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Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas
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Mulheres e agroecologia
universidade federal do rio de janeiro
Reitor
Carlos Antônio Levi da Conceição
Vice-reitor
Antônio José Ledo Alves da Cunha
Coordenador do Fórum de Ciência e Cultura
Carlos Bernardo Vainer
editora ufrj
Diretor
Michel Misse
Diretora adjunta
Fernanda Ribeiro
Conselho editorial
Eduardo Viveiros de Castro
Heloisa Buarque de Hollanda
Norma Côrtes
Renato Lessa
Roberto Lent
Mulheres e agroecologia:
transformando o campo, as florestas e as pessoas
Emma Siliprandi
Editora UFRJ
2015
Copyright © by Emma Siliprandi, 2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S583m Siliprandi, Emma.
Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas
e as pessoas. / Emma Siliprandi. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2015.
352 p.; 16 x 23 cm.
ISBN: 978-85-7108-400-1
Mulheres no desenvolvimento rural – Brasil. 2. Ecologia agrícola
Brasil I. Título. 	
CDD: 305.563
Coordenação editorial
Maíra Alves
Preparação de originais
Rebeca Bolite
Revisão
Clara Diament
Josette Babo
Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica
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Apoio
À minha mãe, Maria Thereza,
à minha filha, Clara, e à minha irmã, Maria.
Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas
SUMÁRIO
lista de siglas e abreviaturas 9
prefácio, Beto Novaes 15
APRESENTaÇÃO, Maria Emília Lisboa Pacheco 17
Introdução 23
1. MULHERES COMO SUJEITOS POLÍTICOS da luta ecológica 37
		 Feminismo: teoria crítica e movimento social 37
		 Os movimentos de mulheres na atualidade 41
		 Os primeiros ecofeminismos 45
		 Mulheres e ecologia nas agendas internacionais 54
		 Os ecofeminismos em discussão 66
2. A AGROECOLOGIA E O PROTAGONISMO DAS AGRICULTORAS E
dos AGRICULTORES 81
		 Origens e trajetórias 81
		 Os principais conceitos da agroecologia 88
		 Entre o agroecossistema e a comunidade camponesa, os espaços 	
		 das mulheres 94
3. As mulheres no movimento agroecológico
Brasileiro 111
		 Os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais 111
		 O movimento agroecológico no Brasil 134
		 As mulheres na Ana 145
4. A construção da militância social 185
		 As primeiras experiências 185
		 Trajetórias atravessadas pelas lutas das mulheres 192
A vivência das discriminações de gênero, raça e classe 200
		 O engajamento pessoal 205
		 As barreiras enfrentadas por serem mulheres 217
		 A importância das instituições de apoio	221
		 As pressões mais difíceis: famílias, maridos e filhos 226
		 O cerne da dominação masculina 238
5. O ENCONTRO COM A AGROECOLOGIA 247
		 Neneide e Francisca Lourdes e o Grupo de Mulheres Decididas
		 a Vencer 248
		 Del e o Grupo de Mulheres do Assentamento Dandara
		 dos Palmares 252
		 Zinalva e o Grupo de Mulheres da Associação dos
		 Pequenos Produtores Rurais Extrativistas e Pescadores
		 Artesanais (Apepa) 261
		 Efigênia 270
		 Inês e Beth 273
		 Izanete 278	
		 Zulmira, Lourdes, Carmen, Rosane e Maria: a agroecologia
		 como luta política 285
6. OS SIGNIFICADOS DA SUSTENTABILIDADE PARA AS MULHERES 291
		 O papel da agroecologia em um modelo de desenvolvimento
		 rural baseado na produção familiar 292		
		 A alimentação saudável 305
		 A saúde das pessoas e do ambiente 312
		 Ecologismo e feminismo como condição para uma vida
		 melhor 318
CONCLUSÃO 331
Referências 339
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AACC	 Associação de Apoio às Comunidades do Campo do
	 Rio Grande do Norte
ABA	 Associação Brasileira de Agroecologia
Aegre	 Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia
AIMTR	 Articulação das Instâncias de Mulheres Trabalhado-
	 ras Rurais
ANA	 Articulação Nacional de Agroecologia
ANMTR	 Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras 	
	Rurais
Anvisa	 Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Apepa	 Associação dos Pequenos Produtores Rurais, Extra-
	 tivistas e Pescadores Artesanais
Apta	 Associação de Programas em Tecnologias Alter-
	nativas
AS-PTA	 Assessoria e Serviços a Projetos de Tecnologias
	Alternativas
Assesoar	 Associação de Estudos, Orientação e Assistência 	
	Rural
Caatinga	 Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e 	
	 Instituições Não Governamentais Alternativas
CAA-NM	 Centro de Agricultura Alternativa do Norte de 	
	Minas
Capes	 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de 	
	 Nível Superior
10
mulhereseagroecologia
CAT	 Centro Agroecológico Tamanduá
CAV	 Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
CEB	 Comunidade Eclesial de Base
Cedaw	 Convention on the Elimination of All Forms of 	
	 Discrimination Against Women [Convenção sobre
	 a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação 	
	 contra a Mulher]
Centro Sabiá	 Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
Cepagro	 Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de 	
	Grupo
CEQMTR	 Comissão Estadual da Questão da Mulher Trabalha-
	 dora Rural do Paraná
Cetap	 Centro de Tecnologias Alternativas Populares
CF-8	 Centro Feminista 8 de Março
Clades	 Consorcio Latinoamericano de Agroecología y 	
	Desarrollo
Cloc	 Coordenadoria Latino-americana das Organizações 	
	 do Campo
Contag	 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri-
	cultura
CPT	 Comissão Pastoral da Terra
Cresol	 Cooperativa de Crédito Rural com Interação Soli-
	dária
CTA-ZM	 Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da 	
	Mata
CUT	 Central Única dos Trabalhadores
DAP	 Declaração de Aptidão ao Pronaf
Dawn	 Development Alternatives with Women for a New 	
	 Era [Alternativas de Desenvolvimento com as Mu-
	 lheres por uma Nova Era]
DCE	 Diretório Central de Estudantes
DNTR	 Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais
11
listadesiglaseabreviaturas
DTT	Diclorodifeniltricloroetano
EBAAs	 Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa
EFA	 Escola Família Agrícola
EJA	 Educação de Jovens e Adultos
Emater/RS	 Associação Rio-grandense de Assistência Técnica e 	
	 Extensão Rural
Emprada	 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ENA	 Encontro Nacional de Agroecologia
EPA	 Encontro Potiguar de Agroecologia
Faeab	 Federação das Associações dos Engenheiros Agrôno-
	 mos do Brasil
FAO	 Food and Agriculture Organization [Organização das	
	 Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura]
Fase	 Federação de Órgãos para a Assistência Social e 	
	Educacional
Feab	 Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
Fetagri	 Federação dos Trabalhadores na Agricultura do 	
	 Estado do Pará
Fetraf	 Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalha-
	 doras na Agricultura Familiar do Brasil
Fetrasfesc	 Federação dos Trabalhadores na Agricultura Fami-
	 liar de Santa Catarina
Gard	 Grupo de Apoio às Realizações para o Desenvolvi-
	mento
GT	 Grupo de Trabalho
GTNA	 Grupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia
GTZ	 Deustsche Gesellschaft für Technische Zusamme-
	narbeit
Ibama	 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-
	 sos Naturais Renováveis
Incra	 Instituto Nacional de Colonização e Reforma
	Agrária
12
mulhereseagroecologia
Instraw	 United Nations International Research and Training
	 Institute for the Advancement of Women [Instituto 	
	 Internacional de Pesquisa e Capacitação para as 	
	Mulheres]
Isec	 Instituto de Sociología y Estudios Campesinos da 	
	 Universidad de Córdoba
MAB	 Movimento dos Atingidos por Barragens
Mama	 Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia
MIQCB	 Movimento Interestadual de Mulheres Quebradei-
	 ras de Coco-Babaçu
MMA-SC	 Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa 	
	Catarina
MMC	 Movimento de Mulheres Camponesas
MMNEPA	 Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense
MMTR	 Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
MMTR-NE	 Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do 	
	Nordeste
MPA	 Movimento dos Pequenos Agricultores
MPMP	 Movimento Popular de Mulheres do Paraná
MST	 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NOW	 National Organization for Women [Organização 	
	 Nacional de Mulheres dos Estados Unidos]
ONG	 Organização não governamental
ONU	 Organização das Nações Unidas
PJR	 Pastoral da Juventude Rural
Planapo	 Plano Nacional de Agroecologia e Produção
	Orgânica
Pnater	 Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão 	
	Rural
Ppigre	 Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, 	
	 Raça e Etnia
13
listadesiglaseabreviaturas
Pronaf	 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultu-
	 ra Familiar
Proter	 Programa da Terra
Provape	 Programa de Valorização da Pequena Produção 	
	Rural
PTA	 Projeto Tecnologias Alternativas
Rede	 Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
Remera	 Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Ama-
	zônia
SAFs	 Sistemas Agroflorestais
SOC	 Sindicato de Obreros del Campo
Socla	 Sociedad Científica Latinoamericana de Agroeco-
	logía
SOS Corpo	 Instituto Feminista para a Democracia
SOF	 Sempreviva Organização Feminista
Sasop	 Serviço de Assessoria a Organizações Populares 	
	Rurais
STR-Acaiaca	 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acaiaca
STR-Camamu	Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camamu
Terra Viva	 Centro de Desenvolvimento Agroecológico do 	
	 Extremo Sul da Bahia
Wedo	 Women’s Environment and Development Organi-
	 zation [Organização de Mulheres pelo Meio Am-
	 biente e Desenvolvimento]
Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas
prefácio
Beto Novaes
O projeto para a produção deste livro e do videodocumen-
tário As sementes, que o acompanha, nasceu de um reencontro com
Emma Siliprandi numa oficina que coordenei na Unicamp sobre o
uso da imagem na educação.
Fomos amigos e companheiros de trabalho durante os anos
1980 na Paraíba, em Campina Grande – ela como estudante de
mestrado, eu como professor do Departamento de Economia. De lá
para cá, foram poucos os nossos encontros.
O reencontro de 2011 foi marcado por atualizações de nossas
trajetórias de vida. Falamos sobre a pesquisa voltada para segurança
alimentar que Emma desenvolvia na Unicamp e de sua tese de dou-
toramento sobre mulheres e agroecologia. Falamos também sobre o
projeto Educação através das Imagens, que coordeno no Instituto
de Economia da UFRJ, cuja proposta é integrar atividades de ensi-
no, pesquisa e extensão na universidade por meio da produção de
videodocumentários.
Nesse contexto nasceu nossa parceria e o projeto Mulheres
Camponesas na Trilha da Agroecologia, que, em 2012, se concre-
tizou por meio de um convênio entre o Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (MDA) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
O apoio do MDA – na época sob a responsabilidade do mi-
nistro Pepe Vargas e hoje com o ministro Patrus Ananias à frente
– somou-se à preciosa colaboração da Editora UFRJ e da Fundação
José Bonifácio, da mesma universidade, ambas fundamentais para o
desenvolvimento do trabalho.
16
mulhereseagroecologia
Agora, ao terminar esse projeto, após superar obstáculos bu-
rocráticos de diferentes ordens, temos dois propósitos: fazer com
que o livro e o videodocumentário sejam fontes qualificadas para
enriquecer pesquisas acadêmicas e, simultaneamente, que ambos se
transformem em instrumentos pedagógicos que suscitem o debate
em grupos, redes e movimentos sociais.
Sem dúvida, as narrativas e as imagens das mulheres cam-
ponesas presentes no livro e no videodocumentário são fortes e
convincentes. Elas tanto provocam a reflexão sobre as necessárias
mudanças nas desiguais relações de gênero quanto evidenciam as
contradições do atual modelo de desenvolvimento na agricultura
com suas consequências negativas para a saúde e o meio ambiente.
Por outro lado, também vale a pena ouvi-las para conhecer suas
conquistas e suas novas apostas na potencialidade da agroecologia
no Brasil.
Certamente o projeto não teria tido esse desfecho sem a par-
ticipação, a dedicação, o compromisso e a solidariedade de Jorge
Zimmermann, um dos pioneiros na luta pela agroecologia no Bra-
sil. Sua partida, durante a execução do projeto, não permitiu que
ele visse finalizado o documentário que ajudou a conceber. A ele,
dedicamos este trabalho.
Apresentação
Maria Emília Lisboa Pacheco1
Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as
pessoas, de Emma Siliprandi, é uma reflexão engajada com múltiplos
e densos sentidos. Expressa um convite para pensar, agir e mudar
(pré)conceitos e reorientar a práxis. Esse trabalho teórico com sen-
tido militante desperta entusiasmo e impulsiona, especialmente, a
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como principal ex-
pressão do movimento agroecológico no país, a manter o compro-
misso político de seguir promovendo a agroecologia articulada à de-
fesa dos direitos das mulheres, da igualdade e contra todas as formas
de opressão e violência. Tais tarefas são indissociáveis da construção
de uma sociedade justa e sustentável.
O método de investigação adotado permite-nos acompanhar
as “trajetórias atravessadas pelas lutas” em um instigante percurso.
A autora trabalha com narrativas. Faz o exercício da escuta e nos
mostra a importância do ouvir. Traz à tona os aspectos subjetivos e
singulares da história vivida presentes na memória das mulheres. É a
experiência social peculiar e temporal, envolvendo o individual, que
ganha materialidade sem se perder na memória coletiva.
O livro descortina contradições, impasses, lutas, desafios e
conquistas na vida cotidiana e nos processos históricos das mulhe-
res do campo e das florestas, palmilhando o caminho para o seu
1	 Antropóloga, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social
e Educacional (Fase) – Solidariedade e Educação, integrante do Núcleo
Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia e atual presidenta do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
18
mulhereseagroecologia
reconhecimento como sujeito de direitos. Mostra como as mulheres
reinventam a história, revolucionam conceitos e práticas e se nu-
trem de esperanças – não a esperança dos que esperam, mas a do
verbo esperançar, como nos ensina o grande educador Paulo Freire,
com o sentido de se levantar, construir e não desistir! Esperançar
como ato de juntar-se e agregar-se em renovadas formas organizati-
vas, refazendo o presente e projetando um futuro novo.
Emma Siliprandi tem a sabedoria de tomar como referência
a história de mulheres de várias regiões, com distintas trajetórias e
diferentes formas de inserção social, econômica e política e parti-
cipação no movimento agroecológico. Assinala que há percepções
distintas em razão das diferentes posições sociais dos sujeitos – as-
sessoras e agricultoras – e suas diversas concepções políticas. Simul-
taneamente, aborda a construção da memória coletiva ao mostrar
o enfrentamento comum da dominação masculina em diferentes
contextos. São histórias que se cruzam porque alicerçadas na socie-
dade patriarcal.
No trajeto teórico, faz com maestria uma retrospectiva his-
tórica do movimento feminista, mostrando diferenças conceituais,
avanços, conquistas e a relação com outras lutas emancipatórias.
Opera com a visão do feminismo como teoria crítica e movimento
social, como um paradigma, um marco interpretativo, que permite
dar visibilidade às formas de opressão das mulheres, e ao mesmo
tempo uma teoria militante instrumento de mobilização social,
abrindo espaço para que as mulheres se organizem em direção às
mudanças sociais.
E, percorrendo esse caminho, Emma Siliprandi mostra as co-
nexões entre os movimentos de mulheres e os movimentos ecológi-
cos ao longo da história. O investimento teórico da autora traz uma
importante contribuição para o debate do movimento agroecoló-
gico, especialmente ao dialogar com a corrente do ecofeminismo
construtivista de Alice Puleo, que reivindica o legado da igualdade
e da autonomia das mulheres, ou seja, um chamado para que não
se renuncie às lutas políticas feministas e para que ao mesmo tempo
se conserve um forte sentido ecológico. Um feminismo, conforme
nos explica Emma, no qual as relações de humanidade com a na-
19
apresentação
tureza recuperem o sentido de unidade e continuidade e no qual as
propostas não se restrinjam a uma boa gestão dos recursos, como
entende o ambientalismo feminista. Um feminismo, enfim, que
se assente no princípio da precaução com relação às tecnologias,
que valorize o diálogo intercultural. É a partir dessas reflexões que
Emma analisa a trajetória da militância das mulheres em seu encon-
tro com a agroecologia.
O debate atual com enfoque da contribuição da agroecolo-
gia para os sistemas agroalimentares, bem como sobre a dimensão
política da agroecologia, tem muito a dialogar com a concepção e a
prática do feminismo na vertente analítica trabalhada pela autora.
Algumas questões novas, e outras nem tão novas, emergem e ga-
nham sentido para avançarmos na ligação necessária entre o nível
micro da teoria da manutenção e manejo dos agroecossistemas bio-
diversificados e seu sentido socioeconômico e o nível macro da ação
política nos territórios.
Mesmo com novas incursões analíticas sobre a agricultura
familiar como forma de produção e modo de vida, com múltiplas
identidades, com capacidades de resistência e de inovação, ainda
predominam as visões sobre o seu caráter familiar sem levar em
conta as formas como se organiza a divisão sexual do trabalho e de
poder em seu interior. Ao descrever as dez qualidades da agricultura
familiar, Van der Ploeg, um estudioso da agroecologia, inclui entre
elas o investimento da força de trabalho que torna o estabelecimen-
to um lugar de autoemprego e progresso da família; o caráter cen-
tral, para as decisões, do nexo entre a família e o estabelecimento; e
a constatação de que coube aos estabelecimentos familiares a tarefa
de proporcionar à família agricultora uma parte ou a totalidade de
sua renda e dos alimentos consumidos.2
Mas sua análise ignora que
o acesso aos recursos produtivos e aos bens simbólicos na agricultura
2	 Cf. Ploeg, Jan Douwe van der. Dez qualidades da agricultura familiar.
Agriculturas: experiências em agroecologia. Cadernos para Debate, Rio de
Janeiro, AS-PTA n. 1, fev. 2014.
20
mulhereseagroecologia
familiar é marcado pelas relações de poder entre homens e mulheres,
assim como há limites impostos pelos padrões sociais e políticos que
impedem as mulheres de interferir no uso desses recursos. As teorias
de Chayanov,3
retomadas também para afirmar as peculiaridades
da economia camponesa, baseiam-se na visão do equilíbrio ótimo
entre consumo e força de trabalho, como constitutiva da estratégia
de bem-estar da família, com uma racionalidade específica de gestão
dos recursos. No entanto, uma análise baseada na perspectiva femi-
nista mostra que quem controla os bens e recursos é que determi-
na se o produto do trabalho beneficiará a todos que contribuíram.
Em geral, a distribuição é mais igualitária nos sistemas agrícolas nos
quais a mulher participa do trabalho no campo, das decisões e da
forma de dispor do produto.
As relações entre homens e mulheres no âmbito familiar e a
forma como a família é constituída e reproduzida são tão importan-
tes quanto as relações de classe, quando se trata de explicar as dife-
renças sociais do campesinato, assim como a sua reprodução social.
O tema da alimentação – sob várias denominações, como
segurança alimentar, alimentação saudável, diversificação da pro-
dução – figura nas distintas estratégias das mulheres e se relaciona
à saúde humana e do meio ambiente. As histórias mostram o seu
papel mobilizador: o enfrentamento da desnutrição no assentamen-
to dos sem-terra no Nordeste; a importância da diversificação da
produção nos sistemas agroextrativistas na Amazônia; o resgate e a
valorização da cultura alimentar local no Sudeste; a simbologia da
retomada da dignidade camponesa no Sul, expressa na defesa da ali-
mentação saudável, são alguns exemplos. A desvalorização histórica
das tarefas das mulheres na agricultura voltadas para a alimentação
da família e consideradas menos importantes do que as lavouras
comerciais vem se transformando e ganhando outro estatuto polí-
tico. Uma das manifestações eloquentes do encontro entre a visão
3	 Cf. Chayanov, A. V. La organización de la unidad campesina. Buenos Ai-
res: Ediciones Nueva Vision, 1974.
21
apresentação
feminista e ecológica, como nos diz Alicia Puleo, é o fenômeno de
mulheres com reivindicações na luta pela soberania alimentar.4
Precisamos ouvir as mulheres que ousaram desafiar os pa-
drões sociais. Conforme nos diz Emma, trata-se de mulheres que
vivem a dureza das desigualdades e a crueldade da violência das re-
lações sociais de gênero, mas que têm a convicção de que o caminho
da luta não tem volta, pois são “mulheres decididas a vencer”, como
significativamente se denomina um dos grupos de mulheres desta
história.
Portadoras de novos sentidos políticos e propostas, as mulhe-
res evidenciam, por meio de seus depoimentos, como têm se enga-
jado e influenciado de forma efetiva o movimento agroecológico e
as políticas de agroecologia. Por isso a palavra-chave é transformar.
As mulheres transformam-se, reconfiguram as relações pessoais e fa-
miliares e, com a afirmação de sua identidade coletiva e afirmando-se
como sujeito político, transformam a construção social da agroeco-
logia.	
No plano nacional, foram outras tantas mulheres como elas
que integraram o conjunto de mais de mil mulheres que foram ao
III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em maio de 2014,
em Juazeiro, na Bahia, representando 50% dos participantes. Por-
tadoras de diferentes identidades socioculturais (agricultoras fami-
liares, camponesas, extrativistas, indígenas, quilombolas, pescadoras
artesanais, ribeirinhas, faxinalenses, agricultoras urbanas, geraizei-
ras, sertanejas, vazanteiras, quebradeiras de coco, caatingueiras, cria-
doras em fundos de pasto, seringueiras) viajaram de várias regiões
do país para mostrar suas concepções e práticas de “cuidar da terra,
alimentar a saúde e cultivar o futuro”, lema do ENA. Propuseram
avançar na construção social da agroecologia com a consigna “sem
feminismo não há agroecologia”.
4	 Cf. Puleo, Alice. Ecofeminismo: la perspectiva de género en la conciencia
ecologista. Disponível em: <http://www.ecopolitica.org/cofeminismo-la-
-perspectiva-de-genero-en-la-conciencia-ecologista>. Acesso em: 10 jan.
2015.
22
mulhereseagroecologia
Essas mulheres comemoraram a conquista da definição de
50% do público e 30% de recursos para as atividades realizadas
com mulheres no âmbito dos projetos públicos de Assistência Téc-
nica e Extensão Rural com abordagem agroecológica. Travou-se um
processo intenso de debate e mobilização no interior da ANA, com
fortes resistências iniciais por parte de alguns assessores. A superação
dos impasses e o diálogo com setores do governo, com destaque para
o apoio imediato da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), garantiram a in-
clusão dessas cláusulas nos Termos de Referência.
A Carta política do III ENA5
reconhece que,
fortalecidas nos processos de auto-organização e atuando em diver-
sos movimentos e redes, as mulheres reunidas no III ENA reafir-
mam o lema “sem feminismo não há agroecologia” por compreen-
derem que a construção da agroecologia prima por uma visão ética
de justiça social e ambiental que pressupõe o compartilhamento do
trabalho doméstico e de cuidados e da gestão da produção, uma
vida sem violência, regida pelo respeito e pela igualdade. Isso im-
plica a garantia do direito das mulheres à plena participação na vida
social e política em suas comunidades, bem como a garantia de seu
acesso à terra, à água, às sementes e às condições de produção e
comercialização com autonomia e liberdade.
Esse momento representou inegavelmente um marco históri-
co na ANA, com as mulheres transformando o campo, as florestas, as
pessoas e construindo a agroecologia. O livro de Emma Siliprandi é
parte dessa história.
5	 Disponível em: <http://www.agroecologia.org.br/index;php/publicacoes
/publicacoes-da-ana/publicacoes-da-ana/carta-politica-do-terceiro-ena/
detail>. Acesso em: jan. 2015.
Introdução
Prelúdio
No dia 8 de março de 2006, em Barra do Ribeiro, Rio Gran-
de do Sul, uma poderosa ação direta, de cerca de duas mil mulheres
agricultoras organizadas pelo Movimento de Mulheres Campone-
sas (MMC) e por outros movimentos vinculados à Via Campesi-
na, destruiu laboratórios de produção de mudas de eucaliptos da
empresa transnacional de origem norueguesa Aracruz Celulose. A
ação foi concomitante à realização, em Porto Alegre, da Conferên-
cia Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural,
patrocinada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (Food and Agriculture Organization – FAO), que
reuniu delegações de centenas de países para discutir políticas para
o campo.
A mobilização tinha o objetivo de denunciar as consequên-
cias sociais e ambientais do avanço do “deserto verde” criado pelo
monocultivo de eucaliptos e outras espécies florestais e a expulsão
violenta de indígenas e camponeses de terras reivindicadas pela Ara-
cruz, ocorrida no início daquele ano, no estado do Espírito Santo.
As mulheres camponesas afirmavam, na época, que sua luta era con-
tra o deserto verde, pela preservação da biodiversidade, dos solos e
dos rios, chamando também a atenção para os efeitos da contamina-
ção trazida por essas fábricas sobre a saúde humana, o ar e as águas.1
1	 “O que não foi divulgado do caso Aracruz.” Panfleto produzido pelo
MMC. S/d., s/l. Disponível em: <http://www.biodiversidadla.org/Por-
24
mulhereseagroecologia
A ação foi definida por elas como uma manifestação contra o
“agronegócio” e em defesa de “outro projeto de agricultura campo-
nesa”, que respeite a natureza, produza alimentos para o autossus-
tento, conserve a biodiversidade e promova a soberania alimentar.
Como resultado dessa ocupação, muitas lideranças femininas foram
processadas judicialmente e tiveram prisão decretada, assim como
alguns líderes (homens) da organização Via Campesina, em uma
tentativa de criminalização daquele movimento social.
Houve protestos de norte a sul do país, amplificados pelos
meios de comunicação, contra essa manifestação promovida pelas
mulheres camponesas, considerada violenta, porque atentaria con-
tra a propriedade privada, o avanço da ciência e o direito “legítimo”
de uma empresa de utilizar os recursos ambientais na obtenção pri-
vada de lucros. Em muitos casos, foram levantadas suspeitas sobre
“quem estaria por trás das mulheres”, numa atitude de deslegitima-
ção do seu direito de atuar politicamente e de reforço à visão de que
as mulheres seriam seres fragilizados, sem ideias próprias, alvos de
manipulações por parte de homens. Como o dia escolhido foi o Dia
Internacional da Mulher, colocou-se também que aquela não seria
uma atitude condizente com as lutas históricas das mulheres, pois
o que elas questionavam não era especificamente um “assunto de
mulheres”, mas uma proposta estratégica de desenvolvimento rural.
A inquietação causada pelo fato de a ação ter sido realizada
por mulheres camponesas fez com que os apoios que elas recebessem
fossem relativamente tímidos, tanto por parte de organizações cam-
ponesas como de movimentos ambientalistas, tendo ficado restritos
praticamente à solidariedade das próprias organizações feministas e
de mulheres.
O exemplo é emblemático e revelador dos impactos que uma
ação política de mulheres pode vir a ter para o debate ambiental e
tada_Principal/Documentos/Soberania_sim_deserto_verde_nao_._O_
que_nao_foi_divulgado_do_caso_Aracruz>. Acesso em: 21 jan. 2015.
25
introdução
para a transformação do imaginário social, no que se refere ao seu
aparecimento como sujeitos políticos.
Este livro é centrado no estudo das trajetórias de vida de mu-
lheres agricultoras que, tal como aquelas lideranças da Via Campesi-
na, participam ativamente de movimentos agroecológicos no Brasil.
As mulheres escolhidas fazem parte de organizações sociais e movi-
mentos que hoje se estruturam em torno de uma rede de entidades
e de pessoas, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).2
Essas
mulheres são atualmente protagonistas de mudanças sociais impor-
tantes no campo brasileiro. Nem sempre sua ação assume caráter
espetacular, como no caso da ocupação dos laboratórios da Aracruz.
Muitas vezes é um “trabalho de formiguinha”, como elas mesmas
dizem, promovendo a produção ecológica em nível local e comu-
nitário. Sua participação, no entanto, tem feito diferença dentro e
fora da ANA, dando visibilidade à existência de um olhar feminino
(e feminista) sobre as propostas de gestão ambiental que vêm sendo
elaboradas e experimentadas pelos movimentos sociais rurais, em
uma perspectiva emancipatória para as mulheres.
Meu interesse no tema vem da experiência de trabalho como
engenheira-agrônoma e pesquisadora social, dos vários anos asses-
sorando movimentos sociais no campo, assim como da participação
direta da elaboração e da implantação de políticas públicas para o
setor. Pessoalmente identificada com o feminismo e com a luta das
mulheres, acompanho, com particular interesse, a trajetória dessas
agricultoras. Seja disputando espaços com os homens dentro das
organizações, seja se organizando de forma autônoma, em movi-
mentos próprios, essas mulheres têm o papel de lideranças sociais
e políticas, questionando muitos preconceitos presentes no imagi-
nário social – como o de que as agricultoras são sempre submissas,
2	 A agroecologia, que será apresentada em detalhes no decorrer do livro,
pode ser entendida como um conjunto de conhecimentos voltados à
construção de uma agricultura sustentável, que atenda simultaneamente
a critérios sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.
26
mulhereseagroecologia
ou de que as propostas do feminismo não têm nada a dizer aos
movimentos rurais.
Ao se organizarem e se colocarem na cena pública, essas mu-
lheres refazem a própria história e a dos movimentos a que perten-
cem, ao mesmo tempo que vão se construindo como novos sujei-
tos, reconfigurando as relações pessoais e familiares e reelaborando
o discurso desses movimentos. Tanto no campo das discussões das
mulheres quanto no dos movimentos agroecológicos, incorporam-
-se novas questões, que expressam o aparecimento desses novos su-
jeitos. Essas mulheres, com os seus movimentos e organizações, por-
tanto, estão transformando o campo, a floresta e também as pessoas
com quem se relacionam.
Por que tomar a ANA como referência?
A Articulação Nacional de Agroecologia é uma rede da socie-
dade civil brasileira, criada em 2002, que congrega diferentes ins-
tituições de técnicos e agricultores, assim como representantes de
movimentos sociais (sindicais, de luta pela terra, de consumidores,
de mulheres, entre outros) de todas as regiões do país, que se pro-
põem a promover a agroecologia como um componente estratégico
do desenvolvimento rural sustentável e democrático.3
A ANA foi o
resultado de um processo de aproximação dos diversos movimentos
brasileiros que já atuavam na área havia muitos anos. Desde seu do-
cumento de fundação (Carta política), a ANA, que se define como
uma rede autogestionária, declara que “a igualdade das relações en-
tre homens e mulheres é condição essencial para o alcance da sus-
tentabilidade da produção agroecológica familiar”;4
também propõe
que as políticas públicas de sustentação à agroecologia contemplem
as demandas específicas das mulheres.
3	 Conforme o I Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA). Carta política
do I ENA, 2002. Disponível em: <http://alainet.org/es/node/106295>.
Acesso em: 21 jan. 2015.
4	Ibid.
27
introdução
A agroecologia é um movimento relativamente novo no Bra-
sil, e há estudos que mostram que, muitas vezes, são as mulheres
quem iniciam a “conversão” da propriedade para sistemas sustentá-
veis, por estarem mais envolvidas com as propostas que tratam da
saúde e da alimentação das famílias. Porém, em função da forma
como se organizam as relações de produção e as relações familiares
nesse tipo de agricultura, é comum que, quando o empreendimento
comece a ter resultados positivos, o comando das atividades volte
para as mãos dos homens.
Esse processo faz com que as contribuições das mulheres à
construção da agroecologia não sejam reconhecidas na maioria das
vezes, o que é agravado pelo fato de que, em muitas das organiza-
ções que tratam desses temas, a presença feminina seja visivelmente
minoritária. Constata-se, portanto, que também no campo agroe-
cológico persiste uma invisibilidade sobre as questões das mulheres,
tal como ocorre na agricultura familiar em geral. Sua participação
não é valorizada, e as suas reivindicações específicas acabam ocu-
pando um espaço marginal, ou mesmo não sendo contempladas nas
pautas políticas dessas organizações.
Desde o I Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), ocor-
rido no Rio de Janeiro em 2002, as mulheres agricultoras e as téc-
nicas que as assessoram atuam de forma questionadora nos espaços
da rede, procurando ampliar sua participação nos eventos, influen-
ciar as estratégias de atuação e a definição das pautas políticas. As
mulheres envolvidas em tais processos organizativos e que estão se
constituindo como lideranças vêm trazendo novas questões para es-
ses movimentos: questões que combinam sua perspectiva sobre a
problemática ambiental com discursos (e ações práticas) que reivin-
dicam maior autonomia para as mulheres.
Considero que a ANA reflete o que há de mais atuante e
organizado no movimento socioagroecológico do país. No entanto,
meu interesse não é a análise da ANA enquanto rede, pois o intuito
não é fazer uma abordagem institucional. O foco será colocado nas
pessoas que ali atuam, sobretudo nas mulheres; interessa ver como
utilizam tal rede de interações sociais como palco onde atuam poli-
ticamente e expressam seus valores e modos de vida.
28
mulhereseagroecologia
Como foi feita a pesquisa5
O material básico da pesquisa foram entrevistas em profun-
didade realizadas entre 2007 e 2008 com treze mulheres lideranças
do movimento agroecológico brasileiro, escolhidas por meio dos se-
guintes critérios: em primeiro lugar, deveriam participar ativamen-
te dos eventos da ANA (encontros nacionais ou regionais, cursos,
capacitações, campanhas, mobilizações), assim como das estruturas
organizativas da rede (organizações de base, grupos de trabalho, ani-
mações regionais, coordenação nacional); ser de diferentes regiões
do país, assim como de distintos movimentos sociais rurais.
Quadro 1. Informações gerais sobre as entrevistadas
	nome 	 município/ 	 ocupação 	 idade/	 vínculo com
		 uf		 estado civil/	 movimentos
				 filhos	 sociais
	Francisca	 Mossoró, 	 Agicultora	 34 anos,	 Grupo de Mulheres
	Eliane de	 RN	 familiar	 separada,	 do Assentamento
	Lima Viana		 assentada	 3 filhos,	 Mulunguzinho,
	(Neneide)			 1 neta	 Comissão das
					 Mulheres Trabalhadoras
					 Rurais do Oeste Potiguar,
					 Rede Xiquexique,
					 Fórum Brasileiro de
					 Economia Solidária,
					 Marcha Mundial das
					 Mulheres
	Francisca	 Mossoró,	 Agricultora	 54 anos,	 Grupo de Mulheres
	Lourdes	 RN	 familiar	 casada,	 do Assentamento
	da Silva		 assentada	 6 filhos,	 Mulunguzinho,
	(Neguinha)			 4 netos	 Marcha Mundial das
					 Mulheres
	Efigênia	 Acaiaca,	 Agricultora	 28 anos,	 Presidente do STR-
	Tereza	 MG	 familiar,	 casada,	 -Acaiaca; presidente do
	Marco		 graduada em	 sem filhos	 CTA-ZM; Conselhos:
			 Magistério		 da EFA Paulo Freire;
			 Superior,		 Municipais da
5	 Este livro é uma adaptação de minha tese de doutorado, defendida em
2009 no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de
Brasília (Siliprandi, 2009). A tese foi orientada pelas professoras Laura
Duarte (UnB) e Alicia Puleo (Universidade de Valladolid), a quem sou
muito grata.
Continua ž
			 proprietária		 Criança e do Adolescen-
					 te; e da Assistência
29
introdução
	nome 	 município/ 	 ocupação 	 idade/	 vínculo com
		 uf		 estado civil/	 movimentos
				 filhos	 sociais
					 Social; Comissão Regio-
					 nal de Mulheres Traba-
					 lhadoras Rurais
	Elizabeth	 Origem:	 Engenheira-	 40 anos,	 Técnica do CTA-ZM;	
	Cardoso	 Rio de	 -agrônoma	 solteira,	 coordenação do GT
		 Janeiro;		 sem filhos	 Gênero da ANA
		 residia na			
		 época da			
		 entrevista			
		 em Viçosa,			
		 MG
	Maria	 Camamu,	 Agricultora	 39 anos,	 Grupo de Mulheres do
	Andrelice	 BA	 familiar	 casada,	 Assentamento Dandara
	Silva dos		 assentada	 3 filhos	 dos Palmares; vice-
	Santos (Del)				 -presidente da Associa-
					 ção do assentamento;
					 Conselho Fiscal do
					 STR-Camamu; presi-
					 dente do Conselho da
					 EFA Camamu; coorde-
					 nadora da Pastoral da
					 Criança
	Izante	 Ibiçá, RS	 Agricultora	 42 anos,	 Coordenação
	Chaves		 familiar,	 casada,	 estadual do MMC-RS
			 proprietária	 3 filhos	
	Zinalva	 São 	 Agricultora	 39 anos,	 Grupo de Mulheres
	Freitas	 Domingos	 familiar	 casada,	 de Monte Sião;
		 do Capim,	 ribeirinha,	 5 filhos,	 vice-presidente da
		 PA	 proprietária	 1 neta	 Apepa
	Inês	 Origem:	 Engenheira-	 44 anos,	 Técnica do Cepagro,
	Claudete	 RS; sua	 -agrônoma,	 separada,	 integrante do GT
	Burg	 experiência	 pedagoga,	 2 filhos	 Gênero da Rede
		 como agri-	 ex-agricultora		 Ecovida
		 cultora eco-	 ecológica		
		 lógica se deu			
		 no oeste			
		 paranaense;			
		 residia na			
		 época da			
		 entrevista			
		 em Floria-			
		 nópolis, SC			
	Carmem	 Origem:	 Agricultora	 41 anos,	 Vice-presidente da CUT
	Foro	 Igarapé-	 familiar 	 separada,	 Nacional e coordena-
		 -mirim, PA;	 ribeirinha	 4 filhos	 dora da Comissão
Continua ž
30
mulhereseagroecologia
	nome 	 município/ 	 ocupação 	 idade/	 vínculo com
		 uf		 estado civil/	 movimentos
				 filhos	 sociais
		 residia, na	 (sem exercer),		 Nacional de Mulheres
		 época da	 posseira		 da Contag
		 entrevista,			
		 em Brasília,			
		 DF			
	Maria José	 Origem:	 Agricultora	 35 anos,	 Coordenadora
	da Costa	 Picos, PI,	 familiar 	 casada,	 Nacional do MPA
		 residia, na	 (sem exercer),	 sem filhos	
		 época da	 proprietária,		
		 entrevista,	 engenheira-		
		 em Brasília,	 agrônoma		
		 DF			
	Rosane	 Origem:	 Agricultora	 41 anos,	 Secretária de	
	Berlotti	 Lajeado	 familiar	 casada,	 Comunicação da CUT
		 Grande, SC;	 (sem exercer),	 1 filha	 Nacional e coordena-
		 residia na	 graduada em		 dora de Mulheres da
		 época da	 Ciências		 Fetraf
		 entrevista	 Sociais,		
		 em Floria-	 proprietária		
		 nópolis, SC			
	Zulmira	 Viana, MA	 Agricultora	 40 anos,	 Executiva Nacional
	de Jesus		 familiar	 solteira,	 do MIQCB
	Santos		 posseira,	 4 filhos	
	Mendonça		 quebradeira		
			 de coco-		
			 -babaçu
	Lourdes	 Origem:	 Agricultora	 34 anos,	 Coordenação
	Vicente	 Itapeti, PE;	 familiar	 solteira,	 Nacional do Setor de
		 início da	 (sem exercer),	 sem filhos	 Gênero do MST
		 militância	 assentada		
		 em Xoro-			
		 zinho, CE;			
		 na época da			
		 entrevista,			
		 residia em			
		 São Paulo,			
		 SP
Fonte: Pesquisa direta da autora realizada entre agosto de 2007 e janeiro de 2008.
Todas as informações referem-se ao momento da entrevista (Siliprandi, 2009, p. 29).
31
introdução
Os casos que serão aqui analisados podem ser considerados,
em certa medida, “vitoriosos”, uma vez que estamos centrando o
foco em histórias de mulheres que conseguiram projetar-se social e
politicamente, seja por seu trabalho direto na agricultura ecológica,
seja por sua capacidade de liderança e representação, alcançando
reconhecimento por seus pares nas comunidades, nos movimentos.
Não são, portanto, representativos do conjunto de mulheres que
estão nos movimentos ecológicos e nem expressam necessariamente
uma tendência. Acreditamos, no entanto, que podem elucidar, com
as experiências narradas, várias questões que em geral as mulheres
enfrentam quando se dispõem a atuar politicamente nesse meio.
São mulheres que se mobilizaram politicamente a partir de
sua identidade de trabalhadoras na agricultura, tendo em conta,
portanto, as tarefas que assumiam na divisão sexual de trabalho no
campo e o lugar que ocupavam na estrutura social, na família, na
comunidade. Elas foram se afirmando politicamente, problemati-
zando a própria história, a partir de sua vida cotidiana. Pensaram
em propostas de transformação que abarcassem desde o mundo do
trabalho, as relações com a natureza, os espaços de representação so-
cial e política, até as questões da vida familiar e afetiva. Nesse senti-
do, suas histórias podem ser esclarecedoras sobre como são gestados
novos modos de pensar a sustentabilidade na agricultura a partir de
um olhar feminino que não abre mão de questionar o lugar subor-
dinado ocupado pelas mulheres no modelo em vigor.
Perfil das protagonistas
As mulheres ouvidas ­– onze agricultoras e duas assessoras
técnicas (sendo uma delas ex-agricultora ecológica), todas partici-
pantes ativas de movimentos agroecológicos – tinham, na época da
pesquisa, entre 28 e 54 anos; estavam, na sua maioria, casadas, ou
viviam com um companheiro; quatro delas não eram mães, enquan-
to as demais haviam tido entre um e seis filhos; três delas já eram
avós. Três eram solteiras, uma delas com quatro filhos; e duas esta-
vam separadas e viviam com os filhos.
Das onze agricultoras, cinco eram proprietárias, sozinhas
ou com os maridos/companheiros, da área de terra que ocupavam;
32
mulhereseagroecologia
duas eram posseiras, e quatro eram assentadas em projetos de re-
forma agrária. Algumas, por força dos cargos de representação que
ocupavam, não estavam morando no meio rural, mas mantinham
alguma ligação com a terra (tinham um lote em seu nome ou no
da família, administrado temporariamente por outra pessoa). To-
das eram provenientes de famílias de agricultores e tinham vivido
“na roça” praticamente toda a sua infância, com algumas passagens
pela cidade. Somente duas disseram vir de famílias de médios pro-
prietários que mantinham propriedades mais estruturadas e obti-
nham rendas também de outras atividades (como agroindústrias).
As demais vieram de famílias pobres; algumas relataram ter passado,
em suas famílias de origem, situações graves de privações, principal-
mente de falta de alimentos.
As duas assessoras entrevistadas, ambas agrônomas, viviam
no meio urbano e, na época da pesquisa, trabalhavam em organiza-
ções não governamentais (ONGs) de desenvolvimento rural. Uma
delas foi escolhida por ser a coordenadora do Grupo de Trabalho
(GT) de Gênero da ANA desde sua formação e por ter feito par-
te das articulações das mulheres dentro da rede, desde o início. A
outra foi escolhida por ter participado ativamente do movimento
agroecológico brasileiro desde a década de 1980, na condição de
técnica e de agricultora ecológica, e por fazer parte de uma articula-
ção regional importante na formação da ANA (Rede Ecovida). Seus
nomes foram referendados dentro do GT de Gênero da ANA como
representativos das assessorias às articulações de mulheres na rede.
O objetivo principal da pesquisa foi obter, na fala das próprias
mulheres, a avaliação de como se deu o processo de entrada de cada
uma no movimento agroecológico, os temas que as mobilizaram,
o posicionamento diante das principais questões em disputa nos
movimentos, assim como as percepções pessoais acerca das especi-
ficidades do fato de estarem no papel de liderança, sendo mulheres
e agricultoras. Foram feitas também entrevistas com técnicos de
ONGs, lideranças masculinas dos movimentos e alguns membros
da família (filhos, filhas, maridos ou companheiros), com os quais
foram tratados temas mais gerais que ajudassem a contextualizar as
experiências estudadas.
33
introdução
Tive ainda a oportunidade de acompanhar diversas ações
promovidas pelas organizações que fazem parte da ANA (encontros,
cursos, reuniões de trabalho), entre 2006 e 2008, em especial aque-
las promovidas pelas mulheres. Muitas outras fontes foram consul-
tadas, tais como documentos, projetos, relatórios e depoimentos de
participantes diretos do movimento agroecológico no Brasil – todos
com o objetivo de reconstruir aspectos importantes da formação
dos movimentos e de como se deu a participação das mulheres no
processo.
O contexto atual
Ainda que tenham se passado poucos anos desde a realiza-
ção daquela pesquisa, é importante salientar que algumas mudan-
ças vêm ocorrendo, tanto na forma como a agroecologia tem sido
tratada pelas políticas públicas brasileiras quanto no espaço ocupa-
do pelas mulheres nesse campo político. Em outubro de 2013, por
exemplo, durante a II Conferência Nacional de Desenvolvimento
Rural, a presidenta Dilma Rousseff apresentou publicamente o
Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia (Planapo),
fazendo uma referência explícita ao atendimento de uma reivindica-
ção do movimento de mulheres trabalhadoras rurais, a Marcha das
Margaridas de 2011.6
Esse primeiro Plano para a Agroecologia no
país prevê recursos de 4,4 bilhões de dólares, a serem investidos em
ações de financiamento, extensão rural, pesquisa, comercialização
e infraestrutura voltadas para a transição agroecológica. O Plano
prevê que em todas as chamadas públicas e as contratações a serem
realizadas deve haver uma cota de 50% de mulheres entre os titu-
lares dos contratos e uma cota de 30% de recursos para atividades
específicas indicadas pelas mulheres para os seus projetos; além dis-
so, foi anunciada uma chamada pública para atender organizações
6	 Ver: Dilma lança Brasil Agroecológico, Plano Nacional de Produção
Orgânica e Agroecológica. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/
dilma-lanca-brasilagroecologico-plano-nacional-de-producaoorganica-e-
-agroecologica>. Acesso em: 28 nov. 2013.
34
mulhereseagroecologia
produtivas de mulheres, com recursos significativos para assistência
técnica e extensão rural.
Essas mudanças também podem ser percebidas, por exem-
plo, por uma maior valorização dada às questões das mulheres nos
eventos do campo agroecológico, pela criação de instâncias próprias
de organização de mulheres dentro de movimentos mistos, assim
como pelo aumento no número de publicações dedicadas ao tema
(livros, teses acadêmicas, revistas, boletins, vídeos, cartilhas).7
Por outro lado, assiste-se hoje em dia a um aprofundamento
das lutas políticas dessas mulheres, para além das reivindicações de
maior visibilidade do seu trabalho e melhor atendimento nas polí-
ticas públicas gerais. Aprofundaram-se, por exemplo, as exigências
de implantação de medidas efetivas de prevenção e erradicação da
violência contra as mulheres no campo e na floresta – tema que
ganhou importância com a promulgação da Lei Maria da Penha
em 2006, com forte ressonância entre os movimentos de mulheres
rurais atuantes no país.
Certamente a atuação política dessas e de outras lideranças
rurais femininas, assim como das organizações e movimentos a que
7	 Para citar alguns exemplos: os Encontros Regionais e Nacionais de
Agroecologia, promovidos pela Articulação Nacional de Agroecologia
(ANA); os Congressos Brasileiros e Latino-americanos de Agroecologia,
promovidos pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecolo-
gia) e pela Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (Socla);
os encontros da Rede Ecovida; o Encontro “Diálogos e Convergências
– Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Econo-
mia Solidária e Feminismo” ocorrido em Salvador (2011), entre outros,
que abriram espaços para debates, painéis e oficinas sobre os temas de
gênero e da participação das mulheres; em alguns casos, havendo inclu-
sive a implantação de cotas por gênero entre os delegados e delegadas. A
bibliografia publicada sobre o tema também se ampliou muito no perío-
do, tanto editada por instituições públicas (acadêmicas ou não) como por
ONGs. Fazendo uma rápida busca em sites de vídeos, por exemplo, com
os termos “mulheres+agroecologia” ou “gênero+agroecologia”, encon-
tram-se dezenas de títulos em português e em espanhol, produzidos em
vários países nos últimos anos, mostrando experiências protagonizadas
por mulheres e refletindo sobre essas questões.
35
introdução
elas pertencem, aliada a uma maior sensibilidade às questões de gê-
nero por parte de setores públicos, ajudou a construir essas mu-
danças. Um especial destaque deve ser dado ao GT Mulheres da
ANA na interlocução com o governo federal nesse período, que tem
mantido uma capacidade impressionante de articulação entre os
movimentos de mulheres rurais, que abarcam diferentes categorias
sociais (agricultoras familiares, assentadas, sem-terra, quebradeiras
de coco, ribeirinhas, indígenas, quilombolas), em todo o país.8
8	 Para uma avaliação do processo de diálogo governo versus sociedade civil
ocorrido nos últimos dez anos no Brasil, ver Cintrão e Siliprandi (2011).
Nesse artigo, chama-se a atenção para o importante papel de mediação
entre governo e movimentos exercido pelo Programa de Promoção da
Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (Ppigre), do Ministério do Desen-
volvimento Agrário. Esse diálogo levou ao atendimento, pelo governo
federal, de um conjunto de reivindicações históricas das mulheres rurais,
resultando em alterações de legislação e em mudanças e adequações dos
programas e políticas tendo em vista garantir o seu acesso efetivo aos
benefícios dessas políticas.
Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas
1. MULHERES COMO SUJEITOS POLÍTICOS
da luta ecológica
Feminismo: teoria crítica e movimento social
Célia Amorós e Ana de Miguel, na introdução de sua obra
Teoría feminista: de la Ilustración a la globalización, apresentam o
feminismo como um paradigma, um marco interpretativo, que per-
mite dar visibilidade a aspectos do relacionamento opressivo entre os
homens e as mulheres que de outra forma (em outros paradigmas)
não seriam significativos. Ao mesmo tempo, o feminismo é uma
teoria militante, porque, denunciando vieses ilegítimos que obscu-
recem o conhecimento, pode ser também um instrumento para a
mobilização social, abrindo espaço para que os grupos oprimidos
(no caso, as mulheres) se organizem em prol de mudanças sociais.
E quais seriam os pressupostos do feminismo enquanto teoria
crítica? Fundamentalmente, o reconhecimento de que a realidade
social se estrutura através de um sistema sexo-gênero, cuja expres-
são visível é a dominação das mulheres pelos homens. Tal realidade
não é apenas uma construção sócio-histórica; é também uma ordem
simbólica, através da qual se interpretam as diferenças anatômicas
entre os sexos. Esse sistema é o patriarcado, que toma diferentes for-
mas conforme os períodos históricos vividos. O feminismo parte da
constatação, portanto, de que os sistemas sexo-gênero conhecidos
– os sistemas patriarcais – estruturam as relações hierárquicas entre
os homens e as mulheres no seu conjunto.
A crítica feminista teria como funções, então, denunciar esses
fatos e desenvolver uma teoria reflexiva e emancipatória, capaz, ao
mesmo tempo, de analisar o passado e construir uma utopia para
38
mulhereseagroecologia
o futuro. A teoria é um modo de “fazer ver”, de “jogar luzes” sobre
uma determinada realidade, para examinar aspectos que não seriam
visíveis sob outra perspectiva; e, uma vez que se pretende teoria crí-
tica (não legitimadora da ordem social), tem a obrigação de “irra-
cionalizar conceitos”, ou seja, questionar os sistemas de pensamento
existentes à luz dos pressupostos desses mesmos sistemas, mostran-
do as suas incoerências ou irracionalidades – no caso do feminis-
mo ocidental moderno, mostrando como os construtos sociais têm
impedido as mulheres de realizar o exercício pleno da cidadania;
em outras palavras, revelando como os valores liberais da igualdade,
liberdade e fraternidade se tornaram valores aplicáveis unicamente
aos homens, excluindo-se as mulheres.
Para Francine Descarries, o feminismo enquanto teoria críti-
ca tem a função de “analisar a dimensão sexuada das relações sociais
de hierarquização e de divisão social, assim como as representações
sociais e as práticas que as acompanham, modelam e remodelam”
(Descarries, 2000, p. 36), servindo como um instrumento de des-
vendamento e deslegitimação dos mecanismos de opressão. Que
tipo de “práticas” e “representações”? A divisão sexual do trabalho,
da propriedade, dos bens; a estrita separação entre o âmbito públi-
co, político, e o âmbito doméstico, privado; a análise do que é ou
não permitido às mulheres expressar, desejar, realizar em suas vidas.
Como lembra Raquel Osborne, é preciso que o feminismo revele e
denuncie essas diferentes esferas: mostre, por exemplo, que o domí-
nio público dos direitos pelos homens existe porque repousa sobre
a negação dos mesmos direitos para as mulheres; que o mundo da
produção precisa, para sobreviver, dos serviços da reprodução, que
ficarão a cargo das mulheres, “rainhas da domesticidade”; e assim
por diante (Osborne, 2005, p. 211).
Os processos de afirmação de um projeto emancipatório fe-
minino nunca foram fáceis, exigindo um grande esforço por parte
das mulheres. Célia Amorós e Ana de Miguel (2005, p. 59) falam
da necessidade de criação de uma identidade coletiva como uma das
formas de organizar a percepção e a interpretação do mundo; e,
por isso, os movimentos feministas, assim como outros movimen-
tos sociais, tiveram que criar e tornar visíveis, em seu tempo, novos
39
mulherescomosujeitospolíticos...
“marcos de injustiça”, para permitir que as mulheres passassem a
considerar injusta uma situação que, até então, era dada como na-
tural. Situação semelhante foi vivida pelos movimentos abolicionis-
tas com relação às pessoas escravizadas, por exemplo. No caso das
relações patriarcais, firmemente interiorizadas e apoiadas em modos
de socialização estáveis ao longo do tempo, “a forte coerção estru-
tural em que se desenvolve a vida das mulheres se apresenta para
boa parte delas como a imagem de um comportamento livremente
desejado e escolhido” (Amorós; De Miguel, 2005, p. 61). Por isso,
entender o feminismo é entender que as múltiplas formas em que
se conecta e se reproduz a opressão das mulheres nunca foram evi-
dentes e nem de sentido comum; ao contrário, foram o resultado
visível de intensos processos coletivos de elaboração de novos “mar-
cos de injustiça”. (Amorós; De Miguel, 2005, p. 63)1
O feminismo seria uma invenção do mundo moderno?
Como o conhecemos hoje, sim; para Ana de Miguel, no entanto, o
correto seria dizer que não, mesmo correndo o risco de alguma ge-
neralização conceitual (pelo fato de que nem mesmo o termo femi-
nismo existia antes do século XIX). De um ponto de vista bastante
genérico, a autora usa o termo “feminismo” para designar qualquer
tipo de revolta das mulheres:
Pode-se afirmar que o feminismo existiu sempre, em diferentes sen-
tidos. No sentido mais amplo do termo, sempre que as mulheres,
individual ou coletivamente, se queixaram do seu injusto e amargo
destino sob o patriarcado, e reivindicaram uma situação diferente,
uma vida melhor. (De Miguel, 2002, p. 9)
A autora esclarece: houve, porém, alguns momentos históri-
cos em que as mulheres chegaram a articular, tanto na teoria como
1	 Todas as citações de obras em espanhol são traduções livres da autora.
40
mulhereseagroecologia
na prática, um conjunto coerente de reivindicações e se organizaram
para consegui-las, e só nesses momentos foram reconhecidas como
um movimento social.
O silêncio das ciências sociais com relação a essas aparições
dos movimentos de mulheres nas agendas públicas, enquanto su-
jeitos políticos, assim como com relação à resistência cotidiana de
muitas mulheres às sociedades opressivas, colabora para a impressão
de que sempre houve uma aceitação acrítica generalizada (uma “na-
turalização”) da dominação. Olhando com mais atenção, porém, é
possível ver que, em diversas épocas históricas, existiram articula-
ções não só de mulheres, mas também de homens, comprometidos
com as lutas pela igualdade entre os sexos. Essas articulações muitas
vezes conseguiram criar discursos críticos sobre os mecanismos de
opressão e atuar no sentido de provocar mudanças sociais mais pro-
fundas. Nem sempre foram vencedoras; algumas vezes obtiveram
avanços apenas pontuais; em outras, foram totalmente derrotadas e
reprimidas. Mesmo assim, contribuíram para fomentar a resistência
individual de muitas mulheres em momentos de refluxo dos gran-
des movimentos e para construir os “marcos de injustiça” comenta-
dos anteriormente.
Os sufragismos norte-americano e inglês surgidos em mea-
dos do século XIX, por exemplo, que costumam ser apresentados
como os primeiros feminismos do mundo moderno, foram prece-
didos por outros movimentos, pouco conhecidos ou mesmo igno-
rados, cujo estudo ajuda a entender como se deu a construção do
feminismo ao longo da história, numa interação constante entre as
formulações teóricas e os movimentos sociais (Puleo, 1996, p. 187;
Amorós; De Miguel, 2005, p. 27).
É importante resgatar a capacidade das mulheres, em dife-
rentes épocas históricas, de se constituírem como sujeitos políticos,
engendrando teorias e lutas emancipatórias. Ao longo da história,
pode-se reconhecer a existência de alguns “marcos” dessas lutas,
quando essa atuação foi mais articulada e alcançou maior visibilida-
de social, como o próprio sufragismo, as lutas pelo direito à educação
e ao trabalho remunerado, pelos direitos civis igualitários, pelo livre
41
mulherescomosujeitospolíticos...
exercício da sexualidade, etc.2
Ana de Miguel (2002, p. 10) divide
cronologicamente a história do movimento feminista em três gran-
des períodos: o feminismo pré-moderno, o feminismo moderno e o
feminismo contemporâneo. Os movimentos de mulheres da atuali-
dade são, de alguma forma, herdeiros dessa história.
Os movimentos de mulheres na atualidade
Como reflexo do conjunto das lutas feministas ao longo da
história, o final do século XX assistiu ao começo da assimilação do
feminismo em instituições como universidades, governos, partidos
políticos; legislações foram modificadas, oportunidades foram aber-
tas para que as questões das mulheres se tornassem públicas.
Instituições internacionais começam a ter que dar respostas
às reivindicações das mulheres: em 1975 a Organização das Nações
Unidas (ONU) instituiu a Década da Mulher, na primeira Confe-
rência Mundial da Mulher, no México, e estabeleceu em seu Plano
de Ação que as mulheres fossem tratadas legalmente em situação de
igualdade com os homens em todos os países do mundo. Em 1979,
com a aprovação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as For-
mas de Discriminação contra a Mulher (Convention on the Elimi-
nation of All Form of Discrimination Agaisnt Women (Cedaw)),
criou-se um clima político internacional que estimulava os países
a reverem as suas constituições e aparatos legais, removendo dis-
positivos que representassem empecilhos à igualdade formal entre
homens e mulheres. Muitos países modificaram suas legislações
após esse período e criaram estruturas públicas para a promoção dos
direitos das mulheres.
Nas universidades, avançou-se nas pesquisas sobre gênero,
mulheres e feminismo, formalizando-se cursos e linhas de pesquisa
2	 Ana de Miguel lembra, citando Melucci (1994), que entre um momento
público e outro, longe da inatividade ou inação, sempre existiram resis-
tências e reflexões individuais, avanços pessoais e coletivos, e que todos
os movimentos sociais – incluindo o feminista – se alimentam também
de períodos de aparente “hibernação” (De Miguel, 2002, p. 79).
42
mulhereseagroecologia
que deram status de conhecimento acadêmico ao que até então era
somente uma teorização militante. Paralelamente, entre os movi-
mentos de mulheres, assim como em outros movimentos populares,
surgiram e se consolidaram as ONGs. Essas instituições acabaram
por se constituir como estruturas de apoio e assessoria aos movi-
mentos sociais, e têm até hoje muita importância como mediadores
sociais e formuladores de propostas, no campo das políticas de de-
senvolvimento com enfoque de gênero e também das lutas feministas.
Nos anos 1990, um número crescente de países passou a ado-
tar políticas econômicas neoliberais, e, com elas, ocorreu o recru-
descimento dos problemas de desemprego, pobreza e degradação
ambiental que já se faziam sentir desde o início dos anos 1980.
Nesse período, pressionada por essa realidade e em um contexto de
reorganização das forças políticas mundiais (como a dissolução dos
regimes comunistas no Leste Europeu, por exemplo), a ONU pro-
moveu uma série de conferências dedicadas aos chamados “temas
sociais”.3
Reuniram-se delegações oficiais dos governos dos países,
para firmar compromissos globais, que foram acompanhadas de
Fóruns Paralelos, formados por ONGs e pela chamada “sociedade
civil organizada”. Foram momentos privilegiados de embate entre
diferentes visões de mundo, propostas de reorganização do sistema
de regulação internacional, em um contexto geral de democratiza-
ção pós-Guerra Fria, o que lhes conferia um “clima” de disputa real,
de fórum efetivo de decisões.4
Embora em todas elas as questões das
3	 Além de inúmeros eventos internacionais, foram organizadas as seguintes
conferências: Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimen-
to, Rio de Janeiro, 1992; Direitos Humanos, Viena, 1993; Desenvolvi-
mento e População, Cairo, 1994; Desenvolvimento e Pobreza, Copenha-
gue, 1995; IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, em 1995;
Alimentação, Roma, 1996; Assentamentos Humanos, Istambul, 1996.
4	 Posteriormente setores dos movimentos sociais fizeram críticas a esse pro-
cesso de negociação nos organismos internacionais; por um lado, porque
se mostrou inócuo com relação aos governos nacionais, que não seguiam
necessariamente os acordos assinados; por outro, pela incapacidade do
sistema ONU de fazer cumprir esses acordos. As instituições do sistema
43
mulherescomosujeitospolíticos...
mulheres já estivessem presentes, foi na IV Conferência Mundial
da Mulher, em Pequim, em 1995, que os movimentos feministas
mundiais tiveram a oportunidade de confrontar suas avaliações e
estratégias e estabelecer novas alianças políticas.
Os principais movimentos feministas podiam então ser esque-
maticamente classificados em três grandes correntes: as “da igualdade”;
as “da diferença”; e as “pós-modernas” (incluídas as pós-colonialistas
e multiculturalistas), tendo como principais distinções, respectiva-
mente, a centralidade da luta reivindicatória (igualitaristas); as lutas
identitárias e a afirmação de uma cultura feminina (da diferença); e a
fragmentação do sujeito mulher (pós-modernismo) e a sua diversida-
de (pós-colonialistas e multiculturalistas) (Amorós; De Miguel, 2005,
p. 76). Com relação à participação ou não nos processos de diálogo
e negociação com os governos, dividiam-se em “autonomistas”, que
defendiam a independência total dos movimentos com relação a par-
tidos, estados, governos e instituições internacionais, e “instituciona-
listas”, que defendiam a ocupação dos espaços institucionais (Nobre;
Faria, 2003, p. 623).
O reconhecimento das diferentes formas de opressão que
se entrecruzam formando as identidades das mulheres foi um dos
grandes debates trazidos pelos feminismos “terceiro-mundistas”,
pós-colonialistas, e multiculturalistas dos anos 1990. Essas questões
se juntaram às críticas que já vinham sendo feitas desde os anos
1970 pelas mulheres negras sobre a impossibilidade de, no limite,
universalizar-se a condição feminina como a única forma de opres-
são vivida por todas as mulheres. Como afirmam Célia Amorós e
Ana de Miguel:
Da mesma forma como as contradições entre os homens e as mu-
lheres não podiam subsumir-se nas contradições de classes, nem
ONU vêm progressivamente perdendo importância no cenário interna-
cional para outras instituições multilaterais, tais como o Banco Mundial,
o Fundo Monetário Internacional e mesmo a Organização Mundial do
Comércio, sustentáculos maiores das políticas neoliberais.
44
mulhereseagroecologia
todas as contradições podem ser resolvidas no feminismo. O racis-
mo tem intersecção com o gênero, mas o feminismo sozinho não
acabará com o racismo, nem com o colonialismo, nem com os pro-
blemas das mulheres lesbianas. (Amorós; De Miguel, 2005, p. 82)
Mesmo em processos de articulações de pautas políticas am-
plas, como em Pequim em 1995, foi necessário que os diversos mo-
vimentos estabelecessem novos pactos e estratégias de ação, para que
pudessem aparecer publicamente como um sujeito político coletivo
que incorporasse esse diferente conjunto de reivindicações. Não um
sujeito único, monolítico, mas a articulação de diferentes sujeitos,
organizados em movimentos parciais, que se propunham a iluminar
“facetas” da opressão, e não o todo.
Pode-se dizer que as questões tratadas hoje em dia pelo femi-
nismo, para além das reivindicações de igualdade nos espaços públi-
cos e das questões relativas à esfera privada – família, sexualidade –,
estão, justamente, na imbricação desses diversos processos de opres-
são, na redefinição da existência de uma articulação entre as esferas
do público e do privado, levando em consideração as diferentes for-
mas como os mecanismos de dominação operam em cada situação.
A partir dos anos 2000, parte dos movimentos sociais – en-
tre os quais diversos setores dos movimentos feministas – passou a
apostar em outro tipo de articulação. Em vez dos espaços propostos
pelos organismos multilaterais, formações de redes e eventos hori-
zontais, que permitissem, no lugar da criação de uma única plata-
forma política mundial, estimular a troca de experiência entre os
diferentes movimentos e a articulação de lutas locais e globais. Sur-
giram então os Fóruns Sociais Mundiais, realizados a partir do ano
2001 na cidade de Porto Alegre, no Brasil (e depois de 2004, tam-
bém em outras regiões do mundo). Essa reorientação dos movimen-
tos se deu a partir de uma sequência de processos de mobilização
antiglobalização, no final da década de 1990, entre as quais podem
ser citadas as grandes manifestações em Seattle, em 1999, contra a
Organização Mundial do Comércio. Os movimentos feministas e
de mulheres têm estado presentes em todas essas articulações, em
sua enorme diversidade: “institucionalistas” e “autonomistas”, da
45
mulherescomosujeitospolíticos...
igualdade e da diferença, terceiro-mundistas e pós-modernas, indí-
genas, camponesas, lesbianas, migrantes, sindicalistas, entre tantas
outras categorizações e movimentos organizados.
Embora comparativamente hoje as mulheres dos países oci-
dentais estejam, em termos de direitos civis, em situação infinita-
mente melhor do que se encontravam no início do século XX, ainda
persistem desigualdades flagrantes na comparação da sua situação
com a dos homens, tanto no que diz respeito às condições estrutu-
rais e econômicas, de acesso aos meios físicos para a sua sobrevivên-
cia (ao trabalho, à propriedade, ao poder político), como com rela-
ção à possibilidade de realização de projetos autônomos de vida, por
conta da manutenção de padrões de gênero fortemente excludentes.
A “feminização” da pobreza, a segregação ocupacional, a pequena
presença em espaços de poder, a dupla jornada de trabalho, o tráfico
de mulheres, o recrudescimento da violência de gênero mesmo em
países onde as condições legais e econômicas são relativamente mais
igualitárias são apenas algumas das evidências de como as iniqui-
dades vividas pelas mulheres estão vinculadas a padrões sociais e
culturais sexistas ainda não superados, profundamente arraigados e
constituintes das subjetividades.
Os primeiros ecofeminismos
As conexões entre os movimentos de mulheres e os movi-
mentos ecológicos estão em pauta no Ocidente pelo menos desde
a década de 1960, período em que eclodiram os movimentos da
contracultura na Europa e nos Estados Unidos, questionando não
apenas os grandes modelos políticos e econômicos – capitalismo e
socialismo –, mas o conjunto das instituições sociais, as ideologias,
os valores que regulavam os comportamentos dos indivíduos. As-
sim como se denunciavam as relações opressivas entre os países – o
imperialismo, a política armamentista, as guerras –, politizavam-se
as relações pessoais, colocando-se em evidência os mecanismos de
poder que estavam por trás do racismo, do sexismo e da postura
irresponsável da humanidade para com o meio ambiente, por exem-
plo. Questionava-se um modelo civilizatório.
Nos anos pós-guerra assistiu-se nos países centrais a um pe-
ríodo de crescimento econômico e de bem-estar social simbolizado
46
mulhereseagroecologia
pelo acesso de amplas camadas da população a bens de consumo
duráveis, tais como automóveis e eletrodomésticos. Esse oásis de
otimismo convivia com a sombra da Guerra Fria e da corrida ar-
mamentista e passou a ser ameaçado também pelos sinais da crise
ecológica decorrente do industrialismo e da urbanização: poluição
atmosférica, contaminação da água e dos solos, aparecimento de
novas doenças, desmatamento, destruição de paisagens, desaparição
de espécies.
Um dos primeiros alertas massivos sobre os riscos ambien-
tais e para a saúde humana do uso das tecnologias modernas ha-
via sido feito em 1962 pela bióloga norte-americana Rachel Car-
son, com a publicação do livro Silent spring. Nesse livro, Carson
analisava o caso de um organoclorado, o DDT (diclorodifeniltri-
cloroetano), desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial pa-
ra combater mosquitos, posteriormente utilizado como inseticida
agrícola. Ela relacionou o seu uso ao desaparecimento de espécies
(particularmente pássaros) e ao surgimento de doenças tais como
o câncer. Questionava a lógica de utilização em grande escala de
produtos sintéticos sobre o quais não se tinham informações su-
ficientes, provocando uma reflexão dos movimentos ambientalis-
tas nascentes acerca da necessidade de construção de mecanismos
de regulação pública na área ambiental. Até então, os movimentos
conservacionistas nos Estados Unidos trabalhavam somente com a
ideia de criação de “ilhas de preservação da natureza”.5
As crises de abastecimento do petróleo em escala mundial,
aliadas à ocorrência de desastres ecológicos de grandes proporções
(o derramamento de óleo de grandes cargueiros, a contaminação
por mercúrio em Minamata, entre outros), contribuíram para criar
desconfianças sobre a sustentabilidade de um sistema baseado no
progresso tecnológico, no uso irrestrito dos recursos naturais e em
5	 Sobre as motivações que levaram Carson a publicar esse inquietante livro
e as interpretações do vínculo mulher-natureza no seu trabalho, ver Pal-
mero (2003).
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mulherescomosujeitospolíticos...
pesadas políticas de defesa, cujos riscos o uso bélico da energia nu-
clear tinha deixado evidente.
No final dos anos 1960, diversos movimentos sociais e polí-
ticos se mobilizaram contra esse modelo civilizatório: os estudantes
de maio de 1968, o movimento hippie, os movimentos de direitos
civis nos Estados Unidos, os grupos pacifistas e antienergia nuclear,
as feministas. Seus métodos incluíam grandes ações de massa, ocu-
pações, boicotes, assim como organizações de comunidades alterna-
tivas, entre outras manifestações de sensibilização da opinião públi-
ca e de pressão sobre os governos.
Dentro dos movimentos feministas, esse período correspon-
deu à sua “segunda onda”, na qual se diferenciaram grupos liberais,
radicais e socialistas, que tinham desenvolvido estratégias e prio-
ridades diferentes no enfrentamento das questões de opressão das
mulheres e do conjunto das lutas sociais. Alguns setores do femi-
nismo radical – as ecofeministas – se dedicaram especialmente aos
problemas ecológicos, preocupando-se com a premência da crise
que se avizinhava. Para essas militantes, as causas da crise teriam
que ser buscadas nos pressupostos antropocêntricos e androcêntri-
cos que organizavam as sociedades patriarcais, e somente com a sua
superação poderia ser construída uma sociedade igualitária e não
destruidora (Puleo, 2000, p. 181).
Uma das primeiras interfaces entre ecologismo e feminismo
foi a discussão sobre o aumento populacional e os direitos reprodu-
tivos das mulheres. Enquanto para parte dos ecologistas havia um
consenso sobre a necessidade de diminuir as taxas de crescimento
da população mundial para se adequar à “capacidade de carga” do
planeta, para as ecofeministas a questão era outra: era necessário
modificar as premissas do sistema de produção e consumo, ao mes-
mo tempo que se garantisse o direito de escolha das mulheres com
relação à procriação.
Os argumentos dos chamados neomalthusianos serão de-
nunciados pelas ecofeministas como manipulatórios da opinião pú-
blica e maniqueístas. O direito ao acesso a métodos contraceptivos
era uma reivindicação das mulheres e dos movimentos feministas
pelo menos desde o início do século XX, como forma de exercer
48
mulhereseagroecologia
livremente sua sexualidade sem a obrigatoriedade de terem filhos.6
Porém, da forma como estavam sendo implantadas, essas políticas
não atendiam às demandas das mulheres, porque não respeitavam o
seu poder de decisão.
No centro desse debate aparecerá, como lembra Alicia Puleo,
o primeiro texto em que se defende uma proposta claramente femi-
nista para os problemas ambientais, dando-lhe o nome de “Ecofe-
minismo”. Será o texto Le féminisme ou la mort, da francesa Françoi-
se D’Eaubonne, em 1974 (Puleo, 2004, p. 23; 2005, p. 128).7
Para
D’Eaubonne, o controle da natalidade era apenas parte da equação,
sendo outra o modelo econômico produtivista excludente, domi-
nado pelos homens, que orientava os países industrializados (tanto
capitalistas quanto socialistas) e que estava levando a humanidade
ao colapso, numa clara relação entre superpopulação, devastação da
natureza e dominação masculina (Puleo, 2004, p. 23).
Segundo Alicia Puleo (2000, p. 170), foi a publicação do
livro Is female to male as nature is to culture?, da norte-americana
Sherry Ortner, em 1974, mesmo ano da publicação do livro de
D’Eaubonne, que aproximou o feminismo radical da ecologia. Esse
6	 Ver, por exemplo, as discussões propostas por Emma Goldman, Margaret
Sander e outras feministas que defendiam a contracepção legal nos Es-
tados Unidos em publicações como a revista Mother Earth, que circulou
entre 1906 e 1917.
7	 Propostas feministas e preocupadas com questões ambientais podem
ser encontradas em textos de diversas autoras anteriores ao período aqui
estudado. Alicia Puleo lembra que muitas das sufragistas eram vegetaria-
nas, defensoras dos direitos dos animais e contrárias à vivisseção, temas
que serão caros ao ecofeminismo (Puleo, 2005, p. 126). Entre elas, uma
médica inglesa, Anna Kingsford, se destacou por sua dedicação ao estudo
da teosofia no final do século XIX (http://www.anna-kingsford.com); já
no século XX, podem ser encontrados indícios de “ecofeminismo” nos
textos da sueca Elin Wägner, uma escritora feminista, pacifista e ecolo-
gista, que publicou Alarm clock em 1941 (ver a esse respeito, Leppänen,
2003). No entanto, o termo “ecofeminismo” somente será associado aos
movimentos organizados na Europa e nos Estados Unidos no final dos
anos 1960, após a publicação do texto de D’Eaubonne.
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mulherescomosujeitospolíticos...
livro retomará questões já apontadas por Simone de Beauvoir em
O segundo sexo: o fato de que, de maneira geral, em todas as socieda-
des as mulheres encontram-se subordinadas aos homens, e que essa
situação está relacionada à distinção mantida, nessas sociedades, en-
tre os atributos da natureza e os da cultura.
Considerando natureza e cultura categorias conceituais e re-
lacionais, Ortner afirmará que a distinção entre ambas estará no fato
de que a cultura se estrutura com base no poder de transcendência
sobre as condições naturais para transformá-las segundo os propó-
sitos humanos. Assim a cultura não seria apenas distinta da nature-
za (onde se situariam os atributos da existência natural), mas seria
superior a ela em sua capacidade de transformá-la e transcendê-la
através da simbologia e da tecnologia, construindo assim os proces-
sos de socialização e aculturação.
Nesses processos, as mulheres passam a ser identificadas
como estando mais próximas da natureza do que da cultura, por
conta da sua fisiologia (seu corpo), de seu papel social ligado à ma-
ternidade e por sua estrutura psicológica, dados o seu corpo e o seu
papel social. No entanto, as mulheres são reconhecidas como seres
humanos, participantes “potenciais” da transcendência, e dotadas
de consciência, tendo inclusive a consciência da própria desvalori-
zação. Ao serem as primeiras responsáveis pelos processos de sociali-
zação das crianças, por exemplo, e, portanto, não sendo vistas pura
e simplesmente como parte da natureza, elas seriam consideradas
como mediadoras entre a natureza e a cultura; mas isso, de qualquer
maneira, lhes emprestaria um status inferior. Ortner defendia que,
além de ser necessário que as mulheres participassem mais intensa-
mente do mundo público, os seres humanos deveriam, através da
cultura, valorizar mais as atividades reprodutivas das mulheres, atri-
buindo-lhes outro sentido que não fosse de inferiorização (Ortner,
1979, p. 102).8
8	 Alicia Puleo lembra que posteriormente os estudos de Ortner foram con-
testados por não serem universalizáveis, sendo suas observações válidas
50
mulhereseagroecologia
Como veremos a seguir, as primeiras ecofeministas tomaram
esse texto (e o de Simone de Beauvoir) em outra direção, procede-
ram a um reexame do dualismo natureza/cultura e mulher/homem,
mas deixando de reivindicar o pertencimento das mulheres à cultu-
ra – que será rechaçada como sendo androcêntrica – e afirmando
a superioridade da mulher e da natureza. Será uma tentativa de re-
cuperar a relação mulher-natureza, invertendo os valores que infe-
riorizavam ambas, sustentando a superioridade da natureza sobre a
cultura.9
O ecofeminismo ligou-se também ao pacifismo, chegando a
ter representantes na disputa política institucional. Em 1979, por
exemplo, fundava-se na Alemanha o Partido Verde, tendo à frente
Petra Kelly, uma ativista pacifista, ecologista e feminista, eleita par-
lamentar por diversas legislaturas. Essa militante ecofeminista dedi-
cou a vida a atividades de mobilização social e de denúncia contra a
energia nuclear e o armamentismo, assim como sobre a deterioração
do ambiente e as questões das mulheres.
Na década de 1980, assistiu-se na Europa a poderosas ma-
nifestações pacifistas e antinucleares, muitas delas organizadas por
mulheres, como foi o conhecido caso do acampamento de mulheres
em Grenham Common, na Inglaterra, em 1981. Organizado pelo
grupo Women for Life on Earth, que protestava contra a instala-
ção de mísseis nucleares, o acampamento durou dezenove anos. Até
conseguirem o fechamento das bases militares, as mulheres foram
várias vezes expulsas violentamente do local, processadas e presas.
Foi um movimento de resistência baseado nos princípios da não
apenas para certas culturas ocidentais. Em outras culturas, pode existir
mesmo uma valorização oposta, da natureza em relação à cultura (Puleo,
2000, p. 171).
9	 Esses primeiros ecofeminismos receberão várias críticas, por seu caráter “es-
sencialista” (atribuição às mulheres de certas características derivadas do
simples fato de terem nascido mulheres); de aceitação acrítica dos dualis-
mos combatidos historicamente pelo feminismo; e de “demonização” dos
homens. Essas críticas serão discutidas mais adiante, neste capítulo.
51
mulherescomosujeitospolíticos...
violência que chamou a atenção do mundo todo pelo uso de uma
forte simbologia: as mulheres teceram redes em volta da base mili-
tar, realizaram marchas de vários dias de duração, “abraçaram” as
instalações da base, usando a sua condição de mães como apelo para
lutar em defesa da vida e da paz.
Outros exemplos de manifestações massivas de mulheres em
defesa da natureza vieram dos países do terceiro mundo e ficaram
conhecidos por vincularem a resistência das mulheres ao avanço de
políticas “desenvolvimentistas” com as denúncias da sua margina-
lização na implantação das mesmas. Os exemplos mais conhecidos
foram o Movimento Chipko, na Índia, no início dos anos 1970, e o
Green Belt Moviment, criado no Quênia em 1977.
O Movimento Chipko tornou-se conhecido mundialmen-
te pelo livro Staying alive: women, ecology and survival (no Brasil,
mais difundido em sua versão em espanhol, cujo título é Abrazar
la vida), de Vandana Shiva (1991). Iniciou-se como um movimen-
to das mulheres camponesas da região do Himalaia, no norte da
Índia, que se abraçavam ou atavam-se às árvores para impedir que
fossem cortadas por madeireiras. Os bosques haviam sido entregues
às empresas privadas pelo Serviço Florestal Estatal, e a economia
camponesa dependia deles para a sua sobrevivência. A inspiração
das mulheres vinha dos movimentos de resistência não violenta de
discípulos de Gandhi, e, enquanto faziam vigílias para controlar a
movimentação das empresas, realizavam atividades de reflexão sobre
a sua vinculação, como mulheres, com o meio natural, a partir dos
princípios da cosmologia hindu.10
Nesse processo de enfrentamen-
to encontraram resistência nos próprios maridos, que acreditavam
nas promessas de desenvolvimento e valorizavam o “dinheiro vivo”
obtido pela venda da madeira e os empregos temporários trazidos
pelas empresas.
10	 Mais adiante, neste capítulo, serão comentadas as combinações entre o
espiritualismo hindu e a análise das condições concretas em que se desen-
volveu o Movimento Chipko, feitas por Vandana Shiva no livro citado.
52
mulhereseagroecologia
Após vários anos de trabalhos de conscientização, de mani-
festações e marchas em várias partes do país, o movimento conse-
guiu que as madeireiras paralisassem o corte de árvores. Dessa luta
derivaram várias organizações de camponeses, com ampla partici-
pação de mulheres, que ainda hoje se mobilizam contra as políticas
de desenvolvimento que provocam a deterioração ambiental. Além
disso, participam de redes globais que denunciam as monoculturas,
a destruição das condições de vida de camponeses e pescadores ar-
tesanais por empresas transnacionais, os efeitos danosos dos trans-
gênicos para a biodiversidade e lutam pelo direito de preservação de
sementes nas mãos de camponeses.11
O Green Belt Movement, iniciado em 1977 pela ativista afri-
cana Wangari Maathai, falecida em 2011, também existe até hoje
e é uma ONG que trabalha com grupos de mulheres camponesas
em várias regiões da África, basicamente plantando árvores para
prevenir a erosão dos solos. Seu trabalho é ao mesmo tempo de
conservação ambiental, desenvolvimento comunitário e fortaleci-
mento do protagonismo das mulheres. Em 2004, Maathai recebeu
o Prêmio Nobel da Paz por suas ações em defesa das mulheres e do
meio ambiente. O movimento acompanha milhares de grupos de
base na produção agrícola voltada para a subsistência e desde 1977
já plantou mais de 50 milhões de árvores somente no Quênia. Sua
proposta é que, protegendo o ambiente, essas mulheres tornam-se
especialistas em gestão sustentável de recursos ambientais como
água e solos, em economias solidárias locais e em práticas democrá-
ticas promotoras da paz.12
Verónica García (1999, p. 17) afirma que as mulheres do
terceiro mundo apareceram na discussão política do meio ambiente
11	 Ver a esse respeito Shiva (2003) e (2006), em que ela descreve as lutas
recentes da agricultura camponesa indiana e as formas de resistência que
vêm sendo criadas entre essas organizações (redes de sementes, comercia-
lização e créditos solidários, entre outras).
12	 Informações sobre esta organização podem ser obtidas em: <http://www.
greenbeltmovement.org>. Acesso em: ago. 2014.
53
mulherescomosujeitospolíticos...
basicamente de três formas: como destruidoras do meio ambiente
(visão recorrente entre os que lhes atribuíam uma maior parcela de
culpa na explosão demográfica e pelo uso que faziam de recursos
como água e lenha); como vítimas dos processos de degradação (su-
portando as contaminações, o desmatamento, os impactos da des-
truição); ou, ainda, como administradoras privilegiadas dos recursos,
portadoras de “habilidades e conhecimentos especiais”, que as colo-
caria como agentes sociais mais adequados para gerenciar projetos
de conservação e desenvolvimento.
Esses movimentos de base, assim como outros menos conhe-
cidos ocorridos em diversas regiões da Ásia, da África e da Améri-
ca Latina,13
contribuíram para mostrar que as mulheres do terceiro
mundo – em particular, as camponesas – não eram necessariamente
nem vilãs nem vítimas apáticas da destruição ambiental. Eram tam-
bém ativistas e militantes com propostas de mudança nos modelos
produtivos, construídas a partir de suas condições concretas de so-
brevivência. Essas lutas combinavam a defesa do meio natural com
a demanda de um protagonismo das mulheres nas decisões sobre o
seu território, e contribuíram para enriquecer o conjunto das lutas
feministas, mostrando faces da opressão das mulheres – decorrentes
da forma como as políticas de desenvolvimento as atingiam especi-
ficamente – que não estavam na ordem do dia para as mulheres dos
países desenvolvidos.
A questão de serem ou não as “salvadoras do planeta” per-
maneceu ambígua para os próprios movimentos, pois em certos
13	 Ver, entre outros, os movimentos de mulheres quebradeiras de coco-ba-
baçu, no norte do Brasil; a participação das mulheres nos conflitos dos
seringais, no Acre, também no Brasil, em conjunto com o movimento
liderado por Chico Mendes; as camponesas e indígenas da América Cen-
tral, cujo símbolo mais conhecido foi Rigoberta Menchú, de Guatemala,
ganhadora do Nobel da Paz em 1992; os movimentos camponeses da
Índia e do Paquistão de resistência à construção de grandes barragens
(muitos deles liderados por mulheres); todos iniciados em meados dos
anos 1980.
54
mulhereseagroecologia
contextos chegou a ser um argumento usado para sensibilizar as
autoridades e a opinião pública para o seu reconhecimento como
gerenciadoras confiáveis; porém, em outros, foi rechaçado por re-
tirar a responsabilidade dos governos e das empresas pelo modelo
econômico e político destruidor, que se utilizava da mão de obra de
mulheres pobres para fazer os trabalhos de “recuperação ambiental”
(tais como revitalização de áreas degradadas, retirada do lixo de cór-
regos, reciclagem de materiais, etc.).14
Como veremos a seguir, na década de 1990 a aproximação
dos movimentos de mulheres com as lutas ecológicas se dará tam-
bém em eventos internacionais, como a Conferência Mundial do
Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro,
em 1992 (conhecida como Eco-92), e posteriormente a IV Confe-
rência Mundial da Mulher (Pequim, 1995). Nesses eventos estava
também em jogo a construção da visibilidade das mulheres como
sujeitos políticos, com propostas concretas para influenciar nas mu-
danças das políticas globais. Foram palcos privilegiados em que os
diversos grupos de mulheres de base, urbanas e rurais, integrantes
de governos, acadêmicas, agentes do sistema ONU e feministas em
geral apresentaram propostas, disputaram espaços, mostraram suas
divergências e construíram alianças, contribuindo para que as inter-
faces entre feminismo e ecologia pudessem ser mais bem identifica-
das e reconhecidas.
Mulheres e ecologia nas agendas internacionais
Quando a ONU proclamou a Década da Mulher, em 1975,
no México, na Primeira Conferência da Mulher, o tema da relação
14	 Val Plumwood, ecofeminista australiana, chamará a atenção para essas
posições, criticando os riscos que as mulheres corriam de deixar de ser
os “anjos do lar” para se transformarem em “anjos do ecossistema”, man-
tendo a divisão sexual do trabalho e assumindo, altruisticamente, que
seu papel fosse o de limpar, consertar, arrumar o que os outros haviam
degradado (Puleo, 2007, p. 246).
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mulherescomosujeitospolíticos...
das mulheres com o meio ambiente apenas começava a esboçar-
-se nos espaços de negociação internacional. Estava em discussão a
forma como as mulheres poderiam ou não se incorporar às políticas
de desenvolvimento. A publicação, em 1970, do texto “Women’s
role in economic development”, de Ester Boserup, trouxe à tona a
questão de que as mulheres tinham ficado à margem dos processos
em curso, porque não eram reconhecidas como “agentes econômi-
cos produtivos”, e as atividades reprodutivas que sempre desempe-
nharam permaneciam desprezadas. Se essas questões não fossem
enfrentadas, com o avanço das políticas “desenvolvimentistas”, as
mulheres progressivamente perderiam status e seriam ainda mais
marginalizadas (Deere; León, 2002, p. 152).
O raciocínio era que, se elas tinham ficado à margem do
desenvolvimento, era preciso integrá-las ao processo, para resolver
questões tanto de justiça social como de eficiência econômica no
combate à pobreza, já que as mulheres representavam metade da
população. As propostas colocavam ênfase no incremento do pa-
pel produtivo das mulheres, apoiando projetos que gerassem ren-
da (mediante capacitação, treinamento, crédito), mas levando em
consideração as limitações dadas por seu envolvimento nas ativi-
dades domésticas e de cuidado com os filhos. O desenvolvimento,
em geral, era pensado então como um processo linear e benigno de
crescimento econômico, impulsionado pelo incremento de projetos
produtivos geradores de renda.
Nessa época foi criado, no âmbito das Nações Unidas, o
Instituto Internacional de Pesquisa e Capacitação para as Mulheres
(Instraw),15
dedicado, entre outras atividades, a analisar o papel das
15	 Em inglês: United Nations International Research and Training Institute
for the Advancement of Women, criado em 1976, com sede na Repúbli-
ca Dominicana. Desenvolve pesquisas e atividades de capacitação com o
objetivo de melhorar a participação das mulheres nas políticas de desen-
volvimento. Suas áreas de trabalho são bastante amplas, com ênfase em
metodologias para criação de indicadores de impacto das políticas globais
sobre as condições de vida das mulheres (ver http://www.un-instraw.org).
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mulhereseagroecologia
mulheres na gestão da água e do saneamento ambiental em países da
África, Ásia e América Latina.
A essas políticas de “integração” das mulheres contrapu-
nham-se outras posições, que viam vários problemas na aceitação
acrítica dos paradigmas de modernização que estavam na base das
políticas de desenvolvimento:16
em primeiro lugar, porque somente
o acesso à educação, a empregos ou a tecnologias modernas não
seria suficiente para enfrentar os preconceitos e as iniquidades a que
as mulheres eram submetidas; em segundo lugar, porque essas po-
sições aceitavam a divisão sexual do trabalho como um dado, sem
problematizá-la; e ainda porque essas propostas não davam o devido
valor para o fato de que as mulheres sempre haviam desempenhado
papéis produtivos e reprodutivos ao longo da história; ao não re-
conhecer isso, essas propostas contribuíam para reforçar uma visão
incompleta, desvalorizadora (e, portanto, sexista) do papel das mu-
lheres no desenvolvimento.
Na Terceira Conferência da Mulher, em Nairóbi, em 1985,
já era evidente a desconfiança de certos setores com relação ao en-
foque “integrar as mulheres no desenvolvimento”, cujos resultados
concretos haviam sido poucos: os projetos para mulheres contavam
com recursos escassos; geravam rendas pequenas e marginais; provo-
cavam o aumento da carga de trabalho das mulheres; e reforçavam
funções de gênero estereotipadas (com atividades que eram meras
extensões do papel de esposas e mães), entre outros problemas. Essas
questões eram trazidas principalmente pelas organizações de mulhe-
res e movimentos feministas que participavam do Fórum Paralelo
(espaço de participação da sociedade civil nesse tipo de conferên-
cia), porém exercendo também influência nas discussões oficiais,
formadas por representantes dos governos.
De acordo com Carmen Deere e Magdalena León, foi a for-
te presença de movimentos de mulheres camponesas da Ásia e da
16	 Ver, por exemplo, os textos de Lourdes Benería e Gita Sen, citadas por
Carmen Deere e Magdelena León como porta-vozes dessas posições
(Deere; León, 2002, p. 154).
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mulherescomosujeitospolíticos...
América Latina e de organizações ecofeministas nos espaços de pre-
paração e durante a Conferência de Nairóbi que influenciou para
que surgisse, no âmbito da conferência oficial, um novo enfoque
crítico às questões do desenvolvimento e da sustentabilidade (Deere;
León, 2002, p. 159). Realizou-se durante a conferência uma reu-
nião global e independente sobre “Mulheres e a Crise Ambiental”,
e, posteriormente, em 1987, se estabeleceu no âmbito da ONU um
GT Mulheres para o Desenvolvimento Sustentável (Ramírez, 1999,
p. 180). Do ponto de vista da ONU, o importante era enfatizar o
papel central das mulheres no gerenciamento dos recursos naturais.
Porém, para as ecofeministas, não se tratava simplesmente de inte-
grar as mulheres a um desenvolvimento qualquer, mas de discutir
um novo modelo, que levasse em consideração as propostas dos mo-
vimentos de mulheres.
No sistema ONU, esse novo enfoque passou a se chamar
Mulher, Ambiente e Desenvolvimento, ou ainda Gênero, Ambiente
e Desenvolvimento. Como lembram Carmen Deere e Magdalena
León, do ponto de vista dos movimentos de mulheres, a mudan-
ça para “gênero” foi inicialmente considerada um avanço, porque
permitia colocar em questão o conjunto de valores, comportamen-
tos, atitudes que estavam por trás da desvalorização do trabalho das
mulheres tanto nas atividades produtivas quanto nas reprodutivas.
Tratava-se, portanto, de discutir as relações de poder historicamente
construídas e que tinham marginalizado as mulheres dos espaços de
decisão.
Cabe aqui lembrar que o termo “relações de gênero” foi am-
plamente difundido entre os movimentos de mulheres em todo o
mundo na década de 1980, usado exatamente no sentido de marcar
a necessidade de questionar as relações de poder entre homens e
mulheres, não tomar as diferenças entre os sexos como dados empí-
ricos e imutáveis. Esse conceito havia sido retomado pela historia-
dora norte-americana Joan Scott a partir de uma crítica à noção do
determinismo biológico na estruturação das relações entre mulheres
e homens e destacando o caráter relacional das definições de mas-
culino e feminino. Seu texto mais conhecido, “Gender: a useful ca-
tegory of historical analysis”, foi publicado originalmente em 1986
58
mulhereseagroecologia
em uma revista acadêmica de historiadores e teve enorme impacto
em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde passou a ser divulgado
por várias entidades feministas.17
Em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, as imbricações
entre os temas ecológicos e os movimentos de mulheres apareceram
em uma perspectiva mais complexa. Algumas redes de movimentos
de mulheres que haviam se articulado em Nairóbi permaneceram
organizadas e vieram para o Rio com propostas, fazendo pressão
sobre a conferência oficial (Deere; León, 2002, p. 159). O espaço
de articulação dessas propostas foi o Planeta Fêmea, dentro do Fó-
rum Global: um território específico para discussão das questões das
mulheres.
O Planeta Fêmea foi organizado por um comitê internacio-
nal formado em 1990 em Nova York, com o apoio da Women’s
Environment and Development Organization (Wedo) [Organi-
zação de Mulheres pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento]; em
1991, como preparação para a Eco-92, foi realizado em Miami um
Congresso Mundial de Mulheres por um Planeta Saudável, com a
presença de 1.500 mulheres de várias partes do mundo. Nesse Con-
17	 O texto de Joan Scott é considerado um clássico na discussão sobre gê-
nero, e muitas ONGs brasileiras utilizaram o artigo como material pe-
dagógico, em cursos de formação sobre gênero para homens e mulheres.
Sua principal contribuição foi estabelecer que gênero deveria ser utilizado
como um conceito analítico, não apenas como conceito descritivo (como
fazia, por exemplo, a antropologia). Ademais, Scott definia gênero como
sendo uma das bases das relações de poder (assim como a raça e a classe)
e mostrava que essas relações se estruturavam por meio de símbolos e
representações culturais; de normas e doutrinas; por meio de institui-
ções e organizações sociais; assim como de identidades subjetivas, sendo
essas esferas relativamente independentes umas das outras (Scott, 1990,
p. 18). Disponível em: <http://facultypages.morris.umn.edu/~deanej/
UMM%20Home%20Page/2001/Readings/Gender/Scott_Useful%20
Category.pdf> e <http://epi.univ-paris1.fr/servlet/com.univ.collaboratif.
utils.LectureFichiergw?ID_FICHE=43580&OBJET=0008&ID_FI-
CHIER=118304>. Acesso em: 19 jan. 2015.
Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas
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Mulheres e agroecologia- transformando o campo, as florestas e as pessoas

  • 4. universidade federal do rio de janeiro Reitor Carlos Antônio Levi da Conceição Vice-reitor Antônio José Ledo Alves da Cunha Coordenador do Fórum de Ciência e Cultura Carlos Bernardo Vainer editora ufrj Diretor Michel Misse Diretora adjunta Fernanda Ribeiro Conselho editorial Eduardo Viveiros de Castro Heloisa Buarque de Hollanda Norma Côrtes Renato Lessa Roberto Lent
  • 5. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas Emma Siliprandi Editora UFRJ 2015
  • 6. Copyright © by Emma Siliprandi, 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S583m Siliprandi, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. / Emma Siliprandi. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015. 352 p.; 16 x 23 cm. ISBN: 978-85-7108-400-1 Mulheres no desenvolvimento rural – Brasil. 2. Ecologia agrícola Brasil I. Título. CDD: 305.563 Coordenação editorial Maíra Alves Preparação de originais Rebeca Bolite Revisão Clara Diament Josette Babo Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica Janise Duarte Fotografias de capa e miolo Flavio Condé Fotografias da autora Alicia Alonso Universidade Federal do Rio de Janeiro Fórum de Ciência e Cultura Editora UFRJ Av. Pasteur, 250 CEP: 22290-902 – Praia Vermelha Rio de Janeiro, RJ Tel./Fax: (21) 2542-7646 e 2295-0346 Distribuição: (21) 2541-7946 Livrarias Editora UFRJ Praia Vermelha e CCMN: (21) 2295-4095 http://www.editora.ufrj.br Apoio
  • 7. À minha mãe, Maria Thereza, à minha filha, Clara, e à minha irmã, Maria.
  • 9. SUMÁRIO lista de siglas e abreviaturas 9 prefácio, Beto Novaes 15 APRESENTaÇÃO, Maria Emília Lisboa Pacheco 17 Introdução 23 1. MULHERES COMO SUJEITOS POLÍTICOS da luta ecológica 37 Feminismo: teoria crítica e movimento social 37 Os movimentos de mulheres na atualidade 41 Os primeiros ecofeminismos 45 Mulheres e ecologia nas agendas internacionais 54 Os ecofeminismos em discussão 66 2. A AGROECOLOGIA E O PROTAGONISMO DAS AGRICULTORAS E dos AGRICULTORES 81 Origens e trajetórias 81 Os principais conceitos da agroecologia 88 Entre o agroecossistema e a comunidade camponesa, os espaços das mulheres 94 3. As mulheres no movimento agroecológico Brasileiro 111 Os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais 111 O movimento agroecológico no Brasil 134 As mulheres na Ana 145 4. A construção da militância social 185 As primeiras experiências 185 Trajetórias atravessadas pelas lutas das mulheres 192
  • 10. A vivência das discriminações de gênero, raça e classe 200 O engajamento pessoal 205 As barreiras enfrentadas por serem mulheres 217 A importância das instituições de apoio 221 As pressões mais difíceis: famílias, maridos e filhos 226 O cerne da dominação masculina 238 5. O ENCONTRO COM A AGROECOLOGIA 247 Neneide e Francisca Lourdes e o Grupo de Mulheres Decididas a Vencer 248 Del e o Grupo de Mulheres do Assentamento Dandara dos Palmares 252 Zinalva e o Grupo de Mulheres da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Extrativistas e Pescadores Artesanais (Apepa) 261 Efigênia 270 Inês e Beth 273 Izanete 278 Zulmira, Lourdes, Carmen, Rosane e Maria: a agroecologia como luta política 285 6. OS SIGNIFICADOS DA SUSTENTABILIDADE PARA AS MULHERES 291 O papel da agroecologia em um modelo de desenvolvimento rural baseado na produção familiar 292 A alimentação saudável 305 A saúde das pessoas e do ambiente 312 Ecologismo e feminismo como condição para uma vida melhor 318 CONCLUSÃO 331 Referências 339
  • 11. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AACC Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte ABA Associação Brasileira de Agroecologia Aegre Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia AIMTR Articulação das Instâncias de Mulheres Trabalhado- ras Rurais ANA Articulação Nacional de Agroecologia ANMTR Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária Apepa Associação dos Pequenos Produtores Rurais, Extra- tivistas e Pescadores Artesanais Apta Associação de Programas em Tecnologias Alter- nativas AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos de Tecnologias Alternativas Assesoar Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural Caatinga Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamentais Alternativas CAA-NM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
  • 12. 10 mulhereseagroecologia CAT Centro Agroecológico Tamanduá CAV Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica CEB Comunidade Eclesial de Base Cedaw Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women [Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher] Centro Sabiá Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá Cepagro Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo CEQMTR Comissão Estadual da Questão da Mulher Trabalha- dora Rural do Paraná Cetap Centro de Tecnologias Alternativas Populares CF-8 Centro Feminista 8 de Março Clades Consorcio Latinoamericano de Agroecología y Desarrollo Cloc Coordenadoria Latino-americana das Organizações do Campo Contag Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri- cultura CPT Comissão Pastoral da Terra Cresol Cooperativa de Crédito Rural com Interação Soli- dária CTA-ZM Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata CUT Central Única dos Trabalhadores DAP Declaração de Aptidão ao Pronaf Dawn Development Alternatives with Women for a New Era [Alternativas de Desenvolvimento com as Mu- lheres por uma Nova Era] DCE Diretório Central de Estudantes DNTR Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais
  • 13. 11 listadesiglaseabreviaturas DTT Diclorodifeniltricloroetano EBAAs Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa EFA Escola Família Agrícola EJA Educação de Jovens e Adultos Emater/RS Associação Rio-grandense de Assistência Técnica e Extensão Rural Emprada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ENA Encontro Nacional de Agroecologia EPA Encontro Potiguar de Agroecologia Faeab Federação das Associações dos Engenheiros Agrôno- mos do Brasil FAO Food and Agriculture Organization [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] Fase Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Feab Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil Fetagri Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará Fetraf Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalha- doras na Agricultura Familiar do Brasil Fetrasfesc Federação dos Trabalhadores na Agricultura Fami- liar de Santa Catarina Gard Grupo de Apoio às Realizações para o Desenvolvi- mento GT Grupo de Trabalho GTNA Grupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia GTZ Deustsche Gesellschaft für Technische Zusamme- narbeit Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur- sos Naturais Renováveis Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
  • 14. 12 mulhereseagroecologia Instraw United Nations International Research and Training Institute for the Advancement of Women [Instituto Internacional de Pesquisa e Capacitação para as Mulheres] Isec Instituto de Sociología y Estudios Campesinos da Universidad de Córdoba MAB Movimento dos Atingidos por Barragens Mama Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia MIQCB Movimento Interestadual de Mulheres Quebradei- ras de Coco-Babaçu MMA-SC Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa Catarina MMC Movimento de Mulheres Camponesas MMNEPA Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense MMTR Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais MMTR-NE Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste MPA Movimento dos Pequenos Agricultores MPMP Movimento Popular de Mulheres do Paraná MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NOW National Organization for Women [Organização Nacional de Mulheres dos Estados Unidos] ONG Organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas PJR Pastoral da Juventude Rural Planapo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica Pnater Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural Ppigre Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
  • 15. 13 listadesiglaseabreviaturas Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultu- ra Familiar Proter Programa da Terra Provape Programa de Valorização da Pequena Produção Rural PTA Projeto Tecnologias Alternativas Rede Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas Remera Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Ama- zônia SAFs Sistemas Agroflorestais SOC Sindicato de Obreros del Campo Socla Sociedad Científica Latinoamericana de Agroeco- logía SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia SOF Sempreviva Organização Feminista Sasop Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais STR-Acaiaca Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acaiaca STR-Camamu Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camamu Terra Viva Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da Bahia Wedo Women’s Environment and Development Organi- zation [Organização de Mulheres pelo Meio Am- biente e Desenvolvimento]
  • 17. prefácio Beto Novaes O projeto para a produção deste livro e do videodocumen- tário As sementes, que o acompanha, nasceu de um reencontro com Emma Siliprandi numa oficina que coordenei na Unicamp sobre o uso da imagem na educação. Fomos amigos e companheiros de trabalho durante os anos 1980 na Paraíba, em Campina Grande – ela como estudante de mestrado, eu como professor do Departamento de Economia. De lá para cá, foram poucos os nossos encontros. O reencontro de 2011 foi marcado por atualizações de nossas trajetórias de vida. Falamos sobre a pesquisa voltada para segurança alimentar que Emma desenvolvia na Unicamp e de sua tese de dou- toramento sobre mulheres e agroecologia. Falamos também sobre o projeto Educação através das Imagens, que coordeno no Instituto de Economia da UFRJ, cuja proposta é integrar atividades de ensi- no, pesquisa e extensão na universidade por meio da produção de videodocumentários. Nesse contexto nasceu nossa parceria e o projeto Mulheres Camponesas na Trilha da Agroecologia, que, em 2012, se concre- tizou por meio de um convênio entre o Ministério do Desenvolvi- mento Agrário (MDA) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O apoio do MDA – na época sob a responsabilidade do mi- nistro Pepe Vargas e hoje com o ministro Patrus Ananias à frente – somou-se à preciosa colaboração da Editora UFRJ e da Fundação José Bonifácio, da mesma universidade, ambas fundamentais para o desenvolvimento do trabalho.
  • 18. 16 mulhereseagroecologia Agora, ao terminar esse projeto, após superar obstáculos bu- rocráticos de diferentes ordens, temos dois propósitos: fazer com que o livro e o videodocumentário sejam fontes qualificadas para enriquecer pesquisas acadêmicas e, simultaneamente, que ambos se transformem em instrumentos pedagógicos que suscitem o debate em grupos, redes e movimentos sociais. Sem dúvida, as narrativas e as imagens das mulheres cam- ponesas presentes no livro e no videodocumentário são fortes e convincentes. Elas tanto provocam a reflexão sobre as necessárias mudanças nas desiguais relações de gênero quanto evidenciam as contradições do atual modelo de desenvolvimento na agricultura com suas consequências negativas para a saúde e o meio ambiente. Por outro lado, também vale a pena ouvi-las para conhecer suas conquistas e suas novas apostas na potencialidade da agroecologia no Brasil. Certamente o projeto não teria tido esse desfecho sem a par- ticipação, a dedicação, o compromisso e a solidariedade de Jorge Zimmermann, um dos pioneiros na luta pela agroecologia no Bra- sil. Sua partida, durante a execução do projeto, não permitiu que ele visse finalizado o documentário que ajudou a conceber. A ele, dedicamos este trabalho.
  • 19. Apresentação Maria Emília Lisboa Pacheco1 Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas, de Emma Siliprandi, é uma reflexão engajada com múltiplos e densos sentidos. Expressa um convite para pensar, agir e mudar (pré)conceitos e reorientar a práxis. Esse trabalho teórico com sen- tido militante desperta entusiasmo e impulsiona, especialmente, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como principal ex- pressão do movimento agroecológico no país, a manter o compro- misso político de seguir promovendo a agroecologia articulada à de- fesa dos direitos das mulheres, da igualdade e contra todas as formas de opressão e violência. Tais tarefas são indissociáveis da construção de uma sociedade justa e sustentável. O método de investigação adotado permite-nos acompanhar as “trajetórias atravessadas pelas lutas” em um instigante percurso. A autora trabalha com narrativas. Faz o exercício da escuta e nos mostra a importância do ouvir. Traz à tona os aspectos subjetivos e singulares da história vivida presentes na memória das mulheres. É a experiência social peculiar e temporal, envolvendo o individual, que ganha materialidade sem se perder na memória coletiva. O livro descortina contradições, impasses, lutas, desafios e conquistas na vida cotidiana e nos processos históricos das mulhe- res do campo e das florestas, palmilhando o caminho para o seu 1 Antropóloga, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) – Solidariedade e Educação, integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia e atual presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
  • 20. 18 mulhereseagroecologia reconhecimento como sujeito de direitos. Mostra como as mulheres reinventam a história, revolucionam conceitos e práticas e se nu- trem de esperanças – não a esperança dos que esperam, mas a do verbo esperançar, como nos ensina o grande educador Paulo Freire, com o sentido de se levantar, construir e não desistir! Esperançar como ato de juntar-se e agregar-se em renovadas formas organizati- vas, refazendo o presente e projetando um futuro novo. Emma Siliprandi tem a sabedoria de tomar como referência a história de mulheres de várias regiões, com distintas trajetórias e diferentes formas de inserção social, econômica e política e parti- cipação no movimento agroecológico. Assinala que há percepções distintas em razão das diferentes posições sociais dos sujeitos – as- sessoras e agricultoras – e suas diversas concepções políticas. Simul- taneamente, aborda a construção da memória coletiva ao mostrar o enfrentamento comum da dominação masculina em diferentes contextos. São histórias que se cruzam porque alicerçadas na socie- dade patriarcal. No trajeto teórico, faz com maestria uma retrospectiva his- tórica do movimento feminista, mostrando diferenças conceituais, avanços, conquistas e a relação com outras lutas emancipatórias. Opera com a visão do feminismo como teoria crítica e movimento social, como um paradigma, um marco interpretativo, que permite dar visibilidade às formas de opressão das mulheres, e ao mesmo tempo uma teoria militante instrumento de mobilização social, abrindo espaço para que as mulheres se organizem em direção às mudanças sociais. E, percorrendo esse caminho, Emma Siliprandi mostra as co- nexões entre os movimentos de mulheres e os movimentos ecológi- cos ao longo da história. O investimento teórico da autora traz uma importante contribuição para o debate do movimento agroecoló- gico, especialmente ao dialogar com a corrente do ecofeminismo construtivista de Alice Puleo, que reivindica o legado da igualdade e da autonomia das mulheres, ou seja, um chamado para que não se renuncie às lutas políticas feministas e para que ao mesmo tempo se conserve um forte sentido ecológico. Um feminismo, conforme nos explica Emma, no qual as relações de humanidade com a na-
  • 21. 19 apresentação tureza recuperem o sentido de unidade e continuidade e no qual as propostas não se restrinjam a uma boa gestão dos recursos, como entende o ambientalismo feminista. Um feminismo, enfim, que se assente no princípio da precaução com relação às tecnologias, que valorize o diálogo intercultural. É a partir dessas reflexões que Emma analisa a trajetória da militância das mulheres em seu encon- tro com a agroecologia. O debate atual com enfoque da contribuição da agroecolo- gia para os sistemas agroalimentares, bem como sobre a dimensão política da agroecologia, tem muito a dialogar com a concepção e a prática do feminismo na vertente analítica trabalhada pela autora. Algumas questões novas, e outras nem tão novas, emergem e ga- nham sentido para avançarmos na ligação necessária entre o nível micro da teoria da manutenção e manejo dos agroecossistemas bio- diversificados e seu sentido socioeconômico e o nível macro da ação política nos territórios. Mesmo com novas incursões analíticas sobre a agricultura familiar como forma de produção e modo de vida, com múltiplas identidades, com capacidades de resistência e de inovação, ainda predominam as visões sobre o seu caráter familiar sem levar em conta as formas como se organiza a divisão sexual do trabalho e de poder em seu interior. Ao descrever as dez qualidades da agricultura familiar, Van der Ploeg, um estudioso da agroecologia, inclui entre elas o investimento da força de trabalho que torna o estabelecimen- to um lugar de autoemprego e progresso da família; o caráter cen- tral, para as decisões, do nexo entre a família e o estabelecimento; e a constatação de que coube aos estabelecimentos familiares a tarefa de proporcionar à família agricultora uma parte ou a totalidade de sua renda e dos alimentos consumidos.2 Mas sua análise ignora que o acesso aos recursos produtivos e aos bens simbólicos na agricultura 2 Cf. Ploeg, Jan Douwe van der. Dez qualidades da agricultura familiar. Agriculturas: experiências em agroecologia. Cadernos para Debate, Rio de Janeiro, AS-PTA n. 1, fev. 2014.
  • 22. 20 mulhereseagroecologia familiar é marcado pelas relações de poder entre homens e mulheres, assim como há limites impostos pelos padrões sociais e políticos que impedem as mulheres de interferir no uso desses recursos. As teorias de Chayanov,3 retomadas também para afirmar as peculiaridades da economia camponesa, baseiam-se na visão do equilíbrio ótimo entre consumo e força de trabalho, como constitutiva da estratégia de bem-estar da família, com uma racionalidade específica de gestão dos recursos. No entanto, uma análise baseada na perspectiva femi- nista mostra que quem controla os bens e recursos é que determi- na se o produto do trabalho beneficiará a todos que contribuíram. Em geral, a distribuição é mais igualitária nos sistemas agrícolas nos quais a mulher participa do trabalho no campo, das decisões e da forma de dispor do produto. As relações entre homens e mulheres no âmbito familiar e a forma como a família é constituída e reproduzida são tão importan- tes quanto as relações de classe, quando se trata de explicar as dife- renças sociais do campesinato, assim como a sua reprodução social. O tema da alimentação – sob várias denominações, como segurança alimentar, alimentação saudável, diversificação da pro- dução – figura nas distintas estratégias das mulheres e se relaciona à saúde humana e do meio ambiente. As histórias mostram o seu papel mobilizador: o enfrentamento da desnutrição no assentamen- to dos sem-terra no Nordeste; a importância da diversificação da produção nos sistemas agroextrativistas na Amazônia; o resgate e a valorização da cultura alimentar local no Sudeste; a simbologia da retomada da dignidade camponesa no Sul, expressa na defesa da ali- mentação saudável, são alguns exemplos. A desvalorização histórica das tarefas das mulheres na agricultura voltadas para a alimentação da família e consideradas menos importantes do que as lavouras comerciais vem se transformando e ganhando outro estatuto polí- tico. Uma das manifestações eloquentes do encontro entre a visão 3 Cf. Chayanov, A. V. La organización de la unidad campesina. Buenos Ai- res: Ediciones Nueva Vision, 1974.
  • 23. 21 apresentação feminista e ecológica, como nos diz Alicia Puleo, é o fenômeno de mulheres com reivindicações na luta pela soberania alimentar.4 Precisamos ouvir as mulheres que ousaram desafiar os pa- drões sociais. Conforme nos diz Emma, trata-se de mulheres que vivem a dureza das desigualdades e a crueldade da violência das re- lações sociais de gênero, mas que têm a convicção de que o caminho da luta não tem volta, pois são “mulheres decididas a vencer”, como significativamente se denomina um dos grupos de mulheres desta história. Portadoras de novos sentidos políticos e propostas, as mulhe- res evidenciam, por meio de seus depoimentos, como têm se enga- jado e influenciado de forma efetiva o movimento agroecológico e as políticas de agroecologia. Por isso a palavra-chave é transformar. As mulheres transformam-se, reconfiguram as relações pessoais e fa- miliares e, com a afirmação de sua identidade coletiva e afirmando-se como sujeito político, transformam a construção social da agroeco- logia. No plano nacional, foram outras tantas mulheres como elas que integraram o conjunto de mais de mil mulheres que foram ao III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em maio de 2014, em Juazeiro, na Bahia, representando 50% dos participantes. Por- tadoras de diferentes identidades socioculturais (agricultoras fami- liares, camponesas, extrativistas, indígenas, quilombolas, pescadoras artesanais, ribeirinhas, faxinalenses, agricultoras urbanas, geraizei- ras, sertanejas, vazanteiras, quebradeiras de coco, caatingueiras, cria- doras em fundos de pasto, seringueiras) viajaram de várias regiões do país para mostrar suas concepções e práticas de “cuidar da terra, alimentar a saúde e cultivar o futuro”, lema do ENA. Propuseram avançar na construção social da agroecologia com a consigna “sem feminismo não há agroecologia”. 4 Cf. Puleo, Alice. Ecofeminismo: la perspectiva de género en la conciencia ecologista. Disponível em: <http://www.ecopolitica.org/cofeminismo-la- -perspectiva-de-genero-en-la-conciencia-ecologista>. Acesso em: 10 jan. 2015.
  • 24. 22 mulhereseagroecologia Essas mulheres comemoraram a conquista da definição de 50% do público e 30% de recursos para as atividades realizadas com mulheres no âmbito dos projetos públicos de Assistência Téc- nica e Extensão Rural com abordagem agroecológica. Travou-se um processo intenso de debate e mobilização no interior da ANA, com fortes resistências iniciais por parte de alguns assessores. A superação dos impasses e o diálogo com setores do governo, com destaque para o apoio imediato da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), garantiram a in- clusão dessas cláusulas nos Termos de Referência. A Carta política do III ENA5 reconhece que, fortalecidas nos processos de auto-organização e atuando em diver- sos movimentos e redes, as mulheres reunidas no III ENA reafir- mam o lema “sem feminismo não há agroecologia” por compreen- derem que a construção da agroecologia prima por uma visão ética de justiça social e ambiental que pressupõe o compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados e da gestão da produção, uma vida sem violência, regida pelo respeito e pela igualdade. Isso im- plica a garantia do direito das mulheres à plena participação na vida social e política em suas comunidades, bem como a garantia de seu acesso à terra, à água, às sementes e às condições de produção e comercialização com autonomia e liberdade. Esse momento representou inegavelmente um marco históri- co na ANA, com as mulheres transformando o campo, as florestas, as pessoas e construindo a agroecologia. O livro de Emma Siliprandi é parte dessa história. 5 Disponível em: <http://www.agroecologia.org.br/index;php/publicacoes /publicacoes-da-ana/publicacoes-da-ana/carta-politica-do-terceiro-ena/ detail>. Acesso em: jan. 2015.
  • 25. Introdução Prelúdio No dia 8 de março de 2006, em Barra do Ribeiro, Rio Gran- de do Sul, uma poderosa ação direta, de cerca de duas mil mulheres agricultoras organizadas pelo Movimento de Mulheres Campone- sas (MMC) e por outros movimentos vinculados à Via Campesi- na, destruiu laboratórios de produção de mudas de eucaliptos da empresa transnacional de origem norueguesa Aracruz Celulose. A ação foi concomitante à realização, em Porto Alegre, da Conferên- cia Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, patrocinada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (Food and Agriculture Organization – FAO), que reuniu delegações de centenas de países para discutir políticas para o campo. A mobilização tinha o objetivo de denunciar as consequên- cias sociais e ambientais do avanço do “deserto verde” criado pelo monocultivo de eucaliptos e outras espécies florestais e a expulsão violenta de indígenas e camponeses de terras reivindicadas pela Ara- cruz, ocorrida no início daquele ano, no estado do Espírito Santo. As mulheres camponesas afirmavam, na época, que sua luta era con- tra o deserto verde, pela preservação da biodiversidade, dos solos e dos rios, chamando também a atenção para os efeitos da contamina- ção trazida por essas fábricas sobre a saúde humana, o ar e as águas.1 1 “O que não foi divulgado do caso Aracruz.” Panfleto produzido pelo MMC. S/d., s/l. Disponível em: <http://www.biodiversidadla.org/Por-
  • 26. 24 mulhereseagroecologia A ação foi definida por elas como uma manifestação contra o “agronegócio” e em defesa de “outro projeto de agricultura campo- nesa”, que respeite a natureza, produza alimentos para o autossus- tento, conserve a biodiversidade e promova a soberania alimentar. Como resultado dessa ocupação, muitas lideranças femininas foram processadas judicialmente e tiveram prisão decretada, assim como alguns líderes (homens) da organização Via Campesina, em uma tentativa de criminalização daquele movimento social. Houve protestos de norte a sul do país, amplificados pelos meios de comunicação, contra essa manifestação promovida pelas mulheres camponesas, considerada violenta, porque atentaria con- tra a propriedade privada, o avanço da ciência e o direito “legítimo” de uma empresa de utilizar os recursos ambientais na obtenção pri- vada de lucros. Em muitos casos, foram levantadas suspeitas sobre “quem estaria por trás das mulheres”, numa atitude de deslegitima- ção do seu direito de atuar politicamente e de reforço à visão de que as mulheres seriam seres fragilizados, sem ideias próprias, alvos de manipulações por parte de homens. Como o dia escolhido foi o Dia Internacional da Mulher, colocou-se também que aquela não seria uma atitude condizente com as lutas históricas das mulheres, pois o que elas questionavam não era especificamente um “assunto de mulheres”, mas uma proposta estratégica de desenvolvimento rural. A inquietação causada pelo fato de a ação ter sido realizada por mulheres camponesas fez com que os apoios que elas recebessem fossem relativamente tímidos, tanto por parte de organizações cam- ponesas como de movimentos ambientalistas, tendo ficado restritos praticamente à solidariedade das próprias organizações feministas e de mulheres. O exemplo é emblemático e revelador dos impactos que uma ação política de mulheres pode vir a ter para o debate ambiental e tada_Principal/Documentos/Soberania_sim_deserto_verde_nao_._O_ que_nao_foi_divulgado_do_caso_Aracruz>. Acesso em: 21 jan. 2015.
  • 27. 25 introdução para a transformação do imaginário social, no que se refere ao seu aparecimento como sujeitos políticos. Este livro é centrado no estudo das trajetórias de vida de mu- lheres agricultoras que, tal como aquelas lideranças da Via Campesi- na, participam ativamente de movimentos agroecológicos no Brasil. As mulheres escolhidas fazem parte de organizações sociais e movi- mentos que hoje se estruturam em torno de uma rede de entidades e de pessoas, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).2 Essas mulheres são atualmente protagonistas de mudanças sociais impor- tantes no campo brasileiro. Nem sempre sua ação assume caráter espetacular, como no caso da ocupação dos laboratórios da Aracruz. Muitas vezes é um “trabalho de formiguinha”, como elas mesmas dizem, promovendo a produção ecológica em nível local e comu- nitário. Sua participação, no entanto, tem feito diferença dentro e fora da ANA, dando visibilidade à existência de um olhar feminino (e feminista) sobre as propostas de gestão ambiental que vêm sendo elaboradas e experimentadas pelos movimentos sociais rurais, em uma perspectiva emancipatória para as mulheres. Meu interesse no tema vem da experiência de trabalho como engenheira-agrônoma e pesquisadora social, dos vários anos asses- sorando movimentos sociais no campo, assim como da participação direta da elaboração e da implantação de políticas públicas para o setor. Pessoalmente identificada com o feminismo e com a luta das mulheres, acompanho, com particular interesse, a trajetória dessas agricultoras. Seja disputando espaços com os homens dentro das organizações, seja se organizando de forma autônoma, em movi- mentos próprios, essas mulheres têm o papel de lideranças sociais e políticas, questionando muitos preconceitos presentes no imagi- nário social – como o de que as agricultoras são sempre submissas, 2 A agroecologia, que será apresentada em detalhes no decorrer do livro, pode ser entendida como um conjunto de conhecimentos voltados à construção de uma agricultura sustentável, que atenda simultaneamente a critérios sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.
  • 28. 26 mulhereseagroecologia ou de que as propostas do feminismo não têm nada a dizer aos movimentos rurais. Ao se organizarem e se colocarem na cena pública, essas mu- lheres refazem a própria história e a dos movimentos a que perten- cem, ao mesmo tempo que vão se construindo como novos sujei- tos, reconfigurando as relações pessoais e familiares e reelaborando o discurso desses movimentos. Tanto no campo das discussões das mulheres quanto no dos movimentos agroecológicos, incorporam- -se novas questões, que expressam o aparecimento desses novos su- jeitos. Essas mulheres, com os seus movimentos e organizações, por- tanto, estão transformando o campo, a floresta e também as pessoas com quem se relacionam. Por que tomar a ANA como referência? A Articulação Nacional de Agroecologia é uma rede da socie- dade civil brasileira, criada em 2002, que congrega diferentes ins- tituições de técnicos e agricultores, assim como representantes de movimentos sociais (sindicais, de luta pela terra, de consumidores, de mulheres, entre outros) de todas as regiões do país, que se pro- põem a promover a agroecologia como um componente estratégico do desenvolvimento rural sustentável e democrático.3 A ANA foi o resultado de um processo de aproximação dos diversos movimentos brasileiros que já atuavam na área havia muitos anos. Desde seu do- cumento de fundação (Carta política), a ANA, que se define como uma rede autogestionária, declara que “a igualdade das relações en- tre homens e mulheres é condição essencial para o alcance da sus- tentabilidade da produção agroecológica familiar”;4 também propõe que as políticas públicas de sustentação à agroecologia contemplem as demandas específicas das mulheres. 3 Conforme o I Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA). Carta política do I ENA, 2002. Disponível em: <http://alainet.org/es/node/106295>. Acesso em: 21 jan. 2015. 4 Ibid.
  • 29. 27 introdução A agroecologia é um movimento relativamente novo no Bra- sil, e há estudos que mostram que, muitas vezes, são as mulheres quem iniciam a “conversão” da propriedade para sistemas sustentá- veis, por estarem mais envolvidas com as propostas que tratam da saúde e da alimentação das famílias. Porém, em função da forma como se organizam as relações de produção e as relações familiares nesse tipo de agricultura, é comum que, quando o empreendimento comece a ter resultados positivos, o comando das atividades volte para as mãos dos homens. Esse processo faz com que as contribuições das mulheres à construção da agroecologia não sejam reconhecidas na maioria das vezes, o que é agravado pelo fato de que, em muitas das organiza- ções que tratam desses temas, a presença feminina seja visivelmente minoritária. Constata-se, portanto, que também no campo agroe- cológico persiste uma invisibilidade sobre as questões das mulheres, tal como ocorre na agricultura familiar em geral. Sua participação não é valorizada, e as suas reivindicações específicas acabam ocu- pando um espaço marginal, ou mesmo não sendo contempladas nas pautas políticas dessas organizações. Desde o I Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), ocor- rido no Rio de Janeiro em 2002, as mulheres agricultoras e as téc- nicas que as assessoram atuam de forma questionadora nos espaços da rede, procurando ampliar sua participação nos eventos, influen- ciar as estratégias de atuação e a definição das pautas políticas. As mulheres envolvidas em tais processos organizativos e que estão se constituindo como lideranças vêm trazendo novas questões para es- ses movimentos: questões que combinam sua perspectiva sobre a problemática ambiental com discursos (e ações práticas) que reivin- dicam maior autonomia para as mulheres. Considero que a ANA reflete o que há de mais atuante e organizado no movimento socioagroecológico do país. No entanto, meu interesse não é a análise da ANA enquanto rede, pois o intuito não é fazer uma abordagem institucional. O foco será colocado nas pessoas que ali atuam, sobretudo nas mulheres; interessa ver como utilizam tal rede de interações sociais como palco onde atuam poli- ticamente e expressam seus valores e modos de vida.
  • 30. 28 mulhereseagroecologia Como foi feita a pesquisa5 O material básico da pesquisa foram entrevistas em profun- didade realizadas entre 2007 e 2008 com treze mulheres lideranças do movimento agroecológico brasileiro, escolhidas por meio dos se- guintes critérios: em primeiro lugar, deveriam participar ativamen- te dos eventos da ANA (encontros nacionais ou regionais, cursos, capacitações, campanhas, mobilizações), assim como das estruturas organizativas da rede (organizações de base, grupos de trabalho, ani- mações regionais, coordenação nacional); ser de diferentes regiões do país, assim como de distintos movimentos sociais rurais. Quadro 1. Informações gerais sobre as entrevistadas nome município/ ocupação idade/ vínculo com uf estado civil/ movimentos filhos sociais Francisca Mossoró, Agicultora 34 anos, Grupo de Mulheres Eliane de RN familiar separada, do Assentamento Lima Viana assentada 3 filhos, Mulunguzinho, (Neneide) 1 neta Comissão das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Oeste Potiguar, Rede Xiquexique, Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Marcha Mundial das Mulheres Francisca Mossoró, Agricultora 54 anos, Grupo de Mulheres Lourdes RN familiar casada, do Assentamento da Silva assentada 6 filhos, Mulunguzinho, (Neguinha) 4 netos Marcha Mundial das Mulheres Efigênia Acaiaca, Agricultora 28 anos, Presidente do STR- Tereza MG familiar, casada, -Acaiaca; presidente do Marco graduada em sem filhos CTA-ZM; Conselhos: Magistério da EFA Paulo Freire; Superior, Municipais da 5 Este livro é uma adaptação de minha tese de doutorado, defendida em 2009 no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (Siliprandi, 2009). A tese foi orientada pelas professoras Laura Duarte (UnB) e Alicia Puleo (Universidade de Valladolid), a quem sou muito grata. Continua ž proprietária Criança e do Adolescen- te; e da Assistência
  • 31. 29 introdução nome município/ ocupação idade/ vínculo com uf estado civil/ movimentos filhos sociais Social; Comissão Regio- nal de Mulheres Traba- lhadoras Rurais Elizabeth Origem: Engenheira- 40 anos, Técnica do CTA-ZM; Cardoso Rio de -agrônoma solteira, coordenação do GT Janeiro; sem filhos Gênero da ANA residia na época da entrevista em Viçosa, MG Maria Camamu, Agricultora 39 anos, Grupo de Mulheres do Andrelice BA familiar casada, Assentamento Dandara Silva dos assentada 3 filhos dos Palmares; vice- Santos (Del) -presidente da Associa- ção do assentamento; Conselho Fiscal do STR-Camamu; presi- dente do Conselho da EFA Camamu; coorde- nadora da Pastoral da Criança Izante Ibiçá, RS Agricultora 42 anos, Coordenação Chaves familiar, casada, estadual do MMC-RS proprietária 3 filhos Zinalva São Agricultora 39 anos, Grupo de Mulheres Freitas Domingos familiar casada, de Monte Sião; do Capim, ribeirinha, 5 filhos, vice-presidente da PA proprietária 1 neta Apepa Inês Origem: Engenheira- 44 anos, Técnica do Cepagro, Claudete RS; sua -agrônoma, separada, integrante do GT Burg experiência pedagoga, 2 filhos Gênero da Rede como agri- ex-agricultora Ecovida cultora eco- ecológica lógica se deu no oeste paranaense; residia na época da entrevista em Floria- nópolis, SC Carmem Origem: Agricultora 41 anos, Vice-presidente da CUT Foro Igarapé- familiar separada, Nacional e coordena- -mirim, PA; ribeirinha 4 filhos dora da Comissão Continua ž
  • 32. 30 mulhereseagroecologia nome município/ ocupação idade/ vínculo com uf estado civil/ movimentos filhos sociais residia, na (sem exercer), Nacional de Mulheres época da posseira da Contag entrevista, em Brasília, DF Maria José Origem: Agricultora 35 anos, Coordenadora da Costa Picos, PI, familiar casada, Nacional do MPA residia, na (sem exercer), sem filhos época da proprietária, entrevista, engenheira- em Brasília, agrônoma DF Rosane Origem: Agricultora 41 anos, Secretária de Berlotti Lajeado familiar casada, Comunicação da CUT Grande, SC; (sem exercer), 1 filha Nacional e coordena- residia na graduada em dora de Mulheres da época da Ciências Fetraf entrevista Sociais, em Floria- proprietária nópolis, SC Zulmira Viana, MA Agricultora 40 anos, Executiva Nacional de Jesus familiar solteira, do MIQCB Santos posseira, 4 filhos Mendonça quebradeira de coco- -babaçu Lourdes Origem: Agricultora 34 anos, Coordenação Vicente Itapeti, PE; familiar solteira, Nacional do Setor de início da (sem exercer), sem filhos Gênero do MST militância assentada em Xoro- zinho, CE; na época da entrevista, residia em São Paulo, SP Fonte: Pesquisa direta da autora realizada entre agosto de 2007 e janeiro de 2008. Todas as informações referem-se ao momento da entrevista (Siliprandi, 2009, p. 29).
  • 33. 31 introdução Os casos que serão aqui analisados podem ser considerados, em certa medida, “vitoriosos”, uma vez que estamos centrando o foco em histórias de mulheres que conseguiram projetar-se social e politicamente, seja por seu trabalho direto na agricultura ecológica, seja por sua capacidade de liderança e representação, alcançando reconhecimento por seus pares nas comunidades, nos movimentos. Não são, portanto, representativos do conjunto de mulheres que estão nos movimentos ecológicos e nem expressam necessariamente uma tendência. Acreditamos, no entanto, que podem elucidar, com as experiências narradas, várias questões que em geral as mulheres enfrentam quando se dispõem a atuar politicamente nesse meio. São mulheres que se mobilizaram politicamente a partir de sua identidade de trabalhadoras na agricultura, tendo em conta, portanto, as tarefas que assumiam na divisão sexual de trabalho no campo e o lugar que ocupavam na estrutura social, na família, na comunidade. Elas foram se afirmando politicamente, problemati- zando a própria história, a partir de sua vida cotidiana. Pensaram em propostas de transformação que abarcassem desde o mundo do trabalho, as relações com a natureza, os espaços de representação so- cial e política, até as questões da vida familiar e afetiva. Nesse senti- do, suas histórias podem ser esclarecedoras sobre como são gestados novos modos de pensar a sustentabilidade na agricultura a partir de um olhar feminino que não abre mão de questionar o lugar subor- dinado ocupado pelas mulheres no modelo em vigor. Perfil das protagonistas As mulheres ouvidas ­– onze agricultoras e duas assessoras técnicas (sendo uma delas ex-agricultora ecológica), todas partici- pantes ativas de movimentos agroecológicos – tinham, na época da pesquisa, entre 28 e 54 anos; estavam, na sua maioria, casadas, ou viviam com um companheiro; quatro delas não eram mães, enquan- to as demais haviam tido entre um e seis filhos; três delas já eram avós. Três eram solteiras, uma delas com quatro filhos; e duas esta- vam separadas e viviam com os filhos. Das onze agricultoras, cinco eram proprietárias, sozinhas ou com os maridos/companheiros, da área de terra que ocupavam;
  • 34. 32 mulhereseagroecologia duas eram posseiras, e quatro eram assentadas em projetos de re- forma agrária. Algumas, por força dos cargos de representação que ocupavam, não estavam morando no meio rural, mas mantinham alguma ligação com a terra (tinham um lote em seu nome ou no da família, administrado temporariamente por outra pessoa). To- das eram provenientes de famílias de agricultores e tinham vivido “na roça” praticamente toda a sua infância, com algumas passagens pela cidade. Somente duas disseram vir de famílias de médios pro- prietários que mantinham propriedades mais estruturadas e obti- nham rendas também de outras atividades (como agroindústrias). As demais vieram de famílias pobres; algumas relataram ter passado, em suas famílias de origem, situações graves de privações, principal- mente de falta de alimentos. As duas assessoras entrevistadas, ambas agrônomas, viviam no meio urbano e, na época da pesquisa, trabalhavam em organiza- ções não governamentais (ONGs) de desenvolvimento rural. Uma delas foi escolhida por ser a coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Gênero da ANA desde sua formação e por ter feito par- te das articulações das mulheres dentro da rede, desde o início. A outra foi escolhida por ter participado ativamente do movimento agroecológico brasileiro desde a década de 1980, na condição de técnica e de agricultora ecológica, e por fazer parte de uma articula- ção regional importante na formação da ANA (Rede Ecovida). Seus nomes foram referendados dentro do GT de Gênero da ANA como representativos das assessorias às articulações de mulheres na rede. O objetivo principal da pesquisa foi obter, na fala das próprias mulheres, a avaliação de como se deu o processo de entrada de cada uma no movimento agroecológico, os temas que as mobilizaram, o posicionamento diante das principais questões em disputa nos movimentos, assim como as percepções pessoais acerca das especi- ficidades do fato de estarem no papel de liderança, sendo mulheres e agricultoras. Foram feitas também entrevistas com técnicos de ONGs, lideranças masculinas dos movimentos e alguns membros da família (filhos, filhas, maridos ou companheiros), com os quais foram tratados temas mais gerais que ajudassem a contextualizar as experiências estudadas.
  • 35. 33 introdução Tive ainda a oportunidade de acompanhar diversas ações promovidas pelas organizações que fazem parte da ANA (encontros, cursos, reuniões de trabalho), entre 2006 e 2008, em especial aque- las promovidas pelas mulheres. Muitas outras fontes foram consul- tadas, tais como documentos, projetos, relatórios e depoimentos de participantes diretos do movimento agroecológico no Brasil – todos com o objetivo de reconstruir aspectos importantes da formação dos movimentos e de como se deu a participação das mulheres no processo. O contexto atual Ainda que tenham se passado poucos anos desde a realiza- ção daquela pesquisa, é importante salientar que algumas mudan- ças vêm ocorrendo, tanto na forma como a agroecologia tem sido tratada pelas políticas públicas brasileiras quanto no espaço ocupa- do pelas mulheres nesse campo político. Em outubro de 2013, por exemplo, durante a II Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural, a presidenta Dilma Rousseff apresentou publicamente o Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia (Planapo), fazendo uma referência explícita ao atendimento de uma reivindica- ção do movimento de mulheres trabalhadoras rurais, a Marcha das Margaridas de 2011.6 Esse primeiro Plano para a Agroecologia no país prevê recursos de 4,4 bilhões de dólares, a serem investidos em ações de financiamento, extensão rural, pesquisa, comercialização e infraestrutura voltadas para a transição agroecológica. O Plano prevê que em todas as chamadas públicas e as contratações a serem realizadas deve haver uma cota de 50% de mulheres entre os titu- lares dos contratos e uma cota de 30% de recursos para atividades específicas indicadas pelas mulheres para os seus projetos; além dis- so, foi anunciada uma chamada pública para atender organizações 6 Ver: Dilma lança Brasil Agroecológico, Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecológica. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/ dilma-lanca-brasilagroecologico-plano-nacional-de-producaoorganica-e- -agroecologica>. Acesso em: 28 nov. 2013.
  • 36. 34 mulhereseagroecologia produtivas de mulheres, com recursos significativos para assistência técnica e extensão rural. Essas mudanças também podem ser percebidas, por exem- plo, por uma maior valorização dada às questões das mulheres nos eventos do campo agroecológico, pela criação de instâncias próprias de organização de mulheres dentro de movimentos mistos, assim como pelo aumento no número de publicações dedicadas ao tema (livros, teses acadêmicas, revistas, boletins, vídeos, cartilhas).7 Por outro lado, assiste-se hoje em dia a um aprofundamento das lutas políticas dessas mulheres, para além das reivindicações de maior visibilidade do seu trabalho e melhor atendimento nas polí- ticas públicas gerais. Aprofundaram-se, por exemplo, as exigências de implantação de medidas efetivas de prevenção e erradicação da violência contra as mulheres no campo e na floresta – tema que ganhou importância com a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006, com forte ressonância entre os movimentos de mulheres rurais atuantes no país. Certamente a atuação política dessas e de outras lideranças rurais femininas, assim como das organizações e movimentos a que 7 Para citar alguns exemplos: os Encontros Regionais e Nacionais de Agroecologia, promovidos pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); os Congressos Brasileiros e Latino-americanos de Agroecologia, promovidos pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecolo- gia) e pela Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (Socla); os encontros da Rede Ecovida; o Encontro “Diálogos e Convergências – Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Econo- mia Solidária e Feminismo” ocorrido em Salvador (2011), entre outros, que abriram espaços para debates, painéis e oficinas sobre os temas de gênero e da participação das mulheres; em alguns casos, havendo inclu- sive a implantação de cotas por gênero entre os delegados e delegadas. A bibliografia publicada sobre o tema também se ampliou muito no perío- do, tanto editada por instituições públicas (acadêmicas ou não) como por ONGs. Fazendo uma rápida busca em sites de vídeos, por exemplo, com os termos “mulheres+agroecologia” ou “gênero+agroecologia”, encon- tram-se dezenas de títulos em português e em espanhol, produzidos em vários países nos últimos anos, mostrando experiências protagonizadas por mulheres e refletindo sobre essas questões.
  • 37. 35 introdução elas pertencem, aliada a uma maior sensibilidade às questões de gê- nero por parte de setores públicos, ajudou a construir essas mu- danças. Um especial destaque deve ser dado ao GT Mulheres da ANA na interlocução com o governo federal nesse período, que tem mantido uma capacidade impressionante de articulação entre os movimentos de mulheres rurais, que abarcam diferentes categorias sociais (agricultoras familiares, assentadas, sem-terra, quebradeiras de coco, ribeirinhas, indígenas, quilombolas), em todo o país.8 8 Para uma avaliação do processo de diálogo governo versus sociedade civil ocorrido nos últimos dez anos no Brasil, ver Cintrão e Siliprandi (2011). Nesse artigo, chama-se a atenção para o importante papel de mediação entre governo e movimentos exercido pelo Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (Ppigre), do Ministério do Desen- volvimento Agrário. Esse diálogo levou ao atendimento, pelo governo federal, de um conjunto de reivindicações históricas das mulheres rurais, resultando em alterações de legislação e em mudanças e adequações dos programas e políticas tendo em vista garantir o seu acesso efetivo aos benefícios dessas políticas.
  • 39. 1. MULHERES COMO SUJEITOS POLÍTICOS da luta ecológica Feminismo: teoria crítica e movimento social Célia Amorós e Ana de Miguel, na introdução de sua obra Teoría feminista: de la Ilustración a la globalización, apresentam o feminismo como um paradigma, um marco interpretativo, que per- mite dar visibilidade a aspectos do relacionamento opressivo entre os homens e as mulheres que de outra forma (em outros paradigmas) não seriam significativos. Ao mesmo tempo, o feminismo é uma teoria militante, porque, denunciando vieses ilegítimos que obscu- recem o conhecimento, pode ser também um instrumento para a mobilização social, abrindo espaço para que os grupos oprimidos (no caso, as mulheres) se organizem em prol de mudanças sociais. E quais seriam os pressupostos do feminismo enquanto teoria crítica? Fundamentalmente, o reconhecimento de que a realidade social se estrutura através de um sistema sexo-gênero, cuja expres- são visível é a dominação das mulheres pelos homens. Tal realidade não é apenas uma construção sócio-histórica; é também uma ordem simbólica, através da qual se interpretam as diferenças anatômicas entre os sexos. Esse sistema é o patriarcado, que toma diferentes for- mas conforme os períodos históricos vividos. O feminismo parte da constatação, portanto, de que os sistemas sexo-gênero conhecidos – os sistemas patriarcais – estruturam as relações hierárquicas entre os homens e as mulheres no seu conjunto. A crítica feminista teria como funções, então, denunciar esses fatos e desenvolver uma teoria reflexiva e emancipatória, capaz, ao mesmo tempo, de analisar o passado e construir uma utopia para
  • 40. 38 mulhereseagroecologia o futuro. A teoria é um modo de “fazer ver”, de “jogar luzes” sobre uma determinada realidade, para examinar aspectos que não seriam visíveis sob outra perspectiva; e, uma vez que se pretende teoria crí- tica (não legitimadora da ordem social), tem a obrigação de “irra- cionalizar conceitos”, ou seja, questionar os sistemas de pensamento existentes à luz dos pressupostos desses mesmos sistemas, mostran- do as suas incoerências ou irracionalidades – no caso do feminis- mo ocidental moderno, mostrando como os construtos sociais têm impedido as mulheres de realizar o exercício pleno da cidadania; em outras palavras, revelando como os valores liberais da igualdade, liberdade e fraternidade se tornaram valores aplicáveis unicamente aos homens, excluindo-se as mulheres. Para Francine Descarries, o feminismo enquanto teoria críti- ca tem a função de “analisar a dimensão sexuada das relações sociais de hierarquização e de divisão social, assim como as representações sociais e as práticas que as acompanham, modelam e remodelam” (Descarries, 2000, p. 36), servindo como um instrumento de des- vendamento e deslegitimação dos mecanismos de opressão. Que tipo de “práticas” e “representações”? A divisão sexual do trabalho, da propriedade, dos bens; a estrita separação entre o âmbito públi- co, político, e o âmbito doméstico, privado; a análise do que é ou não permitido às mulheres expressar, desejar, realizar em suas vidas. Como lembra Raquel Osborne, é preciso que o feminismo revele e denuncie essas diferentes esferas: mostre, por exemplo, que o domí- nio público dos direitos pelos homens existe porque repousa sobre a negação dos mesmos direitos para as mulheres; que o mundo da produção precisa, para sobreviver, dos serviços da reprodução, que ficarão a cargo das mulheres, “rainhas da domesticidade”; e assim por diante (Osborne, 2005, p. 211). Os processos de afirmação de um projeto emancipatório fe- minino nunca foram fáceis, exigindo um grande esforço por parte das mulheres. Célia Amorós e Ana de Miguel (2005, p. 59) falam da necessidade de criação de uma identidade coletiva como uma das formas de organizar a percepção e a interpretação do mundo; e, por isso, os movimentos feministas, assim como outros movimen- tos sociais, tiveram que criar e tornar visíveis, em seu tempo, novos
  • 41. 39 mulherescomosujeitospolíticos... “marcos de injustiça”, para permitir que as mulheres passassem a considerar injusta uma situação que, até então, era dada como na- tural. Situação semelhante foi vivida pelos movimentos abolicionis- tas com relação às pessoas escravizadas, por exemplo. No caso das relações patriarcais, firmemente interiorizadas e apoiadas em modos de socialização estáveis ao longo do tempo, “a forte coerção estru- tural em que se desenvolve a vida das mulheres se apresenta para boa parte delas como a imagem de um comportamento livremente desejado e escolhido” (Amorós; De Miguel, 2005, p. 61). Por isso, entender o feminismo é entender que as múltiplas formas em que se conecta e se reproduz a opressão das mulheres nunca foram evi- dentes e nem de sentido comum; ao contrário, foram o resultado visível de intensos processos coletivos de elaboração de novos “mar- cos de injustiça”. (Amorós; De Miguel, 2005, p. 63)1 O feminismo seria uma invenção do mundo moderno? Como o conhecemos hoje, sim; para Ana de Miguel, no entanto, o correto seria dizer que não, mesmo correndo o risco de alguma ge- neralização conceitual (pelo fato de que nem mesmo o termo femi- nismo existia antes do século XIX). De um ponto de vista bastante genérico, a autora usa o termo “feminismo” para designar qualquer tipo de revolta das mulheres: Pode-se afirmar que o feminismo existiu sempre, em diferentes sen- tidos. No sentido mais amplo do termo, sempre que as mulheres, individual ou coletivamente, se queixaram do seu injusto e amargo destino sob o patriarcado, e reivindicaram uma situação diferente, uma vida melhor. (De Miguel, 2002, p. 9) A autora esclarece: houve, porém, alguns momentos históri- cos em que as mulheres chegaram a articular, tanto na teoria como 1 Todas as citações de obras em espanhol são traduções livres da autora.
  • 42. 40 mulhereseagroecologia na prática, um conjunto coerente de reivindicações e se organizaram para consegui-las, e só nesses momentos foram reconhecidas como um movimento social. O silêncio das ciências sociais com relação a essas aparições dos movimentos de mulheres nas agendas públicas, enquanto su- jeitos políticos, assim como com relação à resistência cotidiana de muitas mulheres às sociedades opressivas, colabora para a impressão de que sempre houve uma aceitação acrítica generalizada (uma “na- turalização”) da dominação. Olhando com mais atenção, porém, é possível ver que, em diversas épocas históricas, existiram articula- ções não só de mulheres, mas também de homens, comprometidos com as lutas pela igualdade entre os sexos. Essas articulações muitas vezes conseguiram criar discursos críticos sobre os mecanismos de opressão e atuar no sentido de provocar mudanças sociais mais pro- fundas. Nem sempre foram vencedoras; algumas vezes obtiveram avanços apenas pontuais; em outras, foram totalmente derrotadas e reprimidas. Mesmo assim, contribuíram para fomentar a resistência individual de muitas mulheres em momentos de refluxo dos gran- des movimentos e para construir os “marcos de injustiça” comenta- dos anteriormente. Os sufragismos norte-americano e inglês surgidos em mea- dos do século XIX, por exemplo, que costumam ser apresentados como os primeiros feminismos do mundo moderno, foram prece- didos por outros movimentos, pouco conhecidos ou mesmo igno- rados, cujo estudo ajuda a entender como se deu a construção do feminismo ao longo da história, numa interação constante entre as formulações teóricas e os movimentos sociais (Puleo, 1996, p. 187; Amorós; De Miguel, 2005, p. 27). É importante resgatar a capacidade das mulheres, em dife- rentes épocas históricas, de se constituírem como sujeitos políticos, engendrando teorias e lutas emancipatórias. Ao longo da história, pode-se reconhecer a existência de alguns “marcos” dessas lutas, quando essa atuação foi mais articulada e alcançou maior visibilida- de social, como o próprio sufragismo, as lutas pelo direito à educação e ao trabalho remunerado, pelos direitos civis igualitários, pelo livre
  • 43. 41 mulherescomosujeitospolíticos... exercício da sexualidade, etc.2 Ana de Miguel (2002, p. 10) divide cronologicamente a história do movimento feminista em três gran- des períodos: o feminismo pré-moderno, o feminismo moderno e o feminismo contemporâneo. Os movimentos de mulheres da atuali- dade são, de alguma forma, herdeiros dessa história. Os movimentos de mulheres na atualidade Como reflexo do conjunto das lutas feministas ao longo da história, o final do século XX assistiu ao começo da assimilação do feminismo em instituições como universidades, governos, partidos políticos; legislações foram modificadas, oportunidades foram aber- tas para que as questões das mulheres se tornassem públicas. Instituições internacionais começam a ter que dar respostas às reivindicações das mulheres: em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Década da Mulher, na primeira Confe- rência Mundial da Mulher, no México, e estabeleceu em seu Plano de Ação que as mulheres fossem tratadas legalmente em situação de igualdade com os homens em todos os países do mundo. Em 1979, com a aprovação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as For- mas de Discriminação contra a Mulher (Convention on the Elimi- nation of All Form of Discrimination Agaisnt Women (Cedaw)), criou-se um clima político internacional que estimulava os países a reverem as suas constituições e aparatos legais, removendo dis- positivos que representassem empecilhos à igualdade formal entre homens e mulheres. Muitos países modificaram suas legislações após esse período e criaram estruturas públicas para a promoção dos direitos das mulheres. Nas universidades, avançou-se nas pesquisas sobre gênero, mulheres e feminismo, formalizando-se cursos e linhas de pesquisa 2 Ana de Miguel lembra, citando Melucci (1994), que entre um momento público e outro, longe da inatividade ou inação, sempre existiram resis- tências e reflexões individuais, avanços pessoais e coletivos, e que todos os movimentos sociais – incluindo o feminista – se alimentam também de períodos de aparente “hibernação” (De Miguel, 2002, p. 79).
  • 44. 42 mulhereseagroecologia que deram status de conhecimento acadêmico ao que até então era somente uma teorização militante. Paralelamente, entre os movi- mentos de mulheres, assim como em outros movimentos populares, surgiram e se consolidaram as ONGs. Essas instituições acabaram por se constituir como estruturas de apoio e assessoria aos movi- mentos sociais, e têm até hoje muita importância como mediadores sociais e formuladores de propostas, no campo das políticas de de- senvolvimento com enfoque de gênero e também das lutas feministas. Nos anos 1990, um número crescente de países passou a ado- tar políticas econômicas neoliberais, e, com elas, ocorreu o recru- descimento dos problemas de desemprego, pobreza e degradação ambiental que já se faziam sentir desde o início dos anos 1980. Nesse período, pressionada por essa realidade e em um contexto de reorganização das forças políticas mundiais (como a dissolução dos regimes comunistas no Leste Europeu, por exemplo), a ONU pro- moveu uma série de conferências dedicadas aos chamados “temas sociais”.3 Reuniram-se delegações oficiais dos governos dos países, para firmar compromissos globais, que foram acompanhadas de Fóruns Paralelos, formados por ONGs e pela chamada “sociedade civil organizada”. Foram momentos privilegiados de embate entre diferentes visões de mundo, propostas de reorganização do sistema de regulação internacional, em um contexto geral de democratiza- ção pós-Guerra Fria, o que lhes conferia um “clima” de disputa real, de fórum efetivo de decisões.4 Embora em todas elas as questões das 3 Além de inúmeros eventos internacionais, foram organizadas as seguintes conferências: Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimen- to, Rio de Janeiro, 1992; Direitos Humanos, Viena, 1993; Desenvolvi- mento e População, Cairo, 1994; Desenvolvimento e Pobreza, Copenha- gue, 1995; IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, em 1995; Alimentação, Roma, 1996; Assentamentos Humanos, Istambul, 1996. 4 Posteriormente setores dos movimentos sociais fizeram críticas a esse pro- cesso de negociação nos organismos internacionais; por um lado, porque se mostrou inócuo com relação aos governos nacionais, que não seguiam necessariamente os acordos assinados; por outro, pela incapacidade do sistema ONU de fazer cumprir esses acordos. As instituições do sistema
  • 45. 43 mulherescomosujeitospolíticos... mulheres já estivessem presentes, foi na IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, em 1995, que os movimentos feministas mundiais tiveram a oportunidade de confrontar suas avaliações e estratégias e estabelecer novas alianças políticas. Os principais movimentos feministas podiam então ser esque- maticamente classificados em três grandes correntes: as “da igualdade”; as “da diferença”; e as “pós-modernas” (incluídas as pós-colonialistas e multiculturalistas), tendo como principais distinções, respectiva- mente, a centralidade da luta reivindicatória (igualitaristas); as lutas identitárias e a afirmação de uma cultura feminina (da diferença); e a fragmentação do sujeito mulher (pós-modernismo) e a sua diversida- de (pós-colonialistas e multiculturalistas) (Amorós; De Miguel, 2005, p. 76). Com relação à participação ou não nos processos de diálogo e negociação com os governos, dividiam-se em “autonomistas”, que defendiam a independência total dos movimentos com relação a par- tidos, estados, governos e instituições internacionais, e “instituciona- listas”, que defendiam a ocupação dos espaços institucionais (Nobre; Faria, 2003, p. 623). O reconhecimento das diferentes formas de opressão que se entrecruzam formando as identidades das mulheres foi um dos grandes debates trazidos pelos feminismos “terceiro-mundistas”, pós-colonialistas, e multiculturalistas dos anos 1990. Essas questões se juntaram às críticas que já vinham sendo feitas desde os anos 1970 pelas mulheres negras sobre a impossibilidade de, no limite, universalizar-se a condição feminina como a única forma de opres- são vivida por todas as mulheres. Como afirmam Célia Amorós e Ana de Miguel: Da mesma forma como as contradições entre os homens e as mu- lheres não podiam subsumir-se nas contradições de classes, nem ONU vêm progressivamente perdendo importância no cenário interna- cional para outras instituições multilaterais, tais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e mesmo a Organização Mundial do Comércio, sustentáculos maiores das políticas neoliberais.
  • 46. 44 mulhereseagroecologia todas as contradições podem ser resolvidas no feminismo. O racis- mo tem intersecção com o gênero, mas o feminismo sozinho não acabará com o racismo, nem com o colonialismo, nem com os pro- blemas das mulheres lesbianas. (Amorós; De Miguel, 2005, p. 82) Mesmo em processos de articulações de pautas políticas am- plas, como em Pequim em 1995, foi necessário que os diversos mo- vimentos estabelecessem novos pactos e estratégias de ação, para que pudessem aparecer publicamente como um sujeito político coletivo que incorporasse esse diferente conjunto de reivindicações. Não um sujeito único, monolítico, mas a articulação de diferentes sujeitos, organizados em movimentos parciais, que se propunham a iluminar “facetas” da opressão, e não o todo. Pode-se dizer que as questões tratadas hoje em dia pelo femi- nismo, para além das reivindicações de igualdade nos espaços públi- cos e das questões relativas à esfera privada – família, sexualidade –, estão, justamente, na imbricação desses diversos processos de opres- são, na redefinição da existência de uma articulação entre as esferas do público e do privado, levando em consideração as diferentes for- mas como os mecanismos de dominação operam em cada situação. A partir dos anos 2000, parte dos movimentos sociais – en- tre os quais diversos setores dos movimentos feministas – passou a apostar em outro tipo de articulação. Em vez dos espaços propostos pelos organismos multilaterais, formações de redes e eventos hori- zontais, que permitissem, no lugar da criação de uma única plata- forma política mundial, estimular a troca de experiência entre os diferentes movimentos e a articulação de lutas locais e globais. Sur- giram então os Fóruns Sociais Mundiais, realizados a partir do ano 2001 na cidade de Porto Alegre, no Brasil (e depois de 2004, tam- bém em outras regiões do mundo). Essa reorientação dos movimen- tos se deu a partir de uma sequência de processos de mobilização antiglobalização, no final da década de 1990, entre as quais podem ser citadas as grandes manifestações em Seattle, em 1999, contra a Organização Mundial do Comércio. Os movimentos feministas e de mulheres têm estado presentes em todas essas articulações, em sua enorme diversidade: “institucionalistas” e “autonomistas”, da
  • 47. 45 mulherescomosujeitospolíticos... igualdade e da diferença, terceiro-mundistas e pós-modernas, indí- genas, camponesas, lesbianas, migrantes, sindicalistas, entre tantas outras categorizações e movimentos organizados. Embora comparativamente hoje as mulheres dos países oci- dentais estejam, em termos de direitos civis, em situação infinita- mente melhor do que se encontravam no início do século XX, ainda persistem desigualdades flagrantes na comparação da sua situação com a dos homens, tanto no que diz respeito às condições estrutu- rais e econômicas, de acesso aos meios físicos para a sua sobrevivên- cia (ao trabalho, à propriedade, ao poder político), como com rela- ção à possibilidade de realização de projetos autônomos de vida, por conta da manutenção de padrões de gênero fortemente excludentes. A “feminização” da pobreza, a segregação ocupacional, a pequena presença em espaços de poder, a dupla jornada de trabalho, o tráfico de mulheres, o recrudescimento da violência de gênero mesmo em países onde as condições legais e econômicas são relativamente mais igualitárias são apenas algumas das evidências de como as iniqui- dades vividas pelas mulheres estão vinculadas a padrões sociais e culturais sexistas ainda não superados, profundamente arraigados e constituintes das subjetividades. Os primeiros ecofeminismos As conexões entre os movimentos de mulheres e os movi- mentos ecológicos estão em pauta no Ocidente pelo menos desde a década de 1960, período em que eclodiram os movimentos da contracultura na Europa e nos Estados Unidos, questionando não apenas os grandes modelos políticos e econômicos – capitalismo e socialismo –, mas o conjunto das instituições sociais, as ideologias, os valores que regulavam os comportamentos dos indivíduos. As- sim como se denunciavam as relações opressivas entre os países – o imperialismo, a política armamentista, as guerras –, politizavam-se as relações pessoais, colocando-se em evidência os mecanismos de poder que estavam por trás do racismo, do sexismo e da postura irresponsável da humanidade para com o meio ambiente, por exem- plo. Questionava-se um modelo civilizatório. Nos anos pós-guerra assistiu-se nos países centrais a um pe- ríodo de crescimento econômico e de bem-estar social simbolizado
  • 48. 46 mulhereseagroecologia pelo acesso de amplas camadas da população a bens de consumo duráveis, tais como automóveis e eletrodomésticos. Esse oásis de otimismo convivia com a sombra da Guerra Fria e da corrida ar- mamentista e passou a ser ameaçado também pelos sinais da crise ecológica decorrente do industrialismo e da urbanização: poluição atmosférica, contaminação da água e dos solos, aparecimento de novas doenças, desmatamento, destruição de paisagens, desaparição de espécies. Um dos primeiros alertas massivos sobre os riscos ambien- tais e para a saúde humana do uso das tecnologias modernas ha- via sido feito em 1962 pela bióloga norte-americana Rachel Car- son, com a publicação do livro Silent spring. Nesse livro, Carson analisava o caso de um organoclorado, o DDT (diclorodifeniltri- cloroetano), desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial pa- ra combater mosquitos, posteriormente utilizado como inseticida agrícola. Ela relacionou o seu uso ao desaparecimento de espécies (particularmente pássaros) e ao surgimento de doenças tais como o câncer. Questionava a lógica de utilização em grande escala de produtos sintéticos sobre o quais não se tinham informações su- ficientes, provocando uma reflexão dos movimentos ambientalis- tas nascentes acerca da necessidade de construção de mecanismos de regulação pública na área ambiental. Até então, os movimentos conservacionistas nos Estados Unidos trabalhavam somente com a ideia de criação de “ilhas de preservação da natureza”.5 As crises de abastecimento do petróleo em escala mundial, aliadas à ocorrência de desastres ecológicos de grandes proporções (o derramamento de óleo de grandes cargueiros, a contaminação por mercúrio em Minamata, entre outros), contribuíram para criar desconfianças sobre a sustentabilidade de um sistema baseado no progresso tecnológico, no uso irrestrito dos recursos naturais e em 5 Sobre as motivações que levaram Carson a publicar esse inquietante livro e as interpretações do vínculo mulher-natureza no seu trabalho, ver Pal- mero (2003).
  • 49. 47 mulherescomosujeitospolíticos... pesadas políticas de defesa, cujos riscos o uso bélico da energia nu- clear tinha deixado evidente. No final dos anos 1960, diversos movimentos sociais e polí- ticos se mobilizaram contra esse modelo civilizatório: os estudantes de maio de 1968, o movimento hippie, os movimentos de direitos civis nos Estados Unidos, os grupos pacifistas e antienergia nuclear, as feministas. Seus métodos incluíam grandes ações de massa, ocu- pações, boicotes, assim como organizações de comunidades alterna- tivas, entre outras manifestações de sensibilização da opinião públi- ca e de pressão sobre os governos. Dentro dos movimentos feministas, esse período correspon- deu à sua “segunda onda”, na qual se diferenciaram grupos liberais, radicais e socialistas, que tinham desenvolvido estratégias e prio- ridades diferentes no enfrentamento das questões de opressão das mulheres e do conjunto das lutas sociais. Alguns setores do femi- nismo radical – as ecofeministas – se dedicaram especialmente aos problemas ecológicos, preocupando-se com a premência da crise que se avizinhava. Para essas militantes, as causas da crise teriam que ser buscadas nos pressupostos antropocêntricos e androcêntri- cos que organizavam as sociedades patriarcais, e somente com a sua superação poderia ser construída uma sociedade igualitária e não destruidora (Puleo, 2000, p. 181). Uma das primeiras interfaces entre ecologismo e feminismo foi a discussão sobre o aumento populacional e os direitos reprodu- tivos das mulheres. Enquanto para parte dos ecologistas havia um consenso sobre a necessidade de diminuir as taxas de crescimento da população mundial para se adequar à “capacidade de carga” do planeta, para as ecofeministas a questão era outra: era necessário modificar as premissas do sistema de produção e consumo, ao mes- mo tempo que se garantisse o direito de escolha das mulheres com relação à procriação. Os argumentos dos chamados neomalthusianos serão de- nunciados pelas ecofeministas como manipulatórios da opinião pú- blica e maniqueístas. O direito ao acesso a métodos contraceptivos era uma reivindicação das mulheres e dos movimentos feministas pelo menos desde o início do século XX, como forma de exercer
  • 50. 48 mulhereseagroecologia livremente sua sexualidade sem a obrigatoriedade de terem filhos.6 Porém, da forma como estavam sendo implantadas, essas políticas não atendiam às demandas das mulheres, porque não respeitavam o seu poder de decisão. No centro desse debate aparecerá, como lembra Alicia Puleo, o primeiro texto em que se defende uma proposta claramente femi- nista para os problemas ambientais, dando-lhe o nome de “Ecofe- minismo”. Será o texto Le féminisme ou la mort, da francesa Françoi- se D’Eaubonne, em 1974 (Puleo, 2004, p. 23; 2005, p. 128).7 Para D’Eaubonne, o controle da natalidade era apenas parte da equação, sendo outra o modelo econômico produtivista excludente, domi- nado pelos homens, que orientava os países industrializados (tanto capitalistas quanto socialistas) e que estava levando a humanidade ao colapso, numa clara relação entre superpopulação, devastação da natureza e dominação masculina (Puleo, 2004, p. 23). Segundo Alicia Puleo (2000, p. 170), foi a publicação do livro Is female to male as nature is to culture?, da norte-americana Sherry Ortner, em 1974, mesmo ano da publicação do livro de D’Eaubonne, que aproximou o feminismo radical da ecologia. Esse 6 Ver, por exemplo, as discussões propostas por Emma Goldman, Margaret Sander e outras feministas que defendiam a contracepção legal nos Es- tados Unidos em publicações como a revista Mother Earth, que circulou entre 1906 e 1917. 7 Propostas feministas e preocupadas com questões ambientais podem ser encontradas em textos de diversas autoras anteriores ao período aqui estudado. Alicia Puleo lembra que muitas das sufragistas eram vegetaria- nas, defensoras dos direitos dos animais e contrárias à vivisseção, temas que serão caros ao ecofeminismo (Puleo, 2005, p. 126). Entre elas, uma médica inglesa, Anna Kingsford, se destacou por sua dedicação ao estudo da teosofia no final do século XIX (http://www.anna-kingsford.com); já no século XX, podem ser encontrados indícios de “ecofeminismo” nos textos da sueca Elin Wägner, uma escritora feminista, pacifista e ecolo- gista, que publicou Alarm clock em 1941 (ver a esse respeito, Leppänen, 2003). No entanto, o termo “ecofeminismo” somente será associado aos movimentos organizados na Europa e nos Estados Unidos no final dos anos 1960, após a publicação do texto de D’Eaubonne.
  • 51. 49 mulherescomosujeitospolíticos... livro retomará questões já apontadas por Simone de Beauvoir em O segundo sexo: o fato de que, de maneira geral, em todas as socieda- des as mulheres encontram-se subordinadas aos homens, e que essa situação está relacionada à distinção mantida, nessas sociedades, en- tre os atributos da natureza e os da cultura. Considerando natureza e cultura categorias conceituais e re- lacionais, Ortner afirmará que a distinção entre ambas estará no fato de que a cultura se estrutura com base no poder de transcendência sobre as condições naturais para transformá-las segundo os propó- sitos humanos. Assim a cultura não seria apenas distinta da nature- za (onde se situariam os atributos da existência natural), mas seria superior a ela em sua capacidade de transformá-la e transcendê-la através da simbologia e da tecnologia, construindo assim os proces- sos de socialização e aculturação. Nesses processos, as mulheres passam a ser identificadas como estando mais próximas da natureza do que da cultura, por conta da sua fisiologia (seu corpo), de seu papel social ligado à ma- ternidade e por sua estrutura psicológica, dados o seu corpo e o seu papel social. No entanto, as mulheres são reconhecidas como seres humanos, participantes “potenciais” da transcendência, e dotadas de consciência, tendo inclusive a consciência da própria desvalori- zação. Ao serem as primeiras responsáveis pelos processos de sociali- zação das crianças, por exemplo, e, portanto, não sendo vistas pura e simplesmente como parte da natureza, elas seriam consideradas como mediadoras entre a natureza e a cultura; mas isso, de qualquer maneira, lhes emprestaria um status inferior. Ortner defendia que, além de ser necessário que as mulheres participassem mais intensa- mente do mundo público, os seres humanos deveriam, através da cultura, valorizar mais as atividades reprodutivas das mulheres, atri- buindo-lhes outro sentido que não fosse de inferiorização (Ortner, 1979, p. 102).8 8 Alicia Puleo lembra que posteriormente os estudos de Ortner foram con- testados por não serem universalizáveis, sendo suas observações válidas
  • 52. 50 mulhereseagroecologia Como veremos a seguir, as primeiras ecofeministas tomaram esse texto (e o de Simone de Beauvoir) em outra direção, procede- ram a um reexame do dualismo natureza/cultura e mulher/homem, mas deixando de reivindicar o pertencimento das mulheres à cultu- ra – que será rechaçada como sendo androcêntrica – e afirmando a superioridade da mulher e da natureza. Será uma tentativa de re- cuperar a relação mulher-natureza, invertendo os valores que infe- riorizavam ambas, sustentando a superioridade da natureza sobre a cultura.9 O ecofeminismo ligou-se também ao pacifismo, chegando a ter representantes na disputa política institucional. Em 1979, por exemplo, fundava-se na Alemanha o Partido Verde, tendo à frente Petra Kelly, uma ativista pacifista, ecologista e feminista, eleita par- lamentar por diversas legislaturas. Essa militante ecofeminista dedi- cou a vida a atividades de mobilização social e de denúncia contra a energia nuclear e o armamentismo, assim como sobre a deterioração do ambiente e as questões das mulheres. Na década de 1980, assistiu-se na Europa a poderosas ma- nifestações pacifistas e antinucleares, muitas delas organizadas por mulheres, como foi o conhecido caso do acampamento de mulheres em Grenham Common, na Inglaterra, em 1981. Organizado pelo grupo Women for Life on Earth, que protestava contra a instala- ção de mísseis nucleares, o acampamento durou dezenove anos. Até conseguirem o fechamento das bases militares, as mulheres foram várias vezes expulsas violentamente do local, processadas e presas. Foi um movimento de resistência baseado nos princípios da não apenas para certas culturas ocidentais. Em outras culturas, pode existir mesmo uma valorização oposta, da natureza em relação à cultura (Puleo, 2000, p. 171). 9 Esses primeiros ecofeminismos receberão várias críticas, por seu caráter “es- sencialista” (atribuição às mulheres de certas características derivadas do simples fato de terem nascido mulheres); de aceitação acrítica dos dualis- mos combatidos historicamente pelo feminismo; e de “demonização” dos homens. Essas críticas serão discutidas mais adiante, neste capítulo.
  • 53. 51 mulherescomosujeitospolíticos... violência que chamou a atenção do mundo todo pelo uso de uma forte simbologia: as mulheres teceram redes em volta da base mili- tar, realizaram marchas de vários dias de duração, “abraçaram” as instalações da base, usando a sua condição de mães como apelo para lutar em defesa da vida e da paz. Outros exemplos de manifestações massivas de mulheres em defesa da natureza vieram dos países do terceiro mundo e ficaram conhecidos por vincularem a resistência das mulheres ao avanço de políticas “desenvolvimentistas” com as denúncias da sua margina- lização na implantação das mesmas. Os exemplos mais conhecidos foram o Movimento Chipko, na Índia, no início dos anos 1970, e o Green Belt Moviment, criado no Quênia em 1977. O Movimento Chipko tornou-se conhecido mundialmen- te pelo livro Staying alive: women, ecology and survival (no Brasil, mais difundido em sua versão em espanhol, cujo título é Abrazar la vida), de Vandana Shiva (1991). Iniciou-se como um movimen- to das mulheres camponesas da região do Himalaia, no norte da Índia, que se abraçavam ou atavam-se às árvores para impedir que fossem cortadas por madeireiras. Os bosques haviam sido entregues às empresas privadas pelo Serviço Florestal Estatal, e a economia camponesa dependia deles para a sua sobrevivência. A inspiração das mulheres vinha dos movimentos de resistência não violenta de discípulos de Gandhi, e, enquanto faziam vigílias para controlar a movimentação das empresas, realizavam atividades de reflexão sobre a sua vinculação, como mulheres, com o meio natural, a partir dos princípios da cosmologia hindu.10 Nesse processo de enfrentamen- to encontraram resistência nos próprios maridos, que acreditavam nas promessas de desenvolvimento e valorizavam o “dinheiro vivo” obtido pela venda da madeira e os empregos temporários trazidos pelas empresas. 10 Mais adiante, neste capítulo, serão comentadas as combinações entre o espiritualismo hindu e a análise das condições concretas em que se desen- volveu o Movimento Chipko, feitas por Vandana Shiva no livro citado.
  • 54. 52 mulhereseagroecologia Após vários anos de trabalhos de conscientização, de mani- festações e marchas em várias partes do país, o movimento conse- guiu que as madeireiras paralisassem o corte de árvores. Dessa luta derivaram várias organizações de camponeses, com ampla partici- pação de mulheres, que ainda hoje se mobilizam contra as políticas de desenvolvimento que provocam a deterioração ambiental. Além disso, participam de redes globais que denunciam as monoculturas, a destruição das condições de vida de camponeses e pescadores ar- tesanais por empresas transnacionais, os efeitos danosos dos trans- gênicos para a biodiversidade e lutam pelo direito de preservação de sementes nas mãos de camponeses.11 O Green Belt Movement, iniciado em 1977 pela ativista afri- cana Wangari Maathai, falecida em 2011, também existe até hoje e é uma ONG que trabalha com grupos de mulheres camponesas em várias regiões da África, basicamente plantando árvores para prevenir a erosão dos solos. Seu trabalho é ao mesmo tempo de conservação ambiental, desenvolvimento comunitário e fortaleci- mento do protagonismo das mulheres. Em 2004, Maathai recebeu o Prêmio Nobel da Paz por suas ações em defesa das mulheres e do meio ambiente. O movimento acompanha milhares de grupos de base na produção agrícola voltada para a subsistência e desde 1977 já plantou mais de 50 milhões de árvores somente no Quênia. Sua proposta é que, protegendo o ambiente, essas mulheres tornam-se especialistas em gestão sustentável de recursos ambientais como água e solos, em economias solidárias locais e em práticas democrá- ticas promotoras da paz.12 Verónica García (1999, p. 17) afirma que as mulheres do terceiro mundo apareceram na discussão política do meio ambiente 11 Ver a esse respeito Shiva (2003) e (2006), em que ela descreve as lutas recentes da agricultura camponesa indiana e as formas de resistência que vêm sendo criadas entre essas organizações (redes de sementes, comercia- lização e créditos solidários, entre outras). 12 Informações sobre esta organização podem ser obtidas em: <http://www. greenbeltmovement.org>. Acesso em: ago. 2014.
  • 55. 53 mulherescomosujeitospolíticos... basicamente de três formas: como destruidoras do meio ambiente (visão recorrente entre os que lhes atribuíam uma maior parcela de culpa na explosão demográfica e pelo uso que faziam de recursos como água e lenha); como vítimas dos processos de degradação (su- portando as contaminações, o desmatamento, os impactos da des- truição); ou, ainda, como administradoras privilegiadas dos recursos, portadoras de “habilidades e conhecimentos especiais”, que as colo- caria como agentes sociais mais adequados para gerenciar projetos de conservação e desenvolvimento. Esses movimentos de base, assim como outros menos conhe- cidos ocorridos em diversas regiões da Ásia, da África e da Améri- ca Latina,13 contribuíram para mostrar que as mulheres do terceiro mundo – em particular, as camponesas – não eram necessariamente nem vilãs nem vítimas apáticas da destruição ambiental. Eram tam- bém ativistas e militantes com propostas de mudança nos modelos produtivos, construídas a partir de suas condições concretas de so- brevivência. Essas lutas combinavam a defesa do meio natural com a demanda de um protagonismo das mulheres nas decisões sobre o seu território, e contribuíram para enriquecer o conjunto das lutas feministas, mostrando faces da opressão das mulheres – decorrentes da forma como as políticas de desenvolvimento as atingiam especi- ficamente – que não estavam na ordem do dia para as mulheres dos países desenvolvidos. A questão de serem ou não as “salvadoras do planeta” per- maneceu ambígua para os próprios movimentos, pois em certos 13 Ver, entre outros, os movimentos de mulheres quebradeiras de coco-ba- baçu, no norte do Brasil; a participação das mulheres nos conflitos dos seringais, no Acre, também no Brasil, em conjunto com o movimento liderado por Chico Mendes; as camponesas e indígenas da América Cen- tral, cujo símbolo mais conhecido foi Rigoberta Menchú, de Guatemala, ganhadora do Nobel da Paz em 1992; os movimentos camponeses da Índia e do Paquistão de resistência à construção de grandes barragens (muitos deles liderados por mulheres); todos iniciados em meados dos anos 1980.
  • 56. 54 mulhereseagroecologia contextos chegou a ser um argumento usado para sensibilizar as autoridades e a opinião pública para o seu reconhecimento como gerenciadoras confiáveis; porém, em outros, foi rechaçado por re- tirar a responsabilidade dos governos e das empresas pelo modelo econômico e político destruidor, que se utilizava da mão de obra de mulheres pobres para fazer os trabalhos de “recuperação ambiental” (tais como revitalização de áreas degradadas, retirada do lixo de cór- regos, reciclagem de materiais, etc.).14 Como veremos a seguir, na década de 1990 a aproximação dos movimentos de mulheres com as lutas ecológicas se dará tam- bém em eventos internacionais, como a Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992 (conhecida como Eco-92), e posteriormente a IV Confe- rência Mundial da Mulher (Pequim, 1995). Nesses eventos estava também em jogo a construção da visibilidade das mulheres como sujeitos políticos, com propostas concretas para influenciar nas mu- danças das políticas globais. Foram palcos privilegiados em que os diversos grupos de mulheres de base, urbanas e rurais, integrantes de governos, acadêmicas, agentes do sistema ONU e feministas em geral apresentaram propostas, disputaram espaços, mostraram suas divergências e construíram alianças, contribuindo para que as inter- faces entre feminismo e ecologia pudessem ser mais bem identifica- das e reconhecidas. Mulheres e ecologia nas agendas internacionais Quando a ONU proclamou a Década da Mulher, em 1975, no México, na Primeira Conferência da Mulher, o tema da relação 14 Val Plumwood, ecofeminista australiana, chamará a atenção para essas posições, criticando os riscos que as mulheres corriam de deixar de ser os “anjos do lar” para se transformarem em “anjos do ecossistema”, man- tendo a divisão sexual do trabalho e assumindo, altruisticamente, que seu papel fosse o de limpar, consertar, arrumar o que os outros haviam degradado (Puleo, 2007, p. 246).
  • 57. 55 mulherescomosujeitospolíticos... das mulheres com o meio ambiente apenas começava a esboçar- -se nos espaços de negociação internacional. Estava em discussão a forma como as mulheres poderiam ou não se incorporar às políticas de desenvolvimento. A publicação, em 1970, do texto “Women’s role in economic development”, de Ester Boserup, trouxe à tona a questão de que as mulheres tinham ficado à margem dos processos em curso, porque não eram reconhecidas como “agentes econômi- cos produtivos”, e as atividades reprodutivas que sempre desempe- nharam permaneciam desprezadas. Se essas questões não fossem enfrentadas, com o avanço das políticas “desenvolvimentistas”, as mulheres progressivamente perderiam status e seriam ainda mais marginalizadas (Deere; León, 2002, p. 152). O raciocínio era que, se elas tinham ficado à margem do desenvolvimento, era preciso integrá-las ao processo, para resolver questões tanto de justiça social como de eficiência econômica no combate à pobreza, já que as mulheres representavam metade da população. As propostas colocavam ênfase no incremento do pa- pel produtivo das mulheres, apoiando projetos que gerassem ren- da (mediante capacitação, treinamento, crédito), mas levando em consideração as limitações dadas por seu envolvimento nas ativi- dades domésticas e de cuidado com os filhos. O desenvolvimento, em geral, era pensado então como um processo linear e benigno de crescimento econômico, impulsionado pelo incremento de projetos produtivos geradores de renda. Nessa época foi criado, no âmbito das Nações Unidas, o Instituto Internacional de Pesquisa e Capacitação para as Mulheres (Instraw),15 dedicado, entre outras atividades, a analisar o papel das 15 Em inglês: United Nations International Research and Training Institute for the Advancement of Women, criado em 1976, com sede na Repúbli- ca Dominicana. Desenvolve pesquisas e atividades de capacitação com o objetivo de melhorar a participação das mulheres nas políticas de desen- volvimento. Suas áreas de trabalho são bastante amplas, com ênfase em metodologias para criação de indicadores de impacto das políticas globais sobre as condições de vida das mulheres (ver http://www.un-instraw.org).
  • 58. 56 mulhereseagroecologia mulheres na gestão da água e do saneamento ambiental em países da África, Ásia e América Latina. A essas políticas de “integração” das mulheres contrapu- nham-se outras posições, que viam vários problemas na aceitação acrítica dos paradigmas de modernização que estavam na base das políticas de desenvolvimento:16 em primeiro lugar, porque somente o acesso à educação, a empregos ou a tecnologias modernas não seria suficiente para enfrentar os preconceitos e as iniquidades a que as mulheres eram submetidas; em segundo lugar, porque essas po- sições aceitavam a divisão sexual do trabalho como um dado, sem problematizá-la; e ainda porque essas propostas não davam o devido valor para o fato de que as mulheres sempre haviam desempenhado papéis produtivos e reprodutivos ao longo da história; ao não re- conhecer isso, essas propostas contribuíam para reforçar uma visão incompleta, desvalorizadora (e, portanto, sexista) do papel das mu- lheres no desenvolvimento. Na Terceira Conferência da Mulher, em Nairóbi, em 1985, já era evidente a desconfiança de certos setores com relação ao en- foque “integrar as mulheres no desenvolvimento”, cujos resultados concretos haviam sido poucos: os projetos para mulheres contavam com recursos escassos; geravam rendas pequenas e marginais; provo- cavam o aumento da carga de trabalho das mulheres; e reforçavam funções de gênero estereotipadas (com atividades que eram meras extensões do papel de esposas e mães), entre outros problemas. Essas questões eram trazidas principalmente pelas organizações de mulhe- res e movimentos feministas que participavam do Fórum Paralelo (espaço de participação da sociedade civil nesse tipo de conferên- cia), porém exercendo também influência nas discussões oficiais, formadas por representantes dos governos. De acordo com Carmen Deere e Magdalena León, foi a for- te presença de movimentos de mulheres camponesas da Ásia e da 16 Ver, por exemplo, os textos de Lourdes Benería e Gita Sen, citadas por Carmen Deere e Magdelena León como porta-vozes dessas posições (Deere; León, 2002, p. 154).
  • 59. 57 mulherescomosujeitospolíticos... América Latina e de organizações ecofeministas nos espaços de pre- paração e durante a Conferência de Nairóbi que influenciou para que surgisse, no âmbito da conferência oficial, um novo enfoque crítico às questões do desenvolvimento e da sustentabilidade (Deere; León, 2002, p. 159). Realizou-se durante a conferência uma reu- nião global e independente sobre “Mulheres e a Crise Ambiental”, e, posteriormente, em 1987, se estabeleceu no âmbito da ONU um GT Mulheres para o Desenvolvimento Sustentável (Ramírez, 1999, p. 180). Do ponto de vista da ONU, o importante era enfatizar o papel central das mulheres no gerenciamento dos recursos naturais. Porém, para as ecofeministas, não se tratava simplesmente de inte- grar as mulheres a um desenvolvimento qualquer, mas de discutir um novo modelo, que levasse em consideração as propostas dos mo- vimentos de mulheres. No sistema ONU, esse novo enfoque passou a se chamar Mulher, Ambiente e Desenvolvimento, ou ainda Gênero, Ambiente e Desenvolvimento. Como lembram Carmen Deere e Magdalena León, do ponto de vista dos movimentos de mulheres, a mudan- ça para “gênero” foi inicialmente considerada um avanço, porque permitia colocar em questão o conjunto de valores, comportamen- tos, atitudes que estavam por trás da desvalorização do trabalho das mulheres tanto nas atividades produtivas quanto nas reprodutivas. Tratava-se, portanto, de discutir as relações de poder historicamente construídas e que tinham marginalizado as mulheres dos espaços de decisão. Cabe aqui lembrar que o termo “relações de gênero” foi am- plamente difundido entre os movimentos de mulheres em todo o mundo na década de 1980, usado exatamente no sentido de marcar a necessidade de questionar as relações de poder entre homens e mulheres, não tomar as diferenças entre os sexos como dados empí- ricos e imutáveis. Esse conceito havia sido retomado pela historia- dora norte-americana Joan Scott a partir de uma crítica à noção do determinismo biológico na estruturação das relações entre mulheres e homens e destacando o caráter relacional das definições de mas- culino e feminino. Seu texto mais conhecido, “Gender: a useful ca- tegory of historical analysis”, foi publicado originalmente em 1986
  • 60. 58 mulhereseagroecologia em uma revista acadêmica de historiadores e teve enorme impacto em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde passou a ser divulgado por várias entidades feministas.17 Em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, as imbricações entre os temas ecológicos e os movimentos de mulheres apareceram em uma perspectiva mais complexa. Algumas redes de movimentos de mulheres que haviam se articulado em Nairóbi permaneceram organizadas e vieram para o Rio com propostas, fazendo pressão sobre a conferência oficial (Deere; León, 2002, p. 159). O espaço de articulação dessas propostas foi o Planeta Fêmea, dentro do Fó- rum Global: um território específico para discussão das questões das mulheres. O Planeta Fêmea foi organizado por um comitê internacio- nal formado em 1990 em Nova York, com o apoio da Women’s Environment and Development Organization (Wedo) [Organi- zação de Mulheres pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento]; em 1991, como preparação para a Eco-92, foi realizado em Miami um Congresso Mundial de Mulheres por um Planeta Saudável, com a presença de 1.500 mulheres de várias partes do mundo. Nesse Con- 17 O texto de Joan Scott é considerado um clássico na discussão sobre gê- nero, e muitas ONGs brasileiras utilizaram o artigo como material pe- dagógico, em cursos de formação sobre gênero para homens e mulheres. Sua principal contribuição foi estabelecer que gênero deveria ser utilizado como um conceito analítico, não apenas como conceito descritivo (como fazia, por exemplo, a antropologia). Ademais, Scott definia gênero como sendo uma das bases das relações de poder (assim como a raça e a classe) e mostrava que essas relações se estruturavam por meio de símbolos e representações culturais; de normas e doutrinas; por meio de institui- ções e organizações sociais; assim como de identidades subjetivas, sendo essas esferas relativamente independentes umas das outras (Scott, 1990, p. 18). Disponível em: <http://facultypages.morris.umn.edu/~deanej/ UMM%20Home%20Page/2001/Readings/Gender/Scott_Useful%20 Category.pdf> e <http://epi.univ-paris1.fr/servlet/com.univ.collaboratif. utils.LectureFichiergw?ID_FICHE=43580&OBJET=0008&ID_FI- CHIER=118304>. Acesso em: 19 jan. 2015.