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17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica
http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 1/10
Editor:
Juan Carlos M. Coll (CV) 
ISSN: 1988­7833
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Universidad de Málaga > Eumed.net > Revistas > CCCSS
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Contribuciones a las Ciencias Sociales 
Julio 2014
CONTRADISCURSO E HERMENÊUTICA JURÍDICA:
REPRESENTAÇÃO DA ATUAÇÃO ESTATAL NAS LETRAS DE RAP 
Mari Cristina de Freitas Fagundes (CV)
Ana Clara Correa Henning (CV)
Marcelo Nunes Apolinário (CV)
maricris.ff@hotmail.com
UFPEL ­ UFSC 
RESUMO:  o  presente  texto  discute  possíveis  relações  entre  letras  de  Rap  e
interpretação do direito. Leva em conta diferenciações entre aqueles legitimados pelo
campo  jurídico  e  aqueles  cujas  vozes  não  encontram  guarida  nesse  campo,
especialmente por se tratarem de indivíduos deslegitimados em razão de sua etnia,
condição  econômica  e  social.  Realça­se  composições  musicais  que  representam
relações de poder entre o aparato estatal e seus agentes com cidadãos integrantes
de  uma  parcela  populacional  vista  com  suspeita  pelas  autoridades.  Tais  letras
também debatem a ineficácia de direitos e princípios constitucionais tais como direito
à vida, à integridade física e à igualdade.
PALAVRAS­CHAVE:  Rap,  interpretação  do  Direito,  representação  estatal,
Constituição, discurso jurídico.
Resumen: El presente artículo discute posibles relaciones entre las letras de Rap e
interpretación del derecho. Lleva en cuenta distinciones entre aquellos legitimados por
el campo jurídico y aquellos cuyas voces no encuentran protección en este campo,
especialmente  por  se  trataren  de  individuos  deslegitimados  en  razón  de  su  etnia,
condición económica y social. Se destaca composiciones musicales que representan
relaciones de poder entre el aparato estatal y sus agentes con ciudadanos integrantes
de  una  parcela  de  la  población  vista  como  sospechosa  por  las  autoridades.  Tales
letras  también  debaten  la  ineficacia  de  derechos  y  principios  constitucionales  tales
como derecho a la vida, a la integridad física y a la igualdad.
PALABRAS­CLAVE:  Rap,  interpretación  del  derecho,  representación  estatal,
constitución, discurso jurídico.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
de  Freitas  Fagundes,  M.,  Correa  Henning,  A.  y  Nunes  Apolinário,  M.:
"Contradiscurso e hermenêutica jurídica: representação da atuação estatal nas letras
de  RAP",  en  Contribuciones  a  las  Ciencias  Sociales,  Julio  2014,
www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html
INTRODUÇÃO
17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica
http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 2/10
sobre
Educación, Cultura y
Desarrollo
Aún está a tiempo de
inscribirse en el congreso
como participante­
espectador.
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Partindo da compreensão da existência da diversidade social na contemporaneidade,
buscou­se trazer algumas letras de Rap que tenham como tema principal o sistema
de  justiça  criminal  vigente  no  país,  contextualizando  parte  da  realidade  social  dos
atores que compõem esse repertório musical e de seus ouvintes, procurando romper
com conceitos positivistas, articulando ciência e arte como forma de aproximação da
realidade. 
Através  desses  critérios  “diferentes”,  busca­se  tornar  visível  a  pluralidade  de
experiências  sociais  hoje  efetivadas  em  uma  sociedade  heterogênea,  procurando
romper  com  a  “vontade  de  sistema”  e  com  conceitos  de  verdade  herdados  da
modernidade. Para efetivação do que aqui se propõe, se lançará mão ao referencial
teórico  voltado  à  criminologia  cultural,  bem  como  à  sociologia,  apoiando­se
precisamente  em  alguns  conceitos  desenvolvidos  por  Pierre  Bourdieu.  Além  disso,
buscou­se destacar algumas produções acadêmicas que enlaçam arte e direito.
Sendo  assim,  estruturalmente  o  texto  ficou  dividido  em  três  partes,  buscando,
primeiramente,  destacar  a  teoria  de  Pierre  Bourdieu  no  que  diz  respeito  ao  campo
jurídico. Posteriormente, destacou­se alguns estudos que envolvem música e direito,
bem  como  uma  breve  contextualização  do  Rap  no  Brasil  e  a  contribuição  do  grupo
Racionais MC’s para as questões politizadas tratadas nesse tipo de música. Por fim,
se trouxe para análise algumas letras de Rap, evidenciando a importância de lançar o
olhar a estas produções a fim de aproximar o campo jurídico da realidade vivenciada
por certos agentes sociais.
Destaca­se que o recorte metodológico voltou­se para algumas produções do grupo
Racionais MC’s, apoiando­se na revisão bibliográfica que diz respeito ao tema, bem
como pontuado acima. Sendo assim, convida­se o leitor para lançar um olhar crítico à
produção do Direito a partir de algumas letras de Rap.
1. A teoria bourdiana e algumas contribuições para a compreensão do campo
jurídico
Como  é  possível  verificar  dos  textos  jurídicos,  das  produções  acadêmicas  e  do
posicionamento  que  se  possui  do  direito  na  contemporaneidade,  sobressalta  aos
olhos a autonomia que essa ciência possui nestes tempos. Mais que isso: por vezes
mostra­se um dos mecanismos potentes para engendrar a “ordem” social. 
É  partindo  dessa  autonomia  e  dessa  representatividade  da  ciência  jurídica  possui,
que  o  conceito  bourdiano  de  “campo”  (BOURDIEU,  2012)  se  apresenta  pertinente  e
potente  para  o  desenvolvimento  desse  estudo,  pois,  como  se  verá,  o  conceito
desenvolvido por Pierre Bourdieu demonstra a capacidade que determinadas ciências
possuem  em  se  apresentar  como  legítimas  e  com  isso,  legitimar  os  sujeitos
capacitados  para  produzir  as  verdades  dentro  do  seu  campo  e,  em  contrapartida,
negar saberes que não sejam produzidos nela. 
É nesse sentido que emerge o que o referido autor pontua como profanos e iniciados
(BOURDIEU,  2012).  Aqueles  são  os  que  não  possuem  conhecimento  dentro  de
determinado campo, enquanto que os últimos são legitimados para falar sobre dado
assunto  em  determinado  campo.  Exemplificando:  magistrados,  advogados,
promotores  podem  ser  considerados  iniciados,  pois  o  saber  que  desenvolvem  no
campo  jurídico  é  ali  considerado  legítimo;  enquanto  que  compositores  de  Rap  são
considerados profanos, pois embora possam se referir a esta área, a produção que
destacam não é efetuada dentro do campo do direito, logo não tão “legítima” como a
produção daqueles.
Entretanto, possibilitando a construção de questionamentos a esse saber produzido
dentro de certo  campo,  tendo  em  vista  a  heterogeneidade  social,  da  qual  Bourdieu
não  se  furta,  levando  em  consideração  as  inúmeras  pesquisas  empíricas
desenvolvidas  em  seus  estudos,  o  autor  enfatiza  a  existência  de  disposições
duráveis  que  distinguem  os  sujeitos  e  que  são  mecanismos  que  os  acompanham,
fazendo  com  que  certas  produções  desenvolvidas  em  determinados  campos  não
sejam plenamente compreendidas por atores que se encontram situados em campos
diferentes  (WACQUANT,  2008).  Essas  disposições,  resumidamente,  consistem  no
que o autor denomina como habitus.
A importância de situar o leitor nesses dois conceitos, se dá pelo fato de habitus  e
campo  serem  conceitos  caros  a  Pirre  Bourdieu  e,  além  disso,  por  estarem
intimamente ligados.
Voltando­se precisamente a este estudo, a necessidade de destacar as produções no
campo jurídico, dá­se pela crítica que se desenvolve as produções efetuadas pelos
saberes nele legitimado, negando, por vezes, os saberes pulsantes no meio social.
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Destaca­se que o campo jurídico possui uma lógica própria e é através dela que se
legitima.  Os  atores  que  fazem  parte  desse  campo  o  disputam  internamente,  o  que
direciona  ainda  mais  o  seu  fechamento  para  que  os  atores  ali  envolvidos
permaneçam legitimados. Nesse sentido cabe destacar:
[...] As práticas e os discursos jurídicos são, com efeito, produto do funcionamento
de um campo cuja lógica específica está duplamente determinada: por um lado, pelas
relações  de  força  específicas  que  lhe  conferem  a  sua  estrutura  e  que  orientam  as
lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele
têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em
cada  momento  o  espaço  dos  possíveis  e,  deste  modo,  o  universo  das  soluções
propriamente jurídicas (BOURDIEU, 2012, p. 211).
Nota­se  que  o  autor  destaca  a  potencialidade  do  direito  em  produzir  conhecimento
imbuído  em  suas  próprias  lógicas.  Lógicas  estas  construídas  historicamente,
ancoradas  em  certas  formas  de  poder.  Daí  a  dificuldade  de  se  contrapor  ao
conhecimento produzido no campo jurídico, tendo em vista as representações que se
obtém a partir dessa produção.
É  nessa  linha  que  o  autor  destaca  a  necessidade  de  ultrapassar,  desencobrir  as
estruturas mais internas nos diversos mundos sociais, assim como os mecanismos
que  tendem  a  assegurar  a  reprodução  e  a  transformação.  É  nesse  sentido  que
estudar a música, mais precisamente, o Rap, como um artefato cultural potente para
deslocar as certezas que o campo jurídico engendra socialmente, se apresenta como
mecanismo  instigador  para,  nas  palavras  do  autor,  “desencobrir  as  estruturas”
entendidas como postas. Lembrando:
O  campo  jurídico  é  o  lugar  da  concorrência  pelo  monopólio  do  direito  de  dizer  o
direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos)ou a boa ordem, na qual se defrontam
agentes  investigativos  de  competência  ao  mesmo  tempo  social  e  técnica  que
consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais
ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima,
justa, do mundo social. É com esta condição que se podem dar as razões quer da
autonomia  relativa  do  direito,  quer  do  efeito  propriamente  simbólico  que  o
desconhecimento,  que  resulta  da  ilusão  de  sua  autonomia  absoluta  em  relação  às
pressões externas (BOURDIEU, 2012, p. 212) [grifos do autor].
Tendo em vista a heterogeneidade social, as modificações que o campo jurídico sofre
advêm  dessa  mudança  social.  É  nessa  linha  que  o  conceito  de  habitus  torna­se
potente.  O  habitus,  como  destaca  Löic  Wacquant,  (2008)  é  um  sistema  de
disposições  duráveis  e  transponíveis,  que  integrando  experiências  passadas,
funciona  como  uma  matriz  que  percebe,  aprecia  e  age,  realizando  tarefas
diversificadas.  O  habitus  é  inventivo,  criativo,  mas  dentro  das  estruturas  que  o
limitam. Nas palavras do autor:
[...]  El  habitus  es  un  mecanismo  estructurante  que  opera  desde  el  interior  de    los
agentes, sin ser estrictamente individual ni en sí mismo interamente determinante de
la  conducta  […]  Como  resultado  de  la  internalización  de  estructuras  externas,  el
habitus  reacciona  a  las  demandas  del  campo  de  una  manera  aproximadamente
coherente y sistemática (WACQUANT, 2008, p. 43­44) [grifos do autor].
É nessa  senda  que  a  utilização  da  hermenêutica  interpretativa  se  faz  potente  para
compreender  esta  proposta.  Quando  se  levanta  a  possibilidade  da  música  servir
como  um  artefato  importante  para  conectar  o  campo  jurídico  com  o  produzido
socialmente,  não  se  levanta  essa  discussão  baseando­se  em  uma  perspectiva  que
“tudo pode”. Pelo contrário, é fundamentando­se nos princípios constitucionais e  no
construído legalmente que o intérprete jurídico deve se fundamentar, assim como na
sua percepção de habitus e campo social.
Como  propõe  Bourdieu,  não  se  pretende  ficar  arraigado  a  estruturas  estruturantes,
tampouco  a  um  sujeito  de  conhecimento  neutro  que  não  sofreria  das  produções
sociais pulsantes neste tempo. Pois esse sujeito, produtor do conhecimento jurídico,
faz parte deste mundo, atravessado pelas práticas sociais nele construídas.
Importante  frisar,  ainda  valendo­se  do  que  destaca  Pierre  Bourdieu  (2007),  que  a
produção  de  certo  estudo  necessita  estar  situado  e  datado  numa  espacialidade
temporal,  tendo  em  vista  as  modificações  socialmente  produzidas.  Diz­se  isso,
porque estudar o Rap neste tempo apresenta­se como um mecanismo potente, tendo
em  vista  estarmos  situados  em  tempos  onde  igualdade,  democracia  e  respeito  à
dignidade humana são preceitos assegurados legalmente, isto é, enfatizados no texto
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dignidade humana são preceitos assegurados legalmente, isto é, enfatizados no texto
da  Constituição  brasileira  de  1988,  produzido  e  reproduzido  no  campo  jurídico  e
espraiado socialmente.
Ao  ouvir  gritos  que  insistem  em  denunciar  o  desrespeito  a  esses  preceitos,  ao
visualizar,  cotidianamente,  relatos  midiáticos  que  trazem  expressivos  casos  de
violência  e  de  disparidade  social,  destacar  o  que  certos  atores  produzem  em
determinados meios sociais, mais precisamente, nos meios periféricos, apresenta­se
como  mecanismo  instigante  na  procura  de  engendrar  fissuras  às  produções
efetuadas no campo jurídico.
Em  que  pese  sejam  os  compositores  de  Rap  considerados  profanos  frente  aquele
campo,  pois  possuem  diferente  capital  cultural  e  simbólico  se  comparados  aos
iniciados no campo jurídico, ao retratarem em suas canções fatos que envolvem esta
produção, torna­se evidente a importância de entender o que ali eles dispõem e como
apontam  a  disparidade  vivenciada  na  contemporaneidade  em  certos  meandros
sociais.
Esse se torna outro ponto relevante nesse estudo, tendo em vista a diferença entre
as  classes  sociais,  pois,  como  se  verá,  grande  parte  dos  compositores  de  Rap
constroem  suas  composições  em  periferias,  visando  destacar  o  ali  vivenciado.  É
nesse ponto que se apoiar nos estudos sociológicos e antropológicos se torna uma
ferramenta essencial para o aqui proposto.
Situada,  superficialmente,  a  teoria  na  qual  se  apoia  para  o  desenvolvimento  deste
estudo, convida­se o leitor para mergulhar na produção teórica que tem como escopo
a  articulação  da  música  com  o  direito,  possibilitando,  então,  o  levantamento  de
questionamentos ao campo jurídico e a necessidade de articular os estudos culturais
a essa seara.
2.  Lançando  mão  da  hermenêutica  jurídica:  destacando  a  música  e  suas
potencialidades
Em  épocas  distintas,  no  Brasil,  diferentes  ritmos  surgiram  como  forma  de
contracultura,  apontando  o  tratamento  desigual  sofrido  por  parcela  da  sociedade,
contestando a repressão do Estado. Possível exemplificar através da Música Popular
Brasileira  (MPB),  quando  da  ditadura  militar  no  país,  onde  diversas  músicas1  não
eram admitidas justamente por contestar as reprimendas do autoritarismo.
Através  de  um  certo  modo  de  contestação,  o  movimento  de  contracultura  ganhou
força  no  país  por  volta  dos  anos  60,  seja  pelas  roupas  diferenciadas,  seja  pela
música. Tanto o Tropicalismo, o Samba e o Rock, tornaram­se amplamente aceitos
pela  sociedade  em  geral,  em  que  pese  tenham  surgido  como  forma  pulsante  de
contestação (MAYORA, 2011, p. 51). 
Ao lançar o olhar às formas de representação  cultural  que  ainda  abordam  de  forma
recorrente  a  diferenciação  social  através  da  música,  os  cantores  de  Rap  emergem
como fonte permanente nesse sentido. O Rap é um dos quatro elementos do gênero
Hip Hop, sendo os outros três o grafite, o break e o DJ, (ROCHA et al., 2001). Cada
um  representa  determinada  postura  no  que  diz  repeitos  as  formas  de  engendrar
contestação.  O  Hip  Hop  “[...]  designa  basicamente  uma  manifestação  cultural  das
periferias  das  grandes  cidades,  que  envolve  distintas  representações  artísticas  de
cunho contestatório” (ROCHA et al., 2001, p. 18).
Ao  analisar  o  surgimento  do  Rap  no  país  em  meados  dos  anos  80  (SILVA  et  al,
2004),  nota­se  que  as  primeiras  composições  musicais  não  tinham  como  foco
questões politizadas, ficando conhecido como Rap “tagarela” (GEREMIAS, 2006, p.
44). Posteriormente,  nas  proximidades  dos  anos  90,  grupos  como  Racionais  MC’s,
cantores  como  DJ  Hum  e  Thaíde,  começaram  a  produzir  letras  com  cunho
contestatório, visando destacar o vivenciado por certos atores sociais.
Como  pontuado,  o  Racionais  MC’s  foi  um  grupo  de  destaque  na  cena  do  Rap
brasileiro  no  quesito  contestação  e  abordagem  das  discriminações  sociais,
destacando  a  seletividade  do  campo  jurídico,  enfaticamente  no  que  diz  respeito  ao
sistema  de  justiça  criminal  e  os  agentes  incumbidos  de  sua  aplicação.  Ademais,
permanece trazendo produções nesse sentido ainda na contemporaneidade, conforme
se verá no decorrer do texto.
Em que pese a existência dos outros elementos do Hip Hop, o Rap foi escolhido para
desenvolver  este  estudo,  por  trazer  em  suas  letras  a  inquietude  de  seus
compositores.  Ademais,  porque  “o  rap  é  a  arte  do  hip  hop  que  tem  maior  poder  de
sedução  sobre  o  jovem  da  periferia.  Não  há  reunião  de  posse,  disputa  entre
dançarinos  de  break,  concurso  de  discotecagem  ou  evento  de  grafitagem  que
consigam reunir um público tão numeroso” (ROCHA et al., 2001, p. 33).
Daí a necessidade do enlace entre o campo jurídico e a manifestações sociais. Ao
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restarmos  enraizado  aos  modelos  matemáticos  de  ciência,  reduzindo  as
manifestações  sociais  a  meras  exposições,  esquecemo­nos  das  teias  (SANTOS,
2006)  que  o  conhecimento  cultural  forma,  produzindo  informações  que  não  podem
fugir à percepção das ciências, justamente por abordarem o vivenciado por parcela da
sociedade. Em que pese sejam campos diferentes – o campo da produção do Rap e
o campo jurídico – ambos acabam por se imbricarem pelo fato dos agentes sociais
serem atingidos tanto pela lógica jurídica, quanto pela produção musical que permeia
o corpo social.
Além  disso,  essa  imbricação  entre  os  campos  permite  rechaçar,  ou  ao  menos
evidenciar,  o  abismo  existente  entre  o  conhecimento  jurídico  e  o  vivenciado  por
parcela  da  população  considerada  outsider  (BECKER,  2009)  por  se  filiar  a  outras
formas de ser e estar neste tempo:
Ao longo dos séculos o Direito foi conhecido e concebido como ciência dos juristas.
Muito desse rótulo é decorrente da cultura que ainda valoriza a judicialização da vida
como  alternativa  à  solução  de  conflitos.  Essa  realidade  gerou  o  chamado  ‘abismo
cultural’  entre  o  povão  e  uma  pequena  parcela  da  população  detentora  do
conhecimento  jurídico  que,  cotidianamente,  tem  a  possibilidade  de  viver  a
Constituição,  isto  é,  de  exercer  a  cidadania  ativa.  (GRÜNE,  2012,  p.  07)  [grifos  da
autora].
É  nessa  esteira  que  lançar  mão  à  hermenêutica  se  apresenta  como  mecanismo
potente buscando articular o Rap e o campo jurídico. A necessidade de fusão entre
os horizontes (GADAMER, 2008) do sistema de justiça criminal, Constituição Federal
e  música,  apresenta­se  como  medida  imperativa  diante  da  atual  concepção  do
Direito, isto é, de que não se trata de um ramo apartado da realidade social, pois se
assim  for,  seu  objetivo  maior,  assegurar  ao  Ser  Humano  a  vivência  saudável  em
sociedade, minimizando a existência de danos, seria inalcançável. 
Visando  valorizar  as  manifestações  populares,  demonstrando  a  criatividade  e  as
diferentes formas de dizer o vivenciado socialmente é que a música se coloca como
um  mecanismo  potente.  Partindo  do  entendimento  de  Pierre  Bourdieu,  não  se
entende o sujeito apenas como algo sujeitado pelo sistema normativo, mas capaz de
captar  e  produzir  conhecimento  dentro  de  certos  limites.  Concatenando  essa
produção  ao  que  é  destacado  juridicamente,  é  que  se  aventa  a  possibilidade  do
intérprete  jurídico  sobressair  às  verdades  fundantes,  abrindo­se  à  observação  de
comportamentos (BOURDIEU; CHARTIER,  2011)  e  à  exposição  das  manifestações
através da música, por exemplo.
Sendo  assim,  utiliza­se  do  subitem  seguinte  para  destacar  algumas  estrofes  de
canções  do  grupo  Racionais  MC’s,  tendo  como  plano  de  fundo  a  contestação  ao
sistema de justiça criminal, pontuando a seletividade desse sistema, evidenciando o
abismo existente entre realidade social e o campo jurídico. Isso reforça o pontuando
por Bourdieu no início deste texto no que diz respeito a produção do campo jurídico
selecionar  certas  lutas  e  nelas  se  fazer  potente,  desconsiderando,  muitas  vezes,
produções que a ele dizem respeito, mas que não são produzidas no seu interior e
por isso rechaçadas. Avante!
3. Uma análise pontual: o Rap e seu contradiscurso frente ao discurso jurídico
Por ser um dos fenômenos sociais mais inquietantes da sociedade atual, (GAUER et.
al.,  2011),  a  violência  é  vista  como  algo  sobrenatural.  Entretanto,  por  estar  tão
interligada  ao  cotidiano  social,  deve  ser  vista  como  “[...]  um  elemento  estrutural,
intrínseco ao fato social, e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de
extinção” (GAUER et. al., 2011, p. 74).
Sendo  parte  integrante  da  sociedade,  a  violência  quando  denunciada  por  atores
sociais diversos, também deve ser interpretada e não renegada porque não adequada
ao modelo de cientificidade moderna.  A  quebra  de  paradigmas  (SANTOS,  2006)  se
faz  cogente  nesse  sentido.  Por  isso  as  letras  de  Rap  que  contextualizam  o
vivenciado por parcela da sociedade,  a  qual  é  atingida  pela  discriminação,  seja  por
ser  negra,  seja  por  habitar  favelas,  coloca­se  como  um  mecanismo  capaz  de
questionar as verdades produzidas no campo jurídico. Lembrando que esses atores
estão  ligados  a  este  campo  porque  por  ele  são  atingidos,  pois  pertencente  a  este
mundo e não a outro, negando, assim, teorias totalizantes, ou leis universais.
Já destacado nesse texto, mas aqui cabe pontuar, um dos primeiros grupos do Rap
nacional  foi  os  Racionais  MC’s.  Possível  perceber  que  as  primeiras  músicas
elaboradas por este grupo contextualizavam as diferenças sociais e efetuavam essa
denúncia através da música. Cumpre pontuar que as questões abordadas pelo grupo
condiziam  com  fatos  ocorridos  na  favela  ou  análise  de  conduta  de  determinadas
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condiziam  com  fatos  ocorridos  na  favela  ou  análise  de  conduta  de  determinadas
pessoas, como por exemplo, presidiários ou moradores do morro.
Uma das primeiras canções do grupo, lançada em 1988, foi “Racistas Otários”, entre
outros temas, aborda a diferenciação social e expressa a discriminação por parte do
próprio Estado que aqui cabe destaque:
Justiça/Em  nome  disso  eles  são  pagos/Mas  a  noção  que  se  tem/É  limitada  e  eu
sei/Que a lei/É implacável com os oprimidos/Tornam bandidos os que eram/pessoas
de bem/Pois já é tão claro que é mais fácil dizer/Que eles são os certos e o culpado
é  você/Se  existe  ou  não  a  culpa/Ninguém  se  preocupa/Pois  em  todo  caso  haverá
sempre uma desculpa/O abuso é demais/Pra eles tanto faz/Não passará de simples
fotos  nos  jornais/Pois  gente  negra  e  carente/Não  muito  influente/E  pouco  frequente
nas  colunas  sociais/Então  eu  digo  meu  rapaz/Esteja  constante  ou  abrirão  o  seu
bolso/E jogarão um flagrante num presídio qualquer/Será um irmão a  mais/Racistas
otários nos deixem em paz (MC’S RACIONAIS, 2014a).
Como  é  possível  perceber  da  estrofe  acima  descrita,  resta  evidente  o  relato  do
vivenciado  por  determinados  atores  sociais,  que  expressam  através  da  música  a
cultura  de  determinado  local.  A  representação  da  relação  de  poder  entre  Estado,
Justiça  e  uma  parcela  de  cidadãos  é  a  de  uma  estrutura  institucional  que  impõe
condutas abusivas sobre estes últimos, deslegitimando­os, uma vez que são “gente
negra e carente”.
Cumpre destacar que não se trata de uma música isolada no repertório do grupo, pelo
contrário, no decorrer dos anos as músicas do grupo em destaque foram tornando­se
mais agressivas associando o cotidiano e comparando com acontecimentos pontuais
nessas comunidades.
Impossível  ignorar  a  existência  de  outras  formas  de  manifestação  social  que
traduzem o vivenciado pela sociedade e que apontam a importância do conhecimento
particular de certos habitus, que necessitam ser percebidos, não menos pelo Direito.
Este se traduz em uma ciência que tem reflexo imediato na sociedade e produz uma
extensa  gama  de  leis.Logo,  como  destaca  Alexandre  Pasqualini  (1999,  p.  22)  “o
Direito  só  entra  em  funcionamento  porque,  confrontado  com  o  continuun  da  vida,
suscita  plúrimas  interpretações  que,  por  sua  vez,  torna­se,  ad  infinitum,  objeto  de
novas exegeses” [grifos do autor].
A compreensão do intérprete de um texto (legal ou de outro tipo, tal como a letra de
uma música) constrói­se pela conjugação do próprio texto, da experiência de mundo
do sujeito que o interpreta e do entorno histórico, social, cultural de ambos. É o que
Gadamer (2008) denomina de fusão de horizontes. A possibilidade de o hermeneuta
jurídico  construir  determinado  entendimento  com  base  no  meio  em  que  vive  é
plenamente aceitável diante da realidade produzida; da mesma forma, o cantado nas
letras  de  músicas  em  análise,  pois  é  o  sentir  da  comunidade  em  que  a  música  se
torna mais recorrente, relatando o ali vivenciado. 
Entre as produções de 1992 e 1993, cumpre aqui destacar alguns refrãos da música
“Homem  na  Estrada”,  do  mesmo  grupo  Racionais  MC’s.  A  composição  aborda  o
cotidiano  de  um  cidadão  que  deixa  a  prisão  e  procura  a  reinserção  na  sociedade,
voltando a viver em sua comunidade. Entretanto, com ele há o rótulo de ex­presidiário
o  que  permanecerá  ad  eternum.  Cabe  salientar  ter  sido  uma  das  músicas  mais
veiculadas do grupo, tendo atingido a cifra de 1 milhão de cópias vendidas (ROCHA
et. al., 2001). Cumpre destacar o que segue:
É madrugada, parece estar tudo normal/Mas esse homem desperta, pressentindo  o
mal, muito cachorro latindo/Ele acorda ouvindo barulho de carro e passos no quintal/A
vizinhança  está  calada  e  insegura,  premeditando  o  final  que  já  conhecem  bem/Na
madrugada da favela não existem leis, talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez/Vão
invadir o seu barraco, "É a polícia"!/Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia,
filhos  da  puta,  comedores  de  carniça!/Já  deram  minha  sentença  e  eu  nem  tava  na
"treta",  não  são  poucos  e  já  vieram  muito  loucos/Matar  na  crocodilagem,  não  vão
perder viagem, quinze caras lá fora, diversos calibres, e eu apenas com uma "treze
tiros" automática/Sou eu mesmo e eu, meu deus e o meu orixá/No primeiro barulho,
eu vou atirar/Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém/É o que eles querem:
mais um "pretinho" na Febem 2/Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, a gente sonha a
vida  inteira  e  só  acorda  no  fim,  minha  verdade  foi  outra,  não  dá  mais  tempo  pra
nada... bang! bang! bang! (MC’S RACIONAIS, 2014b).
O desfecho dessa história, segundo a música, é noticiado no jornal. Na sequência, a
letra traduz:
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"Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na
estrada  do  M'Boi  Mirim  sem  número.  Tudo  indica  ter  sido  acerto  de  contas  entre
quadrilhas  rivais,  segundo  a  polícia,  a  vítima  tinha  "vasta  ficha  criminal"  (MC’S
RACIONAIS, 2014b) [grifos dos autores].
Nessa música, os autores deixam claro a permanência do rótulo de um presidiário, a
inversão  de  papeis,  a  insignificância  das  leis  estatais  vigentes  e  a  formulação  das
leis  informais  nas  comunidades.  Somam­se  a  isso  a  discriminação  racial,  a
concepção de que prisão é destinada à determinada cor, à determinado grupo social e
que a versão apresentada por agentes estatais prevalecerá, ainda mais se o sujeito
abordado já tiver ‘passagem’ pelo sistema penitenciário. 
Diante  disso,  emerge  o  sistema  de  justiça  criminal  imbuído  em  si  mesmo,
potencializado  pelas  suas  práticas,  não  sendo  capaz  de  perceber  que  as  luzes
trazidas pela modernidade não alcançaram determinados confins. Ainda que existindo
a  previsão  legal  quanto  a  igualdade,  a  seletividade  construída  no  campo  jurídico
rotula sujeitos antes mesmo da confirmação de práticas delitivas. Isto é, potencializa
certas vozes produzidas por atores voltados ao campo jurídico e silencia outras que,
na lógica jurídica, não estão ratificadas como pertencente a este campo.
Além  disso,  o  grupo  em  questão  aborda  outros  temas  como  sistema  penitenciário
especificamente,  expressando  o  cotidiano  dos  atores  que  estão  sujeitados  a  este
meio. Nesse sentido, a  música  “Diário  de  um  Detento”,  lançada  em  1997,  aborda  o
tema carcerário:
[...]  Estuprador  é  diferente,  né?/Toma  soco  toda  hora,  ajoelha  e  beija  os  pés,  e
sangra  até  morrer  na  rua  10/Cada  detento  uma  mãe,  uma  crença/Cada  crime  uma
sentença/Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias,
abandono, miséria, ódio,
sofrimento,  desprezo,  desilusão,  ação  do  tempo/Misture  bem  essa  química/Pronto:
eis um novo detento/Lamentos no corredor, na cela, no pátio/Ao redor do campo, em
todos os cantos/Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã... Aqui não tem santo [...]
(MC’S RACIONAIS 2014c).
A  música  acima  foi  composta  por  um  presidiário,  recolhido  no  Carandiru3  e  que
compunha diversas letras. Mano Brown, vocalista dos Racionais MC’s, o entrevistou
na  cadeia,  tomou  posse  da  letra,  com  a  autorização  do  compositor,  e  a  publicou
(ROCHA  et.  al.,  2001).  Ora,  a  música  foi  composta  dentro  da  cadeia,  por  um  ator
social que está submetido ao sistema penitenciário: um lugar onde boa parcela dos
aplicadores da lei não volta seu olhar, de maneira mais precisa.
Em  2012  o  mesmo  grupo  lançou  a  música  “Mariguela”,  homenageando  um  dos
principais organizadores da resistência ao regime militar brasileiro de 1964, apontando
ainda a diferenciação vivenciada por parcela da sociedade, mesmo passados mais de
vinte e quatro anos. Cabe aqui destacar a seguinte estrofe:
[...] O resto é flor, se tem festa eu vou/Eu peço, leia os meus versos, e o protesto é
show/Presta atenção que o sucesso em excesso é cão/Que se habilita a lutar, fome
grita  horrível/A  todo  ouvido  sensível  que  evita  escutar/Acredita  lutar,  quanto  custa
ligar?/Cidade  chama  vida  que  esvai/Clama  por  socorro,  quem  ouvirá?/Crianças,
velhos  e  cachorros  sem  temor/Clara  meu  eterno  amor,  sara  minhas  dores/Pra  não
dizer que eu não falei das flores [...] (MC’S RCIONAIS, 2014d).
As  músicas  aqui  referidas  retratam  a  discriminação,  a  existência  de  rótulos  e  a
violência  exercida  pelo  próprio  Estado  através  de  seus  agentes.  A  inversão  dos
papeis  quanto  segurança  e  a  criação  de  leis  próprias  existe  mesmo  diante  da
consciência da existência de leis estatais.
A  necessidade  de  compreensão  do  vivido  pelos  atores  sociais,  do  porquê  desses
relatos, não pode fugir ao crivo do Direito, justamente por este tratar de questões que
envolvem diretamente a sociedade. Esquecer que os agentes sociais possuem uma
história,  que  são  produtos  dela  (BOURDIEU;  CHARTIER,  2011),  que  possuem
percepção  do  meio  social  através  de  sua  cultura  e  que  são  propensos  a
discriminações  por  sua  cor,  etnia  e  lugar  que  habitam,  é  negar  o  reconhecimento
dessa sociedade complexa. Leis universais  e  rasas  não  são  capazes  de  dar  conta
dessa heterogeneidade.
A  necessidade  de  comunicação  entre  as  diversas  ciências  e  entre  as  diversas
exposições culturais permite o rompimento com as raízes positivistas, efetivando o
desenvolvimento da teia comunicativa (SANTOS, 2006) e aproximando o vivido por
parcela da sociedade.
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parcela da sociedade.
CONCLUSÃO
Viu­se, através das letras aqui expostas, a necessidade de se construir um diálogo
entre  o  direito  e  outras  formas  de  manifestações  culturais,  como  a  música.  Outros
horizontes  são  visualizados  pelo  intérprete  legal,  percebendo  a  representação  da
realidade de importante parcela social. 
Tendo  apoio,  especialmente  em  Bourdieu,  percebeu­se  a  deslegitimação  de  certos
atores  sociais,  em  beneficio  de  outros.  Aqueles  denominados  como  iniciados,
possuem o poder de construir conceitos e ter suas vozes ouvidas. Outros, profanos,
tem  suas  manifestações  consideradas  como  inferiores.  Isso  se  faz  sentir,  para  os
fins  deste  texto,  especialmente  no  campo  do  direito,  onde  a  estrutura  estatal,
produtora  e  executora  do  sistema  jurídico,  muitas  vezes  é  percebida  por  parte  da
população  como  violadora  de  direitos  básicos,  como  a  vida,  liberdade  e  integridade
física.
Da mesma forma, princípios constitucionais como o da igualdade tem sua ineficácia
trazida  à  luz  através  de  composições  referidas,  as  quais  demonstram  a  indignação
com  o  racismo,  com  a  intolerância  e  o  abuso,  perpetrados  pelo  próprio  Estado  que
deveria garantir uma vida digna a todos. Percebe­se, assim, que o Rap torna­se um
importante  instrumento  de  abertura  do  sistema  jurídico  a  realidades  outras,  mais
conectadas ao mundo cotidiano de parcelas expressivas da população.
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VARELLA, Drauzio. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 
WACQUANT,  Loïc.  Hacia  uma  prazeologia  social:  La  estructura  y  la  lógica  de  la
sociologia de Bourdieu. In: BOURDIEU, Pierre (org.). Una Invitación a la Sociologia
Reflexiva. Buenos Aires: Siglio XXI editores, 2008. p. 25­90.
1 A obra criminologia cultural e Rock, de Salo de Carvalho et al. (2011), é um importante estudo para quem
busca alicerçar­se no campo da criminologia cultural, envolvendo  produções musicais. No referido livro há
uma contextualização dos movimentos de contracultura no Brasil e o desenvolvimento de diferentes ritmos
em diferentes épocas como forma de contestação.
2 FEBEM (VARELLA, 212) (Fundação estadual do bem­estar do menor), hoje conhecida como Fundação
CASA, é local de “atendimento” a jovens e adolescentes “infratores”, também localizado na cidade de São
Paulo/SP.
3 Carandiru: foi uma Casa de Detenção, da cidade de São Paulo, inaugurada em 1920. O Carandiru ficou
conhecido  por  ser  um  dos  maiores  presídios  da  América  Latina,  na  época,  abrigando  cerca  de  oito  mil
presos.  Além  disso,  sua  desativação  no  ano  de  2002  também  causou  repercussão  mundial  (VARELLA,
2012).
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2014.07.29- EUMED -contradiscurso e hermenêutica jurídica

  • 1. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 1/10 Editor: Juan Carlos M. Coll (CV)  ISSN: 1988­7833 Número Sorte Receba os Seus Nº Sorte Agora Numerologia Gratuita Universidad de Málaga > Eumed.net > Revistas > CCCSS ¿Qué son?  ¿Cómo funcionan?   5 al 20 de  febrero XI Congreso EUMEDNET Inicio Acerca de ... Números anteriores Anuncios y Convocatorias Otras Revistas de EUMEDNET Contribuciones a las Ciencias Sociales  Julio 2014 CONTRADISCURSO E HERMENÊUTICA JURÍDICA: REPRESENTAÇÃO DA ATUAÇÃO ESTATAL NAS LETRAS DE RAP  Mari Cristina de Freitas Fagundes (CV) Ana Clara Correa Henning (CV) Marcelo Nunes Apolinário (CV) maricris.ff@hotmail.com UFPEL ­ UFSC  RESUMO:  o  presente  texto  discute  possíveis  relações  entre  letras  de  Rap  e interpretação do direito. Leva em conta diferenciações entre aqueles legitimados pelo campo  jurídico  e  aqueles  cujas  vozes  não  encontram  guarida  nesse  campo, especialmente por se tratarem de indivíduos deslegitimados em razão de sua etnia, condição  econômica  e  social.  Realça­se  composições  musicais  que  representam relações de poder entre o aparato estatal e seus agentes com cidadãos integrantes de  uma  parcela  populacional  vista  com  suspeita  pelas  autoridades.  Tais  letras também debatem a ineficácia de direitos e princípios constitucionais tais como direito à vida, à integridade física e à igualdade. PALAVRAS­CHAVE:  Rap,  interpretação  do  Direito,  representação  estatal, Constituição, discurso jurídico. Resumen: El presente artículo discute posibles relaciones entre las letras de Rap e interpretación del derecho. Lleva en cuenta distinciones entre aquellos legitimados por el campo jurídico y aquellos cuyas voces no encuentran protección en este campo, especialmente  por  se  trataren  de  individuos  deslegitimados  en  razón  de  su  etnia, condición económica y social. Se destaca composiciones musicales que representan relaciones de poder entre el aparato estatal y sus agentes con ciudadanos integrantes de  una  parcela  de  la  población  vista  como  sospechosa  por  las  autoridades.  Tales letras  también  debaten  la  ineficacia  de  derechos  y  principios  constitucionales  tales como derecho a la vida, a la integridad física y a la igualdad. PALABRAS­CLAVE:  Rap,  interpretación  del  derecho,  representación  estatal, constitución, discurso jurídico. Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato: de  Freitas  Fagundes,  M.,  Correa  Henning,  A.  y  Nunes  Apolinário,  M.: "Contradiscurso e hermenêutica jurídica: representação da atuação estatal nas letras de  RAP",  en  Contribuciones  a  las  Ciencias  Sociales,  Julio  2014, www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html INTRODUÇÃO
  • 2. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 2/10 sobre Educación, Cultura y Desarrollo Aún está a tiempo de inscribirse en el congreso como participante­ espectador. Próximos congresos   5 al 20 de  marzo II Congreso EUMEDNET sobre Economía Crítica 8 al 23 de  abril IX Congreso EUMEDNET sobre Ética, Gobernanza y Desarrollo 7 al 21 de  mayo VIII Congreso EUMEDNET sobre Historia y Ciencias Sociales 9 al 25 de  junio XII Congreso EUMEDNET sobre Desarrollo Sostenible y Población 8 al 22 de  julio IX Congreso EUMEDNET sobre Turismo y Desarrollo         Partindo da compreensão da existência da diversidade social na contemporaneidade, buscou­se trazer algumas letras de Rap que tenham como tema principal o sistema de  justiça  criminal  vigente  no  país,  contextualizando  parte  da  realidade  social  dos atores que compõem esse repertório musical e de seus ouvintes, procurando romper com conceitos positivistas, articulando ciência e arte como forma de aproximação da realidade.  Através  desses  critérios  “diferentes”,  busca­se  tornar  visível  a  pluralidade  de experiências  sociais  hoje  efetivadas  em  uma  sociedade  heterogênea,  procurando romper  com  a  “vontade  de  sistema”  e  com  conceitos  de  verdade  herdados  da modernidade. Para efetivação do que aqui se propõe, se lançará mão ao referencial teórico  voltado  à  criminologia  cultural,  bem  como  à  sociologia,  apoiando­se precisamente  em  alguns  conceitos  desenvolvidos  por  Pierre  Bourdieu.  Além  disso, buscou­se destacar algumas produções acadêmicas que enlaçam arte e direito. Sendo  assim,  estruturalmente  o  texto  ficou  dividido  em  três  partes,  buscando, primeiramente,  destacar  a  teoria  de  Pierre  Bourdieu  no  que  diz  respeito  ao  campo jurídico. Posteriormente, destacou­se alguns estudos que envolvem música e direito, bem  como  uma  breve  contextualização  do  Rap  no  Brasil  e  a  contribuição  do  grupo Racionais MC’s para as questões politizadas tratadas nesse tipo de música. Por fim, se trouxe para análise algumas letras de Rap, evidenciando a importância de lançar o olhar a estas produções a fim de aproximar o campo jurídico da realidade vivenciada por certos agentes sociais. Destaca­se que o recorte metodológico voltou­se para algumas produções do grupo Racionais MC’s, apoiando­se na revisão bibliográfica que diz respeito ao tema, bem como pontuado acima. Sendo assim, convida­se o leitor para lançar um olhar crítico à produção do Direito a partir de algumas letras de Rap. 1. A teoria bourdiana e algumas contribuições para a compreensão do campo jurídico Como  é  possível  verificar  dos  textos  jurídicos,  das  produções  acadêmicas  e  do posicionamento  que  se  possui  do  direito  na  contemporaneidade,  sobressalta  aos olhos a autonomia que essa ciência possui nestes tempos. Mais que isso: por vezes mostra­se um dos mecanismos potentes para engendrar a “ordem” social.  É  partindo  dessa  autonomia  e  dessa  representatividade  da  ciência  jurídica  possui, que  o  conceito  bourdiano  de  “campo”  (BOURDIEU,  2012)  se  apresenta  pertinente  e potente  para  o  desenvolvimento  desse  estudo,  pois,  como  se  verá,  o  conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu demonstra a capacidade que determinadas ciências possuem  em  se  apresentar  como  legítimas  e  com  isso,  legitimar  os  sujeitos capacitados  para  produzir  as  verdades  dentro  do  seu  campo  e,  em  contrapartida, negar saberes que não sejam produzidos nela.  É nesse sentido que emerge o que o referido autor pontua como profanos e iniciados (BOURDIEU,  2012).  Aqueles  são  os  que  não  possuem  conhecimento  dentro  de determinado campo, enquanto que os últimos são legitimados para falar sobre dado assunto  em  determinado  campo.  Exemplificando:  magistrados,  advogados, promotores  podem  ser  considerados  iniciados,  pois  o  saber  que  desenvolvem  no campo  jurídico  é  ali  considerado  legítimo;  enquanto  que  compositores  de  Rap  são considerados profanos, pois embora possam se referir a esta área, a produção que destacam não é efetuada dentro do campo do direito, logo não tão “legítima” como a produção daqueles. Entretanto, possibilitando a construção de questionamentos a esse saber produzido dentro de certo  campo,  tendo  em  vista  a  heterogeneidade  social,  da  qual  Bourdieu não  se  furta,  levando  em  consideração  as  inúmeras  pesquisas  empíricas desenvolvidas  em  seus  estudos,  o  autor  enfatiza  a  existência  de  disposições duráveis  que  distinguem  os  sujeitos  e  que  são  mecanismos  que  os  acompanham, fazendo  com  que  certas  produções  desenvolvidas  em  determinados  campos  não sejam plenamente compreendidas por atores que se encontram situados em campos diferentes  (WACQUANT,  2008).  Essas  disposições,  resumidamente,  consistem  no que o autor denomina como habitus. A importância de situar o leitor nesses dois conceitos, se dá pelo fato de habitus  e campo  serem  conceitos  caros  a  Pirre  Bourdieu  e,  além  disso,  por  estarem intimamente ligados. Voltando­se precisamente a este estudo, a necessidade de destacar as produções no campo jurídico, dá­se pela crítica que se desenvolve as produções efetuadas pelos saberes nele legitimado, negando, por vezes, os saberes pulsantes no meio social.
  • 3. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 3/10 Destaca­se que o campo jurídico possui uma lógica própria e é através dela que se legitima.  Os  atores  que  fazem  parte  desse  campo  o  disputam  internamente,  o  que direciona  ainda  mais  o  seu  fechamento  para  que  os  atores  ali  envolvidos permaneçam legitimados. Nesse sentido cabe destacar: [...] As práticas e os discursos jurídicos são, com efeito, produto do funcionamento de um campo cuja lógica específica está duplamente determinada: por um lado, pelas relações  de  força  específicas  que  lhe  conferem  a  sua  estrutura  e  que  orientam  as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada  momento  o  espaço  dos  possíveis  e,  deste  modo,  o  universo  das  soluções propriamente jurídicas (BOURDIEU, 2012, p. 211). Nota­se  que  o  autor  destaca  a  potencialidade  do  direito  em  produzir  conhecimento imbuído  em  suas  próprias  lógicas.  Lógicas  estas  construídas  historicamente, ancoradas  em  certas  formas  de  poder.  Daí  a  dificuldade  de  se  contrapor  ao conhecimento produzido no campo jurídico, tendo em vista as representações que se obtém a partir dessa produção. É  nessa  linha  que  o  autor  destaca  a  necessidade  de  ultrapassar,  desencobrir  as estruturas mais internas nos diversos mundos sociais, assim como os mecanismos que  tendem  a  assegurar  a  reprodução  e  a  transformação.  É  nesse  sentido  que estudar a música, mais precisamente, o Rap, como um artefato cultural potente para deslocar as certezas que o campo jurídico engendra socialmente, se apresenta como mecanismo  instigador  para,  nas  palavras  do  autor,  “desencobrir  as  estruturas” entendidas como postas. Lembrando: O  campo  jurídico  é  o  lugar  da  concorrência  pelo  monopólio  do  direito  de  dizer  o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos)ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes  investigativos  de  competência  ao  mesmo  tempo  social  e  técnica  que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mundo social. É com esta condição que se podem dar as razões quer da autonomia  relativa  do  direito,  quer  do  efeito  propriamente  simbólico  que  o desconhecimento,  que  resulta  da  ilusão  de  sua  autonomia  absoluta  em  relação  às pressões externas (BOURDIEU, 2012, p. 212) [grifos do autor]. Tendo em vista a heterogeneidade social, as modificações que o campo jurídico sofre advêm  dessa  mudança  social.  É  nessa  linha  que  o  conceito  de  habitus  torna­se potente.  O  habitus,  como  destaca  Löic  Wacquant,  (2008)  é  um  sistema  de disposições  duráveis  e  transponíveis,  que  integrando  experiências  passadas, funciona  como  uma  matriz  que  percebe,  aprecia  e  age,  realizando  tarefas diversificadas.  O  habitus  é  inventivo,  criativo,  mas  dentro  das  estruturas  que  o limitam. Nas palavras do autor: [...]  El  habitus  es  un  mecanismo  estructurante  que  opera  desde  el  interior  de    los agentes, sin ser estrictamente individual ni en sí mismo interamente determinante de la  conducta  […]  Como  resultado  de  la  internalización  de  estructuras  externas,  el habitus  reacciona  a  las  demandas  del  campo  de  una  manera  aproximadamente coherente y sistemática (WACQUANT, 2008, p. 43­44) [grifos do autor]. É nessa  senda  que  a  utilização  da  hermenêutica  interpretativa  se  faz  potente  para compreender  esta  proposta.  Quando  se  levanta  a  possibilidade  da  música  servir como  um  artefato  importante  para  conectar  o  campo  jurídico  com  o  produzido socialmente,  não  se  levanta  essa  discussão  baseando­se  em  uma  perspectiva  que “tudo pode”. Pelo contrário, é fundamentando­se nos princípios constitucionais e  no construído legalmente que o intérprete jurídico deve se fundamentar, assim como na sua percepção de habitus e campo social. Como  propõe  Bourdieu,  não  se  pretende  ficar  arraigado  a  estruturas  estruturantes, tampouco  a  um  sujeito  de  conhecimento  neutro  que  não  sofreria  das  produções sociais pulsantes neste tempo. Pois esse sujeito, produtor do conhecimento jurídico, faz parte deste mundo, atravessado pelas práticas sociais nele construídas. Importante  frisar,  ainda  valendo­se  do  que  destaca  Pierre  Bourdieu  (2007),  que  a produção  de  certo  estudo  necessita  estar  situado  e  datado  numa  espacialidade temporal,  tendo  em  vista  as  modificações  socialmente  produzidas.  Diz­se  isso, porque estudar o Rap neste tempo apresenta­se como um mecanismo potente, tendo em  vista  estarmos  situados  em  tempos  onde  igualdade,  democracia  e  respeito  à dignidade humana são preceitos assegurados legalmente, isto é, enfatizados no texto
  • 4. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 4/10 dignidade humana são preceitos assegurados legalmente, isto é, enfatizados no texto da  Constituição  brasileira  de  1988,  produzido  e  reproduzido  no  campo  jurídico  e espraiado socialmente. Ao  ouvir  gritos  que  insistem  em  denunciar  o  desrespeito  a  esses  preceitos,  ao visualizar,  cotidianamente,  relatos  midiáticos  que  trazem  expressivos  casos  de violência  e  de  disparidade  social,  destacar  o  que  certos  atores  produzem  em determinados meios sociais, mais precisamente, nos meios periféricos, apresenta­se como  mecanismo  instigante  na  procura  de  engendrar  fissuras  às  produções efetuadas no campo jurídico. Em  que  pese  sejam  os  compositores  de  Rap  considerados  profanos  frente  aquele campo,  pois  possuem  diferente  capital  cultural  e  simbólico  se  comparados  aos iniciados no campo jurídico, ao retratarem em suas canções fatos que envolvem esta produção, torna­se evidente a importância de entender o que ali eles dispõem e como apontam  a  disparidade  vivenciada  na  contemporaneidade  em  certos  meandros sociais. Esse se torna outro ponto relevante nesse estudo, tendo em vista a diferença entre as  classes  sociais,  pois,  como  se  verá,  grande  parte  dos  compositores  de  Rap constroem  suas  composições  em  periferias,  visando  destacar  o  ali  vivenciado.  É nesse ponto que se apoiar nos estudos sociológicos e antropológicos se torna uma ferramenta essencial para o aqui proposto. Situada,  superficialmente,  a  teoria  na  qual  se  apoia  para  o  desenvolvimento  deste estudo, convida­se o leitor para mergulhar na produção teórica que tem como escopo a  articulação  da  música  com  o  direito,  possibilitando,  então,  o  levantamento  de questionamentos ao campo jurídico e a necessidade de articular os estudos culturais a essa seara. 2.  Lançando  mão  da  hermenêutica  jurídica:  destacando  a  música  e  suas potencialidades Em  épocas  distintas,  no  Brasil,  diferentes  ritmos  surgiram  como  forma  de contracultura,  apontando  o  tratamento  desigual  sofrido  por  parcela  da  sociedade, contestando a repressão do Estado. Possível exemplificar através da Música Popular Brasileira  (MPB),  quando  da  ditadura  militar  no  país,  onde  diversas  músicas1  não eram admitidas justamente por contestar as reprimendas do autoritarismo. Através  de  um  certo  modo  de  contestação,  o  movimento  de  contracultura  ganhou força  no  país  por  volta  dos  anos  60,  seja  pelas  roupas  diferenciadas,  seja  pela música. Tanto o Tropicalismo, o Samba e o Rock, tornaram­se amplamente aceitos pela  sociedade  em  geral,  em  que  pese  tenham  surgido  como  forma  pulsante  de contestação (MAYORA, 2011, p. 51).  Ao lançar o olhar às formas de representação  cultural  que  ainda  abordam  de  forma recorrente  a  diferenciação  social  através  da  música,  os  cantores  de  Rap  emergem como fonte permanente nesse sentido. O Rap é um dos quatro elementos do gênero Hip Hop, sendo os outros três o grafite, o break e o DJ, (ROCHA et al., 2001). Cada um  representa  determinada  postura  no  que  diz  repeitos  as  formas  de  engendrar contestação.  O  Hip  Hop  “[...]  designa  basicamente  uma  manifestação  cultural  das periferias  das  grandes  cidades,  que  envolve  distintas  representações  artísticas  de cunho contestatório” (ROCHA et al., 2001, p. 18). Ao  analisar  o  surgimento  do  Rap  no  país  em  meados  dos  anos  80  (SILVA  et  al, 2004),  nota­se  que  as  primeiras  composições  musicais  não  tinham  como  foco questões politizadas, ficando conhecido como Rap “tagarela” (GEREMIAS, 2006, p. 44). Posteriormente,  nas  proximidades  dos  anos  90,  grupos  como  Racionais  MC’s, cantores  como  DJ  Hum  e  Thaíde,  começaram  a  produzir  letras  com  cunho contestatório, visando destacar o vivenciado por certos atores sociais. Como  pontuado,  o  Racionais  MC’s  foi  um  grupo  de  destaque  na  cena  do  Rap brasileiro  no  quesito  contestação  e  abordagem  das  discriminações  sociais, destacando  a  seletividade  do  campo  jurídico,  enfaticamente  no  que  diz  respeito  ao sistema  de  justiça  criminal  e  os  agentes  incumbidos  de  sua  aplicação.  Ademais, permanece trazendo produções nesse sentido ainda na contemporaneidade, conforme se verá no decorrer do texto. Em que pese a existência dos outros elementos do Hip Hop, o Rap foi escolhido para desenvolver  este  estudo,  por  trazer  em  suas  letras  a  inquietude  de  seus compositores.  Ademais,  porque  “o  rap  é  a  arte  do  hip  hop  que  tem  maior  poder  de sedução  sobre  o  jovem  da  periferia.  Não  há  reunião  de  posse,  disputa  entre dançarinos  de  break,  concurso  de  discotecagem  ou  evento  de  grafitagem  que consigam reunir um público tão numeroso” (ROCHA et al., 2001, p. 33). Daí a necessidade do enlace entre o campo jurídico e a manifestações sociais. Ao
  • 5. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 5/10 restarmos  enraizado  aos  modelos  matemáticos  de  ciência,  reduzindo  as manifestações  sociais  a  meras  exposições,  esquecemo­nos  das  teias  (SANTOS, 2006)  que  o  conhecimento  cultural  forma,  produzindo  informações  que  não  podem fugir à percepção das ciências, justamente por abordarem o vivenciado por parcela da sociedade. Em que pese sejam campos diferentes – o campo da produção do Rap e o campo jurídico – ambos acabam por se imbricarem pelo fato dos agentes sociais serem atingidos tanto pela lógica jurídica, quanto pela produção musical que permeia o corpo social. Além  disso,  essa  imbricação  entre  os  campos  permite  rechaçar,  ou  ao  menos evidenciar,  o  abismo  existente  entre  o  conhecimento  jurídico  e  o  vivenciado  por parcela  da  população  considerada  outsider  (BECKER,  2009)  por  se  filiar  a  outras formas de ser e estar neste tempo: Ao longo dos séculos o Direito foi conhecido e concebido como ciência dos juristas. Muito desse rótulo é decorrente da cultura que ainda valoriza a judicialização da vida como  alternativa  à  solução  de  conflitos.  Essa  realidade  gerou  o  chamado  ‘abismo cultural’  entre  o  povão  e  uma  pequena  parcela  da  população  detentora  do conhecimento  jurídico  que,  cotidianamente,  tem  a  possibilidade  de  viver  a Constituição,  isto  é,  de  exercer  a  cidadania  ativa.  (GRÜNE,  2012,  p.  07)  [grifos  da autora]. É  nessa  esteira  que  lançar  mão  à  hermenêutica  se  apresenta  como  mecanismo potente buscando articular o Rap e o campo jurídico. A necessidade de fusão entre os horizontes (GADAMER, 2008) do sistema de justiça criminal, Constituição Federal e  música,  apresenta­se  como  medida  imperativa  diante  da  atual  concepção  do Direito, isto é, de que não se trata de um ramo apartado da realidade social, pois se assim  for,  seu  objetivo  maior,  assegurar  ao  Ser  Humano  a  vivência  saudável  em sociedade, minimizando a existência de danos, seria inalcançável.  Visando  valorizar  as  manifestações  populares,  demonstrando  a  criatividade  e  as diferentes formas de dizer o vivenciado socialmente é que a música se coloca como um  mecanismo  potente.  Partindo  do  entendimento  de  Pierre  Bourdieu,  não  se entende o sujeito apenas como algo sujeitado pelo sistema normativo, mas capaz de captar  e  produzir  conhecimento  dentro  de  certos  limites.  Concatenando  essa produção  ao  que  é  destacado  juridicamente,  é  que  se  aventa  a  possibilidade  do intérprete  jurídico  sobressair  às  verdades  fundantes,  abrindo­se  à  observação  de comportamentos (BOURDIEU; CHARTIER,  2011)  e  à  exposição  das  manifestações através da música, por exemplo. Sendo  assim,  utiliza­se  do  subitem  seguinte  para  destacar  algumas  estrofes  de canções  do  grupo  Racionais  MC’s,  tendo  como  plano  de  fundo  a  contestação  ao sistema de justiça criminal, pontuando a seletividade desse sistema, evidenciando o abismo existente entre realidade social e o campo jurídico. Isso reforça o pontuando por Bourdieu no início deste texto no que diz respeito a produção do campo jurídico selecionar  certas  lutas  e  nelas  se  fazer  potente,  desconsiderando,  muitas  vezes, produções que a ele dizem respeito, mas que não são produzidas no seu interior e por isso rechaçadas. Avante! 3. Uma análise pontual: o Rap e seu contradiscurso frente ao discurso jurídico Por ser um dos fenômenos sociais mais inquietantes da sociedade atual, (GAUER et. al.,  2011),  a  violência  é  vista  como  algo  sobrenatural.  Entretanto,  por  estar  tão interligada  ao  cotidiano  social,  deve  ser  vista  como  “[...]  um  elemento  estrutural, intrínseco ao fato social, e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção” (GAUER et. al., 2011, p. 74). Sendo  parte  integrante  da  sociedade,  a  violência  quando  denunciada  por  atores sociais diversos, também deve ser interpretada e não renegada porque não adequada ao modelo de cientificidade moderna.  A  quebra  de  paradigmas  (SANTOS,  2006)  se faz  cogente  nesse  sentido.  Por  isso  as  letras  de  Rap  que  contextualizam  o vivenciado por parcela da sociedade,  a  qual  é  atingida  pela  discriminação,  seja  por ser  negra,  seja  por  habitar  favelas,  coloca­se  como  um  mecanismo  capaz  de questionar as verdades produzidas no campo jurídico. Lembrando que esses atores estão  ligados  a  este  campo  porque  por  ele  são  atingidos,  pois  pertencente  a  este mundo e não a outro, negando, assim, teorias totalizantes, ou leis universais. Já destacado nesse texto, mas aqui cabe pontuar, um dos primeiros grupos do Rap nacional  foi  os  Racionais  MC’s.  Possível  perceber  que  as  primeiras  músicas elaboradas por este grupo contextualizavam as diferenças sociais e efetuavam essa denúncia através da música. Cumpre pontuar que as questões abordadas pelo grupo condiziam  com  fatos  ocorridos  na  favela  ou  análise  de  conduta  de  determinadas
  • 6. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 6/10 condiziam  com  fatos  ocorridos  na  favela  ou  análise  de  conduta  de  determinadas pessoas, como por exemplo, presidiários ou moradores do morro. Uma das primeiras canções do grupo, lançada em 1988, foi “Racistas Otários”, entre outros temas, aborda a diferenciação social e expressa a discriminação por parte do próprio Estado que aqui cabe destaque: Justiça/Em  nome  disso  eles  são  pagos/Mas  a  noção  que  se  tem/É  limitada  e  eu sei/Que a lei/É implacável com os oprimidos/Tornam bandidos os que eram/pessoas de bem/Pois já é tão claro que é mais fácil dizer/Que eles são os certos e o culpado é  você/Se  existe  ou  não  a  culpa/Ninguém  se  preocupa/Pois  em  todo  caso  haverá sempre uma desculpa/O abuso é demais/Pra eles tanto faz/Não passará de simples fotos  nos  jornais/Pois  gente  negra  e  carente/Não  muito  influente/E  pouco  frequente nas  colunas  sociais/Então  eu  digo  meu  rapaz/Esteja  constante  ou  abrirão  o  seu bolso/E jogarão um flagrante num presídio qualquer/Será um irmão a  mais/Racistas otários nos deixem em paz (MC’S RACIONAIS, 2014a). Como  é  possível  perceber  da  estrofe  acima  descrita,  resta  evidente  o  relato  do vivenciado  por  determinados  atores  sociais,  que  expressam  através  da  música  a cultura  de  determinado  local.  A  representação  da  relação  de  poder  entre  Estado, Justiça  e  uma  parcela  de  cidadãos  é  a  de  uma  estrutura  institucional  que  impõe condutas abusivas sobre estes últimos, deslegitimando­os, uma vez que são “gente negra e carente”. Cumpre destacar que não se trata de uma música isolada no repertório do grupo, pelo contrário, no decorrer dos anos as músicas do grupo em destaque foram tornando­se mais agressivas associando o cotidiano e comparando com acontecimentos pontuais nessas comunidades. Impossível  ignorar  a  existência  de  outras  formas  de  manifestação  social  que traduzem o vivenciado pela sociedade e que apontam a importância do conhecimento particular de certos habitus, que necessitam ser percebidos, não menos pelo Direito. Este se traduz em uma ciência que tem reflexo imediato na sociedade e produz uma extensa  gama  de  leis.Logo,  como  destaca  Alexandre  Pasqualini  (1999,  p.  22)  “o Direito  só  entra  em  funcionamento  porque,  confrontado  com  o  continuun  da  vida, suscita  plúrimas  interpretações  que,  por  sua  vez,  torna­se,  ad  infinitum,  objeto  de novas exegeses” [grifos do autor]. A compreensão do intérprete de um texto (legal ou de outro tipo, tal como a letra de uma música) constrói­se pela conjugação do próprio texto, da experiência de mundo do sujeito que o interpreta e do entorno histórico, social, cultural de ambos. É o que Gadamer (2008) denomina de fusão de horizontes. A possibilidade de o hermeneuta jurídico  construir  determinado  entendimento  com  base  no  meio  em  que  vive  é plenamente aceitável diante da realidade produzida; da mesma forma, o cantado nas letras  de  músicas  em  análise,  pois  é  o  sentir  da  comunidade  em  que  a  música  se torna mais recorrente, relatando o ali vivenciado.  Entre as produções de 1992 e 1993, cumpre aqui destacar alguns refrãos da música “Homem  na  Estrada”,  do  mesmo  grupo  Racionais  MC’s.  A  composição  aborda  o cotidiano  de  um  cidadão  que  deixa  a  prisão  e  procura  a  reinserção  na  sociedade, voltando a viver em sua comunidade. Entretanto, com ele há o rótulo de ex­presidiário o  que  permanecerá  ad  eternum.  Cabe  salientar  ter  sido  uma  das  músicas  mais veiculadas do grupo, tendo atingido a cifra de 1 milhão de cópias vendidas (ROCHA et. al., 2001). Cumpre destacar o que segue: É madrugada, parece estar tudo normal/Mas esse homem desperta, pressentindo  o mal, muito cachorro latindo/Ele acorda ouvindo barulho de carro e passos no quintal/A vizinhança  está  calada  e  insegura,  premeditando  o  final  que  já  conhecem  bem/Na madrugada da favela não existem leis, talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez/Vão invadir o seu barraco, "É a polícia"!/Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia, filhos  da  puta,  comedores  de  carniça!/Já  deram  minha  sentença  e  eu  nem  tava  na "treta",  não  são  poucos  e  já  vieram  muito  loucos/Matar  na  crocodilagem,  não  vão perder viagem, quinze caras lá fora, diversos calibres, e eu apenas com uma "treze tiros" automática/Sou eu mesmo e eu, meu deus e o meu orixá/No primeiro barulho, eu vou atirar/Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém/É o que eles querem: mais um "pretinho" na Febem 2/Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, a gente sonha a vida  inteira  e  só  acorda  no  fim,  minha  verdade  foi  outra,  não  dá  mais  tempo  pra nada... bang! bang! bang! (MC’S RACIONAIS, 2014b). O desfecho dessa história, segundo a música, é noticiado no jornal. Na sequência, a letra traduz:
  • 7. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 7/10 "Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na estrada  do  M'Boi  Mirim  sem  número.  Tudo  indica  ter  sido  acerto  de  contas  entre quadrilhas  rivais,  segundo  a  polícia,  a  vítima  tinha  "vasta  ficha  criminal"  (MC’S RACIONAIS, 2014b) [grifos dos autores]. Nessa música, os autores deixam claro a permanência do rótulo de um presidiário, a inversão  de  papeis,  a  insignificância  das  leis  estatais  vigentes  e  a  formulação  das leis  informais  nas  comunidades.  Somam­se  a  isso  a  discriminação  racial,  a concepção de que prisão é destinada à determinada cor, à determinado grupo social e que a versão apresentada por agentes estatais prevalecerá, ainda mais se o sujeito abordado já tiver ‘passagem’ pelo sistema penitenciário.  Diante  disso,  emerge  o  sistema  de  justiça  criminal  imbuído  em  si  mesmo, potencializado  pelas  suas  práticas,  não  sendo  capaz  de  perceber  que  as  luzes trazidas pela modernidade não alcançaram determinados confins. Ainda que existindo a  previsão  legal  quanto  a  igualdade,  a  seletividade  construída  no  campo  jurídico rotula sujeitos antes mesmo da confirmação de práticas delitivas. Isto é, potencializa certas vozes produzidas por atores voltados ao campo jurídico e silencia outras que, na lógica jurídica, não estão ratificadas como pertencente a este campo. Além  disso,  o  grupo  em  questão  aborda  outros  temas  como  sistema  penitenciário especificamente,  expressando  o  cotidiano  dos  atores  que  estão  sujeitados  a  este meio. Nesse sentido, a  música  “Diário  de  um  Detento”,  lançada  em  1997,  aborda  o tema carcerário: [...]  Estuprador  é  diferente,  né?/Toma  soco  toda  hora,  ajoelha  e  beija  os  pés,  e sangra  até  morrer  na  rua  10/Cada  detento  uma  mãe,  uma  crença/Cada  crime  uma sentença/Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio, sofrimento,  desprezo,  desilusão,  ação  do  tempo/Misture  bem  essa  química/Pronto: eis um novo detento/Lamentos no corredor, na cela, no pátio/Ao redor do campo, em todos os cantos/Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã... Aqui não tem santo [...] (MC’S RACIONAIS 2014c). A  música  acima  foi  composta  por  um  presidiário,  recolhido  no  Carandiru3  e  que compunha diversas letras. Mano Brown, vocalista dos Racionais MC’s, o entrevistou na  cadeia,  tomou  posse  da  letra,  com  a  autorização  do  compositor,  e  a  publicou (ROCHA  et.  al.,  2001).  Ora,  a  música  foi  composta  dentro  da  cadeia,  por  um  ator social que está submetido ao sistema penitenciário: um lugar onde boa parcela dos aplicadores da lei não volta seu olhar, de maneira mais precisa. Em  2012  o  mesmo  grupo  lançou  a  música  “Mariguela”,  homenageando  um  dos principais organizadores da resistência ao regime militar brasileiro de 1964, apontando ainda a diferenciação vivenciada por parcela da sociedade, mesmo passados mais de vinte e quatro anos. Cabe aqui destacar a seguinte estrofe: [...] O resto é flor, se tem festa eu vou/Eu peço, leia os meus versos, e o protesto é show/Presta atenção que o sucesso em excesso é cão/Que se habilita a lutar, fome grita  horrível/A  todo  ouvido  sensível  que  evita  escutar/Acredita  lutar,  quanto  custa ligar?/Cidade  chama  vida  que  esvai/Clama  por  socorro,  quem  ouvirá?/Crianças, velhos  e  cachorros  sem  temor/Clara  meu  eterno  amor,  sara  minhas  dores/Pra  não dizer que eu não falei das flores [...] (MC’S RCIONAIS, 2014d). As  músicas  aqui  referidas  retratam  a  discriminação,  a  existência  de  rótulos  e  a violência  exercida  pelo  próprio  Estado  através  de  seus  agentes.  A  inversão  dos papeis  quanto  segurança  e  a  criação  de  leis  próprias  existe  mesmo  diante  da consciência da existência de leis estatais. A  necessidade  de  compreensão  do  vivido  pelos  atores  sociais,  do  porquê  desses relatos, não pode fugir ao crivo do Direito, justamente por este tratar de questões que envolvem diretamente a sociedade. Esquecer que os agentes sociais possuem uma história,  que  são  produtos  dela  (BOURDIEU;  CHARTIER,  2011),  que  possuem percepção  do  meio  social  através  de  sua  cultura  e  que  são  propensos  a discriminações  por  sua  cor,  etnia  e  lugar  que  habitam,  é  negar  o  reconhecimento dessa sociedade complexa. Leis universais  e  rasas  não  são  capazes  de  dar  conta dessa heterogeneidade. A  necessidade  de  comunicação  entre  as  diversas  ciências  e  entre  as  diversas exposições culturais permite o rompimento com as raízes positivistas, efetivando o desenvolvimento da teia comunicativa (SANTOS, 2006) e aproximando o vivido por parcela da sociedade.
  • 8. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 8/10 parcela da sociedade. CONCLUSÃO Viu­se, através das letras aqui expostas, a necessidade de se construir um diálogo entre  o  direito  e  outras  formas  de  manifestações  culturais,  como  a  música.  Outros horizontes  são  visualizados  pelo  intérprete  legal,  percebendo  a  representação  da realidade de importante parcela social.  Tendo  apoio,  especialmente  em  Bourdieu,  percebeu­se  a  deslegitimação  de  certos atores  sociais,  em  beneficio  de  outros.  Aqueles  denominados  como  iniciados, possuem o poder de construir conceitos e ter suas vozes ouvidas. Outros, profanos, tem  suas  manifestações  consideradas  como  inferiores.  Isso  se  faz  sentir,  para  os fins  deste  texto,  especialmente  no  campo  do  direito,  onde  a  estrutura  estatal, produtora  e  executora  do  sistema  jurídico,  muitas  vezes  é  percebida  por  parte  da população  como  violadora  de  direitos  básicos,  como  a  vida,  liberdade  e  integridade física. Da mesma forma, princípios constitucionais como o da igualdade tem sua ineficácia trazida  à  luz  através  de  composições  referidas,  as  quais  demonstram  a  indignação com  o  racismo,  com  a  intolerância  e  o  abuso,  perpetrados  pelo  próprio  Estado  que deveria garantir uma vida digna a todos. Percebe­se, assim, que o Rap torna­se um importante  instrumento  de  abertura  do  sistema  jurídico  a  realidades  outras,  mais conectadas ao mundo cotidiano de parcelas expressivas da população. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.  BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. O Sociólogo e o Historiador. Tradução de Guilherme  João  de  Freitas,  com  colaboração  de  Jaime  A.  Clasen.  Belo  Horizonte: Autêntica, 2011. BOURDIEU,  Pierre.  O  Poder  Simbólico.  Tradução  de  Fernando  Tomaz.  Rio  de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. __________. A Distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. Porto Alegre: Zouk, 2007. p. 95­121. MAYORA, Marcelo. Criminologia Cultural, Drogas e Rock and Roll. In.: CARVALHO, Salo de; NETO PINTO, Moysés; MAYORA, Marcelo; LINCK, José Antônio Gerzson (Org). Criminologia Cultural e Rock. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p. 49­94. GADAMER,  Hans­Georg.  Verdade  e  Método  I:  traços  fundamentais  de  uma hermenêutica filosófica. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. GAUER,  Ruth  M.  Chittó;  SAAVEDRA,  Giovani  Agostini;  GAUER,  Gabriel  J.  Chittó. Memória  Punição  e  Justiça:  Uma  abordagem  interdisciplinar.  Porto  Alegre: Livraria do Advogado, 2011. GEREMIAS,  Luis.  A  Fúria  Negra  Ressuscita:  as  raízes  subjetivas  do  hip­hop brasileiro.  2006.  Disponível  em:  www.bocc.ubi.pt/pag/geremias­luiz­furia­negra­ ressuscita.pdf. Acessado em: janeiro de 2014.  GRÜNE, Carmela. O dia em que o direito caiu no samba. In. GRÜNE, Carmela (Org). Samba no Pé e Direito na Cabeça. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 07­14. MC’S  RACIONAIS.  Racistas  Otários.  Disponível  em:  http://letras.mus.br/racionais­ mcs/796245/. Acesso em 01 de julho de 2014a. _____.  Homem  na  Estrada.  Disponível  em:  http://letras.mus.br/racionais­ mcs/79451/. Acesso em 01 de julho de 2014b. _____.  Diário  de  um  Detento.  Disponível  em:  http://letras.mus.br/racionais­ mcs/63369/. Acesso em 01 de julho de 2014c. _____.  Mariguela.  Disponível  em:  http://letras.mus.br/racionais­mcs/marighella­2/. Acesso em 01 de julho de 2014d. PASQUILINI,  Alexandre.  Hermenêutica  e  Sistema  Jurídico.  Uma  introdução  à interpretação sistemática do direito.Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1999. ROCHA, Janaina; DOMENICH, Mirella; CASSEANO, Patrícia. Hip Hop: A periferia grita.  São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2006. SILVA,  Vinícius  Gonçalves  Bento  da;  SOARES,  Cássia  Baldini.  As  Mensagens sobre Drogas no Rap: como sobreviver na periferia. In: Revista Ciência e Saúde Coletiva,  2004.  Disponível  em:  www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a18v9n4.pd.  Acessado em: julho de 2013.
  • 9. 17/02/2015 Contradiscurso e hermenêutica jurídica http://www.eumed.net/rev/cccss/29/discurso­juridico.html 9/10 Nota Importante a Leer: Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente. Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo. Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores. El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo. Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo. Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo. Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor,pulse aqui. Comentarios sobre este artículo: No hay ningún comentario para este artículo. Si lo desea, puede completar este formulario y dejarnos su opinion sobre el artículo. No olvide introducir un email valido para activar su comentario. (*) Su email: (*) Nombre y apellidos: Universidad / Centro de trabajo: (*) Su comentario: em: julho de 2013. VARELLA, Drauzio. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.  WACQUANT,  Loïc.  Hacia  uma  prazeologia  social:  La  estructura  y  la  lógica  de  la sociologia de Bourdieu. In: BOURDIEU, Pierre (org.). Una Invitación a la Sociologia Reflexiva. Buenos Aires: Siglio XXI editores, 2008. p. 25­90. 1 A obra criminologia cultural e Rock, de Salo de Carvalho et al. (2011), é um importante estudo para quem busca alicerçar­se no campo da criminologia cultural, envolvendo  produções musicais. No referido livro há uma contextualização dos movimentos de contracultura no Brasil e o desenvolvimento de diferentes ritmos em diferentes épocas como forma de contestação. 2 FEBEM (VARELLA, 212) (Fundação estadual do bem­estar do menor), hoje conhecida como Fundação CASA, é local de “atendimento” a jovens e adolescentes “infratores”, também localizado na cidade de São Paulo/SP. 3 Carandiru: foi uma Casa de Detenção, da cidade de São Paulo, inaugurada em 1920. O Carandiru ficou conhecido  por  ser  um  dos  maiores  presídios  da  América  Latina,  na  época,  abrigando  cerca  de  oito  mil presos.  Além  disso,  sua  desativação  no  ano  de  2002  também  causou  repercussão  mundial  (VARELLA, 2012).