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INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO - FUNDAMENTOS DE UMA DOGMÁTICA
CONSTITUCIONAL TRANSFORMADORA
LUÍS ROBERTO BARROSO
Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Master of Laws pela Yale Law School.
Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro.
3ª edição 1999 Editora Saraiva
ÍNDICE GERAL
Abreviaturas IX
Um prefácio afinal desnecessário XI
Registros XXI
INTRODUÇÃO
1. A interpretação. Generalidades
2. Apresentação do tema
3. Plano de trabalho 6
PARTE 1
A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL
Introdução
CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO
Capítulo 1
A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO.
DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL
1. O tratado internacional e a Constituição
2. A norma estrangeira e a Constituição
a) A norma estrangeira e a Constituição de origem
b) A norma estrangeira e a Constituição brasileira
Capítulo II
A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO.
DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL
1. A Constituição nova e a ordem constitucional anterior
2. Emenda constitucional e Constituição em vigor
3. Constituição nova e direito infraconstitucional anterior
4. Algumas questões de direito intertemporal suscitadas pelo advento
de uma nova Constituição
a) Inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente
b) Aplicação imediata, mas não retroativa, da Constituição nova
c) Declaração de inconstitucionalidade e efeito repristinatório
d) Situações processuais específicas
e) Normas infraconstitucionais não recepcionadas pela Constituição
de 1988
PARTE II
A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Capítulo I
OS MÉTODOS E CONCEITOS CLÁSSICOS APLICADOS
À INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
1. Introdução
2. Peculiaridades das normas constitucionais
3. Conceitos, classificações e métodos clássicos de interpretação
a) Subjetivismo e objetivismo. O originalismo nos Estados Unidos
b) Interpretação constitucional legislativa, administrativa, judicial,
doutrinária e autêntica
c) Interpretação declarativa, restritiva e extensiva
d) Os métodos ou elementos clássicos de interpretação
I - A interpretação gramatical
II - A interpretação histórica
III - A interpretação sistemática
IV - A interpretação teleológica
e) Integração da vontade constitucional. Analogia e costume consti-
tucional
4. A interpretação constitucional evolutiva
Capítulo Ii
PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE
CONSTITUCIONAL
1. Os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação
constitucional
2. Princípio da supremacia da Constituição
3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do
Poder Público
4. Princípio da interpretação conforme a Constituição
5. Princípio da unidade da Constituição
6. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
7. Princípio da efetividade
PARTE FINAL
A OBJETIVIDADE DESEJADA EA NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL:
O PAPEL DO INTÉRPRETE NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Capítulo I
SABER JURÍDICO CONVENCIONAL, TEORIA CRÍTICA DO DIREITO
E DIREITO ALTERNATIVO. A SÍNTESE NECESSÁRIA
1. Introdução
2. A teoria crítica
3. O direito alternativo
4. Objetividade e neutralidade. Os limites do possível
Capítulo Ii
CONCLUSÕES
Índice onomástico
Índice alfabético-remissivo
Bibliografia
ABREVIATURAS
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade
AgI - Agravo de Instrumento
AgRg - Agravo Regimental
AJCL - American Journal of Comparative Law
AJIL - American Journal of International Law
BVerfGE - Entscheidungen des Bundesverfassungsgericht
DJU - Diário de Justiça da União
Embgs - Embargos
ILM - International Legal Materiais
MI - Mandado de Injunção
ML - Medida Liminar
MS - Mandado de Segurança
QO - Questão de Ordem
RDA - Revista de Direito Administrativo
RE - Recurso Extraordinário
Rep - Representação de Inconstitucionalidade
REsp - Recurso Especial
RILSF - Revista de Informação Legislativa do Senado Federal
RF - Revista Forense
RMS - Recurso em Mandado de Segurança
RT - CDC e CP - Revista dos Tribunais - Cadernos
de Direito Constitucional e Ciência Política
RTDP - Revista Trimestral de Direito Público
RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TFR - Tribunal Federal de Recursos
UM PREFÁCIO AFINAL DESNECESSÁRIO
Estas palavras não pretendem ser um prefácio que mereça o nome.
Não é que alimentasse a presunção de oferecer um desses prefácios
densos e eruditos, que, às vezes, dissimulam a ambição de competir
com a obra que apresentam.
Honrado, porém, pelo convite do autor para prefaciar a publicação
da tese - que lhe deu as merecidas galas de Professor Titular da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro - e verdadeiramente impressio-
nado com a excelência do trabalho, cheguei a cogitar, à guisa de prefá-
cio, de dar um testemunho: aos sete anos de cotidiana interpretação cons-
titucional por dever de ofício, pensei aproveitar o tema e dar conta do
método e dos motivos de votar de um juiz do Supremo Tribunal Federal.
Ao menos, dos motivos conscientes e racionais. Que os outros - supe-
rado, embora, o mito ingênuo ou mistificador da interpretação neutra (e
não apenas imparcial) - são, de regra, indevassáveis: não que os queira
ocultar o intérprete, mas porque, na grande maioria das vezes, é ele
próprio o primeiro a ignorá-los.
Na Parte Final deste livro, disse-o o autor, de modo irretocável:
"Idealmente, o intérprete, o aplicador do direito, o juiz,
deve ser neutro. E é mesmo possível conceber que ele seja
racionalmente educado para a compreensão, para a tolerân-
cia, para a capacidade de entender o diferente, seja o homos-
sexual, o criminoso, o miserável ou o mentalmente deficien-
te. Pode-se mesmo, um tanto utopicamente, cogitar de libertá-
lo de seus preconceitos, de suas opções políticas pessoais e
oferecer-lhe como referência um conceito idealizado e
asséptico de justiça. Mas não será possível libertá-lo do pró-
prio inconsciente, de seus registros mais primitivos. Não há
como idealizar um intérprete sem memória e sem desejos.
Em sentido pleno, não há neutralidade possível".
Frustrou-se o intento do depoimento pessoal, atropelado pelas tur-
bulências da presidência do Tribunal e das dimensões inéditas da crise
do Judiciário, que venho tentando discutir sem preconceitos. E ainda
pela certeza de que nenhuma contribuição justificaria retardar ainda mais
a publicação de estudo tão significativo.
Este livro, cuja apresentação a amizade de Luís Roberto Barroso
me entregou, consolida a inscrição do conjunto da sua obra, fruto da
juventude ainda vigente, no rol das melhores produções da teoria cons-
titucional brasileira.
O trabalho premiado do estudante O problema da federação
(Forense, 1982) - que o grande Seabra Fagundes, no prefácio, não he-
sitou em saudar como "dos melhores já escritos sobre o regime federal
no Brasil" prenunciava os marcos característicos do jurista consagrado
de hoje: o domínio seguro dos princípios, da história e da dogmática
constitucional, sem asfixia do compromisso com o seu País e o seu povo.
Vem dessa época a nossa aproximação pessoal, na militância da
OAB, ao tempo em que, "sobre o crepúsculo do autoritarismo, incidem
as primeiras frestas de claridade" (O problema da federação, cit.,
p. XII).
1. Prêmio Cândido de Oliveira Neto, 1980, da OAB-RJ.
Já em 1989 - entremeando-se na série de trabalhos menores, no
entanto, de valor indiscutível (assim, p. ex., Igualdade perante a lei, de
1985, Revista de Direito Público, 78:65, e A crise econômica e o direito
constitucional, de 1993, Revista Forense, 323:83) - completa o autor a
versão original de sua tese de livre-docência -A força normativa da Cons-
tituição. Elementos para a efetividade das normas constitucionais - a
qual, ampliada e atualizada, foi divulgada em duas edições, como título
definitivo - O direito constitucional e a efetividade de suas normas -
e o subtítulo que trai o engajamento do teórico - Limites e possibilida-
des da Constituição brasileira (Renovar, 1991 e 1993).
Na primeira das edições, a veemente divergência com a minha pos-
tura restritiva nos leading cases acerca da natureza e das potencialidades
dogmáticas do mandado de injunção - tal como instituído e disciplina-
do (e muito mal) pela Constituição - valeu-me, na transcrição de uma
ementa, o epíteto de ser uma "pena ilustre - outrora progressista" (O
direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 179), ex-
pressões abrandadas, com sutileza, na edição seguinte (O direito consti-
tucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 183).
A impiedade da crítica do amigo - que assim aparentemente me
compelia à retirada do círculo dos "progressistas", onde há anos o rece-
bera - nem afetou a amizade, nem alterou o juízo extremamente posi-
tivo sobre o trabalho.
2. Juízo positivo, aliás, que já nem poderia dissimular: da leitura dos
originais da tese, dela
extraíra citação, precedida de referência elogiosa, que erigira em um dos
pilares da fundamentação
do voto em que tomara posição na polêmica - MI 107 (QO), Moreira Alves, RTJ,
133:11, 50.
De qualquer sorte, até por vaidade intelectual, não ousaria retratar-
me dos justos encômios ao estudo: a verdade é que - após o clássico de
José Afonso da Silva sobre a eficácia jurídica das normas constitucio-
nais - a monografia de Barroso, em torno dos caminhos possíveis para
a efetividade (ou eficácia social) da Constituição, deu novas dimensões,
no Brasil, ao esforço para vencer a paralisia das inovações constitucio-
nais contra a resistência à sua realização de parte dos interesses criados.
3. José Afonso da Silva,Aplicabilidade das normas constitucionais,
Revista dos Tribunais, 1968.
Esta segunda tese, que hoje me orgulha apresentar, responde às
mesmas inspirações do jurista comprometido com a descoberta e a ex-
ploração das potencialidades transformadoras da Constituição.
Sua tônica é a mesma da obra anterior, uma obsessão fértil com a
efetividade da norma constitucional, expressa nesta passagem feliz, que
traduz a declarada influência de Konrad Hesse:
"O malogro do constitucionalismo, no Brasil e alhu-
res, vem associado à falta de efetividade da Constituição,
de sua incapacidade de moldar e submeter a realidade so-
cial. Naturalmente, a Constituição jurídica de um Estado é
condicionada historicamente pelas circunstâncias concre-
tas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressão
das situações de fato existentes. A Constituição tem uma
existência própria, autônoma, embora relativa, que advém
de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contex-
to social e político. Existe, assim, entre a norma e a rea-
lidade, uma tensão permanente. É neste espaço que se
definem as possibilidades e os limites do direito consti-
tucional".
Ou nesse parágrafo, irretocável, que trai a segura apreensão do me-
lhor da lógica de Kelsen:
"No nível lógico, nenhuma lei, qualquer que seja sua
hierarquia, é editada para não ser cumprida. Sem embargo,
ao menos potencialmente, existe sempre um antagonismo
entre o dever-ser tipificado na norma e o ser da realidade
social. Se assim não fosse, seria desnecessária a regra, pois
não haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algo
que ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente
aqui que reside o impasse científico que invalida a suposi-
ção, difundida e equivocada, de que o direito deve limitar-
se a expressar a realidade de fato. Isso seria sua negação.
De outra parte, é certo que o direito se forma com elemen-
tos colhidos na realidade, e seria condenada ao insucesso a
legislação que não tivesse ressonância no sentimento so-
cial. O equilíbrio entre esses dois extremos é que conduz a
um ordenamento jurídico socialmente eficaz".
4. A Hans Kelsen, contudo, a obra reserva, depois (Parte Final, cap. 1,
n. 1), um tratamento
injusto e incide na assimilação, também difundida mas equivocada, entre o
normativismo da Teorhia
Pura - que tem um dos seus pontos fortes na revelação do caráter também criador
das etapas
sucessivas de aplicação do direito, até a sentença, inclusive (cf., p. ex.,
Teoría general del derecho
y del Estado, trad., México, 1949, p. 137 e s.) - e o formalismo dos exegetas,
este, sim, que parte
da premissa de "que a atividade do intérprete se desenvolve por via de um
processo dedutivo, de
mera subsunção do fato à norma", de sentido supostamente inequívoco: permita-me
o autor a críti-
ca ligeira, que, por força do contraste, realçará os muitos elogios.
O tema agora eleito - Interpretação e aplicação da Constituição
de trato freqüentemente negligenciado, quando não enfadonhamente
repetitivo, seguramente não é uma promessa, necessariamente mistificadora.
de ensinar caminhos sem desvios nem alternativas para a solução
pretensamente unívoca de todo e qualquer problema constitucional.
Ao contrário, o subtítulo da tese - Fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora - desvela o engajamento progressista
do autor, que o parágrafo final do estudo corajosamente renova:
"O constituinte é invariavelmente mais progressista que
o legislador ordinário. Tal fato dá relevo às potencialidades do
direito constitucional, e suas possibilidades interpretativas. Sem
abrir mão de uma perspectiva questionadora e crítica, é possí-
vel, com base nos princípios maiores da Constituição e nos
valores do processo civilizatório, dar um passo à frente na
dogmática constitucional. Cuida-se de produzir um conheci-
mento e uma prática asseguradores das grandes conquistas
históricas, mas igualmente comprometidos com a transfor-
mação das estruturas vigentes. O esboço de uma dogmática
autocrítica e progressista, que ajude a ordenar um país capaz
de gerar riquezas e distribuí-las adequadamente".
Essa audaciosa declaração de compromisso do autor com a
"transformação das estruturas vigentes" não seria de celebrar se se
tratasse apenas de mais uma dessas tentativas, tão comuns na área do
direito público, de vender crenças ideológicas dessa ou daquela co-
loração como soluções de dogmática constitucional, de simulada
neutralidade científica.
Certo, Luís Roberto Barroso denuncia com razão que "a idéia de
neutralidade do Estado, das leis e de seus intérpretes, divulgada pela
doutrina liberal-normativista, toma por base o status quo” e, por isso, só
reputa neutra “a decisão ou a atitude que não afeta nem subverte as
distribuições de poder e riqueza existentes na sociedade".
É verdade também que não receou enfrentar preconceitos e resga-
tar, da superficialidade da réplica que sói opor-lhe a crítica reacionária,
os aspectos positivos da "teoria crítica do direito" e do movimento do
"direito alternativo".
Não obstante, a obra repele decididamente a pregação dos que, a
partir da "impossibilidade da objetividade plena" - dado o inextirpável
coeficiente de subjetividade que toda interpretação contém -, renun-
ciam na sua prática à busca da "objetividade possível".
Daí, o traço antológico da linha de equilíbrio que propõe:
"A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena
não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade
possível. A interpretação, não apenas no direito como em
outros domínios, jamais será uma atividade inteiramente
discricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre o
produto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu
produto final conterá elementos objetivos e subjetivos. E é
bom que seja assim. A objetividade traçará os parâmetros
de atuação do intérprete e permitirá aferir o acerto de sua
decisão à luz das possibilidades exegéticas do texto, das
regras de interpretação (que o confinam a um espaço que,
normalmente, não vai além da literalidade, da história, do
sistema e da finalidade da norma) e do conteúdo dos
princípios e conceitos de que não se pode afastar. A subje-
tividade traduzir-se-á na sensibilidade do intérprete, que
humanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permiti-
rá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas que
o ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que se
pode perseguir na interpretação jurídica e constitucional é
a de estabelecer os balizamentos dentro dos quais o apli-
cador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do razoa-
vel e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto".
A essa orientação o autor consegue manter-se invariavelmente fiel,
à custa da rejeição coerente à tentação dos desvios de todas as bandas.
Assim, de um lado, na trilha do seu mestre, o notável José Carlos
Barbosa Moreira volta a denunciar a lógica predileta dos reacionários,
"uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira,
que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o
texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão
parecido quanto possível com o antigo".
Repele, no entanto, com igual vigor, o "charlatanismo constitucio-
nal", mercê do qual, com freqüência, intérpretes politicamente compro-
metidos - incluídos alguns dos nossos - forcejam por ignorar princí-
pios elementares e limites intransponíveis da dogmática do ordenamento
positivo, à busca de uma falsa legitimação jurídica para suas posições.
Essa fidelidade à dignidade científica da interpretação constitucio-
nal, sem prejuízo da criatividade e do compromisso com a transforma-
ção, na medida em que dogmaticamente viáveis, responde pelo nível de
altiplano, sem depressões, que o livro mantém, do começo ao fim.
É impossível, contudo, não assinalar alguns pontos da obra, cuja
particular cintilação a singulariza, no panorama de hoje da nossa doutri-
na constitucional.
Entre eles, toda a Parte I - A determinação da norma aplicável -,
que, salvo engano, pela sistemática do trato dos conflitos das normas
constitucionais no tempo e no espaço, não encontra paralelo em nossa
literatura.
Nela, ganha realce a precisa análise da questão, quase inexplorada,
da legitimidade e dos limites do controle, no foro brasileiro, da validade
da norma estrangeira a aplicar, quer perante a Constituição de origem,
quer perante a própria Constituição do Brasil, cujas normas, em passa-
gem de grande felicidade, o autor insere na "ordem pública internacio-
nal". São páginas ímpares.
De relevar também é todo o capítulo destinado a enfatizar o decisi-
vo papel dogmático dos princípios constitucionais - "normas eleitas
pelo constituinte como fundamentos e qualificações essenciais da or-
dem jurídica que instituem" -, os quais - assinala o autor, reafirman-
do sua postura fundamental -, por sua generalidade, abstração e capa-
cidade de expansão, permitem muitas vezes ao intérprete "superar o
legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa", mas,
a um só tempo, "funcionam como limites interpretativos máximos, neu-
tralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais e das
conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do legislador e
impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento".
Exemplar igualmente, dentro da mesma diretiva metodológica,
nos tópicos que se ocupam dos princípios específicos da interpretação
constitucional, é a exploração das potencialidades do "princípio da
razoabilidade" e a definição dos marcos do seu espaço legítimo de
incidência.
Só duas palavras a mais.
Vai a primeira para o cuidado da tese com a pesquisa e a análise da
jurisprudência constitucional brasileira, que a obra de nossos especia-
listas, a exemplo do que sucede nos demais ramos do direito, tende sim-
plesmente a ignorar.
O escamoteamento da jurisprudência pela doutrina, entretanto, é
de todo indesculpável. Não é que se pretenda impor ao teórico a submis-
são ao entendimento dos tribunais - acentuei, ao prefaciar outra obra
recente: o que não é leal, sobretudo para o leitor jovem, é não dar conta
dele e transmitir, como verdades apodíticas, opiniões diametralmente
opostas a quanto se tem decidido - certo ou errado, não importa - na
vivência cotidiana, na Justiça, da lei e da Constituição.
5. José Tarcisio de Almeida Melo, Direito constitucional brasileiro, Del
Rey, 1996, prefáciu.
É auspicioso verificar que essa tendência tradicional está sendo su-
perada por alguns dos melhores nomes da nova geração de publicistas
brasileiros.
6. Cf., a partir de José Celso de Melo Filho (Constituição Federal
anotada, Saraiva, 1986) e de
Gilmar F. Mendes (Controle de constitucionalidade, Saraiva, 1990, e Jurisdição
constitucional -
controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, Saraiva, 1996), v. g.,
Clémerson M. Clêve. A
fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, Revista
dosTribunais, 1995; Nagih
Slaibi Filho, Ação declaratória de constitucionalidade, Forense, 1994; Elival S.
Ramos. À
inconstitucionalidade das leis, Saraiva, 1994; Oscar Vilhena Vieira, Supremo
Tribunal Federal -
jurisprudência política, Revista dos Tribunais, 1994; Joaquim Barbosa Gomes, La
Cour Suprëim’
dans le système politique brésilien, além de valiosos comentários e críticas de
decisões determinadas,
e. g., Flávio Bauer Novelli, sobre o julgamento da ADIn 939, declaratória da
inconstitucionalidade do
art. 2º, § 2º, da EC 3/93, RT - Cadernos de Direito Constitucional, 13:18.
Entre eles, com esta tese, Luís Roberto Barroso se inseriu definiti-
vamente com minuciosa atenção à jurisprudência constitucional do País,
particularmente a do Supremo Tribunal, que analisa com precisão e cri-
tica com agudeza, quando entende ser o caso.
A transcrição de alguns trechos já dispensaria, a rigor, a última
nota destas palavras, reservada para louvar a clareza e a limpidez do
estilo, de elegância ática, infenso a ouropéis e berloques, sem conces-
sões à frase arrevesada, às metáforas substitutivas de conceitos técnicos
e a tantos outros abomináveis vícios de provinciano pedantismo, dos
quais muitos de nossos juristas estão longe de libertar-se.
Por tudo quanto foi dito, o melhor é encerrar.
Afinal, se o livro é tão bom e tão bem escrito, já é mais que hora de
deixar que o leitor desavisado, que haja gasto seu tempo com esta apresen-
tação desnecessária, entregue-se afinal ao prazer intelectual da sua leitura.
Brasilia, maio de 1996.
J. P. Sepúlveda Pertence
REGISTROS
Inúmeras pessoas participaram deste projeto, com maior ou menor
intensidade, em contribuições intelectuais e afetivas. Por evidente, ne-
nhuma delas tem culpa no resultado. Ana Paula de Barcellos tem sido
um adorável anjo da guarda destes últimos anos, com sua dedicação e
talento. Luís Eduardo Barbosa Moreira prestou-me valiosa ajuda na pes-
quisa dos materiais em italiano e reviu em minúcia o texto final. Lúcia
Maria Lefebvre Fisher, de novo e sempre, foi a bibliotecária que tomou
minha vida mais fácil e melhor. Devo, igualmente, ao Professor Osiris
Cuadrat de Souza inúmeras correções da primeira versão.
Nelson Nascimento Diz, Mauro Fichtner Pereira e Joel Alves
Andrade, advogados e pessoas notáveis, foram interlocutores freqüen-
tes e gratificantes de minhas angústias e perplexidades. Os Professores
José Carlos Barbosa Moreira, Milton Flaks, Joaquim Arruda Falcão e
Hélio Assunção honraram-me com a leitura dos originais e com suas
críticas lúcidas e proveitosas. O Professor Gustavo Tepedino tem sido
companheiro e amigo constante de muitos caminhos, que vêm desde o
movimento estudantil e chegarão a um mundo melhor.
Os Professores Doutores Caio Tácito, Raul Machado Horta, José
Alfredo de Oliveira Baracho, Carlos Alberto Direito e Jacob Dolinger
integraram a banca de concurso que me conferiu o grau de titular em
Direito Constitucional, com nota máxima. A leitura atenta que fizeram
de meu trabalho e as argüições eruditas e instigantes valorizaram imen-
samente a conquista. Partilho o título, em profunda comunhão afetiva,
com a Professora Carmen Tiburcio, pelo estímulo, carinho e transcen-
dente amizade de todos estes anos.
Este trabalho é dedicado à Tê, que o acompanhou a cada passo, e à
Luna, que nasceu junto com ele. Nas madrugadas e fins de semana em
que o escrevi, e por isto não pude estar com elas, reconheci-me no verso
encantado de Jorge Luis Borges, uma linda declaração de amor: "Estar
com você ou não estar com você é a medida do meu tempo".
Dezembro de 1995
LRB
INTRODUÇÃO
"Um texto, depois de ter sido separado do seu emissor
e das circunstâncias concretas da sua emissão, flutua no
vácuo de um espaço infinito de interpretações possíveis.
Por conseqüência, nenhum texto pode ser interpretado de
acordo com a utopia de um sentido autorizado definido,
original e final. A linguagem diz sempre algo mais do que
o seu inacessível sentido literal, que já se perdeu desde o
início da emissão textual."
Umberto Eco
1. Umberto Eco, Les limites de l´interprétation, 1992, p. 8.
1. A interpretação. Generalidades
A Terra é plana, e todos os dias o sol nasce, percorre o céu de ponta
a ponta e se põe do lado oposto. Por muito tempo isto foi tido como uma
obviedade, e toda a compreensão do mundo era tributária dessas pre-
missas, Que, todavia, eram falsas. Desde logo, uma primeira constatação:
as verdades, em ciência, não são absolutas nem perenes. Toda interpre-
tação é produto de uma época, de uma conjuntura que abrange os fatos,
as circunstâncias do intérprete e, evidentemente, o imaginário de cada
um. Ao longo dos séculos, o homem tem recorrido à mitologia, ao so-
brenatural, ao panteísmo, à fé monoteísta de diversos credos e à obses-
são do racionalismo. Não necessariamente nessa ordem.
Em instigante trabalho no qual procurou traçar um paralelo entre a
Física e o direito constitucional, Laurence Tribe dissertou sobre os três
grandes estágios da Física moderna, e como cada um deles influenciou
a percepção do universo em geral. Newton trabalhou sobre a idéia de
que os objetos eram isolados e interagiam a distância e utilizou-se de
conceitos metafísicos como espaço e tempo absolutos. A Física pós-
newtoniana, marcada pela teoria da relatividade de Einstein, superou a
fase do absoluto, divulgou a idéia da curvatura do espaço e de que todos
os corpos interagem entre si. Por fim, com a Física quântica percebeu-
se que a própria atividade de observação e investigação interfere com os
fatos pesquisados. Vale dizer: nem mesmo a mera observação é neutra.
2. Laurence Tribe, The curvature of constitutional space: what lawyers
can learn from modern
physics, Harvard Law Review, 103:1, 1989.
Ao longo do tempo, varia a percepção que o homem tem, não ape-
nas do mundo à sua volta, como também de si mesmo. Em passagen
clássica, Sigmund Freud identificou três momentos em que, pela mão
da ciência, o homem se viu abalado em suas convicções e mesmo en
sua auto-estima. O primeiro golpe deveu-se a Copérnico, com a revela-
ção de que a Terra não era o centro do universo, mas apenas um minús-
culo fragmento de um sistema cósmico cuja vastidão é inimaginável. O
segundo golpe veio com Darwin, que através da pesquisa biológica des-
truiu o suposto lugar privilegiado que o homem ocuparia no âmbito da
criação e provou sua incontestável natureza animal. O terceiro abalo,
possivelmente o mais contundente, veio com o próprio Freud, criador
da Psicanálise: a descoberta de que o homem não é senhor absoluo
sequer da própria vontade, de seus desejos, de seus instintos. Seu
psiquis-
mo não é dominado pela razão, mas pelo inconsciente.
3. Sigmund Freud, O pensamento vivo de Freud, 1985, p. 59.
É certamente possível incluir neste elenco um outro golpe mais
re-
cente: o fiasco dos países que se organizaram sob inspiração do marxis-
mo e puseram em prática o chamado socialismo real. A ideologia, que
chegou a envolver quase metade da humanidade e cativou corações e
mentes por todo o mundo, representava um exercício supremo do
racionalismo e um esforço de criação de um novo homem. Um homem
que não seria predestinado pela fatalidade, pela providência ou por seus
próprios instintos, mas pela história. Uma história que poderia ser to-
mada nas mãos para promover uma sociedade igualitária, solidária e
pretensamente universal, sem Estados, nacionalismos ou fronteiras.
Não faltam os que possam alegar que, desde a primeira hora, denuncia-
ram a inviabilidade ou os desvios do modelo, não deixa de ser desolador
para o espírito humano que tudo tenha acabado em secessão, desordem
e fratricídio.
O trabalho que a seguir se desenvolve parte da premissa consolida-
da de que a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal.
Ela espelha o nível de conhecimento e a realidade de cada época, bem
como as crenças e valores do intérprete, sejam os do contexto social em
que esteja inserido, sejam os de sua própria individualidade.
2. Apresentação do tema
A interpretação constitucional no Brasil era um tema à espera de
um autor. Possivelmente continuará a ser. Este estudo, todavia, tem a
ambição de identificar e sistematizar os elementos essenciais da teoria
da interpretação aplicáveis ao direito constitucional. No seu desenvolvi-
mento, sem embargo da ênfase dada à realidade brasileira, procurou-se
importar, seletivamente, com moderação e sentido crítico, o que de me-
lhor havia no direito comparado sobre a matéria.
4. Posteriormente à publicação da 1ª edição deste livro, em 1996,
foram lançados outros
trabalhos monográficos acerca da interpretação constitucional, dentre os quais
se destacam: Inocêncio
Mártires Coelho, Interpretação constitucional, 1997; Uadi Lammêgo Bulos, Manual
de interpre-
tação constitucional, 1997; Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e interpretação
constitucional,
1997; Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração
hermenêutica da
construção do direito, 1999.
Neste esforço, deu-se especial atenção à bicentenária produção
jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, bem como à fecun-
da atuação do Tribunal Constitucional Federal alemão em pouco mais
de um quarto de século. Contudo, e naturalmente, reservou-se maior
destaque para as decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro, refe-
ridas e reproduzidas com freqüência ao longo do texto, contrariando um
velho hábito da doutrina de tratar a jurisprudência, sobretudo a nacio-
nal, com certo desdém. Não se correu o risco, aqui, de ficar de frente
para o mar, de costas para o Brasil.
O trabalho que se segue não tem por objeto a filosofia da interpreta-
ção constitucional, nem tampouco pretende ser uma teoria geral sobre o
tema. Ele se volta, predominantemente, para a atividade de realização da
vontade constitucional, e procura fundamentar, desenvolver e sistemati-
zar o conhecimento necessário a tal desiderato. Concentra-se, assim, no
itinerário intelectivo a ser percorrido no processo de interpretação da Cons-
tituição, desde a determinação da norma aplicável até o ato final de sua
incidência sobre o caso concreto, sem descurar do questionamento acerca
do papel desempenhado pela subjetividade do próprio intérprete.
A interpretação constitucional, como a interpretação em geral, não
é um fenômeno monolítico, singular. Ela é essencialmente plural e com-
porta ênfase em aspectos diferentes. Em uma análise científica, assim, é
possível voltar a atenção, em primeiro lugar, para o sistema, isto é, para
o conjunto de normas, princípios e conceitos inerentes ao processo
interpretativo. Pode-se, de outra parte, dar um papel destacado ao obje-
to, vale dizer, aos casos concretos, às situações da vida, aos problemas
que devem ser solucionados pela interpretação da norma. Por fim, é
possível cogitar, ainda, de investigar o papel do sujeito da interpretação,
voltando os olhos para os valores e a ideologia do intérprete e sua reper-
cussão no produto de seu trabalho.
Metodologicamente, portanto, é possível encarar a interpretação
constitucional a partir do sistema, do primado da norma e da dogmática
jurídica tradicional, à qual se adicionam particularidades exigidas pelo
caráter singular da Constituição. A interpretação constitucional, por via
de conseqüência, é uma espécie de interpretação jurídica, enriquecida
por princípios e regras próprias. Este método, que se pode identificar
como método hermenêutico clássico, trata a Constituição como lei, e
procura desenvolver sua força normativa, sem embargo de dificuldades
que a peculiar estrutura das normas constitucionais muitas vezes suscita.
5. Ernst-Wolfgang Böckenförde (Escritos sobre derechos fundamentales,
1993) faz refe-
rência ao método hermenêutico clássico, que associa a Forsthoff (Rechtsstaat im
Wandel, 1976),
e dele distingue variações de menor ou maior sutileza, como o método
hermenêutico-concretizador,
de Konrad Hesse (Grundzüge des VerfassungsR der Bundesrepublik Deutschland. 1976)
e F.
Müller (Enzvklopãdie der geisteswissenschaftíichen Arbeitsmethoden, 1972), e o
que denomina
interpretação constitucional orientada às ciências da realidade, de Smend
(Staatsrechtliche
Abhandlungen, 1968).
É possível, igualmente, optar por uma metodologia que valorize
antes o objeto que motiva a interpretação, isto é, o caso concreto ou o
problema a ser resolvido. Nos países onde vigora a tradição do common
law, como nos Estados Unidos, a ênfase da argumentação jurídica recai,
precisamente, na discussão dos aspectos de fato da causa e na busca do
precedente mais adequado, sem que exista, normalmente, a rigidez de
uma norma taxativa emanada do sistema. Paralelamente ao case system
norte-americano, desenvolveu-se entre os alemães a tópica, o chamado
método tópico aplicado aos problemas, pelo qual se sustenta o primado
do problema sobre a norma jurídica e sobre o sistema, onde a interpreta-
ção se apresenta como um método aberto de argumentação, indutivo e
não dedutivo. Nele, a ordem jurídica é apenas uma referência, um dos
argumentos, um dos topoi a serem levados em conta na solução das
situações concretas.
6. Veja-se, por todos, em meio a vastíssima bibliografia, o texto
clássico de Karl Llewellyn,
The case law system in America, Columbia Law Review, 88:989, 1988.
7. A obra fundamental sobre a tópica é de Theodor Viehweg, Topik und
Jurisprudenz, 1953.
Vejam-se, também, H. Ehmke, Prinzipien der Verfassungsinterpretation, 1963;
Ernst-Wolfgang
Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, cit., p. 19 e s.; José
Antonio Estévez Araujo, La
Constitución como proceso y la desobediencia civil, 1994; Eduardo García de
Enterría, Reflexiones
sobre la ley y los principios generales del derecho, 1984. Em língua portuguesa,
v. Paulo Bonavides,
Curso de direito constitucional, 1993, p. 404 e s.
Por fim, é possível, na interpretação constitucional, voltar os olhos
para
o papel do intérprete, as possibilidades de sua atuação e os limites de sua
discricionariedade. Aqui é de grande relevo o aporte trazido pela teoria crí-
tica do direito e seus desdobramentos, notadamente no seu questionamento
da onipotência da dogmática jurídica convencional e da função ideológica
do direito e do intérprete. Abre-se, assim, um espaço para a discussão da
objetividade da norma e da neutralidade de seu aplicador, e do papel do
direito como instrumento de conservação e de transformação.
8. V Michel Miaille, Introdução crítica ao direito, 1989; Carlos Maria
Cárcova e outros,
Materiales para una teoría crítica del derecho, s. d.; Luis Alberto Warat e
Eduardo A. Russo,
Interpretación de la ley, 1988, v. 1.
O presente estudo procurou, na medida do possível, produzir a sín-
tese necessária dessas perspectivas distintas. Sem deixar de reconhecer,
contudo, que tanto a tópica quanto a crítica - bem como outras varia-
ções, que vão do sociologismo ao economicismo - são questionamentos
do sistema legal, do saber jurídico tradicional, e não propostas que pos-
sam erradicá-lo ou desdenhá-lo. Rejeitou-se, assim, o ceticismo teórico
de que o direito, tanto na sua dimensão científica quanto na normativa,
não seja mais do que um instrumento assegurador do status quo e
perpetuador de certas relações de poder. Sem embargo da crítica históri-
ca severa que se lhe possa fazer, é inegável a existência de um amplo
espaço onde o direito pode ser não mero reflexo da realidade, mas uma
força capaz de conformá-la e transformá-la.
Investiu-se, também, grande esforço na divulgação do conhecimen-
to tradicional, na exibição dos métodos clássicos de interpretação e na
exploração dos princípios específicos de interpretação constitucional. É
preciso conhecer o direito posto. Tal preocupação poderia decorrer da
advertência de Umberto Eco de que, para violar regras ou opor-se a elas,
importa, antes de tudo, conhecê-las e, eventualmente, saber mostrar sua
inconsistência ou função meramente repressiva. Mas a verdade é que a
ignorância do que existe conduz antes ao preconceito do que à atuação
transformadora.
9. Umberto Eco, Como se faz uma tese, 1993, p. 48.
O exame do caso brasileiro revela existirem amplas e generosas
possibilidades exegéticas no texto constitucional em vigor. O texto que
se segue procura fornecer elementos, dentro do sistema jurídico, que
permitam ao intérprete neutralizar certas perversões ideológicas - suas
ou do ordenamento -, realizando a justiça do caso concreto. É um es-
forço em busca de uma dogmática jurídica autocrítica e progressista.
Mas, de qualquer modo, de uma dogmática jurídica.
3. Plano de trabalho
O estudo que aqui se empreende foi concebido em três grandes par-
tes, cada uma delas dividida em dois capítulos. A Parte I cuida da deter-
minação da norma aplicável. Trata-se de investigação em tema normal-
mente negligenciado pelos constitucionalistas. O primeiro momento de
qualquer atividade interpretativa há de ser a determinação da norma ju-
rídica a ser aplicada à hipótese. Na interpretação constitucional, essa
determinação poderá ficar sujeita à prévia solução de conflitos entre
normas provindas de fontes ou ordenamentos jurídicos distintos. Será
necessário, por vezes, dirimir colisões entre um tratado internacional e
a Constituição nacional. Em outras situações, sendo hipótese de aplica-
ção de direito estrangeiro por um juiz brasileiro, precisará ele confron-
tar tal norma com o direito constitucional vigente, para aferir-lhe a vali-
dade. Diversas possibilidades se abrem nesta matéria, com caráter emi-
nentemente prático e não apenas teórico, como demonstra a farta juris-
prudência levantada sobre o assunto. O capítulo I, portanto, é dedicado
ao direito constitucional internacional.
A determinação da norma aplicável a uma dada hipótese concreta
dependerá também, muitas vezes, da solução de conflitos de natureza
temporal. Quando da entrada em vigor de uma Constituição nova, fruto
da atuação do poder constituinte originário, ou de uma emenda consti-
tucional, criada pelo constituinte derivado, é indispensável definir as
relações que se estabelecem entre esses novos textos e as normas
constitucionais e infraconstitucionais anteriormente existentes. O capí-
tulo II volta-se para o direito constitucional intertemporal, cuidando da
vigência de normas à luz de novas disposições constitucionais, abran-
gendo aspectos relacionados com a aplicação imediata e eventualmente
retroativa da Constituição, com a inconstitucionalidade material e for-
mal supervenientes, com existência ou não de efeito repristinatório quan-
do da declaração de inconstitucionalidade da norma revogadora, dentre
outros temas complexos.
A Parte II do estudo tem por objeto a interpretação constitucional
propriamente dita. No capítulo I faz-se a apreciação dos conceitos e
métodos clássicos de interpretação jurídica aplicados à interpretação
constitucional. Analisam-se, assim, as singularidades das normas cons-
titucionais que as distinguem das normas infraconstitucionais, bem como
aspectos relativos à determinação da vontade do constituinte e da au-
tonomia assumida pelo texto constitucional uma vez posto em vigor.
Percorrem-se, em seguida, as categorias em que se classifica a interpre-
tação, inclusive constitucional, quanto à origem (legislativa, adminis-
trativa ou judicial), à extensão (declarativa, extensiva ou restritiva) e
quanto aos elementos tradicionais (gramatical, histórica, sistemática e
teleológica). Em desfecho, estudam-se o costume e a analogia como
métodos integrativos das lacunas constitucionais, abrindo-se, ainda, um
tópico especial para a interpretação evolutiva.
O capítulo II constitui o núcleo básico do trabalho e consiste na
siste-
matização e estudo dos princípios de interpretação especificamente consti-
tucional. Nele, enfatiza-se, em primeiro lugar, a relevância dos princípios
constitucionais materiais como vetores de toda a atividade interpretativa da
Constituição. Passa-se, logo após, ao exame detalhado e individual de cada
um dos princípios arrolados: supremacia da Constituição, presunção de
constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, interpretação confor-
me à Constituição, unidade da Constituição, razoabilidade-proporcio-
nalidade, concluindo com o princípio da efetividade.
A Parte Final do trabalho cuida da objetividade desejada e a neu-
tralidade impossível: o papel do intérprete na interpretação constitucio-
nal. Analisa-se, ali, no capítulo I, a teoria jurídica clássica ou tradicional
e algumas formulações que a questionaram, como a teoria crítica do
direito e o movimento impropriamente designado de direito alternativo.
Faz-se, nessa parte, ampla especulação sobre a norma como parâmetro
para a objetividade do direito e da atividade interpretativa, bem como
sobre questões afetas à neutralidade do intérprete. Encerrando o capítu-
lo, procura-se enfatizar a importância de uma boa dogmática constitucio-
nal, que liberte o estudo do direito constitucional da retórica vazia e do
discurso puramente político, sem densidade jurídica. A concretização
da Constituição, sua valorização como documento jurídico, aproxima-a
antes do processo do que da ciência política. Por derradeiro, no capítulo
II procura-se apresentar, esquematicamente, uma síntese das idéias de-
senvolvidas ao longo do estudo.
Ao longo de todo o texto, nenhuma preocupação foi mais constante
do que a que inspirou a bela passagem de Manuel Bandeira, em Itinerá-
rio de Pasárgada, lembrada por Plauto Faraco de Azevedo, em sua Crí-
tica à dogmática e hermenêutica jurídica:
"Aproveito a ocasião para jurar que jamais fiz um poe-
ma ou verso ininteligível para me fingir de profundo sob a
especiosa capa de hermetismo. Só não fui claro quando
não pude".
PARTE I - A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL
Introdução - CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO
A ordem jurídica de cada Estàdo constitui um sistema lógico, com-
posto de elementos que se articulam harmoniosamente. Não se amolda
à idéia de sistema a possibilidade de uma mesma situação jurídica estar
sujeita à incidência de normas distintas, contrastantes entre si. Justa-
mente ao revés, no ordenamento jurídico não podem coexistir normas
incompatíveis. O direito não tolera antinomias.
1. Sobre antinomias e critérios para solucioná-las, v. Norberto Bobbio,
Teoria do ordenamento
jurídico, 1990, p. 81 e s.
Um dos critérios comumente utilizados para evitar as antinomias,
solucionando o conflito entre normas, é o critério hierárquico: a norma
superior prevalece sobre a inferior. Assim, pois, se a Constituição e uma
lei ordinária divergirem, é a Constituição que prevalece. Se um decreto
regulamentar desvirtuar o sentido da lei, será inválido nesta parte. Se a
resolução deixar de observar o teor do regulamento, não poderá prevale-
cer. E assim por diante.
Um segundo critério de que se vale o sistema normativo para selecio-
nar a regra aplicável, em meio a preceitos incompatíveis, é o da especia-
lização. Havendo, em relação a dada matéria, uma regra geral e uma
especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat
generalis.
2. V. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 81 e s.
Existem, no entanto, duas espécies de conflitos de normas cuja solu-
ção, ao menos em princípio, não se socorre dos critérios hierárquico ou de
especialização, mas, sim, de outro instrumental teórico. São os conflitos
de leis no espaço e no tempo, cujo equacionamento percorre caminhos com-
plexos e acidentados, que passam por diversos ramos do direito.
As normas jurídicas positivas existentes no mundo não são univer-
sais nem perpétuas. Ao contrário, cada Estado tem suas próprias leis,
que emanam de sua soberania; e cada época tem os seus próprios valo-
res, que se consubstanciam em regras vigentes. Porque assim é, as nor-
mas variam infinitamente, no tempo e no espaço, e são suscetíveis de
gerar conflitos diversos.
3. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, 1974. v. 1, p. 4.
Ordinariamente, determinada relação jurídica constituir-se-á, pro-
duzirá seus efeitos e extinguir-se-á sob a vigência da mesma lei. E, nes-
se caso, inexistirá qualquer conflito de natureza temporal. Por igual,
será mais comum que uma relação jurídica tenha o seu nascimento e
todo o seu ciclo de existência no âmbito do mesmo Estado, sendo regida,
pois, por um único sistema de normas. Inexistirá, em tal hipótese, qual-
quer conflito de natureza espacial.
Todavia, ocasiões existem em que essa relação sofre a incidência de
lei nova ou entra em contato com o ordenamento jurídico de outro Esta-
do. Tais hipóteses, aliás, tornam-se mais corriqueiras por força da mu-
dança acelerada da técnica e dos costumes - provocando a modifica-
ção das leis - aliada à internacionalização das atividades humanas,
gerando obrigações em que alguns de seus elementos (sujeitos, objeto,
fato jurídico) estão em conexão com Estàdos diferentes.
Pois bem: os conflitos de leis no tempo, que geralmente se observam
no âmbito de um mesmo sistema jurídico, são equacionados e resolvidos
dentro de um domínio científico denominado direito intertemporal. Os
conflitos de leis no espaço, isto é, os que exigem a definição de qual
ordenamento jurídico regerá a espécie, constituem objêto do direito inter-
nacional privado. Cada um deles tem princípios e regras peculiares, que,
singularmente, não se aglutinam em um texto normativo único, mas se
espalham difusamente pelos diferentes documentos legais.
4. Nada obstante, existe uma especial concentração dessas normas na Lei
de Introdução ao
Código Civil. São de direito intertemporal os arts. 1º, 2º e 6º. São de direito
internacional privado
maior parte das normas remanescentes, notadamente do art. 7º em diante.
O direito intertemporal e o direito internacional privado, cujas re-
gras integram o chamado "sobredireito", desempenham papel de des-
taque na missão do direito de assegurar a continuidade e a estabilidade
das relações jurídicas. Com efeito, funda-se o primeiro no princípio da
não-retroatividade da lei e no respeito às situações jurídicas preexistentes.
De forma análoga, o direito internacional privado repousa sobre o prin-
cípio da territorialidade, bem como no reconhecimento das situações
jurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei estrangeira.
5. V.. Pontes de Miranda, Direito supra-estatal, direito interestatal,
direito intra-estatal e
sobredireito, in Estudos jurídicos em homenagem ao Professor Oscar Tenório, 1977,
p. 458. V.
também Jacob Dolinger, Direito internacional privado; parte geral, 1994, p. 25:
"Acima das nor-
mas jurídicas materiais destinadas à solução dos conflitos de interesses,
sobrepõem-se as regras
sobre o campo da aplicação destas normas. São as regras que compõem o chamado
sobredireito,
que determinam qual a norma competente na hipótese de serem potencialmente
aplicáveis duas
normas diferentes à mesma situação jurídica".
6. João Baptista Machado, Lições de direito internacional privado, 1982,
p. 9-10.
Sem embargo do que foi dito acima, hipóteses há de aplicação re-
troativa e de aplicação extraterritorial do direito. A seguir se estudam os
princípios, as regras e as exceções que regem a aplicação das normas
constitucionais no tempo e no espaço.
Capítulo I - A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. DIREITO
CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL
Como ficou assentado, o direito internacional privado visa a solucio-
nar o conflito de leis no espaço, vale dizer, o entrechoque de normas que
emanam de soberanias diferentes. Ele regula os fatos em conexão com
leis autônomas e divergentes. A despeito da denominação imprecisa,
sua atuação não se restringe ao campo do direito privado, estendendo-se
a diferentes domínios do direito público, haja vista existirem conflitos
potenciais entre normas constitucionais, penais, fiscais e financeiras dos
diferentes Estados.
1. Sobre o tema, na literatura nacional mais recente, vejam-se, além do
livro de Haroldo Valladão,
já citado, Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit.; Oscar Tenório,
Direito internacional
privado, 1976; Amilcar de Castro, Direito internacional privado, 1987; Irineu
Strenger, Curso de
direito internacional privado, 1978; Wilson de Souza Campos Batalha, Tratado de
direito internacio-
nal privado, 1977; e Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito
internacional privado,
1975. Na literatura internacional, são fontes de referência clássicas as obras
seguintes: Savigny, Traité
de droit romain, 1855-1860; Story, Comentários sobre el conflicto de las leyes,
1834; Pillet, Principes
de droit international privé, 1903; Nyboyet, Traité de droit international privé
français, 1944; Ferrer
Correia, Lições de direito internacional privado, 1963; Battifol e Lagarde,
Droit international privé,
1981-1983.
2. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, cit., p. 4, e Oscar
Tenório, Direito inter-
nacional privado, cit., p. 13. Existe vasta controvérsia acerca do objeto do
direito internacional
privado, não sendo esta a sede própria para reeditá-la. Conforme o país ou o
autor, tem sido incluído
no domínio do direito internacional privado o estudo da nacionalidade, da
condição jurídica do
estrangeiro, da teoria dos direitos adquiridos, do conflito de jurisdição e do
reconhecimento de
sentenças estrangeiras. Há consenso, todavia, em que a solução do conflito de
leis é sua principal
razão de existir. V. amplo levantamento sobre o tema em Jacob Dolinger, Direito
internacional
privado, cit., p. 1 e s.
3. A denominação direito internacional privado foi utilizada pela
primeira vez por Joseph
Story (Comentários sobre el conflicto de las leyes, cit., p. 12) e adotada na
França por M.
Foelix (Traité du droit International privé ou du conflit des lois de diférentes
nations, en matière
de droit privé, 1843). Embora se mantenha fiel à denominação tradicional, a
doutrina é unânime em
condenar o termo internacional o direito internacional privado é
predominantemente interno e
não disciplina relações entre nações - e o termo privado, já que abrange
conflitos regidos pelo
direito público, sendo o seu próprio papel de solução de conflitos de leis de
natureza eminentemen-
te pública.
O direito internacional privado abrange os conflitos de leis, sem qual-
quer cogitação a respeito da natureza das normas da divisão clássica. Seu
papel não é o de formular a regra que vai reger o caso concreto, mas, sim,
indicar, dentre as normas que dispõem diferentemente sobre uma mesma
matéria, qual deverá prevalecer em uma dada situação. Por tal razão, diz-se
que as normas de direito internacional privado são indiretas.
4. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 13.
5. V. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 48: "Estas
normas do Direito
Internacional Privado apenas indicam qual, dentre os sistemas jurídicos de
alguma forma ligados à
hipótese, deve ser aplicado". O autor refere, também, alguns casos em que,
excepcionalmente, a
regra de direito internaçional privado terá caráter direto, substancial.
As regras de direito internacional privado são, normalmente, dispo-
sições de direito interno, de vez que cada ordenamento jurídico estabe-
lece suas próprias regras de solução de conflitos. Tais preceitos, que se
denominam regras de conexão, indicam qual dos ordenamentos jurídi-
cos em contato com uma dada relação deverá prevalecer e discipliná-la.
Paralelamente a isso, e ingressando em faixa de intensa conexão
com o direito internacional público, existem normas que não são cria-
das pelo órgão legislativo interno, mas, sim, resultam de acordos entre
Estados: são os tratados e convenções internacionais. Surge, aí, nova
possibilidade de conflito: o que venha a contrapor a norma internacio-
nal e os princípios e regras de direito interno. É o chamado conflito
entre fontes. Para os fins do estudo aqui desenvolvido, interessa especial-
mente a incompatibilidade entre o tratado e a Constituição.
Há, ainda, outro ponto relevante na determinação de qual lei vai
reger a hipótese. É que, ao solucionar um conflito de leis, a regra de
direito internacional privado pode indicar como aplicável uma lei de
seu próprio ordenamento - a lex fori - ou pode apontar para a aplica-
ção de norma de outro ordenamento jurídico. Disso resulta que aos juízes
e tribunais de um Estado caberá, por vezes, aplicar direito estrangeiro.
Ao fazê-lo, terão de apreciar alguns aspectos importantes dessa inte-
ração de duas ordens legais. Dentre eles se inclui a verificação da com-
patibilidade entre a norma estrangeira e a Constituição, seja a do Esta-
do de origem, seja a do foro.
A expressão "direito constitucional internacional", que abre este
tópico, é aqui empregada em associação com a idéia de direito interna-
cional privado acima exposta. Por tal designação se identifica o conjun-
to de princípios e de regras que envolvem a solução dos conflitos exis-
tentes entre as normas internacionais e estrangeiras, de um lado, e as
normas constitucionais, de outro.
Na acepção adotada, o conceito de direito constitucional internacio-
nal não se confunde com o estudo dos preceitos constitucionais que,
genérica e difusamente, tenham algum reflexo internacional, como os
que versam a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro ou as
relações externas do País. O objeto de que aqui se cuida é mais restri-
to: trata-se tão-somente de encontrar a solução para os conflitos do
tipo acima descritos.
6. É nesta acepção mais ampla que a expressão foi empregada por Celso
Albuquerque Mello,
em seu Direito constitucional internacional, 1994.
1. O tratado internacional e a Constituição
O tema do conflito entre as normas internacionais e a ordem interna
evoca duas grandes correntes doutrinárias que disputam o melhor
equacionamento da questão: o dualismo, pregado no âmbito internacio-
nal por Triepel e Anzilotti e seguido no Brasil por Amilcar de Castro, e
o monismo, concepção desenvolvida por Hans Kelsen e seguida no Bra-
sil pela maior parte da doutrina, inclusive Valladão, Tenório, Celso
Albuquerque Mello e Marotta Rangel.
7. Vejam-se Heinrich Triepel, Völkerrecht und Landesrecht, 1899,
p. 169 e s., e Dionisio
Anzilotti, Cours de droit international, 1929, p. 49 e s. Vejam-se, também,
Triepel, Recueil des
Cours (Cursos proferidos na Academia de DIP da Haia), 1:79 e s., apud Haroldo
Valladão, Direito
internacional pri vado, cit., p. 51, e Anzilotti, Curso de derecho internacional,
p. 48, apud Amilcar
de Castro, Direito internacional privado, cit., p. 123.
8. Direito internacional privado, cit., p. 53 e 94.
9. Direito internacional privado, cit., p. 93 e s.
10. Direito constitucional internacional, cit., p. 344.
11. V. Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais,
Boletim da Sociedade
Brasileira de Direito Internacional, 44/45, p. 29.
Para os dualistas, inexiste conflito possível entre a ordem internacio-
nal e a ordem interna simplesmente porque não há qualquer interseção
entre ambas. São esferas distintas, que não se tocam. Assim, as normas
de direito internacional disciplinam as relações entre Estados, e entre
estes e os demais protagonistas da sociedade internacional. De sua par-
te, o direito interno rege as relações intra-estatais, sem qualquer cone-
xão com elementos externos. Nesta ordem de idéias, um ato internacio-
nal qualquer, como um tratado normativo, somente operará efeitos em
âmbito interno de um Estado se uma lei vier incorporá-lo ao
ordenamento jurídico positivo. Os autores se referem a esta lei com
"ordem de execução".
12. Amílcar de Castro, Direito internacional privado, cit., p.
123, citando Morelli, Nozioni di
diritto internazionale, p. 91 e s.
O monismo jurídico afirma, com melhor razão, que o direito cons-
titui uma unidade, um sistema, e que tanto o direito internacional quan-
to o direito interno integram esse sistema. Por assim ser, torna-se impe-
rativa a existência de normas que coordenem esses dois domínios e que
estabeleçam qual deles deve prevalecer em caso de conflito. Kelsen ad-
mite, em tese, o monismo com prevalência da ordem interna e o monismo
com prevalência da ordem internacional, embora seja partidário desse
último. A superioridade do direito internacional sobre o direito interno
de cada Estado foi afirmada, desde 1930, pela Corte Permanente de Jus-
tiça Internacional.
13. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 437 e s.,
especialmente p. 442-7.
14. Em parecer consultivo proferido em 31-7-1930, assim
pronunciou-se a Corte: "É princí-
pio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre
potências contratantes de um
tratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado"
(apud Hildebrando
Accioly, Manual de direito internacional público, 1978, p. 6).
A Constituição da maior parte dos países europeus contém regras
sobre as relações entre o direito interno e o direito internacional, nor-
malmente no sentido de considerar este último como parte integrante do
primeiro. Não, assim, a Constituição da França, de 1958, que é expres-
sa no sentido da superioridade do direito internacional, bem como a da
Holanda, de 1983. A verdade, no entanto, é que a jurisprudência
restritiva dos tribunais tende a neutralizar essa supremacia formal, sal-
vo quanto ao direito comunitário europeu, que tem desfrutado de prima-
zia sobre o direito interno.
15. V. Constituição da Áustria, de 1929, art. 9º Constituição da
Alemanha, de 1949, art. 25;
Constituição da Itália, de 1947, art. 10.
16. Constituição da França, art. 55: "Os tratados ou acordos
regularmente ratificados ou apro-
vados têm, a partir de sua publicação, uma autoridade superior à das leis, desde
que respeitadas pela
outra parte signatária". Constituição da Holanda, art. 94: "As disposições
legais em vigor no Reino
deixarão de se aplicar quando colidirem com disposições de tratados obrigatórios
para todas as
pessoas ou com decisões de organizações internacionais". No mesmo sentido é o
art. 15, n. 4, da
nova Constituição russa, aprovada por referendo popular em 12 de dezembro de
1993 (v. Gennady
M. Danilenko, The new Russian Constitution and international law, American
Journal of International
Law, 88:451, 1994, p. 464 e s.).
17. Jacob Dolinger, Direito internacional pri vado, cit., p. 83.
18. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 83. V.
também Celso Albuquerque
Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 325: "Quanto ao D.
Comunitário ele tem sido
visto como um ramo do DIP com características próprias, por exemplo, a
supranacionalidade, a
cessão de competências soberanas à comunidade. Ele é considerado uma categoria
especial dentro
da ordem jurídica dos Estados-membros. Esta é a posição da Corte de Justiça das
Comunidades
Européias". Sobre o tema, v., infra, acórdão do Tribunal Constitucional Federal
da Alemanha, nota
46. J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional, 1991, p. 915-6) assinala que
os tratados institutivos
das comunidades européias e as disposições comunitárias dotadas de
aplicabilidade direta impõem-
se sobre a legislação interna, quer com base no princípio da especialidade ou no
da competência
prevalente. Note-se que, nesta segunda hipótese, a prevalência não implica ab-
rogação das normas
internas precedentes ou a invalidade das subseqüentes (Anwendungsvorrang).
Nos Estados Unidos, a jurisprudência, de longa data, considerou
os tratados e convenções internacionais incorporados ao direito inter-
no, na interpretação dada ao art. 6º, 2ª seção, da Constituição. Aos atos
internacionais adequadamente aprovados pelo Congresso reconhece-
se o mesmo nível das leis federais, de forma tal que o posterior preva-
lece sobre o anterior. Paradoxalmente, na prática, o direito internacio-
nal é freqüentemente privilegiado, por força de uma atitude de defe-
rência dos tribunais americanos, que somente consideram derrogados
os atos internacionais quando seja evidente a intenção do Legislativo
nesse sentido.
19. V. Cherokee Tobacco, 78 U. S. (11 Wall)616(1871); The Paquete Habana,
175 U. S.677
(1900); Cook vs. United States, 288 U. S. 102 (1933); Diggs vs. Schultz, 470 F.
2d 461 (D. C.
Circuit) (1972), cert. den., 411 U. S. 931.
20. V. Reestatement (Third) of Foreign Relations Law of the
United States, 1988, § 14.
No Brasil não existe disposição constitucional a respeito do tema, o
que tem suscitado críticas diversas. Não obstante, no que diz respeito
ao conflito entre tratado internacional e norma interna infraconstitu-
cional, a doutrina, como assinalamos pouco atrás, é amplamente majo-
ritária no sentido do monismo jurídico, com primazia para o direito in-
ternacional. Por tal postulado, o tratado prevalece sobre o direito inter-
no, de forma a alterar a lei anterior, mas não pode ser alterado por lei
superveniente. Esse entendimento é positivado no art. 98 do Código Tri-
butário Nacional.
21. Celso Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit.,
p. 343, e Luís Roberto
Barroso, A brief guide to Brazil l´s new Constitution and some international
issues arising under it,
mimeografado, 1989, p. 22.
22. CTN, art. 98: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legis-
lação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha".
Curiosamente, os autores, à unanimidade, vislumbravam essa mes-
ma orientação na jurisprudência constante e reiterada do Supremo Tri-
bunal Federal. Por tal razão, causou imensa reação a decisão proferida
pela Corte no Recurso Extraordinário n. 80.004, que teria quebrado lon-
ga tradição ao decidir:
"Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei
uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha
aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe
ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e
conseqüente validade do Decreto-lei n. 427/69 que instituiu
o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição
Fazendária, sob pena de nulidade do título".
23. RTJ, 83:809, 1978. A decisão foi criticada por José Carlos de
Magalhães, que lavrou: "O
que fica dessa decisão, contudo, é a impressão de recuo do Supremo à aceitação
da prevalência do
direito internacional. (...) Afastando-se da orientação anterior, não atentaram
aqueles Ministros
para a problemática da responsabilidade do Estado na ordem internacional" (O
Supremo Tribunal
Federal e as relações entre direito interno e direito internacional, Boletim
Brasileiro de Direito
Internacional, 61-69:53, 1975-79, p. 56). Celso Albuquerque Mello também
condenou o julgado:
"Entretanto, houve no Brasil um grande retrocesso no RE n. 80.004, decidido em
1978, em que o
STF decidiu que uma lei revoga tratado anterior. Esta decisão viola também a
Convenção de Viena
sobre direito dos tratados (1969) que não admite o término do tratado por
mudança de direito
superveniente" (Direito constitucional internacional, cit., p. 344).
Decisões posteriores da Suprema Corte mantiveram a mesma linha
de entendimento, consoante fundamentação do Ministro e internaciona-
lista José Francisco Rezek:
"O STF deve garantir prevalência à última palavra do
Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não
obstante isto importasse o reconhecimento da afronta pelo
país de um compromisso internacional. Tal seria um fato
resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciá-
rio não teria como dar remédio".
24. RTJ, 115:969, 1986, p. 973, e 119:22, 1987, p. 30. Também a
legislação ordinária desprezou
a preferência dos doutrinadores pelo primado das normas internacionais. Assim é
que a Lei n. 7.357,
de 9-2-1985, passou a reger os cheques sem atenção à Lei Uniforme de Genebra,
fruto de convenção
que fora firmada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 57.595, de 7-1-1966.
A verdade é que, em exame detido da jurisprudência, Jacob Dolinger
constatou que a leitura que a maioria dos autores fazia das decisões do
Supremo Tribunal Federal era antes reflexo de sua própria crença no pri-
mado do direito internacional do que expressão da realidade dos julgados.
Ao contrário do sugerido, a orientação da mais alta Corte é a do monismo
moderado, em que o tratado se incorpora ao direito interno no mesmo
nível hierárquico da lei ordinária, sujeitando-se ao princípio consolidado:
em caso de conflito, não se colocando a questão em termos de regra geral
e regra particular, prevalece a norma posterior sobre a anterior.
Existem, porém, algumas exceções a essa equiparação entre tratado
e lei ordinária para efeito de resolução de conflitos. A primeira dá-se em
matéria relativa à tributação, onde o art. 98 do Código Tributário Nacio-
nal (Lei n. 5.172, de 25-10-1966), como visto, é expresso quanto à preva-
lência da norma internacional. A segunda exceção refere-se aos casos
de extradição, onde se considera que a lei interna (Lei n. 6.815, de
19-8-1980), que é geral, cede vez ao tratado, que é regra especial. Con-
fira-se o afirmado em palavras do próprio Dolinger, Professor Titular da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro:
"Nossa conclusão é que, excetuadas as hipóteses de
tratado-contrato, nada havia na jurisprudência brasileira
quanto à prevalência de tratados sobre lei promulgada pos-
teriormente, e, portanto, equivocados todos os ilustres au-
tores acima citados que lamentaram a alegada mudança na
posição da Suprema Corte. Aposição do STF através dos
tempos é de coerência e resume-se em dar o mesmo trata-
mento a lei e a tratado, sempre prevalecendo o diploma
posterior, excepcionados os tratados fiscais e de extradi-
ção, que, por sua natureza contratual, exigem denúncia for-
mal para deixarem de ser cumpridos.
25. E assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: No sistema brasileiro,
ratificado e pro-
mulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei
especial, ao ordenamento
jurídico interno, de tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditando
ou determina a sua
libertação, ao termo de certo prazo (quarenta e cinco dias contados do pedido de
prisão preventiva),
cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição
mais rigorosa da lei
geral (noventa dias, contados da data em que efetivada a prisão - art. 82, §§ 2º
e 3º da Lei 6.815/
80) (RTJ, 162:822, 1997, Extr. 194-República Argentina, rel. Min. Sepúlveda
Pertence).
26. Sobre a distinção entre tratado-contrato e tratado normativo, v.
infra.
27. Direito internacional privado, cit., p. 102.
Já com a redação dada ao art. 178 da Constituição pela Emenda
Constitucional n. 7, de 15 de agosto de 1995, instituiu-se nova regra
específica nas relações entre o tratado e os atos internacionais. De fato,
passou o preceptivo constitucional a ter a seguinte dicção: "Art. 178. A
lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre,
devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os
acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade".
Posta a questão das relações entre o direito internacional e as dispo-
sições internas infraconstitucionais, cumpre agora investigar o tópico
mais relevante para os fins aqui propostos: como se situa o direito em
face do conflito entre o direito internacional e a Constituição. O tema é
envolto em controvérsias.
Seria possível cogitar, em um primeiro lance de vista, da invalidade
de norma constitucional que se encontrasse em confronto com determi-
nadas normas internacionais fundamentais, emanadas dos princípios
gerais do direito e dos costumes dos povos civilizados. Tal seria o caso
de preceitos que estabelecessem a submissão jurídica de um país vizi-
nho, prescrevessem sua anexação ou por qualquer outra via ofendessem a
soberania de um outro Estado. Igual juízo recairia sobre uma disposição
que pregasse o genocídio. Os exemplos poderiam multiplicar-se, embo-
ra sempre tangenciando o absurdo. Nas hipóteses aventadas, afirmar-se-ia a
supremacia do direito internacional sobre o direito constitucional.
28. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça prevê como fontes do
direito internacional
público - isto é, normas internacionais - os tratados (convenções
internacionais), o costume
internacional e os princípios gerais do direito. Faz referência, ainda, à
jurisprudência e à doutrina
como fontes auxiliares, e faculta o emprego da eqüidade (art. 38).
29. Agustinho Fernandes Dias da Silva (Introdução ao direito
internacional privado, cit., p.
33) sugere alguns outros exemplos, como o de norma constitucional que
estabelecesse o domínio
universal como objetivo nacional, que afirmasse a hegemonia nacional sobre um
continente ou
elegesse a guerra como meio de solução de conflitos. E averbou: "As normas
internacionais básicas
são indenunciáveis e irrevogáveis, por isso prevalecerão sempre".
De fato, a idéia da soberania ilimitada do poder constituinte não
merece abrigo. Não é possível emprestar à Constituição todo e qualquer
conteúdo, sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. A
questão acima delineada - confronto da ordem constitucional com cer-
tos valores universais -, embora suscite a interessantíssima discussão
acerca dos limites materiais do poder constituinte originário, é mais teó-
rica do que real, pelo que se situa fora do objeto de um estudo mais
preocupado com a aplicação concreta do direito constitucional.
30. V. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p.
86.
A análise a seguir desenvolvida concentra-se no confronto entre o
ordenamento interno superior e o direito internacional convencional. E
muito embora haja quem sustente que todo direito verdadeiramente in-
ternacional repousa sobre o consentimento, interessa-nos aqui, parti-
cularmente, o específico ato de vontade, convencional por excelência,
que é o tratado internacional, e como ele se coloca diante da Constitui-
ção do Estado que o celebrou.
31. José Francisco Rezek, Direito internacional público, 1989, p. 3.
32. Os tratados são atualmente a fonte mais importante do direito
internacional (v. Celso O.
de Albuquerque Mello, Direito internacional público, 1992, v. 1, p. 157). A
Convenção sobre
Direito dos Tratados (Viena, 1969) fornece a seguinte definição (art. 1º a):
"Tratado significa um
acordo internacional celebrado entre Estados em forma escrita e regido pelo
direito internacional,
que conste, ou de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos,
qualquer que
seja sua denominação específica".
Assim como no direito interno uma norma sujeita-se ao contraste
constitucional tanto do ponto de vista formal quanto do material, tam-
bém os tratados internacionais submetem-se a essa dupla apreciação.
Por via de conseqüência, é possível avaliá-los sob dois aspectos: o de
sua constitucionalidade extrínseca e o de sua constitucionalidade in-
trínseca.
A inconstitucionalidade, na primeira hipótese, também denominada
ratificação imperfeita, ocorre quando o tratado aprovado viola as regras
constitucionais de competência e de procedimento para sua celebração, apro-
vação parlamentar, ratificação e entrada em vigor. A doutrina oscilou en-
tre admitir-lhe a validade, a despeito do vício formal, ou proclamar-lhe a
nulidade. A Convenção sobre Direito dos Tratados (Viena, 1969) tomou
partido na controvérsia, afirmando a validade do tratado em tal hipótese,
salvo manifesta violação de norma fundamental sobre competência.
33. Na Constituição brasileira, a celebração de tratados, convenções e
atos internacionais é
competência privativa do Presidente da República, sujeita a referendo do
Congresso Nacional (art.
84, VIII), ao qual incumbe resolver definitivamente sobre quaisquer acordos e
atos internacionais
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49,
I). Sobre o
tema, embora referente ao regime constitucional anterior, v. José Francisco
Rezek, Direito dos
tratados, 1984, p. 185 e s. Já sob a Constituição atual, v. Celso O. de
Albuquerque Mello, Direito
internacional público, cit., p. 156 e s.
34. V. Celso D. de Albuquerque Mello, Direito constitucional
internacional, cit., p. 321.
35. Convenção, art. 46: "Um Estado não poderá invocar o fato de que seu
consentimento em
obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu
direito interno sobre
competência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja manifesta e
diga respeito a uma
regra de seu direito interno de importância fundamental".
A doutrina monista do primado do direito internacional só admite
essa hipótese de inconstitucionalidade do tratado, rejeitando qualquer
possibilidade de seu exame intrínseco para verificação da compatibili-
dade com a Lei Maior. Diversos são os autores de reputação que susten-
tam a primazia do tratado sobre a própria Constituição.
Hildebrando Accioly é taxativo ao afirmar que a lei constitucional
nao pode isentar o Estado de responsabilidade por violação de seus de-
veres internacionais. Invoca, em favor de seu ponto de vista, decisão da
Corte Permanente de Arbitragem, de Haia, onde se deliberou que "as
disposições constitucionais de um Estado não poderiam ser opostas aos
direitos internacionais de estrangeiros". E cita, também, julgado da
Corte Permanente de Justiça Internacional, de 4 de fevereiro de 1932,
onde se declarou:
"Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua
própria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe
incumbem em virtude do direito internacional ou de trata-
dos vigentes".
36. Hildebrando Accioly, Manual de direito internacional público, cit.,
p. 56.
37. Manual de direito internacional público, cit., p. 56.
Haroldo Valladão, nessa mesma linha de entendimento, sustenta que
a disposição interna, mesmo de natureza constitucional, não poderá ser
observada se contrariar preceito em vigor de direito internacional bá-
sico, geral ou de direito internacional convencional, isto é, de tratado
válido e vigente. Acompanha-o, nesse passo, Agustinho Fernandes
da Silva, para quem o tratado deve ser observado até extinguir-se ou
ser denunciado. Enfatiza que a forma própria de revogação de um tra-
tado por vontade de uma das partes é a denúncia, e não a previsão
constitucional em contrário.
38. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94.
39. Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito
internacional privado, cit., p. 33.
Os dois autores, todavia, fazem uma distinção clara e relevante, de
natureza temporal: as proposições enunciadas acima somente se aplicam
quando o tratado já seencontre em vigor no momento de promulgação da
Constituição. Na hipótese inversa, em que o tratado é celebrado na vigên-
cia de uma dada Carta, sendo com ela incompatível, aí não prevalecerá,
por não se haver constituído legitimamente. Em palavras de Valladão:
"Assim, prevalecem as regras dos tratados anteriores
ao texto constitucional; só não prevalece a norma interna-
cional que vier a ser aprovada e ratificada após vigência do
texto constitucional que a ela se opõe, pois nesse caso de-
correria dum ato internacional inválido, não vigorante, pois
não podia ter sido aprovado nem ratificado. É distinção ne-
çessária para os atos convencionais internacionais".
40. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94.
Em sentido diverso, e com melhor razão, parte substancial da dou-
trina brasileira. Aurelino Leal, já em 1925, averbava:
"A mim me parece que se os assuntos regulados nos
tratados forem compatíveis com as alterações introduzidas
no regime constitucional, nada há que se oponha a que as
mesmas continuem em vigor. Se, porém, as modificações
feitas na lei suprema colidirem com a matéria regulada nos
acordos internacionais, não se me afigura que os mesmos
prevaleçam contra a nova orientação constitucionaL a me-
nos que o poder constituinte consigne na reforma uma dis-
posição garantindo a sua vigência".
41. Aurelino Leal, Teoria e prática da Constituição Federal brasileira,
1925, p. 628.
Na mesma linha é o magistério de Carlos Maximiliano:
"A Constituição é a lei suprema do país; contra a sua
letra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderes
federais, constituições, decretos ou sentenças federais, nem
tratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos".
42. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 1981, p.
314.
Também internacionalistas da melhor linhagem endossam a idéia
de prevalência da Constituição, quando não por opção doutrinária, ao
menos por constatação da realidade e do princípio da supremacia cons-
titucional. Veja-se, em seqüência, a opinião de Oscar Tenório e José
Francisco Rezek, respectivamente:
"A decretação da inconstitucionalidade dos tratados
pelo Supremo Tribunal Federal não se limita aos elemen-
tos de validade, como a ratificação e a promulgação, mas
se estende ao confronto entre a letra do tratado e a letra da
Constituição. Uma nova Constituição cria uma nova or-
dem jurídica. Subsistem apenas as normas pretéritas não
incompatíveis com ela. Assim, os tratados anteriores a ela
perdem sua eficácia desde que contrários à Constituição".
43. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 94.
"A constituição nacional, vértice do ordenamento jurí-
dico,é a sede de determinação da estatura da norma jurídi-
ca convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamen-
tais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segu-
rança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-
se, a si mesmo, ao produto normativo dos compromissos
exteriores do Estado. Assim, posto o primado da Constitui-
ção em confronto com a norma pacta sunt servanda, é cor-
rente que se preserve a autoridade da lei fundamental do
Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito
pelo que noplano externo, deve aquele responder".
44. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 103-4.
No direito comparado europeu, à exceção de Portugal, que adota
um regime híbrido, e da Holanda, onde a aprovação do tratado por três
quartos dos Estados Gerais modifica a Constituição, a regra é que trata-
dos que conflitem com a Lei Fundamental não possam ser aprovados
sem prévia revisão constitucional. É o que dispõem, expressamente, v.
g., as Constituições da França (art. 54), da Espanha (art. 95, I) e da
Alemanha (art. 79, I).
45. Dispõe o art. 277, 2, da Constituição portuguesa: "A
inconstitucionalidade orgânica ou
formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a
aplicação das suas normas na
ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem
jurídica da outra parte,
salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição
fundamental".
46. Com relação especificamente ao direito comunitário, v. nota 18.
A esse propósito, aliás, o Tribunal Constitucional Federal da Ale-
manha (Bundesverfassungsgericht) apreciou, recentemente, recurso
constitucional contra a participação da Alemanha na União Européia,
apresentado por um grupo de políticos e professores, incluindo um ex-
dirigente da Comunidade Econômica Européia, e por membros do Partido
Verde alemão que integram o Parlamento Europeu.
47. Neue Juristische Wochenschrift, v. 47, 1993, p. 3047 e s. A íntegra
do acórdão,
vertido para o inglês, está publicada no International Legal Materials, v.
XXXIII, 1994, p.
388 e s.
Os requerentes alegaram, dentre outras coisas, que o Ato de Adesão
ao Tratado e o Ato que emendara a Constituição violavam seus direitos
políticos de representação, seus direitos individuais (pela transferência
de atribuições para sua proteção à União Européia), bem como ofen-
diam o princípio democrático, a soberania nacional e o direito de serem
pagos em Deutsche Mark (e não em uma futura moeda comum), além
de deverem ser submetidos a referendo popular.
Em decisão longamente fundamentada, datada de 12 de outubro de
1993, a Corte rejeitou a impugnação e permitiu a entrada em vigor do
Tratado da União Européia (também conhecido como Tratado de
Maastricht), em novembro de 1993. Não obstante isso, o Tribunal Cons-
titucional Federal cuidou de qualificar diversas questões e assentou re-
levantes premissas a propósito de sua interpretação das relações entre o
direito constitucionàl e o direito comunitário. Os diferentes aspectos da
decisão podem ser sintetizados nas proposições seguintes:
1) O direito alemão proíbe a diminuição do poder do Estado através
da transferência de deveres e responsabilidades do Parlamento Federal,
na extensão em que isso importar em violação do princípio democrático.
2) O princípio democrático não impede que a República Federal da
Alemanha se torne membro de uma comunidade intergovernamental
organizada em base supranacional.
3) Se uma comunidade de Estados assume poderes e responsabili-
dades de soberania, os povos dos Estados-membros precisam legitimar
esse processo através dos seus parlamentos nacionais.
4) O princípio democrático impõe limites à extensão de funções e
poderes a serem transferidos para a comunidade européia. O Parlamen-
to Federal deverá reter funções e poderes de importância substancial.
5) O programa de integração e os direitos transferidos à comunida-
de européia supranacional devem ser especificados com precisão. Cabe
ao Tribunal Constitucional Federal determinar se os direitos de sobera-
nia exercidos pelas instituições e entidades dirigentes européias estão
dentro dos limites ou se extrapolam os que lhes foram conferidos.
6) A interpretação das regras de competência do Tratado de
Maastricht não deverá importar em extensão do Tratado. Se tal ocorrer,
a Alemanha não ficará vinculada.
7) O Tribunal Constitucional Federal e a Corte Européia de Justiça
exercem jurisdição em uma "relação cooperativa".
8) O Tratado de Maastricht estabelece uma comunidade intergo-
vernamental para criação de uma unidade mais estreita entre os povos
da Europa. Cada um desses povos é organizado em um Estado próprio,
inexistindo, pois, um Estado da Europa, com seu próprio povo.
9) a) O Tratado de Maastricht não confere à União Européia auto-
determinação na obtenção de recursos, financeiros ou de qualquer outra
natureza, destinados a atender seus objetivos. É necessário o consenti-
mento dos Estados.
b) A ratificação do Tratado não sujeita a República Federativa da Ale-
manha a um processo incontrolável e imprevisível que conduza
inexoravelmente à unificação monetária. O Tratado de Maastricht simples-
mente prepara o caminho para a integração gradual da Comunidade Euro-
péia em uma comunidade de leis. Qualquer passo adiante depende do con-
sentimento do Governo Federal, sujeito à deliberação do Parlamento.
48. International Legal Materiais, cit., p. 393-7. Resumo e tradução
para o português de
responsabilidade do autor.
Nos Estados Unidos, muito embora seja indiscutível a superiorida-
de da Constituição sobre os atos internacionais, a Suprema Corte ja-
mais declarou um tratado inconstitucional. Tal fato pode ser creditado,
em parte, a uma associação exagerada, quando não equivocada, que os
tribunais fazem entre questões internacionais e "questões políticas", o
que excluiria aquelas do controle judicial.
49. V. Restatement (Third) of Foreign Relations Law of the United States,
1988, § 111 (p. 43):
"In their character as law of the United States, rules of international law and
provisions of international
agreements of the United States are subject to the Bill of Rights and other
prohibitions, restrictions,
and requirements of the Constitution, and cannot be given effect in violation of
them. However,
failure of the United States to carry out an obligation on the ground of its
unconstitutionality will not
relieve the United States of responsability under international law".
50. Sobre o tema, V. Louis Henkin, Foreign affairs and the Constitution,
1975. Para um painel
amplo e atualizado das relações entre direito interno e direito internacional na
perspectiva norte-
americana, v. JohnH. Jackson, Status of treaties in domestic legal systems: a
policy analysis, American
Journal of International Law, v. 86, 1992, p. 310 e s.
51. E assim se passa a despeito da advertência do Justice Brennan, ao
relatar e julgar Baker
vs. Carr (369 U. S. 186) (1962), um dos principais precedentes que delineou a
"political question
doctrine": "It is error to suppose that every case ar controversy which touches
foreign relations lies
beyond judicial cognizance" (É equívoco supor que qualquer litígio que tangencie
as relações inter-
nacionais situa-se fora do conhecimento judicial).
Desse modo, a despeito do imenso prestígio e independência do
Poder Judiciário nos Estados Unidos, há uma persistente tradição de os
juízes e tribunais cederem o passo à avaliação dos Poderes Políticos,
notadamente ao Presidente da República, sempre que a matéria envolva
relações internacionais de qualquer natureza. Há toda uma linha de ca-
sos ratificando essa atitude de deferência ao Executivo. Essa orienta-
ção, aliás, chegou ao extremo de chancelar, em mais de um caso, as
decisões do Poder Executivo de seqüestrar, em Estado estrangeiro, pes-
soas contra as quais se houvesse instaurado processo criminal nos Esta-
dos Unidos, para sujeitá-las a julgamento naquele país. A questão, por
sua gravidade e relevância, merece breve digressão.
52. Vejam-se, por exemplo, United States vs. Curtiss - Wright Corp (299
U. S. 304) (1936),
Banco Nacional de Cuba vs. Sabbatino (376 U. S. 398) (1964), First National
Citibank vs. Banco
Nacional de Cuba (406 U. S.759) (1972), Alfred Dunhill of London, inc. vs.
Republic of Cuba
(425 U. S.682) (1976), Goldwater vs. Carter (444 U. S.996) (1979), Dames & Moore
vs. Reagan
(453 U. S. 654) (1981). Veja-se, também, o interessantíssimo caso United States
vs. Palestine
Liberation Organization (U. S. District Court, Southern District of New York,
1988). O caso mais
recente julgado pela Suprema Corte foi Barquero vs. United States (International
Legal Materials,
33:904,1994), onde se afirmou a constitucionalidade do tratado celebrado entre
Estados UnidOs e
México sobre troca de informações tributárias. O tratado permite que, mediante
requerimento do
outro país, a autoridade governamental requisite a qualquer banco comercial
informações sobre
determinado correntista.
Em United States vs. Verdugo Urquidez, a Suprema Corte, refor-
mando decisão do Tribunal Federal do 9º Circuito, decidiu que a Cons-
tituição americana, ou ao menos a 4ª emenda (que assegura a
inviolabilidade das pessoas, suas casas, documentos e bens contra bus-
cas e apreensões ilegais), não se aplicava fora dos Estados Unidos. Como
conseqüência, não poderia ser invocada por cidadão mexicano levado à
força para julgamento nos Estados Unidos (com a concordância do Go-
verno mexicano), cuja casa, no México, havia sido objeto de busca ile-
gal por agentes norte-americanos.
53. 110 S. Ct. 1056 (1990). Sobre este caso especificamente, v. Andreas
F. Lowenfeld, U. S. law
enforcement abroad: the Constitution and international law, continued, AJIL,
84/444, 1990, especial-
mente p. 491-3.
Pouco mais adiante, em decisão que estarreceu a comunidade jurí-
dica internacional, a Suprema Corte, por maioria, e reformando decisão
de duas instâncias inferiores, admitiu ser possível submeter a julgamen-
to nos Estados Unidos cidadão mexicano que fora seqüestrado no Méxi-
co, sem anuência do Governo daquele país, que formulou protesto di-
plomático veemente. Servindo-se de um argumento primário - o de
que o tratado de extradição entre Estados Unidos e México não proibia
expressamente o seqüestro -, a Suprema Corte afastou a incidência do
tratado (que teria força de lei) como já vimos e aplicou uma antiqüíssima
jurisprudência pela qual admitia que, uma vez apresentado à Justiça, um
acusado pudesse ser submetido a julgamento, independentemente de
haver sido conduzido por meio lícito ou ilícito. Em desfecho, a Corte
admitiu que o seqüestro violava princípios de direito internacional, mas
entendeu que a decisão sobre a restituição ou não do acusado ao seu
país, de onde fora retirado à força, era uma questão da competência
discricionária do Executivo. Já que ele estava nos Estados Unidos, cabia
à Justiça norte-americana julgá-lo.
54. United States vs. Alvarez Machain, 31 I. L. M. 900(1992). Na
conclusão de seu veemente
voto dissidente, consignou Justice Stevens: "Eu suspeito que a maior parte dos
tribunais do mundo
civilizado ficará perplexa pela decisão "monstruosa" que esta Corte anuncia hoje.
Toda nação que
tem interesse em preservar o estado de direito (the Rule of the Law) é afetada,
direta ou indireta-
mente, por uma decisão deste caráter". Para uma crítica igualmente contundente
de tal acórdão, V.
Michael J. Glennon, State sponsored abduction: a comment on United States vs.
Alvarez-Machain,
AJIL, 86:756, 1992.
Precedente mais edificante foi, estabelecido, recentemente, pela Supre-
ma Corte do Canadá. Em R. vs. Cook, julgado em outubro de 1998, decidiu
a Corte que o interrogatório de um cidadão canadense, por agentes policiais
canadenses, ainda que realizado nos Estados Unidos, sujeitava-se aos pro-
cedimentos e garantias da Carta de Direitos e Liberdades do Canadá. No
caso específico, o acusado de um homicídio não fora informado do seu
direito de ser assistido por um advogado durante o interrogatório.
55. International Legal Materials, v. XXXVIII, 1999, p. 271 e s.
Retomando a linha de raciocínio, e passando ao caso brasileiro, vai-
se constatar que, entre nós, desde a primeira Constituição republicana
se admite a verificação da constitucionalidade intrínseca de um tratado.
Em acórdão de 15 de setembro de 1977, o Supremo Tribunal Federal
declarou a inconstitucionalidade, em parte, de alguns artigos da Con-
venção da OIT n. 110, referentes às condições de trabalhadores em fa-
zenda. A Constituição de 1967-69 ensejava tal tipo de pronunciamen-
to, em regra que foi reproduzida na Carta atual. De fato, no art. 102, III,
a, da Constituição de 1988, prevê-se o cabimento de recurso extraordi-
nário quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tra-
tado ou lei federal.
56. Constituição Federal de 24-2-1891, art. 59, § 1º, a.
57. RTJ, 84:724, 1978, Rep. n. 803-DF, rel. Min. Djaci Falcão. Veja-se,
também, Celso D. de
Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 324.
58. "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal... III - julgar,
mediante recurso extra-
ordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão
recorrida:... b) decla-
rar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal."
É bem de ver que a dicção pura e simples da cláusula constitucio-
nal, tal como vem sendo reproduzida nos diferentes Diplomas, não
infirma, prima facie, a tese defendida por Haroldo Valladão e acima
exposta. É que, em verdade, ao prever declaração de inconstitucionalidade
de tratado, o texto constitucional só pode estar-se referindo àquele que
seja posterior à Constituição. Isso porque, consoante regra consolidada
do direito constitucional intertemporal brasileiro, não se declara a
inconstitucionalidade de preceito anterior à Constituição (v., infra, capí-
tulo II). Portanto, a letra expressa da Lei Maior não dirime a dúvida
sobre a possibilidade de o tratado anterior prevalecer, mesmo que con-
traste com a nova norma constitucional.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no apagar das luzes do regi-
me constitucional anterior, afastou, de forma taxativa, quaisquer incer-
tezas que pudessem existir. A questão se impôs relativamente à cobran-
ça do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) na importação de
bens de capital de países membros do GATT. À vista do entendimento
consolidado, a Corte editou o verbete n. 575 da Súmula, com o seguinte
teor: "À mercadoria importada de país signatário do GATT ou membro
da ALALC, estende-se a isenção do Imposto de Circulação de Merca-
dorias concedida a similar nacional".
Sobreveio, todavia, a Emenda Constitucional n. 23, de 1º de dezem-
bro de 1983, que acrescentou um § 11 ao art. 23 do Texto, determinando
a incidência do tributo sobre as mercadorias importadas, sem qualquer
distinção quanto ao país de origem. O Tribunal de Justiça de São Paulo
proferiu decisão mantendo a isenção, nos casos de importação de bem
de capital de países signatários do GATT. A Fazenda do Estado de São
Paulo interpôs recurso extraordinário, sob o fundamento de que oTribu-
nal a quo prestigiara o acordo internacional em detrimento do texto cons-
titucional emendado.
59. Ficou assim a redação do texto constitucional: "Art. 23. Compete aos
Estados e ao Distrito
Federal instituir impostos sobre:... § 11. O imposto a que se refere o item II
(ICM) incidirá, tam-
bém, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de
mercadoria impor-
tada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados
a consumo ou ativo
fixo do estabelecimento".
Ao apreciar o caso, o Supremo Tribunal Federal firmou posição
estreme de dúvida ao decidir:
"Inadmissível a prevalência de tratados e convenções
internacionais contra o texto expresso da Lei Magna (...)
Os acordos internacionais, como é o caso do GATT
(General Agreement on Tariffs and Trade), protegem os
produtos originários dos países contratantes. Todavia, não
há como admitir, como deixou entender a decisão recorri-
da, que na nova tributação autorizada pela Emenda Consti-
tucional n. 23, deva ser atendido o que prescreve um trata-
do internacional (...)
Hierarquicamente, tratado e lei situam-se abaixo da
Constituição Federal. Consagrar-se que um tratado deve ser
respeitado, mesmo que colida com o texto constitucional, é
imprimir-lhe situação superior à própria Carta Política".
60. RTJ, 121:270, 1987, RE 109.173-SP, rel. Min. Carlos Madeira.
Em decisões posteriores, o Supremo Tribunal Federal atenuou o re-
sultado prático de tal decisão, passando a entender inexistir incompati-
bilidade entre o acordo do GATT e o texto constitucional resultante da
Emenda Constitucional n. 23/83. Assentou-se, no Recurso Extraordi-
nário n. 1114.784, que "a Emenda Constitucional não visou a retirar fun-
damento a essa avença internacional". Mas o princípio da supremacia
da Constituição sobre os atos internacionais convencionais restou
intangido.
61. RTJ, 124:358, 1987.
62. RTJ, 126:804, 1987, p. 806. Não se está, no particular, de acordo
com a leitura que faz
deste acórdão o Professor Jacob Dolinger, ao extrair dele o sentido de que os
tratados contratuais,
como o do GATT, em contraposição aos tratados normativos, não são afetados por
normas de
direito interno, inclusive constitucionais (Direito internacional privado, cit.,
p. 101).
Mais recentemente, foi o Plenário do Supremo Tribunal Federal ins-
tado a pronunciar-se acerca da controvertida questão envolvendo a sub-
sistência ou não da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária em
garantia (onde se equipara o devedor-fiduciante ao depositário), tendo
em vista o que dispõem o art. 7º, n. 7, da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - e a cláusula
genérica inserta no art. 5º, LXVII, da Constituição de 1988. Como o
referido artigo da Convenção somente excepciona a hipótese de
inadimplemento da obrigação alimentícia, questionou-se a subsistência
ou não da prisão civil por infidelidade do depositário, haja vista a incorpo-
ração ao ordenamento jurídico brasileiro da referida Convenção (Decreto
n. 678, de 6-11-1992), nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal
de 1988. E o Supremo, invocando a supremacia da Constituição em rela-
ção à convenção, declarou a possibilidade da prisão civil em qualquer dos
casos onde o depositário venha a ser considerado infiel, inclusive na alie-
nação fiduciária em garantia, em acórdão no qual se lavrou:
"1. A Constituição proíbe a prisão civil por dívida, mas
não a do depositário que se furta à entrega de bem sobre o
qual tem a posse imediata, seja o depósito voluntário ou
legal (art. 5º, LXVII).
2. Os arts. 1º (art. 66 da Lei n. 4.728/65) e 4º do Decre-
to-lei n. 911/69, definem o devedor alienante fiduciário
como depositário, porque o domínio e a posse direta do
bem continuam em poder do proprietário fiduciário ou cre-
dor, em face da natureza do contrato.
3. A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial,
como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao
depósito regulamentado no Código Civil como no caso de
alienação protegida pela cláusula fiduciária.
4. Os compromissos assumidos pela República Fede-
rativa do Brasil em tratado internacional de que seja parte
(CF, art. 5º, § 2º) não minimizam o conceito de soberania
do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por esta
razão, o art. 7º, n. 7, do Pacto de San José da Costa Rica
Interpretação constitucional e aplicação da lei máxima
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Interpretação constitucional e aplicação da lei máxima

  • 1. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO - FUNDAMENTOS DE UMA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL TRANSFORMADORA LUÍS ROBERTO BARROSO Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Master of Laws pela Yale Law School. Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. 3ª edição 1999 Editora Saraiva ÍNDICE GERAL Abreviaturas IX Um prefácio afinal desnecessário XI Registros XXI INTRODUÇÃO 1. A interpretação. Generalidades 2. Apresentação do tema 3. Plano de trabalho 6 PARTE 1 A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL Introdução CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO Capítulo 1 A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL 1. O tratado internacional e a Constituição 2. A norma estrangeira e a Constituição a) A norma estrangeira e a Constituição de origem b) A norma estrangeira e a Constituição brasileira Capítulo II A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 1. A Constituição nova e a ordem constitucional anterior 2. Emenda constitucional e Constituição em vigor 3. Constituição nova e direito infraconstitucional anterior 4. Algumas questões de direito intertemporal suscitadas pelo advento de uma nova Constituição a) Inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente b) Aplicação imediata, mas não retroativa, da Constituição nova c) Declaração de inconstitucionalidade e efeito repristinatório d) Situações processuais específicas e) Normas infraconstitucionais não recepcionadas pela Constituição de 1988 PARTE II A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Capítulo I OS MÉTODOS E CONCEITOS CLÁSSICOS APLICADOS À INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 1. Introdução 2. Peculiaridades das normas constitucionais 3. Conceitos, classificações e métodos clássicos de interpretação a) Subjetivismo e objetivismo. O originalismo nos Estados Unidos b) Interpretação constitucional legislativa, administrativa, judicial, doutrinária e autêntica c) Interpretação declarativa, restritiva e extensiva d) Os métodos ou elementos clássicos de interpretação I - A interpretação gramatical II - A interpretação histórica III - A interpretação sistemática
  • 2. IV - A interpretação teleológica e) Integração da vontade constitucional. Analogia e costume consti- tucional 4. A interpretação constitucional evolutiva Capítulo Ii PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE CONSTITUCIONAL 1. Os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação constitucional 2. Princípio da supremacia da Constituição 3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público 4. Princípio da interpretação conforme a Constituição 5. Princípio da unidade da Constituição 6. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade 7. Princípio da efetividade PARTE FINAL A OBJETIVIDADE DESEJADA EA NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL: O PAPEL DO INTÉRPRETE NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Capítulo I SABER JURÍDICO CONVENCIONAL, TEORIA CRÍTICA DO DIREITO E DIREITO ALTERNATIVO. A SÍNTESE NECESSÁRIA 1. Introdução 2. A teoria crítica 3. O direito alternativo 4. Objetividade e neutralidade. Os limites do possível Capítulo Ii CONCLUSÕES Índice onomástico Índice alfabético-remissivo Bibliografia ABREVIATURAS ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade AgI - Agravo de Instrumento AgRg - Agravo Regimental AJCL - American Journal of Comparative Law AJIL - American Journal of International Law BVerfGE - Entscheidungen des Bundesverfassungsgericht DJU - Diário de Justiça da União Embgs - Embargos ILM - International Legal Materiais MI - Mandado de Injunção ML - Medida Liminar MS - Mandado de Segurança QO - Questão de Ordem RDA - Revista de Direito Administrativo RE - Recurso Extraordinário Rep - Representação de Inconstitucionalidade REsp - Recurso Especial RILSF - Revista de Informação Legislativa do Senado Federal RF - Revista Forense RMS - Recurso em Mandado de Segurança RT - CDC e CP - Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política RTDP - Revista Trimestral de Direito Público
  • 3. RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TFR - Tribunal Federal de Recursos UM PREFÁCIO AFINAL DESNECESSÁRIO Estas palavras não pretendem ser um prefácio que mereça o nome. Não é que alimentasse a presunção de oferecer um desses prefácios densos e eruditos, que, às vezes, dissimulam a ambição de competir com a obra que apresentam. Honrado, porém, pelo convite do autor para prefaciar a publicação da tese - que lhe deu as merecidas galas de Professor Titular da Uni- versidade do Estado do Rio de Janeiro - e verdadeiramente impressio- nado com a excelência do trabalho, cheguei a cogitar, à guisa de prefá- cio, de dar um testemunho: aos sete anos de cotidiana interpretação cons- titucional por dever de ofício, pensei aproveitar o tema e dar conta do método e dos motivos de votar de um juiz do Supremo Tribunal Federal. Ao menos, dos motivos conscientes e racionais. Que os outros - supe- rado, embora, o mito ingênuo ou mistificador da interpretação neutra (e não apenas imparcial) - são, de regra, indevassáveis: não que os queira ocultar o intérprete, mas porque, na grande maioria das vezes, é ele próprio o primeiro a ignorá-los. Na Parte Final deste livro, disse-o o autor, de modo irretocável: "Idealmente, o intérprete, o aplicador do direito, o juiz, deve ser neutro. E é mesmo possível conceber que ele seja racionalmente educado para a compreensão, para a tolerân- cia, para a capacidade de entender o diferente, seja o homos- sexual, o criminoso, o miserável ou o mentalmente deficien- te. Pode-se mesmo, um tanto utopicamente, cogitar de libertá- lo de seus preconceitos, de suas opções políticas pessoais e oferecer-lhe como referência um conceito idealizado e asséptico de justiça. Mas não será possível libertá-lo do pró- prio inconsciente, de seus registros mais primitivos. Não há como idealizar um intérprete sem memória e sem desejos. Em sentido pleno, não há neutralidade possível". Frustrou-se o intento do depoimento pessoal, atropelado pelas tur- bulências da presidência do Tribunal e das dimensões inéditas da crise do Judiciário, que venho tentando discutir sem preconceitos. E ainda pela certeza de que nenhuma contribuição justificaria retardar ainda mais a publicação de estudo tão significativo. Este livro, cuja apresentação a amizade de Luís Roberto Barroso me entregou, consolida a inscrição do conjunto da sua obra, fruto da juventude ainda vigente, no rol das melhores produções da teoria cons- titucional brasileira. O trabalho premiado do estudante O problema da federação (Forense, 1982) - que o grande Seabra Fagundes, no prefácio, não he- sitou em saudar como "dos melhores já escritos sobre o regime federal no Brasil" prenunciava os marcos característicos do jurista consagrado de hoje: o domínio seguro dos princípios, da história e da dogmática constitucional, sem asfixia do compromisso com o seu País e o seu povo. Vem dessa época a nossa aproximação pessoal, na militância da OAB, ao tempo em que, "sobre o crepúsculo do autoritarismo, incidem as primeiras frestas de claridade" (O problema da federação, cit., p. XII). 1. Prêmio Cândido de Oliveira Neto, 1980, da OAB-RJ. Já em 1989 - entremeando-se na série de trabalhos menores, no entanto, de valor indiscutível (assim, p. ex., Igualdade perante a lei, de
  • 4. 1985, Revista de Direito Público, 78:65, e A crise econômica e o direito constitucional, de 1993, Revista Forense, 323:83) - completa o autor a versão original de sua tese de livre-docência -A força normativa da Cons- tituição. Elementos para a efetividade das normas constitucionais - a qual, ampliada e atualizada, foi divulgada em duas edições, como título definitivo - O direito constitucional e a efetividade de suas normas - e o subtítulo que trai o engajamento do teórico - Limites e possibilida- des da Constituição brasileira (Renovar, 1991 e 1993). Na primeira das edições, a veemente divergência com a minha pos- tura restritiva nos leading cases acerca da natureza e das potencialidades dogmáticas do mandado de injunção - tal como instituído e disciplina- do (e muito mal) pela Constituição - valeu-me, na transcrição de uma ementa, o epíteto de ser uma "pena ilustre - outrora progressista" (O direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 179), ex- pressões abrandadas, com sutileza, na edição seguinte (O direito consti- tucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 183). A impiedade da crítica do amigo - que assim aparentemente me compelia à retirada do círculo dos "progressistas", onde há anos o rece- bera - nem afetou a amizade, nem alterou o juízo extremamente posi- tivo sobre o trabalho. 2. Juízo positivo, aliás, que já nem poderia dissimular: da leitura dos originais da tese, dela extraíra citação, precedida de referência elogiosa, que erigira em um dos pilares da fundamentação do voto em que tomara posição na polêmica - MI 107 (QO), Moreira Alves, RTJ, 133:11, 50. De qualquer sorte, até por vaidade intelectual, não ousaria retratar- me dos justos encômios ao estudo: a verdade é que - após o clássico de José Afonso da Silva sobre a eficácia jurídica das normas constitucio- nais - a monografia de Barroso, em torno dos caminhos possíveis para a efetividade (ou eficácia social) da Constituição, deu novas dimensões, no Brasil, ao esforço para vencer a paralisia das inovações constitucio- nais contra a resistência à sua realização de parte dos interesses criados. 3. José Afonso da Silva,Aplicabilidade das normas constitucionais, Revista dos Tribunais, 1968. Esta segunda tese, que hoje me orgulha apresentar, responde às mesmas inspirações do jurista comprometido com a descoberta e a ex- ploração das potencialidades transformadoras da Constituição. Sua tônica é a mesma da obra anterior, uma obsessão fértil com a efetividade da norma constitucional, expressa nesta passagem feliz, que traduz a declarada influência de Konrad Hesse: "O malogro do constitucionalismo, no Brasil e alhu- res, vem associado à falta de efetividade da Constituição, de sua incapacidade de moldar e submeter a realidade so- cial. Naturalmente, a Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pelas circunstâncias concre- tas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressão das situações de fato existentes. A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contex- to social e político. Existe, assim, entre a norma e a rea- lidade, uma tensão permanente. É neste espaço que se definem as possibilidades e os limites do direito consti- tucional". Ou nesse parágrafo, irretocável, que trai a segura apreensão do me- lhor da lógica de Kelsen: "No nível lógico, nenhuma lei, qualquer que seja sua
  • 5. hierarquia, é editada para não ser cumprida. Sem embargo, ao menos potencialmente, existe sempre um antagonismo entre o dever-ser tipificado na norma e o ser da realidade social. Se assim não fosse, seria desnecessária a regra, pois não haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algo que ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente aqui que reside o impasse científico que invalida a suposi- ção, difundida e equivocada, de que o direito deve limitar- se a expressar a realidade de fato. Isso seria sua negação. De outra parte, é certo que o direito se forma com elemen- tos colhidos na realidade, e seria condenada ao insucesso a legislação que não tivesse ressonância no sentimento so- cial. O equilíbrio entre esses dois extremos é que conduz a um ordenamento jurídico socialmente eficaz". 4. A Hans Kelsen, contudo, a obra reserva, depois (Parte Final, cap. 1, n. 1), um tratamento injusto e incide na assimilação, também difundida mas equivocada, entre o normativismo da Teorhia Pura - que tem um dos seus pontos fortes na revelação do caráter também criador das etapas sucessivas de aplicação do direito, até a sentença, inclusive (cf., p. ex., Teoría general del derecho y del Estado, trad., México, 1949, p. 137 e s.) - e o formalismo dos exegetas, este, sim, que parte da premissa de "que a atividade do intérprete se desenvolve por via de um processo dedutivo, de mera subsunção do fato à norma", de sentido supostamente inequívoco: permita-me o autor a críti- ca ligeira, que, por força do contraste, realçará os muitos elogios. O tema agora eleito - Interpretação e aplicação da Constituição de trato freqüentemente negligenciado, quando não enfadonhamente repetitivo, seguramente não é uma promessa, necessariamente mistificadora. de ensinar caminhos sem desvios nem alternativas para a solução pretensamente unívoca de todo e qualquer problema constitucional. Ao contrário, o subtítulo da tese - Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora - desvela o engajamento progressista do autor, que o parágrafo final do estudo corajosamente renova: "O constituinte é invariavelmente mais progressista que o legislador ordinário. Tal fato dá relevo às potencialidades do direito constitucional, e suas possibilidades interpretativas. Sem abrir mão de uma perspectiva questionadora e crítica, é possí- vel, com base nos princípios maiores da Constituição e nos valores do processo civilizatório, dar um passo à frente na dogmática constitucional. Cuida-se de produzir um conheci- mento e uma prática asseguradores das grandes conquistas históricas, mas igualmente comprometidos com a transfor- mação das estruturas vigentes. O esboço de uma dogmática autocrítica e progressista, que ajude a ordenar um país capaz de gerar riquezas e distribuí-las adequadamente". Essa audaciosa declaração de compromisso do autor com a "transformação das estruturas vigentes" não seria de celebrar se se tratasse apenas de mais uma dessas tentativas, tão comuns na área do direito público, de vender crenças ideológicas dessa ou daquela co- loração como soluções de dogmática constitucional, de simulada neutralidade científica. Certo, Luís Roberto Barroso denuncia com razão que "a idéia de neutralidade do Estado, das leis e de seus intérpretes, divulgada pela
  • 6. doutrina liberal-normativista, toma por base o status quo” e, por isso, só reputa neutra “a decisão ou a atitude que não afeta nem subverte as distribuições de poder e riqueza existentes na sociedade". É verdade também que não receou enfrentar preconceitos e resga- tar, da superficialidade da réplica que sói opor-lhe a crítica reacionária, os aspectos positivos da "teoria crítica do direito" e do movimento do "direito alternativo". Não obstante, a obra repele decididamente a pregação dos que, a partir da "impossibilidade da objetividade plena" - dado o inextirpável coeficiente de subjetividade que toda interpretação contém -, renun- ciam na sua prática à busca da "objetividade possível". Daí, o traço antológico da linha de equilíbrio que propõe: "A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas no direito como em outros domínios, jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre o produto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu produto final conterá elementos objetivos e subjetivos. E é bom que seja assim. A objetividade traçará os parâmetros de atuação do intérprete e permitirá aferir o acerto de sua decisão à luz das possibilidades exegéticas do texto, das regras de interpretação (que o confinam a um espaço que, normalmente, não vai além da literalidade, da história, do sistema e da finalidade da norma) e do conteúdo dos princípios e conceitos de que não se pode afastar. A subje- tividade traduzir-se-á na sensibilidade do intérprete, que humanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permiti- rá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas que o ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que se pode perseguir na interpretação jurídica e constitucional é a de estabelecer os balizamentos dentro dos quais o apli- cador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do razoa- vel e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto". A essa orientação o autor consegue manter-se invariavelmente fiel, à custa da rejeição coerente à tentação dos desvios de todas as bandas. Assim, de um lado, na trilha do seu mestre, o notável José Carlos Barbosa Moreira volta a denunciar a lógica predileta dos reacionários, "uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo". Repele, no entanto, com igual vigor, o "charlatanismo constitucio- nal", mercê do qual, com freqüência, intérpretes politicamente compro- metidos - incluídos alguns dos nossos - forcejam por ignorar princí- pios elementares e limites intransponíveis da dogmática do ordenamento positivo, à busca de uma falsa legitimação jurídica para suas posições. Essa fidelidade à dignidade científica da interpretação constitucio- nal, sem prejuízo da criatividade e do compromisso com a transforma- ção, na medida em que dogmaticamente viáveis, responde pelo nível de altiplano, sem depressões, que o livro mantém, do começo ao fim. É impossível, contudo, não assinalar alguns pontos da obra, cuja particular cintilação a singulariza, no panorama de hoje da nossa doutri- na constitucional. Entre eles, toda a Parte I - A determinação da norma aplicável -, que, salvo engano, pela sistemática do trato dos conflitos das normas constitucionais no tempo e no espaço, não encontra paralelo em nossa
  • 7. literatura. Nela, ganha realce a precisa análise da questão, quase inexplorada, da legitimidade e dos limites do controle, no foro brasileiro, da validade da norma estrangeira a aplicar, quer perante a Constituição de origem, quer perante a própria Constituição do Brasil, cujas normas, em passa- gem de grande felicidade, o autor insere na "ordem pública internacio- nal". São páginas ímpares. De relevar também é todo o capítulo destinado a enfatizar o decisi- vo papel dogmático dos princípios constitucionais - "normas eleitas pelo constituinte como fundamentos e qualificações essenciais da or- dem jurídica que instituem" -, os quais - assinala o autor, reafirman- do sua postura fundamental -, por sua generalidade, abstração e capa- cidade de expansão, permitem muitas vezes ao intérprete "superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa", mas, a um só tempo, "funcionam como limites interpretativos máximos, neu- tralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais e das conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do legislador e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento". Exemplar igualmente, dentro da mesma diretiva metodológica, nos tópicos que se ocupam dos princípios específicos da interpretação constitucional, é a exploração das potencialidades do "princípio da razoabilidade" e a definição dos marcos do seu espaço legítimo de incidência. Só duas palavras a mais. Vai a primeira para o cuidado da tese com a pesquisa e a análise da jurisprudência constitucional brasileira, que a obra de nossos especia- listas, a exemplo do que sucede nos demais ramos do direito, tende sim- plesmente a ignorar. O escamoteamento da jurisprudência pela doutrina, entretanto, é de todo indesculpável. Não é que se pretenda impor ao teórico a submis- são ao entendimento dos tribunais - acentuei, ao prefaciar outra obra recente: o que não é leal, sobretudo para o leitor jovem, é não dar conta dele e transmitir, como verdades apodíticas, opiniões diametralmente opostas a quanto se tem decidido - certo ou errado, não importa - na vivência cotidiana, na Justiça, da lei e da Constituição. 5. José Tarcisio de Almeida Melo, Direito constitucional brasileiro, Del Rey, 1996, prefáciu. É auspicioso verificar que essa tendência tradicional está sendo su- perada por alguns dos melhores nomes da nova geração de publicistas brasileiros. 6. Cf., a partir de José Celso de Melo Filho (Constituição Federal anotada, Saraiva, 1986) e de Gilmar F. Mendes (Controle de constitucionalidade, Saraiva, 1990, e Jurisdição constitucional - controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, Saraiva, 1996), v. g., Clémerson M. Clêve. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, Revista dosTribunais, 1995; Nagih Slaibi Filho, Ação declaratória de constitucionalidade, Forense, 1994; Elival S. Ramos. À inconstitucionalidade das leis, Saraiva, 1994; Oscar Vilhena Vieira, Supremo Tribunal Federal - jurisprudência política, Revista dos Tribunais, 1994; Joaquim Barbosa Gomes, La Cour Suprëim’ dans le système politique brésilien, além de valiosos comentários e críticas de decisões determinadas,
  • 8. e. g., Flávio Bauer Novelli, sobre o julgamento da ADIn 939, declaratória da inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da EC 3/93, RT - Cadernos de Direito Constitucional, 13:18. Entre eles, com esta tese, Luís Roberto Barroso se inseriu definiti- vamente com minuciosa atenção à jurisprudência constitucional do País, particularmente a do Supremo Tribunal, que analisa com precisão e cri- tica com agudeza, quando entende ser o caso. A transcrição de alguns trechos já dispensaria, a rigor, a última nota destas palavras, reservada para louvar a clareza e a limpidez do estilo, de elegância ática, infenso a ouropéis e berloques, sem conces- sões à frase arrevesada, às metáforas substitutivas de conceitos técnicos e a tantos outros abomináveis vícios de provinciano pedantismo, dos quais muitos de nossos juristas estão longe de libertar-se. Por tudo quanto foi dito, o melhor é encerrar. Afinal, se o livro é tão bom e tão bem escrito, já é mais que hora de deixar que o leitor desavisado, que haja gasto seu tempo com esta apresen- tação desnecessária, entregue-se afinal ao prazer intelectual da sua leitura. Brasilia, maio de 1996. J. P. Sepúlveda Pertence REGISTROS Inúmeras pessoas participaram deste projeto, com maior ou menor intensidade, em contribuições intelectuais e afetivas. Por evidente, ne- nhuma delas tem culpa no resultado. Ana Paula de Barcellos tem sido um adorável anjo da guarda destes últimos anos, com sua dedicação e talento. Luís Eduardo Barbosa Moreira prestou-me valiosa ajuda na pes- quisa dos materiais em italiano e reviu em minúcia o texto final. Lúcia Maria Lefebvre Fisher, de novo e sempre, foi a bibliotecária que tomou minha vida mais fácil e melhor. Devo, igualmente, ao Professor Osiris Cuadrat de Souza inúmeras correções da primeira versão. Nelson Nascimento Diz, Mauro Fichtner Pereira e Joel Alves Andrade, advogados e pessoas notáveis, foram interlocutores freqüen- tes e gratificantes de minhas angústias e perplexidades. Os Professores José Carlos Barbosa Moreira, Milton Flaks, Joaquim Arruda Falcão e Hélio Assunção honraram-me com a leitura dos originais e com suas críticas lúcidas e proveitosas. O Professor Gustavo Tepedino tem sido companheiro e amigo constante de muitos caminhos, que vêm desde o movimento estudantil e chegarão a um mundo melhor. Os Professores Doutores Caio Tácito, Raul Machado Horta, José Alfredo de Oliveira Baracho, Carlos Alberto Direito e Jacob Dolinger integraram a banca de concurso que me conferiu o grau de titular em Direito Constitucional, com nota máxima. A leitura atenta que fizeram de meu trabalho e as argüições eruditas e instigantes valorizaram imen- samente a conquista. Partilho o título, em profunda comunhão afetiva, com a Professora Carmen Tiburcio, pelo estímulo, carinho e transcen- dente amizade de todos estes anos. Este trabalho é dedicado à Tê, que o acompanhou a cada passo, e à Luna, que nasceu junto com ele. Nas madrugadas e fins de semana em que o escrevi, e por isto não pude estar com elas, reconheci-me no verso encantado de Jorge Luis Borges, uma linda declaração de amor: "Estar com você ou não estar com você é a medida do meu tempo". Dezembro de 1995 LRB INTRODUÇÃO "Um texto, depois de ter sido separado do seu emissor e das circunstâncias concretas da sua emissão, flutua no
  • 9. vácuo de um espaço infinito de interpretações possíveis. Por conseqüência, nenhum texto pode ser interpretado de acordo com a utopia de um sentido autorizado definido, original e final. A linguagem diz sempre algo mais do que o seu inacessível sentido literal, que já se perdeu desde o início da emissão textual." Umberto Eco 1. Umberto Eco, Les limites de l´interprétation, 1992, p. 8. 1. A interpretação. Generalidades A Terra é plana, e todos os dias o sol nasce, percorre o céu de ponta a ponta e se põe do lado oposto. Por muito tempo isto foi tido como uma obviedade, e toda a compreensão do mundo era tributária dessas pre- missas, Que, todavia, eram falsas. Desde logo, uma primeira constatação: as verdades, em ciência, não são absolutas nem perenes. Toda interpre- tação é produto de uma época, de uma conjuntura que abrange os fatos, as circunstâncias do intérprete e, evidentemente, o imaginário de cada um. Ao longo dos séculos, o homem tem recorrido à mitologia, ao so- brenatural, ao panteísmo, à fé monoteísta de diversos credos e à obses- são do racionalismo. Não necessariamente nessa ordem. Em instigante trabalho no qual procurou traçar um paralelo entre a Física e o direito constitucional, Laurence Tribe dissertou sobre os três grandes estágios da Física moderna, e como cada um deles influenciou a percepção do universo em geral. Newton trabalhou sobre a idéia de que os objetos eram isolados e interagiam a distância e utilizou-se de conceitos metafísicos como espaço e tempo absolutos. A Física pós- newtoniana, marcada pela teoria da relatividade de Einstein, superou a fase do absoluto, divulgou a idéia da curvatura do espaço e de que todos os corpos interagem entre si. Por fim, com a Física quântica percebeu- se que a própria atividade de observação e investigação interfere com os fatos pesquisados. Vale dizer: nem mesmo a mera observação é neutra. 2. Laurence Tribe, The curvature of constitutional space: what lawyers can learn from modern physics, Harvard Law Review, 103:1, 1989. Ao longo do tempo, varia a percepção que o homem tem, não ape- nas do mundo à sua volta, como também de si mesmo. Em passagen clássica, Sigmund Freud identificou três momentos em que, pela mão da ciência, o homem se viu abalado em suas convicções e mesmo en sua auto-estima. O primeiro golpe deveu-se a Copérnico, com a revela- ção de que a Terra não era o centro do universo, mas apenas um minús- culo fragmento de um sistema cósmico cuja vastidão é inimaginável. O segundo golpe veio com Darwin, que através da pesquisa biológica des- truiu o suposto lugar privilegiado que o homem ocuparia no âmbito da criação e provou sua incontestável natureza animal. O terceiro abalo, possivelmente o mais contundente, veio com o próprio Freud, criador da Psicanálise: a descoberta de que o homem não é senhor absoluo sequer da própria vontade, de seus desejos, de seus instintos. Seu psiquis- mo não é dominado pela razão, mas pelo inconsciente. 3. Sigmund Freud, O pensamento vivo de Freud, 1985, p. 59. É certamente possível incluir neste elenco um outro golpe mais re- cente: o fiasco dos países que se organizaram sob inspiração do marxis- mo e puseram em prática o chamado socialismo real. A ideologia, que chegou a envolver quase metade da humanidade e cativou corações e mentes por todo o mundo, representava um exercício supremo do racionalismo e um esforço de criação de um novo homem. Um homem
  • 10. que não seria predestinado pela fatalidade, pela providência ou por seus próprios instintos, mas pela história. Uma história que poderia ser to- mada nas mãos para promover uma sociedade igualitária, solidária e pretensamente universal, sem Estados, nacionalismos ou fronteiras. Não faltam os que possam alegar que, desde a primeira hora, denuncia- ram a inviabilidade ou os desvios do modelo, não deixa de ser desolador para o espírito humano que tudo tenha acabado em secessão, desordem e fratricídio. O trabalho que a seguir se desenvolve parte da premissa consolida- da de que a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal. Ela espelha o nível de conhecimento e a realidade de cada época, bem como as crenças e valores do intérprete, sejam os do contexto social em que esteja inserido, sejam os de sua própria individualidade. 2. Apresentação do tema A interpretação constitucional no Brasil era um tema à espera de um autor. Possivelmente continuará a ser. Este estudo, todavia, tem a ambição de identificar e sistematizar os elementos essenciais da teoria da interpretação aplicáveis ao direito constitucional. No seu desenvolvi- mento, sem embargo da ênfase dada à realidade brasileira, procurou-se importar, seletivamente, com moderação e sentido crítico, o que de me- lhor havia no direito comparado sobre a matéria. 4. Posteriormente à publicação da 1ª edição deste livro, em 1996, foram lançados outros trabalhos monográficos acerca da interpretação constitucional, dentre os quais se destacam: Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação constitucional, 1997; Uadi Lammêgo Bulos, Manual de interpre- tação constitucional, 1997; Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e interpretação constitucional, 1997; Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito, 1999. Neste esforço, deu-se especial atenção à bicentenária produção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, bem como à fecun- da atuação do Tribunal Constitucional Federal alemão em pouco mais de um quarto de século. Contudo, e naturalmente, reservou-se maior destaque para as decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro, refe- ridas e reproduzidas com freqüência ao longo do texto, contrariando um velho hábito da doutrina de tratar a jurisprudência, sobretudo a nacio- nal, com certo desdém. Não se correu o risco, aqui, de ficar de frente para o mar, de costas para o Brasil. O trabalho que se segue não tem por objeto a filosofia da interpreta- ção constitucional, nem tampouco pretende ser uma teoria geral sobre o tema. Ele se volta, predominantemente, para a atividade de realização da vontade constitucional, e procura fundamentar, desenvolver e sistemati- zar o conhecimento necessário a tal desiderato. Concentra-se, assim, no itinerário intelectivo a ser percorrido no processo de interpretação da Cons- tituição, desde a determinação da norma aplicável até o ato final de sua incidência sobre o caso concreto, sem descurar do questionamento acerca do papel desempenhado pela subjetividade do próprio intérprete. A interpretação constitucional, como a interpretação em geral, não é um fenômeno monolítico, singular. Ela é essencialmente plural e com- porta ênfase em aspectos diferentes. Em uma análise científica, assim, é possível voltar a atenção, em primeiro lugar, para o sistema, isto é, para o conjunto de normas, princípios e conceitos inerentes ao processo interpretativo. Pode-se, de outra parte, dar um papel destacado ao obje-
  • 11. to, vale dizer, aos casos concretos, às situações da vida, aos problemas que devem ser solucionados pela interpretação da norma. Por fim, é possível cogitar, ainda, de investigar o papel do sujeito da interpretação, voltando os olhos para os valores e a ideologia do intérprete e sua reper- cussão no produto de seu trabalho. Metodologicamente, portanto, é possível encarar a interpretação constitucional a partir do sistema, do primado da norma e da dogmática jurídica tradicional, à qual se adicionam particularidades exigidas pelo caráter singular da Constituição. A interpretação constitucional, por via de conseqüência, é uma espécie de interpretação jurídica, enriquecida por princípios e regras próprias. Este método, que se pode identificar como método hermenêutico clássico, trata a Constituição como lei, e procura desenvolver sua força normativa, sem embargo de dificuldades que a peculiar estrutura das normas constitucionais muitas vezes suscita. 5. Ernst-Wolfgang Böckenförde (Escritos sobre derechos fundamentales, 1993) faz refe- rência ao método hermenêutico clássico, que associa a Forsthoff (Rechtsstaat im Wandel, 1976), e dele distingue variações de menor ou maior sutileza, como o método hermenêutico-concretizador, de Konrad Hesse (Grundzüge des VerfassungsR der Bundesrepublik Deutschland. 1976) e F. Müller (Enzvklopãdie der geisteswissenschaftíichen Arbeitsmethoden, 1972), e o que denomina interpretação constitucional orientada às ciências da realidade, de Smend (Staatsrechtliche Abhandlungen, 1968). É possível, igualmente, optar por uma metodologia que valorize antes o objeto que motiva a interpretação, isto é, o caso concreto ou o problema a ser resolvido. Nos países onde vigora a tradição do common law, como nos Estados Unidos, a ênfase da argumentação jurídica recai, precisamente, na discussão dos aspectos de fato da causa e na busca do precedente mais adequado, sem que exista, normalmente, a rigidez de uma norma taxativa emanada do sistema. Paralelamente ao case system norte-americano, desenvolveu-se entre os alemães a tópica, o chamado método tópico aplicado aos problemas, pelo qual se sustenta o primado do problema sobre a norma jurídica e sobre o sistema, onde a interpreta- ção se apresenta como um método aberto de argumentação, indutivo e não dedutivo. Nele, a ordem jurídica é apenas uma referência, um dos argumentos, um dos topoi a serem levados em conta na solução das situações concretas. 6. Veja-se, por todos, em meio a vastíssima bibliografia, o texto clássico de Karl Llewellyn, The case law system in America, Columbia Law Review, 88:989, 1988. 7. A obra fundamental sobre a tópica é de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz, 1953. Vejam-se, também, H. Ehmke, Prinzipien der Verfassungsinterpretation, 1963; Ernst-Wolfgang Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, cit., p. 19 e s.; José Antonio Estévez Araujo, La Constitución como proceso y la desobediencia civil, 1994; Eduardo García de Enterría, Reflexiones sobre la ley y los principios generales del derecho, 1984. Em língua portuguesa, v. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 1993, p. 404 e s. Por fim, é possível, na interpretação constitucional, voltar os olhos para
  • 12. o papel do intérprete, as possibilidades de sua atuação e os limites de sua discricionariedade. Aqui é de grande relevo o aporte trazido pela teoria crí- tica do direito e seus desdobramentos, notadamente no seu questionamento da onipotência da dogmática jurídica convencional e da função ideológica do direito e do intérprete. Abre-se, assim, um espaço para a discussão da objetividade da norma e da neutralidade de seu aplicador, e do papel do direito como instrumento de conservação e de transformação. 8. V Michel Miaille, Introdução crítica ao direito, 1989; Carlos Maria Cárcova e outros, Materiales para una teoría crítica del derecho, s. d.; Luis Alberto Warat e Eduardo A. Russo, Interpretación de la ley, 1988, v. 1. O presente estudo procurou, na medida do possível, produzir a sín- tese necessária dessas perspectivas distintas. Sem deixar de reconhecer, contudo, que tanto a tópica quanto a crítica - bem como outras varia- ções, que vão do sociologismo ao economicismo - são questionamentos do sistema legal, do saber jurídico tradicional, e não propostas que pos- sam erradicá-lo ou desdenhá-lo. Rejeitou-se, assim, o ceticismo teórico de que o direito, tanto na sua dimensão científica quanto na normativa, não seja mais do que um instrumento assegurador do status quo e perpetuador de certas relações de poder. Sem embargo da crítica históri- ca severa que se lhe possa fazer, é inegável a existência de um amplo espaço onde o direito pode ser não mero reflexo da realidade, mas uma força capaz de conformá-la e transformá-la. Investiu-se, também, grande esforço na divulgação do conhecimen- to tradicional, na exibição dos métodos clássicos de interpretação e na exploração dos princípios específicos de interpretação constitucional. É preciso conhecer o direito posto. Tal preocupação poderia decorrer da advertência de Umberto Eco de que, para violar regras ou opor-se a elas, importa, antes de tudo, conhecê-las e, eventualmente, saber mostrar sua inconsistência ou função meramente repressiva. Mas a verdade é que a ignorância do que existe conduz antes ao preconceito do que à atuação transformadora. 9. Umberto Eco, Como se faz uma tese, 1993, p. 48. O exame do caso brasileiro revela existirem amplas e generosas possibilidades exegéticas no texto constitucional em vigor. O texto que se segue procura fornecer elementos, dentro do sistema jurídico, que permitam ao intérprete neutralizar certas perversões ideológicas - suas ou do ordenamento -, realizando a justiça do caso concreto. É um es- forço em busca de uma dogmática jurídica autocrítica e progressista. Mas, de qualquer modo, de uma dogmática jurídica. 3. Plano de trabalho O estudo que aqui se empreende foi concebido em três grandes par- tes, cada uma delas dividida em dois capítulos. A Parte I cuida da deter- minação da norma aplicável. Trata-se de investigação em tema normal- mente negligenciado pelos constitucionalistas. O primeiro momento de qualquer atividade interpretativa há de ser a determinação da norma ju- rídica a ser aplicada à hipótese. Na interpretação constitucional, essa determinação poderá ficar sujeita à prévia solução de conflitos entre normas provindas de fontes ou ordenamentos jurídicos distintos. Será necessário, por vezes, dirimir colisões entre um tratado internacional e a Constituição nacional. Em outras situações, sendo hipótese de aplica- ção de direito estrangeiro por um juiz brasileiro, precisará ele confron- tar tal norma com o direito constitucional vigente, para aferir-lhe a vali- dade. Diversas possibilidades se abrem nesta matéria, com caráter emi- nentemente prático e não apenas teórico, como demonstra a farta juris-
  • 13. prudência levantada sobre o assunto. O capítulo I, portanto, é dedicado ao direito constitucional internacional. A determinação da norma aplicável a uma dada hipótese concreta dependerá também, muitas vezes, da solução de conflitos de natureza temporal. Quando da entrada em vigor de uma Constituição nova, fruto da atuação do poder constituinte originário, ou de uma emenda consti- tucional, criada pelo constituinte derivado, é indispensável definir as relações que se estabelecem entre esses novos textos e as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriormente existentes. O capí- tulo II volta-se para o direito constitucional intertemporal, cuidando da vigência de normas à luz de novas disposições constitucionais, abran- gendo aspectos relacionados com a aplicação imediata e eventualmente retroativa da Constituição, com a inconstitucionalidade material e for- mal supervenientes, com existência ou não de efeito repristinatório quan- do da declaração de inconstitucionalidade da norma revogadora, dentre outros temas complexos. A Parte II do estudo tem por objeto a interpretação constitucional propriamente dita. No capítulo I faz-se a apreciação dos conceitos e métodos clássicos de interpretação jurídica aplicados à interpretação constitucional. Analisam-se, assim, as singularidades das normas cons- titucionais que as distinguem das normas infraconstitucionais, bem como aspectos relativos à determinação da vontade do constituinte e da au- tonomia assumida pelo texto constitucional uma vez posto em vigor. Percorrem-se, em seguida, as categorias em que se classifica a interpre- tação, inclusive constitucional, quanto à origem (legislativa, adminis- trativa ou judicial), à extensão (declarativa, extensiva ou restritiva) e quanto aos elementos tradicionais (gramatical, histórica, sistemática e teleológica). Em desfecho, estudam-se o costume e a analogia como métodos integrativos das lacunas constitucionais, abrindo-se, ainda, um tópico especial para a interpretação evolutiva. O capítulo II constitui o núcleo básico do trabalho e consiste na siste- matização e estudo dos princípios de interpretação especificamente consti- tucional. Nele, enfatiza-se, em primeiro lugar, a relevância dos princípios constitucionais materiais como vetores de toda a atividade interpretativa da Constituição. Passa-se, logo após, ao exame detalhado e individual de cada um dos princípios arrolados: supremacia da Constituição, presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, interpretação confor- me à Constituição, unidade da Constituição, razoabilidade-proporcio- nalidade, concluindo com o princípio da efetividade. A Parte Final do trabalho cuida da objetividade desejada e a neu- tralidade impossível: o papel do intérprete na interpretação constitucio- nal. Analisa-se, ali, no capítulo I, a teoria jurídica clássica ou tradicional e algumas formulações que a questionaram, como a teoria crítica do direito e o movimento impropriamente designado de direito alternativo. Faz-se, nessa parte, ampla especulação sobre a norma como parâmetro para a objetividade do direito e da atividade interpretativa, bem como sobre questões afetas à neutralidade do intérprete. Encerrando o capítu- lo, procura-se enfatizar a importância de uma boa dogmática constitucio- nal, que liberte o estudo do direito constitucional da retórica vazia e do discurso puramente político, sem densidade jurídica. A concretização da Constituição, sua valorização como documento jurídico, aproxima-a antes do processo do que da ciência política. Por derradeiro, no capítulo II procura-se apresentar, esquematicamente, uma síntese das idéias de- senvolvidas ao longo do estudo. Ao longo de todo o texto, nenhuma preocupação foi mais constante do que a que inspirou a bela passagem de Manuel Bandeira, em Itinerá-
  • 14. rio de Pasárgada, lembrada por Plauto Faraco de Azevedo, em sua Crí- tica à dogmática e hermenêutica jurídica: "Aproveito a ocasião para jurar que jamais fiz um poe- ma ou verso ininteligível para me fingir de profundo sob a especiosa capa de hermetismo. Só não fui claro quando não pude". PARTE I - A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL Introdução - CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO A ordem jurídica de cada Estàdo constitui um sistema lógico, com- posto de elementos que se articulam harmoniosamente. Não se amolda à idéia de sistema a possibilidade de uma mesma situação jurídica estar sujeita à incidência de normas distintas, contrastantes entre si. Justa- mente ao revés, no ordenamento jurídico não podem coexistir normas incompatíveis. O direito não tolera antinomias. 1. Sobre antinomias e critérios para solucioná-las, v. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, 1990, p. 81 e s. Um dos critérios comumente utilizados para evitar as antinomias, solucionando o conflito entre normas, é o critério hierárquico: a norma superior prevalece sobre a inferior. Assim, pois, se a Constituição e uma lei ordinária divergirem, é a Constituição que prevalece. Se um decreto regulamentar desvirtuar o sentido da lei, será inválido nesta parte. Se a resolução deixar de observar o teor do regulamento, não poderá prevale- cer. E assim por diante. Um segundo critério de que se vale o sistema normativo para selecio- nar a regra aplicável, em meio a preceitos incompatíveis, é o da especia- lização. Havendo, em relação a dada matéria, uma regra geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generalis. 2. V. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 81 e s. Existem, no entanto, duas espécies de conflitos de normas cuja solu- ção, ao menos em princípio, não se socorre dos critérios hierárquico ou de especialização, mas, sim, de outro instrumental teórico. São os conflitos de leis no espaço e no tempo, cujo equacionamento percorre caminhos com- plexos e acidentados, que passam por diversos ramos do direito. As normas jurídicas positivas existentes no mundo não são univer- sais nem perpétuas. Ao contrário, cada Estado tem suas próprias leis, que emanam de sua soberania; e cada época tem os seus próprios valo- res, que se consubstanciam em regras vigentes. Porque assim é, as nor- mas variam infinitamente, no tempo e no espaço, e são suscetíveis de gerar conflitos diversos. 3. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, 1974. v. 1, p. 4. Ordinariamente, determinada relação jurídica constituir-se-á, pro- duzirá seus efeitos e extinguir-se-á sob a vigência da mesma lei. E, nes- se caso, inexistirá qualquer conflito de natureza temporal. Por igual, será mais comum que uma relação jurídica tenha o seu nascimento e todo o seu ciclo de existência no âmbito do mesmo Estado, sendo regida, pois, por um único sistema de normas. Inexistirá, em tal hipótese, qual- quer conflito de natureza espacial. Todavia, ocasiões existem em que essa relação sofre a incidência de lei nova ou entra em contato com o ordenamento jurídico de outro Esta- do. Tais hipóteses, aliás, tornam-se mais corriqueiras por força da mu- dança acelerada da técnica e dos costumes - provocando a modifica- ção das leis - aliada à internacionalização das atividades humanas, gerando obrigações em que alguns de seus elementos (sujeitos, objeto,
  • 15. fato jurídico) estão em conexão com Estàdos diferentes. Pois bem: os conflitos de leis no tempo, que geralmente se observam no âmbito de um mesmo sistema jurídico, são equacionados e resolvidos dentro de um domínio científico denominado direito intertemporal. Os conflitos de leis no espaço, isto é, os que exigem a definição de qual ordenamento jurídico regerá a espécie, constituem objêto do direito inter- nacional privado. Cada um deles tem princípios e regras peculiares, que, singularmente, não se aglutinam em um texto normativo único, mas se espalham difusamente pelos diferentes documentos legais. 4. Nada obstante, existe uma especial concentração dessas normas na Lei de Introdução ao Código Civil. São de direito intertemporal os arts. 1º, 2º e 6º. São de direito internacional privado maior parte das normas remanescentes, notadamente do art. 7º em diante. O direito intertemporal e o direito internacional privado, cujas re- gras integram o chamado "sobredireito", desempenham papel de des- taque na missão do direito de assegurar a continuidade e a estabilidade das relações jurídicas. Com efeito, funda-se o primeiro no princípio da não-retroatividade da lei e no respeito às situações jurídicas preexistentes. De forma análoga, o direito internacional privado repousa sobre o prin- cípio da territorialidade, bem como no reconhecimento das situações jurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei estrangeira. 5. V.. Pontes de Miranda, Direito supra-estatal, direito interestatal, direito intra-estatal e sobredireito, in Estudos jurídicos em homenagem ao Professor Oscar Tenório, 1977, p. 458. V. também Jacob Dolinger, Direito internacional privado; parte geral, 1994, p. 25: "Acima das nor- mas jurídicas materiais destinadas à solução dos conflitos de interesses, sobrepõem-se as regras sobre o campo da aplicação destas normas. São as regras que compõem o chamado sobredireito, que determinam qual a norma competente na hipótese de serem potencialmente aplicáveis duas normas diferentes à mesma situação jurídica". 6. João Baptista Machado, Lições de direito internacional privado, 1982, p. 9-10. Sem embargo do que foi dito acima, hipóteses há de aplicação re- troativa e de aplicação extraterritorial do direito. A seguir se estudam os princípios, as regras e as exceções que regem a aplicação das normas constitucionais no tempo e no espaço. Capítulo I - A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL Como ficou assentado, o direito internacional privado visa a solucio- nar o conflito de leis no espaço, vale dizer, o entrechoque de normas que emanam de soberanias diferentes. Ele regula os fatos em conexão com leis autônomas e divergentes. A despeito da denominação imprecisa, sua atuação não se restringe ao campo do direito privado, estendendo-se a diferentes domínios do direito público, haja vista existirem conflitos potenciais entre normas constitucionais, penais, fiscais e financeiras dos diferentes Estados. 1. Sobre o tema, na literatura nacional mais recente, vejam-se, além do livro de Haroldo Valladão, já citado, Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit.; Oscar Tenório, Direito internacional
  • 16. privado, 1976; Amilcar de Castro, Direito internacional privado, 1987; Irineu Strenger, Curso de direito internacional privado, 1978; Wilson de Souza Campos Batalha, Tratado de direito internacio- nal privado, 1977; e Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito internacional privado, 1975. Na literatura internacional, são fontes de referência clássicas as obras seguintes: Savigny, Traité de droit romain, 1855-1860; Story, Comentários sobre el conflicto de las leyes, 1834; Pillet, Principes de droit international privé, 1903; Nyboyet, Traité de droit international privé français, 1944; Ferrer Correia, Lições de direito internacional privado, 1963; Battifol e Lagarde, Droit international privé, 1981-1983. 2. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, cit., p. 4, e Oscar Tenório, Direito inter- nacional privado, cit., p. 13. Existe vasta controvérsia acerca do objeto do direito internacional privado, não sendo esta a sede própria para reeditá-la. Conforme o país ou o autor, tem sido incluído no domínio do direito internacional privado o estudo da nacionalidade, da condição jurídica do estrangeiro, da teoria dos direitos adquiridos, do conflito de jurisdição e do reconhecimento de sentenças estrangeiras. Há consenso, todavia, em que a solução do conflito de leis é sua principal razão de existir. V. amplo levantamento sobre o tema em Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 1 e s. 3. A denominação direito internacional privado foi utilizada pela primeira vez por Joseph Story (Comentários sobre el conflicto de las leyes, cit., p. 12) e adotada na França por M. Foelix (Traité du droit International privé ou du conflit des lois de diférentes nations, en matière de droit privé, 1843). Embora se mantenha fiel à denominação tradicional, a doutrina é unânime em condenar o termo internacional o direito internacional privado é predominantemente interno e não disciplina relações entre nações - e o termo privado, já que abrange conflitos regidos pelo direito público, sendo o seu próprio papel de solução de conflitos de leis de natureza eminentemen- te pública. O direito internacional privado abrange os conflitos de leis, sem qual- quer cogitação a respeito da natureza das normas da divisão clássica. Seu papel não é o de formular a regra que vai reger o caso concreto, mas, sim, indicar, dentre as normas que dispõem diferentemente sobre uma mesma matéria, qual deverá prevalecer em uma dada situação. Por tal razão, diz-se que as normas de direito internacional privado são indiretas. 4. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 13. 5. V. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 48: "Estas normas do Direito Internacional Privado apenas indicam qual, dentre os sistemas jurídicos de alguma forma ligados à
  • 17. hipótese, deve ser aplicado". O autor refere, também, alguns casos em que, excepcionalmente, a regra de direito internaçional privado terá caráter direto, substancial. As regras de direito internacional privado são, normalmente, dispo- sições de direito interno, de vez que cada ordenamento jurídico estabe- lece suas próprias regras de solução de conflitos. Tais preceitos, que se denominam regras de conexão, indicam qual dos ordenamentos jurídi- cos em contato com uma dada relação deverá prevalecer e discipliná-la. Paralelamente a isso, e ingressando em faixa de intensa conexão com o direito internacional público, existem normas que não são cria- das pelo órgão legislativo interno, mas, sim, resultam de acordos entre Estados: são os tratados e convenções internacionais. Surge, aí, nova possibilidade de conflito: o que venha a contrapor a norma internacio- nal e os princípios e regras de direito interno. É o chamado conflito entre fontes. Para os fins do estudo aqui desenvolvido, interessa especial- mente a incompatibilidade entre o tratado e a Constituição. Há, ainda, outro ponto relevante na determinação de qual lei vai reger a hipótese. É que, ao solucionar um conflito de leis, a regra de direito internacional privado pode indicar como aplicável uma lei de seu próprio ordenamento - a lex fori - ou pode apontar para a aplica- ção de norma de outro ordenamento jurídico. Disso resulta que aos juízes e tribunais de um Estado caberá, por vezes, aplicar direito estrangeiro. Ao fazê-lo, terão de apreciar alguns aspectos importantes dessa inte- ração de duas ordens legais. Dentre eles se inclui a verificação da com- patibilidade entre a norma estrangeira e a Constituição, seja a do Esta- do de origem, seja a do foro. A expressão "direito constitucional internacional", que abre este tópico, é aqui empregada em associação com a idéia de direito interna- cional privado acima exposta. Por tal designação se identifica o conjun- to de princípios e de regras que envolvem a solução dos conflitos exis- tentes entre as normas internacionais e estrangeiras, de um lado, e as normas constitucionais, de outro. Na acepção adotada, o conceito de direito constitucional internacio- nal não se confunde com o estudo dos preceitos constitucionais que, genérica e difusamente, tenham algum reflexo internacional, como os que versam a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro ou as relações externas do País. O objeto de que aqui se cuida é mais restri- to: trata-se tão-somente de encontrar a solução para os conflitos do tipo acima descritos. 6. É nesta acepção mais ampla que a expressão foi empregada por Celso Albuquerque Mello, em seu Direito constitucional internacional, 1994. 1. O tratado internacional e a Constituição O tema do conflito entre as normas internacionais e a ordem interna evoca duas grandes correntes doutrinárias que disputam o melhor equacionamento da questão: o dualismo, pregado no âmbito internacio- nal por Triepel e Anzilotti e seguido no Brasil por Amilcar de Castro, e o monismo, concepção desenvolvida por Hans Kelsen e seguida no Bra- sil pela maior parte da doutrina, inclusive Valladão, Tenório, Celso Albuquerque Mello e Marotta Rangel. 7. Vejam-se Heinrich Triepel, Völkerrecht und Landesrecht, 1899, p. 169 e s., e Dionisio Anzilotti, Cours de droit international, 1929, p. 49 e s. Vejam-se, também, Triepel, Recueil des Cours (Cursos proferidos na Academia de DIP da Haia), 1:79 e s., apud Haroldo Valladão, Direito
  • 18. internacional pri vado, cit., p. 51, e Anzilotti, Curso de derecho internacional, p. 48, apud Amilcar de Castro, Direito internacional privado, cit., p. 123. 8. Direito internacional privado, cit., p. 53 e 94. 9. Direito internacional privado, cit., p. 93 e s. 10. Direito constitucional internacional, cit., p. 344. 11. V. Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais, Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, 44/45, p. 29. Para os dualistas, inexiste conflito possível entre a ordem internacio- nal e a ordem interna simplesmente porque não há qualquer interseção entre ambas. São esferas distintas, que não se tocam. Assim, as normas de direito internacional disciplinam as relações entre Estados, e entre estes e os demais protagonistas da sociedade internacional. De sua par- te, o direito interno rege as relações intra-estatais, sem qualquer cone- xão com elementos externos. Nesta ordem de idéias, um ato internacio- nal qualquer, como um tratado normativo, somente operará efeitos em âmbito interno de um Estado se uma lei vier incorporá-lo ao ordenamento jurídico positivo. Os autores se referem a esta lei com "ordem de execução". 12. Amílcar de Castro, Direito internacional privado, cit., p. 123, citando Morelli, Nozioni di diritto internazionale, p. 91 e s. O monismo jurídico afirma, com melhor razão, que o direito cons- titui uma unidade, um sistema, e que tanto o direito internacional quan- to o direito interno integram esse sistema. Por assim ser, torna-se impe- rativa a existência de normas que coordenem esses dois domínios e que estabeleçam qual deles deve prevalecer em caso de conflito. Kelsen ad- mite, em tese, o monismo com prevalência da ordem interna e o monismo com prevalência da ordem internacional, embora seja partidário desse último. A superioridade do direito internacional sobre o direito interno de cada Estado foi afirmada, desde 1930, pela Corte Permanente de Jus- tiça Internacional. 13. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 437 e s., especialmente p. 442-7. 14. Em parecer consultivo proferido em 31-7-1930, assim pronunciou-se a Corte: "É princí- pio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado" (apud Hildebrando Accioly, Manual de direito internacional público, 1978, p. 6). A Constituição da maior parte dos países europeus contém regras sobre as relações entre o direito interno e o direito internacional, nor- malmente no sentido de considerar este último como parte integrante do primeiro. Não, assim, a Constituição da França, de 1958, que é expres- sa no sentido da superioridade do direito internacional, bem como a da Holanda, de 1983. A verdade, no entanto, é que a jurisprudência restritiva dos tribunais tende a neutralizar essa supremacia formal, sal- vo quanto ao direito comunitário europeu, que tem desfrutado de prima- zia sobre o direito interno. 15. V. Constituição da Áustria, de 1929, art. 9º Constituição da Alemanha, de 1949, art. 25; Constituição da Itália, de 1947, art. 10. 16. Constituição da França, art. 55: "Os tratados ou acordos regularmente ratificados ou apro-
  • 19. vados têm, a partir de sua publicação, uma autoridade superior à das leis, desde que respeitadas pela outra parte signatária". Constituição da Holanda, art. 94: "As disposições legais em vigor no Reino deixarão de se aplicar quando colidirem com disposições de tratados obrigatórios para todas as pessoas ou com decisões de organizações internacionais". No mesmo sentido é o art. 15, n. 4, da nova Constituição russa, aprovada por referendo popular em 12 de dezembro de 1993 (v. Gennady M. Danilenko, The new Russian Constitution and international law, American Journal of International Law, 88:451, 1994, p. 464 e s.). 17. Jacob Dolinger, Direito internacional pri vado, cit., p. 83. 18. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 83. V. também Celso Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 325: "Quanto ao D. Comunitário ele tem sido visto como um ramo do DIP com características próprias, por exemplo, a supranacionalidade, a cessão de competências soberanas à comunidade. Ele é considerado uma categoria especial dentro da ordem jurídica dos Estados-membros. Esta é a posição da Corte de Justiça das Comunidades Européias". Sobre o tema, v., infra, acórdão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, nota 46. J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional, 1991, p. 915-6) assinala que os tratados institutivos das comunidades européias e as disposições comunitárias dotadas de aplicabilidade direta impõem- se sobre a legislação interna, quer com base no princípio da especialidade ou no da competência prevalente. Note-se que, nesta segunda hipótese, a prevalência não implica ab- rogação das normas internas precedentes ou a invalidade das subseqüentes (Anwendungsvorrang). Nos Estados Unidos, a jurisprudência, de longa data, considerou os tratados e convenções internacionais incorporados ao direito inter- no, na interpretação dada ao art. 6º, 2ª seção, da Constituição. Aos atos internacionais adequadamente aprovados pelo Congresso reconhece- se o mesmo nível das leis federais, de forma tal que o posterior preva- lece sobre o anterior. Paradoxalmente, na prática, o direito internacio- nal é freqüentemente privilegiado, por força de uma atitude de defe- rência dos tribunais americanos, que somente consideram derrogados os atos internacionais quando seja evidente a intenção do Legislativo nesse sentido. 19. V. Cherokee Tobacco, 78 U. S. (11 Wall)616(1871); The Paquete Habana, 175 U. S.677 (1900); Cook vs. United States, 288 U. S. 102 (1933); Diggs vs. Schultz, 470 F. 2d 461 (D. C. Circuit) (1972), cert. den., 411 U. S. 931. 20. V. Reestatement (Third) of Foreign Relations Law of the United States, 1988, § 14. No Brasil não existe disposição constitucional a respeito do tema, o que tem suscitado críticas diversas. Não obstante, no que diz respeito ao conflito entre tratado internacional e norma interna infraconstitu- cional, a doutrina, como assinalamos pouco atrás, é amplamente majo- ritária no sentido do monismo jurídico, com primazia para o direito in-
  • 20. ternacional. Por tal postulado, o tratado prevalece sobre o direito inter- no, de forma a alterar a lei anterior, mas não pode ser alterado por lei superveniente. Esse entendimento é positivado no art. 98 do Código Tri- butário Nacional. 21. Celso Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 343, e Luís Roberto Barroso, A brief guide to Brazil l´s new Constitution and some international issues arising under it, mimeografado, 1989, p. 22. 22. CTN, art. 98: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legis- lação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha". Curiosamente, os autores, à unanimidade, vislumbravam essa mes- ma orientação na jurisprudência constante e reiterada do Supremo Tri- bunal Federal. Por tal razão, causou imensa reação a decisão proferida pela Corte no Recurso Extraordinário n. 80.004, que teria quebrado lon- ga tradição ao decidir: "Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei n. 427/69 que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título". 23. RTJ, 83:809, 1978. A decisão foi criticada por José Carlos de Magalhães, que lavrou: "O que fica dessa decisão, contudo, é a impressão de recuo do Supremo à aceitação da prevalência do direito internacional. (...) Afastando-se da orientação anterior, não atentaram aqueles Ministros para a problemática da responsabilidade do Estado na ordem internacional" (O Supremo Tribunal Federal e as relações entre direito interno e direito internacional, Boletim Brasileiro de Direito Internacional, 61-69:53, 1975-79, p. 56). Celso Albuquerque Mello também condenou o julgado: "Entretanto, houve no Brasil um grande retrocesso no RE n. 80.004, decidido em 1978, em que o STF decidiu que uma lei revoga tratado anterior. Esta decisão viola também a Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) que não admite o término do tratado por mudança de direito superveniente" (Direito constitucional internacional, cit., p. 344). Decisões posteriores da Suprema Corte mantiveram a mesma linha de entendimento, consoante fundamentação do Ministro e internaciona- lista José Francisco Rezek: "O STF deve garantir prevalência à última palavra do Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não obstante isto importasse o reconhecimento da afronta pelo país de um compromisso internacional. Tal seria um fato resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciá- rio não teria como dar remédio". 24. RTJ, 115:969, 1986, p. 973, e 119:22, 1987, p. 30. Também a legislação ordinária desprezou a preferência dos doutrinadores pelo primado das normas internacionais. Assim é que a Lei n. 7.357,
  • 21. de 9-2-1985, passou a reger os cheques sem atenção à Lei Uniforme de Genebra, fruto de convenção que fora firmada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 57.595, de 7-1-1966. A verdade é que, em exame detido da jurisprudência, Jacob Dolinger constatou que a leitura que a maioria dos autores fazia das decisões do Supremo Tribunal Federal era antes reflexo de sua própria crença no pri- mado do direito internacional do que expressão da realidade dos julgados. Ao contrário do sugerido, a orientação da mais alta Corte é a do monismo moderado, em que o tratado se incorpora ao direito interno no mesmo nível hierárquico da lei ordinária, sujeitando-se ao princípio consolidado: em caso de conflito, não se colocando a questão em termos de regra geral e regra particular, prevalece a norma posterior sobre a anterior. Existem, porém, algumas exceções a essa equiparação entre tratado e lei ordinária para efeito de resolução de conflitos. A primeira dá-se em matéria relativa à tributação, onde o art. 98 do Código Tributário Nacio- nal (Lei n. 5.172, de 25-10-1966), como visto, é expresso quanto à preva- lência da norma internacional. A segunda exceção refere-se aos casos de extradição, onde se considera que a lei interna (Lei n. 6.815, de 19-8-1980), que é geral, cede vez ao tratado, que é regra especial. Con- fira-se o afirmado em palavras do próprio Dolinger, Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: "Nossa conclusão é que, excetuadas as hipóteses de tratado-contrato, nada havia na jurisprudência brasileira quanto à prevalência de tratados sobre lei promulgada pos- teriormente, e, portanto, equivocados todos os ilustres au- tores acima citados que lamentaram a alegada mudança na posição da Suprema Corte. Aposição do STF através dos tempos é de coerência e resume-se em dar o mesmo trata- mento a lei e a tratado, sempre prevalecendo o diploma posterior, excepcionados os tratados fiscais e de extradi- ção, que, por sua natureza contratual, exigem denúncia for- mal para deixarem de ser cumpridos. 25. E assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: No sistema brasileiro, ratificado e pro- mulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei especial, ao ordenamento jurídico interno, de tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditando ou determina a sua libertação, ao termo de certo prazo (quarenta e cinco dias contados do pedido de prisão preventiva), cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição mais rigorosa da lei geral (noventa dias, contados da data em que efetivada a prisão - art. 82, §§ 2º e 3º da Lei 6.815/ 80) (RTJ, 162:822, 1997, Extr. 194-República Argentina, rel. Min. Sepúlveda Pertence). 26. Sobre a distinção entre tratado-contrato e tratado normativo, v. infra. 27. Direito internacional privado, cit., p. 102. Já com a redação dada ao art. 178 da Constituição pela Emenda Constitucional n. 7, de 15 de agosto de 1995, instituiu-se nova regra específica nas relações entre o tratado e os atos internacionais. De fato, passou o preceptivo constitucional a ter a seguinte dicção: "Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade". Posta a questão das relações entre o direito internacional e as dispo-
  • 22. sições internas infraconstitucionais, cumpre agora investigar o tópico mais relevante para os fins aqui propostos: como se situa o direito em face do conflito entre o direito internacional e a Constituição. O tema é envolto em controvérsias. Seria possível cogitar, em um primeiro lance de vista, da invalidade de norma constitucional que se encontrasse em confronto com determi- nadas normas internacionais fundamentais, emanadas dos princípios gerais do direito e dos costumes dos povos civilizados. Tal seria o caso de preceitos que estabelecessem a submissão jurídica de um país vizi- nho, prescrevessem sua anexação ou por qualquer outra via ofendessem a soberania de um outro Estado. Igual juízo recairia sobre uma disposição que pregasse o genocídio. Os exemplos poderiam multiplicar-se, embo- ra sempre tangenciando o absurdo. Nas hipóteses aventadas, afirmar-se-ia a supremacia do direito internacional sobre o direito constitucional. 28. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça prevê como fontes do direito internacional público - isto é, normas internacionais - os tratados (convenções internacionais), o costume internacional e os princípios gerais do direito. Faz referência, ainda, à jurisprudência e à doutrina como fontes auxiliares, e faculta o emprego da eqüidade (art. 38). 29. Agustinho Fernandes Dias da Silva (Introdução ao direito internacional privado, cit., p. 33) sugere alguns outros exemplos, como o de norma constitucional que estabelecesse o domínio universal como objetivo nacional, que afirmasse a hegemonia nacional sobre um continente ou elegesse a guerra como meio de solução de conflitos. E averbou: "As normas internacionais básicas são indenunciáveis e irrevogáveis, por isso prevalecerão sempre". De fato, a idéia da soberania ilimitada do poder constituinte não merece abrigo. Não é possível emprestar à Constituição todo e qualquer conteúdo, sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. A questão acima delineada - confronto da ordem constitucional com cer- tos valores universais -, embora suscite a interessantíssima discussão acerca dos limites materiais do poder constituinte originário, é mais teó- rica do que real, pelo que se situa fora do objeto de um estudo mais preocupado com a aplicação concreta do direito constitucional. 30. V. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p. 86. A análise a seguir desenvolvida concentra-se no confronto entre o ordenamento interno superior e o direito internacional convencional. E muito embora haja quem sustente que todo direito verdadeiramente in- ternacional repousa sobre o consentimento, interessa-nos aqui, parti- cularmente, o específico ato de vontade, convencional por excelência, que é o tratado internacional, e como ele se coloca diante da Constitui- ção do Estado que o celebrou. 31. José Francisco Rezek, Direito internacional público, 1989, p. 3. 32. Os tratados são atualmente a fonte mais importante do direito internacional (v. Celso O. de Albuquerque Mello, Direito internacional público, 1992, v. 1, p. 157). A Convenção sobre Direito dos Tratados (Viena, 1969) fornece a seguinte definição (art. 1º a): "Tratado significa um acordo internacional celebrado entre Estados em forma escrita e regido pelo direito internacional,
  • 23. que conste, ou de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica". Assim como no direito interno uma norma sujeita-se ao contraste constitucional tanto do ponto de vista formal quanto do material, tam- bém os tratados internacionais submetem-se a essa dupla apreciação. Por via de conseqüência, é possível avaliá-los sob dois aspectos: o de sua constitucionalidade extrínseca e o de sua constitucionalidade in- trínseca. A inconstitucionalidade, na primeira hipótese, também denominada ratificação imperfeita, ocorre quando o tratado aprovado viola as regras constitucionais de competência e de procedimento para sua celebração, apro- vação parlamentar, ratificação e entrada em vigor. A doutrina oscilou en- tre admitir-lhe a validade, a despeito do vício formal, ou proclamar-lhe a nulidade. A Convenção sobre Direito dos Tratados (Viena, 1969) tomou partido na controvérsia, afirmando a validade do tratado em tal hipótese, salvo manifesta violação de norma fundamental sobre competência. 33. Na Constituição brasileira, a celebração de tratados, convenções e atos internacionais é competência privativa do Presidente da República, sujeita a referendo do Congresso Nacional (art. 84, VIII), ao qual incumbe resolver definitivamente sobre quaisquer acordos e atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, I). Sobre o tema, embora referente ao regime constitucional anterior, v. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, 1984, p. 185 e s. Já sob a Constituição atual, v. Celso O. de Albuquerque Mello, Direito internacional público, cit., p. 156 e s. 34. V. Celso D. de Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 321. 35. Convenção, art. 46: "Um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental". A doutrina monista do primado do direito internacional só admite essa hipótese de inconstitucionalidade do tratado, rejeitando qualquer possibilidade de seu exame intrínseco para verificação da compatibili- dade com a Lei Maior. Diversos são os autores de reputação que susten- tam a primazia do tratado sobre a própria Constituição. Hildebrando Accioly é taxativo ao afirmar que a lei constitucional nao pode isentar o Estado de responsabilidade por violação de seus de- veres internacionais. Invoca, em favor de seu ponto de vista, decisão da Corte Permanente de Arbitragem, de Haia, onde se deliberou que "as disposições constitucionais de um Estado não poderiam ser opostas aos direitos internacionais de estrangeiros". E cita, também, julgado da Corte Permanente de Justiça Internacional, de 4 de fevereiro de 1932, onde se declarou: "Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua própria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe incumbem em virtude do direito internacional ou de trata- dos vigentes".
  • 24. 36. Hildebrando Accioly, Manual de direito internacional público, cit., p. 56. 37. Manual de direito internacional público, cit., p. 56. Haroldo Valladão, nessa mesma linha de entendimento, sustenta que a disposição interna, mesmo de natureza constitucional, não poderá ser observada se contrariar preceito em vigor de direito internacional bá- sico, geral ou de direito internacional convencional, isto é, de tratado válido e vigente. Acompanha-o, nesse passo, Agustinho Fernandes da Silva, para quem o tratado deve ser observado até extinguir-se ou ser denunciado. Enfatiza que a forma própria de revogação de um tra- tado por vontade de uma das partes é a denúncia, e não a previsão constitucional em contrário. 38. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94. 39. Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito internacional privado, cit., p. 33. Os dois autores, todavia, fazem uma distinção clara e relevante, de natureza temporal: as proposições enunciadas acima somente se aplicam quando o tratado já seencontre em vigor no momento de promulgação da Constituição. Na hipótese inversa, em que o tratado é celebrado na vigên- cia de uma dada Carta, sendo com ela incompatível, aí não prevalecerá, por não se haver constituído legitimamente. Em palavras de Valladão: "Assim, prevalecem as regras dos tratados anteriores ao texto constitucional; só não prevalece a norma interna- cional que vier a ser aprovada e ratificada após vigência do texto constitucional que a ela se opõe, pois nesse caso de- correria dum ato internacional inválido, não vigorante, pois não podia ter sido aprovado nem ratificado. É distinção ne- çessária para os atos convencionais internacionais". 40. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94. Em sentido diverso, e com melhor razão, parte substancial da dou- trina brasileira. Aurelino Leal, já em 1925, averbava: "A mim me parece que se os assuntos regulados nos tratados forem compatíveis com as alterações introduzidas no regime constitucional, nada há que se oponha a que as mesmas continuem em vigor. Se, porém, as modificações feitas na lei suprema colidirem com a matéria regulada nos acordos internacionais, não se me afigura que os mesmos prevaleçam contra a nova orientação constitucionaL a me- nos que o poder constituinte consigne na reforma uma dis- posição garantindo a sua vigência". 41. Aurelino Leal, Teoria e prática da Constituição Federal brasileira, 1925, p. 628. Na mesma linha é o magistério de Carlos Maximiliano: "A Constituição é a lei suprema do país; contra a sua letra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderes federais, constituições, decretos ou sentenças federais, nem tratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos". 42. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 1981, p. 314. Também internacionalistas da melhor linhagem endossam a idéia de prevalência da Constituição, quando não por opção doutrinária, ao menos por constatação da realidade e do princípio da supremacia cons- titucional. Veja-se, em seqüência, a opinião de Oscar Tenório e José Francisco Rezek, respectivamente: "A decretação da inconstitucionalidade dos tratados pelo Supremo Tribunal Federal não se limita aos elemen- tos de validade, como a ratificação e a promulgação, mas
  • 25. se estende ao confronto entre a letra do tratado e a letra da Constituição. Uma nova Constituição cria uma nova or- dem jurídica. Subsistem apenas as normas pretéritas não incompatíveis com ela. Assim, os tratados anteriores a ela perdem sua eficácia desde que contrários à Constituição". 43. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 94. "A constituição nacional, vértice do ordenamento jurí- dico,é a sede de determinação da estatura da norma jurídi- ca convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamen- tais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segu- rança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor- se, a si mesmo, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim, posto o primado da Constitui- ção em confronto com a norma pacta sunt servanda, é cor- rente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo que noplano externo, deve aquele responder". 44. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 103-4. No direito comparado europeu, à exceção de Portugal, que adota um regime híbrido, e da Holanda, onde a aprovação do tratado por três quartos dos Estados Gerais modifica a Constituição, a regra é que trata- dos que conflitem com a Lei Fundamental não possam ser aprovados sem prévia revisão constitucional. É o que dispõem, expressamente, v. g., as Constituições da França (art. 54), da Espanha (art. 95, I) e da Alemanha (art. 79, I). 45. Dispõe o art. 277, 2, da Constituição portuguesa: "A inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental". 46. Com relação especificamente ao direito comunitário, v. nota 18. A esse propósito, aliás, o Tribunal Constitucional Federal da Ale- manha (Bundesverfassungsgericht) apreciou, recentemente, recurso constitucional contra a participação da Alemanha na União Européia, apresentado por um grupo de políticos e professores, incluindo um ex- dirigente da Comunidade Econômica Européia, e por membros do Partido Verde alemão que integram o Parlamento Europeu. 47. Neue Juristische Wochenschrift, v. 47, 1993, p. 3047 e s. A íntegra do acórdão, vertido para o inglês, está publicada no International Legal Materials, v. XXXIII, 1994, p. 388 e s. Os requerentes alegaram, dentre outras coisas, que o Ato de Adesão ao Tratado e o Ato que emendara a Constituição violavam seus direitos políticos de representação, seus direitos individuais (pela transferência de atribuições para sua proteção à União Européia), bem como ofen- diam o princípio democrático, a soberania nacional e o direito de serem pagos em Deutsche Mark (e não em uma futura moeda comum), além de deverem ser submetidos a referendo popular. Em decisão longamente fundamentada, datada de 12 de outubro de 1993, a Corte rejeitou a impugnação e permitiu a entrada em vigor do Tratado da União Européia (também conhecido como Tratado de Maastricht), em novembro de 1993. Não obstante isso, o Tribunal Cons- titucional Federal cuidou de qualificar diversas questões e assentou re-
  • 26. levantes premissas a propósito de sua interpretação das relações entre o direito constitucionàl e o direito comunitário. Os diferentes aspectos da decisão podem ser sintetizados nas proposições seguintes: 1) O direito alemão proíbe a diminuição do poder do Estado através da transferência de deveres e responsabilidades do Parlamento Federal, na extensão em que isso importar em violação do princípio democrático. 2) O princípio democrático não impede que a República Federal da Alemanha se torne membro de uma comunidade intergovernamental organizada em base supranacional. 3) Se uma comunidade de Estados assume poderes e responsabili- dades de soberania, os povos dos Estados-membros precisam legitimar esse processo através dos seus parlamentos nacionais. 4) O princípio democrático impõe limites à extensão de funções e poderes a serem transferidos para a comunidade européia. O Parlamen- to Federal deverá reter funções e poderes de importância substancial. 5) O programa de integração e os direitos transferidos à comunida- de européia supranacional devem ser especificados com precisão. Cabe ao Tribunal Constitucional Federal determinar se os direitos de sobera- nia exercidos pelas instituições e entidades dirigentes européias estão dentro dos limites ou se extrapolam os que lhes foram conferidos. 6) A interpretação das regras de competência do Tratado de Maastricht não deverá importar em extensão do Tratado. Se tal ocorrer, a Alemanha não ficará vinculada. 7) O Tribunal Constitucional Federal e a Corte Européia de Justiça exercem jurisdição em uma "relação cooperativa". 8) O Tratado de Maastricht estabelece uma comunidade intergo- vernamental para criação de uma unidade mais estreita entre os povos da Europa. Cada um desses povos é organizado em um Estado próprio, inexistindo, pois, um Estado da Europa, com seu próprio povo. 9) a) O Tratado de Maastricht não confere à União Européia auto- determinação na obtenção de recursos, financeiros ou de qualquer outra natureza, destinados a atender seus objetivos. É necessário o consenti- mento dos Estados. b) A ratificação do Tratado não sujeita a República Federativa da Ale- manha a um processo incontrolável e imprevisível que conduza inexoravelmente à unificação monetária. O Tratado de Maastricht simples- mente prepara o caminho para a integração gradual da Comunidade Euro- péia em uma comunidade de leis. Qualquer passo adiante depende do con- sentimento do Governo Federal, sujeito à deliberação do Parlamento. 48. International Legal Materiais, cit., p. 393-7. Resumo e tradução para o português de responsabilidade do autor. Nos Estados Unidos, muito embora seja indiscutível a superiorida- de da Constituição sobre os atos internacionais, a Suprema Corte ja- mais declarou um tratado inconstitucional. Tal fato pode ser creditado, em parte, a uma associação exagerada, quando não equivocada, que os tribunais fazem entre questões internacionais e "questões políticas", o que excluiria aquelas do controle judicial. 49. V. Restatement (Third) of Foreign Relations Law of the United States, 1988, § 111 (p. 43): "In their character as law of the United States, rules of international law and provisions of international agreements of the United States are subject to the Bill of Rights and other prohibitions, restrictions, and requirements of the Constitution, and cannot be given effect in violation of them. However,
  • 27. failure of the United States to carry out an obligation on the ground of its unconstitutionality will not relieve the United States of responsability under international law". 50. Sobre o tema, V. Louis Henkin, Foreign affairs and the Constitution, 1975. Para um painel amplo e atualizado das relações entre direito interno e direito internacional na perspectiva norte- americana, v. JohnH. Jackson, Status of treaties in domestic legal systems: a policy analysis, American Journal of International Law, v. 86, 1992, p. 310 e s. 51. E assim se passa a despeito da advertência do Justice Brennan, ao relatar e julgar Baker vs. Carr (369 U. S. 186) (1962), um dos principais precedentes que delineou a "political question doctrine": "It is error to suppose that every case ar controversy which touches foreign relations lies beyond judicial cognizance" (É equívoco supor que qualquer litígio que tangencie as relações inter- nacionais situa-se fora do conhecimento judicial). Desse modo, a despeito do imenso prestígio e independência do Poder Judiciário nos Estados Unidos, há uma persistente tradição de os juízes e tribunais cederem o passo à avaliação dos Poderes Políticos, notadamente ao Presidente da República, sempre que a matéria envolva relações internacionais de qualquer natureza. Há toda uma linha de ca- sos ratificando essa atitude de deferência ao Executivo. Essa orienta- ção, aliás, chegou ao extremo de chancelar, em mais de um caso, as decisões do Poder Executivo de seqüestrar, em Estado estrangeiro, pes- soas contra as quais se houvesse instaurado processo criminal nos Esta- dos Unidos, para sujeitá-las a julgamento naquele país. A questão, por sua gravidade e relevância, merece breve digressão. 52. Vejam-se, por exemplo, United States vs. Curtiss - Wright Corp (299 U. S. 304) (1936), Banco Nacional de Cuba vs. Sabbatino (376 U. S. 398) (1964), First National Citibank vs. Banco Nacional de Cuba (406 U. S.759) (1972), Alfred Dunhill of London, inc. vs. Republic of Cuba (425 U. S.682) (1976), Goldwater vs. Carter (444 U. S.996) (1979), Dames & Moore vs. Reagan (453 U. S. 654) (1981). Veja-se, também, o interessantíssimo caso United States vs. Palestine Liberation Organization (U. S. District Court, Southern District of New York, 1988). O caso mais recente julgado pela Suprema Corte foi Barquero vs. United States (International Legal Materials, 33:904,1994), onde se afirmou a constitucionalidade do tratado celebrado entre Estados UnidOs e México sobre troca de informações tributárias. O tratado permite que, mediante requerimento do outro país, a autoridade governamental requisite a qualquer banco comercial informações sobre determinado correntista. Em United States vs. Verdugo Urquidez, a Suprema Corte, refor- mando decisão do Tribunal Federal do 9º Circuito, decidiu que a Cons- tituição americana, ou ao menos a 4ª emenda (que assegura a inviolabilidade das pessoas, suas casas, documentos e bens contra bus- cas e apreensões ilegais), não se aplicava fora dos Estados Unidos. Como conseqüência, não poderia ser invocada por cidadão mexicano levado à
  • 28. força para julgamento nos Estados Unidos (com a concordância do Go- verno mexicano), cuja casa, no México, havia sido objeto de busca ile- gal por agentes norte-americanos. 53. 110 S. Ct. 1056 (1990). Sobre este caso especificamente, v. Andreas F. Lowenfeld, U. S. law enforcement abroad: the Constitution and international law, continued, AJIL, 84/444, 1990, especial- mente p. 491-3. Pouco mais adiante, em decisão que estarreceu a comunidade jurí- dica internacional, a Suprema Corte, por maioria, e reformando decisão de duas instâncias inferiores, admitiu ser possível submeter a julgamen- to nos Estados Unidos cidadão mexicano que fora seqüestrado no Méxi- co, sem anuência do Governo daquele país, que formulou protesto di- plomático veemente. Servindo-se de um argumento primário - o de que o tratado de extradição entre Estados Unidos e México não proibia expressamente o seqüestro -, a Suprema Corte afastou a incidência do tratado (que teria força de lei) como já vimos e aplicou uma antiqüíssima jurisprudência pela qual admitia que, uma vez apresentado à Justiça, um acusado pudesse ser submetido a julgamento, independentemente de haver sido conduzido por meio lícito ou ilícito. Em desfecho, a Corte admitiu que o seqüestro violava princípios de direito internacional, mas entendeu que a decisão sobre a restituição ou não do acusado ao seu país, de onde fora retirado à força, era uma questão da competência discricionária do Executivo. Já que ele estava nos Estados Unidos, cabia à Justiça norte-americana julgá-lo. 54. United States vs. Alvarez Machain, 31 I. L. M. 900(1992). Na conclusão de seu veemente voto dissidente, consignou Justice Stevens: "Eu suspeito que a maior parte dos tribunais do mundo civilizado ficará perplexa pela decisão "monstruosa" que esta Corte anuncia hoje. Toda nação que tem interesse em preservar o estado de direito (the Rule of the Law) é afetada, direta ou indireta- mente, por uma decisão deste caráter". Para uma crítica igualmente contundente de tal acórdão, V. Michael J. Glennon, State sponsored abduction: a comment on United States vs. Alvarez-Machain, AJIL, 86:756, 1992. Precedente mais edificante foi, estabelecido, recentemente, pela Supre- ma Corte do Canadá. Em R. vs. Cook, julgado em outubro de 1998, decidiu a Corte que o interrogatório de um cidadão canadense, por agentes policiais canadenses, ainda que realizado nos Estados Unidos, sujeitava-se aos pro- cedimentos e garantias da Carta de Direitos e Liberdades do Canadá. No caso específico, o acusado de um homicídio não fora informado do seu direito de ser assistido por um advogado durante o interrogatório. 55. International Legal Materials, v. XXXVIII, 1999, p. 271 e s. Retomando a linha de raciocínio, e passando ao caso brasileiro, vai- se constatar que, entre nós, desde a primeira Constituição republicana se admite a verificação da constitucionalidade intrínseca de um tratado. Em acórdão de 15 de setembro de 1977, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade, em parte, de alguns artigos da Con- venção da OIT n. 110, referentes às condições de trabalhadores em fa- zenda. A Constituição de 1967-69 ensejava tal tipo de pronunciamen- to, em regra que foi reproduzida na Carta atual. De fato, no art. 102, III, a, da Constituição de 1988, prevê-se o cabimento de recurso extraordi- nário quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tra- tado ou lei federal.
  • 29. 56. Constituição Federal de 24-2-1891, art. 59, § 1º, a. 57. RTJ, 84:724, 1978, Rep. n. 803-DF, rel. Min. Djaci Falcão. Veja-se, também, Celso D. de Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 324. 58. "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal... III - julgar, mediante recurso extra- ordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:... b) decla- rar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal." É bem de ver que a dicção pura e simples da cláusula constitucio- nal, tal como vem sendo reproduzida nos diferentes Diplomas, não infirma, prima facie, a tese defendida por Haroldo Valladão e acima exposta. É que, em verdade, ao prever declaração de inconstitucionalidade de tratado, o texto constitucional só pode estar-se referindo àquele que seja posterior à Constituição. Isso porque, consoante regra consolidada do direito constitucional intertemporal brasileiro, não se declara a inconstitucionalidade de preceito anterior à Constituição (v., infra, capí- tulo II). Portanto, a letra expressa da Lei Maior não dirime a dúvida sobre a possibilidade de o tratado anterior prevalecer, mesmo que con- traste com a nova norma constitucional. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no apagar das luzes do regi- me constitucional anterior, afastou, de forma taxativa, quaisquer incer- tezas que pudessem existir. A questão se impôs relativamente à cobran- ça do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) na importação de bens de capital de países membros do GATT. À vista do entendimento consolidado, a Corte editou o verbete n. 575 da Súmula, com o seguinte teor: "À mercadoria importada de país signatário do GATT ou membro da ALALC, estende-se a isenção do Imposto de Circulação de Merca- dorias concedida a similar nacional". Sobreveio, todavia, a Emenda Constitucional n. 23, de 1º de dezem- bro de 1983, que acrescentou um § 11 ao art. 23 do Texto, determinando a incidência do tributo sobre as mercadorias importadas, sem qualquer distinção quanto ao país de origem. O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão mantendo a isenção, nos casos de importação de bem de capital de países signatários do GATT. A Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recurso extraordinário, sob o fundamento de que oTribu- nal a quo prestigiara o acordo internacional em detrimento do texto cons- titucional emendado. 59. Ficou assim a redação do texto constitucional: "Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:... § 11. O imposto a que se refere o item II (ICM) incidirá, tam- bém, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria impor- tada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativo fixo do estabelecimento". Ao apreciar o caso, o Supremo Tribunal Federal firmou posição estreme de dúvida ao decidir: "Inadmissível a prevalência de tratados e convenções internacionais contra o texto expresso da Lei Magna (...) Os acordos internacionais, como é o caso do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), protegem os produtos originários dos países contratantes. Todavia, não há como admitir, como deixou entender a decisão recorri- da, que na nova tributação autorizada pela Emenda Consti- tucional n. 23, deva ser atendido o que prescreve um trata-
  • 30. do internacional (...) Hierarquicamente, tratado e lei situam-se abaixo da Constituição Federal. Consagrar-se que um tratado deve ser respeitado, mesmo que colida com o texto constitucional, é imprimir-lhe situação superior à própria Carta Política". 60. RTJ, 121:270, 1987, RE 109.173-SP, rel. Min. Carlos Madeira. Em decisões posteriores, o Supremo Tribunal Federal atenuou o re- sultado prático de tal decisão, passando a entender inexistir incompati- bilidade entre o acordo do GATT e o texto constitucional resultante da Emenda Constitucional n. 23/83. Assentou-se, no Recurso Extraordi- nário n. 1114.784, que "a Emenda Constitucional não visou a retirar fun- damento a essa avença internacional". Mas o princípio da supremacia da Constituição sobre os atos internacionais convencionais restou intangido. 61. RTJ, 124:358, 1987. 62. RTJ, 126:804, 1987, p. 806. Não se está, no particular, de acordo com a leitura que faz deste acórdão o Professor Jacob Dolinger, ao extrair dele o sentido de que os tratados contratuais, como o do GATT, em contraposição aos tratados normativos, não são afetados por normas de direito interno, inclusive constitucionais (Direito internacional privado, cit., p. 101). Mais recentemente, foi o Plenário do Supremo Tribunal Federal ins- tado a pronunciar-se acerca da controvertida questão envolvendo a sub- sistência ou não da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária em garantia (onde se equipara o devedor-fiduciante ao depositário), tendo em vista o que dispõem o art. 7º, n. 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - e a cláusula genérica inserta no art. 5º, LXVII, da Constituição de 1988. Como o referido artigo da Convenção somente excepciona a hipótese de inadimplemento da obrigação alimentícia, questionou-se a subsistência ou não da prisão civil por infidelidade do depositário, haja vista a incorpo- ração ao ordenamento jurídico brasileiro da referida Convenção (Decreto n. 678, de 6-11-1992), nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988. E o Supremo, invocando a supremacia da Constituição em rela- ção à convenção, declarou a possibilidade da prisão civil em qualquer dos casos onde o depositário venha a ser considerado infiel, inclusive na alie- nação fiduciária em garantia, em acórdão no qual se lavrou: "1. A Constituição proíbe a prisão civil por dívida, mas não a do depositário que se furta à entrega de bem sobre o qual tem a posse imediata, seja o depósito voluntário ou legal (art. 5º, LXVII). 2. Os arts. 1º (art. 66 da Lei n. 4.728/65) e 4º do Decre- to-lei n. 911/69, definem o devedor alienante fiduciário como depositário, porque o domínio e a posse direta do bem continuam em poder do proprietário fiduciário ou cre- dor, em face da natureza do contrato. 3. A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária. 4. Os compromissos assumidos pela República Fede- rativa do Brasil em tratado internacional de que seja parte (CF, art. 5º, § 2º) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por esta razão, o art. 7º, n. 7, do Pacto de San José da Costa Rica