mesmo de eles terem estabelecido uma relação mais direta com a Arte Pop inglesa e estadunidense (OLIVEIRA, 1994, p. 156). Em São Paulo, um ano após a fundação do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), isto é, em 1964, o historiador da arte Walter Zanini, então diretor da instituição, trazia a mostra do grupo Phases, constituído por artistas surrealistas dissidentes da linha revolucionária e histórica de André Breton. A exposição, tendo em torno de 200 obras de mais de 50 artistas, foi a primeira de nível internacional a investir nas pesquisas recentes sobre a imagem naquele momento. Além disso, a capital paulista sediava a Bienal de São Paulo, que apenas em sua nona edição, em 1967, reuniria maior concentração de trabalhos relacionados às novas figurações, predominando os exemplares de Arte Pop estadunidense no “Ambiente USA: 1957-1967” (RIBEIRO, 2003, p. 126). Contudo, viria do teatro e da música popular a reação mais decisiva ao regime militar instalado em abril de 1964. O espetáculo “Opinião”, escrito por Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, e protagonizado por Nara Leão, Zé Keti e João do Vale, estreou em 11 de dezembro de 1964 e guardava uma herança cepecista/pecebista de frente única aliada em prol da defesa da nação, bem como buscava desenvolver uma comunicação popular. Assim, “Opinião” marcou uma resposta cultural e política da esquerda derrotada no golpe e a revisão do debate em torno do nacional-popular (NAPOLITANO, 2008, p. 51-52). Vale lembrar que na lógica nacionalista-popular do governo de João Goulart a configuração do nacional dava-se pelo popular, por exemplo, como disse Ferreira Gullar em seu “Cultura posta em questão”, de 1963: “A cultura popular tem caráter eminentemente
  • 29.   28 nacional e mesmo nacionalista” (GULLAR, 2002, p. 29). Contudo, com o golpe civil- militar de 1964, abriu-se uma discussão na perspectiva de pensar os problemas socioculturais no aspecto mais popular do que nacional, reduzindo a amplitude da frente única nacionalista e apostando mais no popular – não como consciência ingênua, a fim da construção de uma resistência ao regime militar. Deste modo, o colapso do nacional-popular significava também a falência de uma esquerda nacionalista e anti-imperialista, a qual nutria um sentimento que, para Caetano Veloso, admirador do cinema e da canção estadunidense, soava como algo raso (TROPICÁLIA, 2012). Daí surgiria uma esquerda ampla, congregando, entre outros, dissidentes do PCB, partido que inevitavelmente sofrera um racha com o golpe desfechado pelos militares. Então, Com o movimento de 64, interrompendo-se a deriva “progressista” por onde parecia ingressar o processo político brasileiro, é criada uma situação até certo ponto paradoxal: o país, encaminhado pelos trilhos modernos e selvagens da industrialização dependente, encontra suas elites cultas fortemente marcadas por uma disposição que, em sentido amplo, poderíamos dizer “de esquerda”. O campo intelectual poderá desempenhar então, nessas condições, ainda que de forma não homogênea, um papel de “foco de resistência” à implantação do projeto representado pelo movimento militar. (HOLLANDA & GONÇALVES, 1986, p. 20-21) Traduzida para as artes visuais, a proposta de resistência ocorreria pelo diálogo crítico com a realidade sociocultural brasileira nas obras, das quais o espectador era chamado a participar, rompendo-se o tendão meramente contemplativo da arte. Concomitantemente a uma meditação sobre a crise do nacional-popular com a ruptura do golpe de 1964, que estimulou um processo de autonomia de intelectuais e artistas frente às disposições partidárias fragilizadas, os artistas lançaram mão de novas investigações em seus ateliês, articulando novas concepções de arte ao contato com a realidade política e social. Claudio Tozzi, em entrevista concedida a mim em dezembro de 2012, resumiu bem como se deu tal ruptura nas artes visuais: Quer dizer, a arte não era só um objeto de você contemplar, não era mais uma pintura de cavalete, mas era uma pintura trabalhada mesmo com as tintas que se utilizavam para pintar placas, dos meios de comunicação de massa. Enfim, era uma [silêncio] linguagem bastante revolucionária em termos de você trabalhar com uma técnica quase que muito simples, mas com uma força muito grande, não é? (TOZZI, 2012, p. 5)
  • 30.   29 Isto é, ao mesmo tempo em que buscavam romper o tendão contemplativo da arte – associado a um embrionário mercado de arte brasileiro restrito às elites, os artistas buscaram assumir uma posição de aproximação entre arte e vida a partir da postura participativa, deles em relação à realidade e do público em relação às obras. Deste modo, uma nova “utopia revolucionária romântica” era construída. A partir da crítica ao nacional-popular cepecista, agora, acirrada pela fratura causada pela implantação do regime militar, a utopia que despontava era a de uma vanguarda brasileira elaborada como estratégia de uma arte engajada (REIS, 2006, p. 22). Um dos primeiros artistas a endossar um programa de vanguarda foi Waldemar Cordeiro, reconhecido por alguns como “papa do concretismo naquele período” (depoimento de Sérgio Ferro apud RIDENTI, 2000, p. 179). Em artigo publicado na revista “HABITAT” nº 77, de 1964, Cordeiro atento às novas configurações do campo artístico a níveis internacional e nacional, assumia uma “Nova Figuração” não representativa em termos convencionais ou simbólicos, mas como uma intencionalidade a partir de um realismo histórico construído na linguagem da arte contemporânea que apresentaria a realidade (CORDEIRO, 1978, p. 53). Assim, não casualmente, a posição do artista, no quadro do colapso do nacional-popular, é de uma crise da representação. De certo modo, a vanguarda que se anunciava continha em si uma crítica ao modelo cepecista de “arte popular revolucionária”, a qual desaguava em um figurativismo mecânico, e intencionava uma ação de intervenção direta no real. Neste sentido, O novo conceito proposto pela vanguarda rejeita a ideia de uma arte como representação. Enquanto produtora de uma realidade específica, a arte renuncia a traduzir em figuras realidades alheias ao seu próprio universo. O real já se encontra implicitamente contido na obra de arte vanguardista, na qualidade de opção sobre o uso dos materiais que a história oferece, e que podem ser valores, mitos, instrumentos técnicos, etc., sempre tomados como possibilidades da forma e não como referentes de alusões simbólicas. (SAMPAIO, 1993, p. 8) No período em que vigorou esta vanguarda, aproximadamente de 1964 a 1968, quando “boa parte dos artistas brasileiros pretendia, ao fazer arte, estar fazendo política” (ARANTES, 1986, p. 69), seu pensamento utópico consistia em concentrar, em uma síntese dialética, as contradições de um país subdesenvolvido: o nacional e o internacional, o artesanal e o industrial, o avançado e o precário, o nordeste e o sudeste, a cultura popular e a cultura de massa. A partir de Marcelo Ridenti, pode-se pensar que a crítica efetuada pelo meio artístico à realidade social
  • 31.   30 e política brasileira é ressonância do trauma ético-cultural e político-moral (RIDENTI, 2000, p. 53) advindo da instalação de um regime militar que, além de castrar as liberdades individuais, incentivava e acelerava o desenvolvimento de uma sociedade de consumo no Brasil e, por conseguinte, de uma cultura de massa. Este processo de repressão e incentivo pelo Estado autoritário das ações relacionadas à esfera cultural, consolidando um mercado de bens de consumo cultural (ORTIZ, 1994, p. 113-116), pode ser chamado de modernização conservadora, pois tende à manipulação das vidas e dos meios de comunicação de massa para fins autoritários em nome da segurança nacional. É possível dizer ainda que foi do combate a um outro discurso – o discurso autoritário dos militares golpistas que pretendiam “eliminar o comunismo, a ‘subversão’, a corrupção etc. que impediriam a caminhada do Brasil rumo ao seu destino de ‘país do futuro’” (FICO, 2004, p. 36), que o discurso utópico revolucionário de vanguarda teve seu apogeu, visando, assim, ao combate pela via da resistência. Este clima de “cisão fáustica” – expressão utilizada por Marshall Berman para caracterizar um desencanto dos intelectuais frente às contradições do capitalismo e do mundo moderno – culminou na cultura de vanguarda de países do Terceiro Mundo em “visões, ações e criações revolucionárias” (BERMAN, 2007, p. 57) marcadas pela identidade “subdesenvolvida”. Logo, não seria casual que Hélio Oiticica, ao sistematizar o estado da arte de vanguarda brasileira, proferisse como seu lema: “DA ADVERSIDADE VIVEMOS!” (OITICICA, 2006, p. 168). No panorama da resistência, a primeira manifestação das artes visuais após o golpe civil-militar de 1964 foi, segundo muitos críticos – Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e Frederico Morais, por exemplo (REIS, 2005, p. 81) – a exposição “Opinião 65” que, de agosto a setembro de 1965, ocorreu no MAM-RJ. Inspirando-se no show “Opinião” (citado anteriormente) do ano anterior, a marchande e crítica Ceres Franco e o marchand Jean Boghici, proprietário da Galeria Relevo, reuniram artistas brasileiros e internacionais que, de certo modo, desenvolviam trabalhos próximos marcados pela figuração e por experimentações de participação do público. Para o historiador da arte e curador Paulo Reis: “o nome da exposição evocava as urgentes opiniões da classe artística ao regime então instalado, a uma nova configuração da arte brasileira […] e também aquela possibilidade geral dos cidadãos em externar opiniões” (REIS, 2005, p. 82).
  • 32.   31 A esta urgência de externar opiniões sobre o regime militar instaurado, Mário Pedrosa, um dos críticos mais influentes do período, em artigo de 1966 intitulado “Opinião… Opinião… Opinião”, chamaria de “calor comunicativo social da mostra, sobretudo da jovem equipe brasileira” (PEDROSA, 2007, p. 101). Esta força de comunicação foi gerada, naquele momento, pela apropriação de personagens da realidade social e política transformados em mitologias que geralmente se relacionavam ao universo urbano: o General, a Miss, o bandido, o desaparecido, o desempregado, entre outros. Assim, lembro, a partir de Roland Barthes, a atualidade do mito na sociedade/cultura de consumo, na qual sua função é naturalizar o histórico, destruir quaisquer lembranças de sua produção, deste modo, efetivando sua definição semiológica enquanto “fala despolitizada” (BARTHES, 2009, p. 235, grifo do autor). Portanto, os meios de comunicação de massa são tomados como os locais por excelência que despolitizam uma forma/personagem já conhecida, que neste momento se junta ao rol das mitologias da sociedade capitalista. Descaracteriza-se o conteúdo humano da representação, associando-a a um tipo que possui propriedades a serem consumidas. No entanto, a tarefa dos artistas visuais que se apropriam dos mitos contemporâneos é a contramão dessa operação de despolitização das pessoas – quando Rubens Gerchman pinta um desaparecido, ele quer enfatizar tanto o caráter político e social do desaparecimento (novamente um sequestro operado pela ditadura?) quanto o caráter despolitizador/mistificador dos meios de comunicação de massa, percebendo-o como não apenas mais um que aparece no jornal juntamente com tantos outros. Além disso, os materiais e técnicas tradicionais de produção artística eram substituídos ou atuavam em conjunto com materiais precários, refugos e tintas de base plástica. Vale ressaltar também que foi em “Opinião 65” que Hélio Oiticica apresentou seus parangolés, os quais acionavam uma participação corporal-vivencial do público e rompiam com a definição tradicional de obra em sua apresentação material, pois nem era a capa-parangolé a obra/objeto e nem era o corpo um suporte dessa obra. Esta desmaterialização que marcaria a arte contemporânea, em Oiticica aparecia enquanto proposição de vivência. Vestir o parangolé, enquanto vivência, é que era a obra. Nesta via, despontavam atitudes de negação da instituição Arte e seus lugares-comuns, que tendiam a propor uma antiarte. Esta nova percepção do objeto artístico aliada a novas formas de criação artística fez Mário Pedrosa, em artigo de
  • 33.   32 1966 intitulado “Crise do condicionamento artístico”, afirmar que nesse momento de crise do mundo, do homem e da arte, os artistas brasileiros já não estavam mais pautados pelos parâmetros da arte moderna e, assim, sugeriu: “chamai a isso de arte pós-moderna, para significar a diferença” (PEDROSA, 2007, p. 92). Assim, em dezembro de 1965, inspirado na experiência carioca de “Opinião 65”, Waldemar Cordeiro em conjunto com os artistas-arquitetos Sérgio Ferro e Flávio Império, organizou em São Paulo, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), a exposição “Propostas 65”. A mostra que contou com 48 artistas atuantes no Brasil, pretendia “fazer um inventário do ‘realismo atual do Brasil’ não apenas por meio da apresentação de obras, mas também de sessões de debates com o público” (COUTO, 2012, p. 74). Surgia, então, mais uma força, agora vinda de São Paulo, a engrossar o caldo em torno da discussão da vanguarda. Deste debate surgiu o texto de Mário Schenberg, “Um novo realismo”, no qual o crítico afirmava que com as exposições “Opinião 65” e “Propostas 65”, assim como, com a premiação de Wesley Duke Lee em Tóquio e de Antonio Dias e Roberto Magalhães em Paris, havia aparecido um novo realismo na arte brasileira. Ressalto que para Schenberg essa novidade estaria relacionada a um novo humanismo democrático e social, que trouxe para as artes visuais a incorporação de materiais precários e a despreocupação com o requinte artesanal. Neste sentido, aproximando-se de Sérgio Ferro, Schenberg via o novo realismo como “uma forma de arte participante” (SCHENBERG, 1978, p. 62), a qual se desdobraria a outros campos que não apenas o artístico, podendo, assim, ser uma “arma” para a conscientização nacional a partir de um posicionamento contrário à ideologia autoritária (REIS, 2006, p. 40). Sendo assim, o maior mérito histórico do CPC, o alerta da necessidade de uma arte engajada, manifestava-se em 1965 como utopia revolucionária do futuro, visando a construção de um homem novo crítico da utopia autoritária e da modernização conservadora imposta com base nela. No ano seguinte, a experiência seria repetida e “Opinião 66” e “Propostas 66” ocorreriam. O vigor que “Opinião” parecia ter perdido abundou em “Propostas 66”, retomando-se a questão (sempre presente neste momento) de uma arte de vanguarda. Tal preocupação, beirando uma mania, expressava-se na organização em temas da exposição no dia 12 de dezembro, na qual no item “2 – PROPOSTA” do “TEMA 1 – CONCEITUAÇÃO DA ARTE NAS CONDIÇÕES HISTÓRICAS
  • 34.   33 ATUAIS DO BRASIL” podemos ver uma série de seções (3.1, 3.1.1, 3.1.1.1…) dedicada à arte de vanguarda (ver Anexo A). Ressalto que, no programa desta neovanguarda brasileira, a arte engajada não reduziria o trabalho dos artistas a instrumentos de conscientização nacional e de transformação social, mas expressaria as próprias contradições do trabalho artístico em uma sociedade de consumo/cultura de massa/ditadura militar. Havia muitos motivos para, nos anos 1960, principalmente, ser decretada a morte da arte (e do artista), quando a arte moderna falira. Porém, contrariando um quadro apocalíptico, a arte transformou-se em outra coisa, em arte contemporânea ou “arte pós- moderna” (se preferirmos a ideia de Mário Pedrosa). Em uma cultura de massa marcada pelo efêmero e pelo culto à obsolescência, o trabalho do artista, produtor de obras de valor único e exemplar, não teria lugar, assim como, em uma sociedade que vivia sob a castração da liberdade de expressão criativa. Neste sentido, no texto “A Arte na Sociedade Unidimensional”, de 1967, Herbert Marcuse interpreta de modo otimista um novo devir da arte. Para o filósofo alemão, a morte da arte significava a morte de uma linguagem tradicional que lhe parecia incapaz de comunicar o mundo contemporâneo, principalmente as manifestações da juventude rebelde que colocavam em pauta a linguagem artística como linguagem revolucionária (MARCUSE, 2000, p. 259). Pois se a arte, através da faculdade cognitiva da imaginação, guarda sua afinidade com a liberdade, em uma realidade em que o sentido e a ordem são impostas pelos meios de repressão, “as artes por si mesmas assumem uma posição política: a posição do protesto, da repulsa e da recusa” (MARCUSE, 2000, p. 262). Portanto, como dito anteriormente quando falava de Mikel Dufrenne, o artista acaba desembocando na política em um momento de “quase fusão entre política e cultura” (RIDENTI, 2000, p. 55), bem como se engaja a partir de uma revolução no seu próprio modo de fazer arte, a qual estaria relacionada organicamente a um engajamento político. Isto é, Na obra de arte orgânica, os conteúdos político-morais que o autor deseja expressar estão necessariamente subordinados à organicidade do todo. Significa que esses conteúdos (queira-o ou não o autor) se tornam partes justamente do todo da obra para cuja constituição contribuem. A obra engajada só pode ser bem-sucedida quando o próprio engajamento é o princípio unificador que a perpassa (inclusive em sua forma). (BÜRGER, 2008, 176)
  • 35.   34 Deste modo, no trabalho do artista da dita neovanguarda, há uma tensão entre a experimentação estética e a crítica social e política que se resolve, ou pelo menos deveria, na obra de arte. De certa forma, foi neste clima que, já em “Propostas 66”, Hélio Oiticica afirmaria que a tendência específica da vanguarda brasileira naquele momento era a busca de uma “nova objetividade”, o que no ano posterior desaguaria na exposição organizada pelo artista no MAM-RJ. Não seria exagerado dizer que “Nova Objetividade Brasileira”, ocorrida em abril de 1967, formularia a síntese do programa da arte de vanguarda iniciado com “Opinião 65”, assim como fecharia um ciclo analítico da arte brasileira dita pós- moderna (PEDROSA, 2007, p. 92). Ressalto que, não casualmente, as exposições nesse período tomaram uma grande importância pois, com o fechamento das organizações culturais após o golpe de 1964, elas foram trazidas “para o próprio cerne do processo de construção poética do experimentalismo dos anos 60, ligado quase sempre à construção e criação de novos espaços” (REIS, 2005, p. 166). Neste sentido, as apropriações efetuadas pelos artistas brasileiros das tendências figurativas ou não-figurativas as mais diversas possíveis – Novo Realismo, Nova Figuração, Arte Pop, Realismo Mágico, entre outros, encontravam-se contempladas no “Esquema geral da Nova Objetividade”, de autoria de Hélio Oiticica que, em seu início, dizia: Nova Objetividade seria a formulação de um estado da arte brasileira de vanguarda atual, cujas principais características são: 1: vontade construtiva geral; 2: tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro do cavalete; 3: participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica etc.); 4: abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos; 5: tendência para proposições coletivas e conseqüente abolição dos “ismos” característicos da primeira metade do século na arte de hoje (tendência esta que pode ser englobada no conceito de “arte pós- moderna” de Mário Pedrosa); 6: ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte. (OITICICA, 2006, p. 154) Isto é, como se das adversidades vividas – a ditadura militar, a castração, o medo, o subdesenvolvimento – os artistas fizessem seus trabalhos que, para citar uma artista que neste clima de conflito estava em Paris, amiga de Oiticica, Lygia Clark, incidiam “numa mudança radical do mundo em vez de ser somente uma interpretação do mesmo” (FIGUEIREDO, 1996, p. 59, grifo do autor). Vale ressaltar que a expressão Nova Objetividade é criação da vanguarda alemã dos anos 1920 à época do Expressionismo. Após a Primeira Grande Guerra,
  • 36.   35 observou-se uma ascendente politização dos artistas que, como os arquitetos Gropius e Mendelson, entre 1918 e 1920, reuniram-se inicialmente no Novembergroupe tomando posição contrária ao nazismo em formação. Porém, o grupo brevemente foi dissolvido pelos nazistas, levando à criação da Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), sintoma do desespero de artistas como Grosz e Beckmann em superar o romantismo alemão e adaptar a ideia expressionista às novas precisões construtivas, tentando elaborar uma arte mais simples mesmo que no fim não tenham se sucedido bem. No limite dessa experiência há a escola Bauhaus, a qual continua o curso (ainda ligada ao Expressionismo), porém, expõe- se com um anseio construtivo na arte muito forte que desaguava em uma integração da arte na sociedade (MORAIS, 1975, p. 92). Não casualmente, a vontade construtiva elaborada a partir da participação da arte na sociedade, seria vocação em comum de ambas proposições de arte de vanguarda, tanto no Brasil de 1965-1967 – que expressaria “a arte como arquitetura de uma sociedade livre” (MARCUSE, 2000, p. 270), quanto na Alemanha dos anos 1920. Curiosamente, as experiências brasileira e alemã também guardam semelhanças quanto ao cerceamento da liberdade – ditadura militar e Terceiro Reich ou Alemanha nazista, respectivamente, lembrando que a Bauhaus foi fechada em 1933, logo após a ascensão de Adolf Hitler do Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) ao poder (ARGAN, 1992, p. 269). O debate em torno da posição ética tomada pelo artista e da participação do público na obra de arte se alarga e invade até o território restrito da Bienal de São Paulo, especificamente em sua nona edição em 1967. Esta exposição contou com uma grande concentração de trabalhos ligados às novas figurações e principalmente à Arte Pop estadunidense, a qual praticamente tomava conta do “Ambiente USA: 1957-1967”. Não obstante, um filme de curta-metragem produzido sobre a IX Bienal, intitulado emblematicamente como “Arte Pública”, apresentava o sucesso de público e a proposições de artistas brasileiros como Wesley Duke Lee, Antonio Dias, Glauco Rodrigues, Rubens Gerchman, Pedro Escosteguy, Carlos Vergara, Hélio Oiticica, Lygia Clark e outros. Os títulos que abrem e fecham o vídeo denunciam a ressonância da vanguarda na exposição. Logo no início temos: “Na longa marcha da cultura, a função da vanguarda é demarcar o caminho que leva ao futuro” (ARTE, 1967), que pode ser lido como um grande sintoma da utopia revolucionária de vanguarda, projetando-se na práxis a fim de construir um novo futuro e um novo
  • 37.   36 homem. Porém, mais crítico que isso seria a seguinte afirmação que fecha o vídeo: “A Arte Pública é uma convocação geral para a união de todos em tôrno dos temas primordiais da cultura e da liberdade” (ARTE, 1967). Deste modo, se estas afirmações libertárias em um vídeo expositivo de um evento oficial como a Bienal de São Paulo foram possíveis, é porque o ano de 1967 deflagrou uma “popularidade” da arte engajada. O Brasil vivia um clima intenso de esquerda, porém, este acontecimento cultural contrastava com o regime militar cada vez mais instalado na realidade política e social brasileira (NAPOLITANO, 2008, p. 59). O ano de 1967 marcou ainda uma série de fenômenos jurídico-políticos como a promulgação de nova Constituição, a qual entrou em vigor em 15 de março de 1967 com a posse do presidente Costa e Silva, a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional, que legalizavam o discurso autoritário do regime militar no Brasil. Este ainda seria um ano decisivo para a esquerda, que se dividia entre aqueles que defendiam a luta política ou a luta armada contra a ditadura. Neste sentido, o PCB vinha perdendo cada vez mais quadros para novas entidades clandestinas que surgiam no calor do espírito romântico da revolução pela via da guerrilha, como a Ação Libertadora Nacional (ALN), que, sob liderança do dissidente comunista Carlos Marighella, defendia a supremacia da ação sobre a teoria (RIDENTI, 2000, p. 166). Não por acaso, com seu programa de vanguarda guerrilheira do povo, a ALN atrairia, dentre as organizações clandestinas, o maior número de artistas, incluídos aí Sérgio Ferro, Antônio Benetazzo e mesmo Claudio Tozzi (RIDENTI, 2000, p. 180; TOZZI, 2012, p. 5). Entretanto, para a historiadora e crítica de arte Aracy Amaral, apesar do desejo de romper com o isolamento e de buscar formas de comunicação com um público maior, nas artes visuais, contrastando com o teatro, o cinema e a música popular, a relação com o coletivo teria ocorrido de maneira frouxa, daí “o político tocaria o artista plástico ‘de leve’” (AMARAL, 2003, p. 329). Seguindo sua análise de 1968, presente no artigo “Dos carimbos à bolha”, percebe-se que Amaral duvidava muito de uma arte pública tal como ela se propunha: “Que significa isso, ‘arte pública’? Só porque sai à praça de Ipanema ou pela Avenida Brasil, é arte pública?” (AMARAL, 1982, p. 147). Contudo, vê que nos anos 1960 surge um rol de trabalhos artísticos que se voltam para o espaço público, tendo a “cidade com suporte”, mas que se limitavam a comentar a realidade política e social, falhando na direção de uma desmistificação e deselitização do campo artístico.
  • 38.   37 Porém, esse ceticismo de Aracy Amaral vem aos poucos, com as pesquisas historiográficas mais recentes de Paulo Reis e Artur Freitas, sendo questionado e confrontado com as proposições engajadas de vários artistas engajados na tarefa da resistência cultural, sobretudo com a formulação da vanguarda que seria nomeada por Hélio Oiticica como “Nova Objetividade”. Apesar do aspecto lúdico-dionisíaco que salta aos olhos dos trabalhos, no contexto de uma ditadura militar, isso se transformava mesmo em luta pela libertação dos sujeitos castrados pelo autoritarismo, pois compunha exercícios de uma nova percepção (crítica) frente à realidade acompanhada por uma nova objetividade orientada na proposição de vivências e na participação do público. No decorrer de 1967 e, principalmente, em 1968, as manifestações de arte pública ou arte na rua aumentavam. Em São Paulo, a exposição de bandeiras, em 1967, de Nelson Leirner e Flávio Motta. No Rio de Janeiro, a Festa das Bandeiras, em janeiro, e a I Feira de Arte, em agosto de 1968. “Um mês de arte pública”, promovido pelo “Diário de Notícias” e organizado por Frederico de Morais no Parque do Flamengo, seria o mais importante evento neste sentido. Exposições de artistas de vanguarda ao ar livre, aulas para crianças, oficinas de arte a pessoas leigas, indicavam o apogeu da função social do artista como propositor em sua busca da participação/vivência do público. “Apocalipopótese”, liderada por Hélio Oiticica, em sua convulsão dadaísta de acontecimentos simultâneos sem lógica explícita, indicava tanto o ponto máximo da Nova Objetividade, quanto um tom profético e de premonição do apocalipse da vanguarda: o clima era tenso e alegre, bem como de comunidade e violência (MORAIS, 1975, p. 99). Com o fim de 1968 vinha a ruptura, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) anunciando a marginalidade da vanguarda, a censura e o exílio. Restava aos artistas a aceitação do autoritarismo a partir da autocensura, o inconformismo através do êxodo para o exterior, o engajamento pela inserção na contra-arte ou arte-guerrilha, ou ainda, no caso de artistas que pegaram em armas, segundo Jacob Gorender, pela “imersão geral na luta armada” (RIDENTI, 2000, p. 41). Neste processo, Claudio Tozzi seguiu por uma via diferente: aderiu de certo modo à autocensura e modificou sua poética, porém, continuou seguindo com uma proposição política que, a partir de 1969, com o aprofundamento de sua preocupação formal – como podemos ver a partir da série “Astronautas”, não mais se mostrava explicitamente como em seus trabalhos do período de 1964 a 1968.
  • 39.   38 Talvez pela incipiência de uma comunicação em sua forma mais pública, a resistência dos artistas visuais, “longe de constituir um espaço político fechado e isolado do seu oposto” (NAPOLITANO, 2011a, p. 21), não tenha ficado tão evidente como a dos músicos, por exemplo, que se apresentavam em programas televisivos como o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, os quais atraíam multidões em suas plateias – contrastando com o público telespectador restrito – repletas de jovens que participavam ora aplaudindo, ora vaiando. Contudo, saliento que este trabalho se insere na perspectiva de uma crítica ao ceticismo à resistência dos artistas visuais no período de 1964 a 1968, concentrando-se principalmente a partir de 1965. Neste intuito, os dois capítulos que seguem são exercícios de interpretação histórica do trabalho do artista visual Claudio Tozzi nesse período, o qual, perceber-se-á em seguida, conectava-se às proposições da neovanguarda brasileira e mesmo estava inserido nessa. Tozzi participou como artista engajado da revolução na arte, a qual buscava a transformação da arte e da sociedade através de uma estetização da política – como proposta na leitura de Mikel Dufrenne, Luigi Pareyson e Marcos Napolitano. Era a partir de sua posição como artista de vanguarda que as proposições críticas eram elaboradas: apropriando-se de manchetes de jornais em um momento ou das mitologias urbanas, como o bandido da luz vermelha, em outro, a fim de participar da realidade na obra, intervindo na realidade social e propondo soluções para ela. Por fim, para sanar possíveis dúvidas que possam surgir, o viés deste trabalho não está pautado em um julgamento de se, e o quanto, Claudio Tozzi logrou êxito em sua aproximação com o público e se seus trabalhos foram compreendidos. Os dois capítulos que seguem analisam as proposições do artista paulistano e suas apropriações de objetos da realidade brasileira, assim como suas aproximações com outros artistas que se engajaram na revolução na arte e na transformação social pela via da arte como resistência cultural e política.
  • 40.   39 3 FRAGMENTOS DE TOZZI: ARTE COMO RESISTÊNCIA Este capítulo abre a exposição das interpretações históricas efetuadas sobre os trabalhos selecionados de Claudio Tozzi, especificamente aqueles que miravam atuar como resistência à ditadura militar. Neste sentido, são analisadas duas obras em relação com o mundo que as rodeiam a fim de percebermos as apropriações e frequentações efetuadas pelo artista visual na construção de seus trabalhos. Em dezembro de 1977 – por ocasião da exposição “Objeto na arte: Brasil anos ‘60”, sob coordenação e supervisão de Daisy Peccinini de Alvarado, realizada em 1978 no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) – em depoimento para o Departamento de Pesquisa e Documentação Arte Brasileira da FAAP, Claudio Tozzi disse o seguinte: Uma das características da arte brasileira de vanguarda dos anos ‘60, é a preocupação com o coletivo. Na pintura refletia-se principalmente, a temática social. Os fatos políticos eram narrados pela figura; a obra exigia do espectador, não apenas uma atitude de contemplação, mas tinha o intuito de incitar seu pensamento, levá-lo à reflexão e ao debate (…) (TOZZI, 1978, p. 221) Tozzi analisava, 10 anos depois, a situação da vanguarda a fim de se inserir neste contexto e nesta proposição. A relação do artista com uma arte engajada se inicia com sua entrada na FAU-USP em 1964 onde, por exemplo, frequentou aulas com Sérgio Ferro no curso de História da Arte, o qual também orientou Claudio com relação à atuação política (MAGALHÃES, 2007, p. 25), o que desembocaria na participação de ambos na ALN de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira (conhecido na entidade clandestina como Toledo). Estabelecia-se uma rede de frequentações que incluíam desde o ateliê de Sérgio e Flávio Império até o Curso de Formação de Professores de Desenho do Museu de Arte de São Paulo (MASP), no qual Flávio Motta integrava os artistas-arquitetos da FAU com os artistas que utilizavam elementos da Arte Pop em seus trabalhos (OLIVEIRA, 1993, p. 57). Tais relações com professores, teóricos e críticos marcaram a produção de Tozzi, principalmente a concepção de Mário Schenberg de “Novo Realismo”, já explicitada anteriormente, que via surgir no Brasil em 1965 uma arte participante (SCHENBERG, 1978, p. 62), que fora compreendida por Tozzi, em depoimento ao Jornal do Brasil, como “instrumento para despertar no povo uma conscientização crítica” (GUEVARA, 1967 apud KIYOMURA; GIOVANNETTI, 2005, p. 24).
  • 41.   40 Como destaquei no capítulo anterior, vários artistas estiveram empenhados na revolução na arte, a qual previa o engajamento do artista com a transformação social. Esta questão aparecia, por exemplo, no ideário da vanguarda deste período – o “Esquema geral da Nova Objetividade”, de Hélio Oiticica, no qual se ressaltava a vontade de participação do artista na sociedade, assim como seu posicionamento frente aos problemas sociais, políticos e éticos da realidade brasileira (OITICICA, 2006, p. 154). Nesta via, Claudio Tozzi se apropriou de maneira singular das análises que circulavam no meio artístico e intelectual do período 1966-1967, as quais ressoam na formulação de sua poética engajada. Por isso, trago para a discussão dois trabalhos do artista que foram produzidos sob este calor comunicativo e de resistência cultural à ditadura militar: USA e abUSA, de 1966, e Nós somos os guardiões-mor da sagrada democracia nacional, de 1967, fabricados, segundo Leila Kiyomura e Bruno Giovannetti, “no clima da geração da briga, [quando] Tozzi deixou-se envolver, cada vez mais, pelos movimentos de massa” (KIYOMURA; GIOVANNETTI, 2005, p. 23). Em clima de tensão provocado pela vivência em um Estado autoritário, as obras operaram como críticas aos acontecimentos recentes – em 1966 e 1967, no Brasil. Inicialmente, vale destacar que, notadamente Tozzi, ao incorporar elementos figurativos em seus trabalhos, não abriu mão do legado construtivista advindo do movimento concreto e da ruptura neoconcreta, bem como de sua formação em arquitetura, o que era comum entre os artistas englobados na arte de vanguarda daquele momento (SOARES, 2008, p. 127). Em entrevista, o artista afirma esta característica em seus primeiros trabalhos: “[…] eles têm uma estrutura construtiva. Então, cada imagem que eu colocava era dentro de um campo já estruturado, já trabalhado” (TOZZI, 2012, p. 9). Assim, unia-se ao desejo de revolucionar a linguagem da arte a resistência a todo tipo de autoritarismo – na arte e na vida política e social, como disse Claudio em depoimento a Fábio Magalhães, A década de 1960 é caracterizada por uma grande necessidade de mudanças e rupturas. As artes plásticas se apropriaram de novos conceitos e transformaram sua linguagem. A pop-art, realizada principalmente nos Estados Unidos, preocupava-se mais com a glamourização de imagens de consumo pré-existentes, algo mais próximo à repetição de imagens das prateleiras de um supermercado, à redundância de imagens e ícones imediatamente reconhecíveis. No Brasil, prefiro usar a palavra nova figuração, pois tem uma conotação específica, com um conteúdo referido ao que ocorria no País, ligado à conjuntura da época. Vivíamos uma situação de opressão e repressão sob o regime militar. A pintura era parte da nossa resistência. Como você falou, nossa arte continha um engajamento