Pensar Portugal – A Modernidade de um País Antigo é um livro de pequenos ensaios de ciências sociais e humanas, que apresentam e discutem assuntos e problemas relativos a Portugal. São ensaios que constituem estudos de caso, embora tenham a forma de crónicas. O ponto de vista não é propriamente filosófico, nem estético, nem político. É um exercício de compreensão do mundo contemporâneo, tendo as ciências sociais e humanas como enquadramento teórico. Estes ensaios filiam-se no reconhecimento de um pensamento da prática, e também no reconhecimento da importância do imaginário em toda a estruturação social. O livro está organizado em seis partes. Cada parte é iniciada por um capítulo teórico. A função destes capítulos é a de enquadrar, teórica e metodologicamente, os pequenos ensaios, colocadas no registo específico de cada uma das partes do livro.
7. UNIVERSIDADE DO MINHO
Este trabalho é apoiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a
Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00736/2020.
Moisés de Lemos Martins
Pensar Portugal
A Modernidade de um
País Antigo
10. 8 SUMÁRIO
O Museu Virtual da Lusofonia no Google Arts Culture, uma
Plataforma de Cooperação Académica, Cultural e Artística, em
Língua Portuguesa
À SOMBRA DA IGREJA
O Catolicismo e a Construção da Identidade Nacional
Crónicas
A Páscoa Como Ensaio sobre o Humano
O Que Fátima me Dá Que Pensar
A Igreja à Sombra do Salazarismo
Artes de Ser Católico Português
Do Feriado de 15 de Agosto ao Portugal Moderno
De D. Tolentino de Mendonça ao Portugal Anticlerical
A Páscoa, o Deus Geómetra de Timeu e o Coronavírus
A LIBERDADE
O Imaginário Salazarista: O Passado Como se Fora Presente
Crónicas
Era uma Vez um País
Filhos da Madrugada
Paris e um Não-Sei-Quê de Abril
O Elogio do Portugal Democrático
O País de Abril e a Nossa Época
Ainda Abril. De um Sonho de Liberdade à Instalação da
Impunidade
Um Paraíso Claro e Triste
Para Acabar de Vez com um “Portugal de Pequenitos”
3.
3.1.
3.2.
4.
4.1.
4.2.
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175
12. 10 SUMÁRIO
Da Universidade de Sokal à Universidade da Ciência Como
Aventura do Pensamento
Do Frágil e do Pap’Açorda ao Balcão do Compete
O Patrulhamento de Género nas Ciências Sociais
A Fundação Para a Ciência e a Tecnologia É Irreformável?
Tudo como Dantes, Quartel-General em Abrantes
Pensar o Humano sem História, sem Memória e sem
Pensamento
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A Universidade e o Coronavírus
Manifesto em Defesa do Conhecimento. Os Encontros
Ciência da Fundação Para a Ciência e a Tecnologia
BIBLIOGRAFIA
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270
274
277
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285
288
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294
297
19. 17
PENSAR PORTUGAL - A MODERNIDADE DE UM PAÍS ANTIGO
É, sobretudo, nos três últimos capítulos que as crónicas são, muitas ve-
zes, mais do que meros ensaios de ciências sociais e humanas, chegando
a erguer-se, em clamor, contra a desvitalização da ideia de democracia, e
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FL¬QFLDVVRFLDLVDRFRQˉJXUDUHPHVPRFRQJHPLQDUXPDFL¬QFLDVHPKLV-
tória, sem memória, sem consciência e sem pensamento.
31. 29
1.2.
Crónicas
Salvar o Quotidiano em Braga — Cenas e Vistas d’A Brasileira
Realizou-se,em Braga,a 23 de setembro de 2020,a apresentação de Cenas e
Vistas d’A Brasileira. O livro constitui um estudo memorial, de cenas e vistas
sobre A Brasileira, que é um dos cafés mais emblemáticos da cidade. Criado
em 1907, é-lhe atribuído, hoje, valor patrimonial.
34. 32
Pode dizer-se que Cenas e Vistas d’A Brasileira (Pires et al., 2020) cumpre
a promessa de salvar o quotidiano, “escrevendo bem o medíocre”, ou seja,
escrevendo “nada menos do que o real” (Bourdieu, 1992/1996), cumprindo
deste modo o sonho que Flaubert tinha para a escrita. A “palavra quoti-
diana” é a palavra onde arriscamos a pele e que, por via disso, se opõe ao
reino bem contemporâneo da excitação, onde tudo se exibe, e nada se vive,
o que não passa de um sono da razão, ou de uma congelação dissimulada
do mundo. Estamos hoje, de facto, totalmente familiarizados com um mun-
do, onde já não há acontecimentos, mas apenas notícias, com a gigantesca
máquina da tecnologia informativa a produzir, não o novo, mas a sua fan-
tasmagoria, não o novo, mas a novidade.
Cenas e Vistas d’A Brasileira (Pires et al., 2020) dá-nos a conhecer, no quo-
tidiano de um café, ao longo de todo o século XX e primeiras décadas do
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atmosfera social, sendo a atmosfera uma rede de forças materiais e espiri-
tuais. Ordenando e dando sentido às forças anónimas e dispersas da nossa
época, Cenas e Vistas d’A Brasileira é uma realização exímia da atmosfera
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criando antes a sua expressão. Este livro atinge, sem dúvida, a realidade
histórica, encerrando em si a garantia da sobrevivência da nossa época, o
que também quer dizer, a garantia da nossa sobrevivência.
1.2. CRÓNICAS
35. 33
PENSAR PORTUGAL - A MODERNIDADE DE UM PAÍS ANTIGO
As Pessoas com Valor Acrescentado
Em outubro de 2019, realizou-se na Casa das Artes em Famalicão a con-
ferência “As pessoas como valor acrescentado”, no âmbito do II Ciclo de
Conferências do Fórum Económico de Famalicão Made in, uma iniciativa da
câmara municipal de Famalicão, juntamente com o Jornal de Notícias.
Na abertura da conferência, o Ministro de Estado, da Economia e da Tran-
sição Digital, Pedro Siza Vieira, falou das pessoas como um “recurso crítico”
na economia e nas empresas. Mas a questão permanece: o que é que sig-
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possam ser mercadoria e produto, inscrevendo-se, por isso, como ponto de
partida e ponto de chegada de uma cadeia de valor e de negócio? A ser o
caso, este seria um entendimento bem diferente do ponto de vista proposto
pelo ministro. Mas é essa a lógica que, por exemplo, presidiu à reconversão
do Pavilhão Rosa Mota, no Porto, pelo Pavilhão Super Bock Arena.
E vejamos, também, o caso da encomenda feita, há anos, por Ana Paula
Laborinho, então presidente do Instituto Camões, ao Instituto Superior
de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE–IUL), que é um instituto universitário de ciências sociais. Tratou-se
de um estudo sobre a língua portuguesa. Falada por mais de 300.000.000
de pessoas,a língua portuguesa foi então analisada em termos económicos,
sendo estimado o seu valor em percentagem do produto interno bruto (PIB)
nacional. Falou-se então de 17%. O estudo, coordenado por Luís Reto, reitor
do ISCTE–IUL, foi publicado em 2012, com o título O Potencial Económico
da Língua Portuguesa.
A questão debatida em Famalicão, que é o terceiro município mais expor-
tador do país, foi apresentada como o “combate do século”, a ser travado
“entre máquinas e homens”. E estiveram à volta da mesa de debate, Car-
los Silva, Secretário-Geral da União Geral de Trabalhadores; Gregório Novo,
Vice-Presidente da Confederação Empresarial de Portugal; Carlos Vieira de
Castro, Administrador da Vieira de Castro; Tiago Freitas, Administrador da
Porminho; e eu próprio.
Ora, sabemos que até tempos recentes as máquinas estendiam o braço hu-
mano, acrescentando-lhe capacidade e potência. Mas na nossa época as
máquinas estão a perder a sua matriz antropológica e instrumental para
investirem o próprio homem. O que as máquinas já fazem, hoje, é o nosso
braço e aspiram até a fazer-nos por inteiro.
52. 50
tudo pensa
A montanha pensa com árvores, rios, lobos e pássaros
A abelha que constrói a colmeia
Também pensa
E a aranha que tece a sua teia
Pensa também.
Os humanos pensam o pensar da montanha
da abelha e da aranha.
Sem dúvida, estamos “todos ocupados em viver”. E porque “tudo segue o
seu curso, Sem que ninguém o conheça”,“agora o pensar é clandestino, um
complot sem santo ou senha”.
Escrevemos com o corpo.E pensamos com as mãos.“Há quem faça imagens,
calcule conceitos, sonhe com emoções, tudo abstrações… subtrações, ape-
nas o pensamento acrescenta e junta”.
O Professor António Coutinho (Nóbrega Caldas, 2018) entende, no en-
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de paralítico do Evangelho, pode ver, mas não anda. Em conclusão, António
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Conclui, por sua vez, Bragança de Miranda (2020), em a “Canção dos Inte-
lectuais”,
nada no pensar é garantido, o cálculo é o trabalho do número, pre-
visão o efeito do medo, sussurro por trás dos muros, saber acolher
o acaso… a falha,“todo o pensamento emite um lance de dados”, E
o real é o dado sempre a rolar.
1.2. CRÓNICAS