Qual o sentido da vida? De Isaac Asimov a António Damásio
1. Isaac Asimov (02 (?)/01 (?)/1920 - 06/04/1992), nascido na hoje Bielorússia e
naturalizado estadunidense, foi considerado um dos homens mais cultos do
século XX. Sua formação acadêmica foi a de bioquímico, mas se notabilizou por
escrever ficção-científica e livros de divulgação científica em todas as áreas, ou
seja, da matemática, da física, química e biologia, com grandes desdobramentos
para a astronomia, astrofísica e a astronáutica. Escreveu 463 livros em 72 anos
de vida mostrando o enorme potencial que possuía.
É dele o livro "Eu, Robô" (1950) (1), que em 2004 teve a versão no cinema
estrelado por Will Smith, e, além de toda a sua fantástica contribuição para que a
ciência caísse nas mãos do público, é dele também "O Livro dos Fatos", uma
compilação de 3.000 estranhos, inacreditáveis e fascinantes fatos da história, de
pessoas e do conhecimento geral humano.
Em 1981 escreveu "Asimov Explica" (2), um livro de perguntas e respostas, que
seus leitores enviavam para a coluna "Asimov Explain", da revista americana
"Science Digest", onde ele reuniu uma centena delas que achava das mais
importantes. Deixou de propósito para ser a última, simplesmente a mais
intrigante de todas, que chega a nos perturbar: "Qual a finalidade do
envelhecimento?". Ou seja, por que morremos? Mesmo se você não falecer
antes do envelhecimento, um dia ele fará com que o seu corpo e a sua mente não
funcionem de maneira eficiente... Terá isto sentido para nós?
A resposta dele tem a ver com o fato de que devemos, através da nossa
reprodução, deixar para as novas gerações, mais adaptadas aos novos meios
ambientes (3) ou com maior potencial a se adaptarem, a tarefa de continuar com
a espécie. E, por mais que este argumento seja difícil a qualquer pessoa de
aceitá-lo, Asimov termina a pergunta e, portanto, o livro, com a bombástica
frase: "Sinto muito!". O coletivo na frente do individual...
Mas, se possuímos amor-próprio e consciência, é natural a vontade de viver, de
sermos felizes, termos conforto, viver bem, etc., e, então, como poderia o
coletivo estar à frente da nossa preciosa individualidade? Vivemos as nossas
vidas buscando objetivos, realizações e o bem-estar. A grande maioria das
pessoas querem filhos, mas não suportariam a ideia de morrerem depois de tê-
los e criados. Querem continuar a viver.
Isto resulta em um grande problema existencialista para nós humanos. Sabemos
do fim, mas não o queremos, e, sem querer entrar mais a fundo no assunto,
perguntando quem gostaria de viver para sempre, vamos analisar o que o
neurocientista António Damásio diz em seu livro "E o Cérebro Criou o
Homem", mesmo brevemente, sobre o bem-estar.
2. Embora seja um livro que trata da relação entre a mente e a consciência, da
consciência sendo uma parte e um produto da mente, e que junto a nossa
inteligência, construímos não só uma cultura, mas várias, através dos tempos,
com tudo de valores morais, justiça, ética, educação, etc., sempre tentando uma
regulação ótima em nossas sociedades, Damásio utiliza, desde o início, de um
conceito básico da teoria geral dos sistemas, a homeostase (4).
Aliás, achei muito interessante o fato dele buscar o conceito da homeostase,
presente em todos os modos de regulação, nos seres vivos e nas máquinas,
antigas e modernas, porque fora praticamente esquecida pelos cientistas em
muitas áreas. Como ele mesmo diz: "Lamentavelmente, embora os fundamentos
da regulação da vida (o processodahomeostase) já sejam conhecidos há mais de
um século e aplicados no cotidiano da biologia geral e da medicina, sua
importância mais profunda para a neurobiologia e a psicologia ainda não foi
apreciada como devido" (5).
Aí ele vem com o conceito de "valor biológico", algo realmente essencial na
gestão da vida como um todo. Nas palavras dele: "A meu ver, o que todo ser
vivo possui de mais essencial, em qualquer momento, é o equilibrado conjunto
de substâncias químicas corporais compatíveis com uma vida sadia. Ele se
aplica igualmente a uma ameba e a um ser humano, e tudo o mais decorre dele.
Sua importância é imensurável. [...] A noção de valor biológico é onipresente no
pensamento moderno sobre o cérebro e a mente" (6).
Em nossos corpos é fácil identificar o valor biológico se fazendo presente nos
tão comentados carboidratos, proteínas, vitaminas e sais minerais. Bastam por
volta de 80 mg de vitamina C para um adulto não ter o seu sistema imunológico
afetado. Divida um grama por mil e pegue só 80 partes. É o suficiente! E se digo
"corpos" incluo o cérebro.
Então, em um pequeno trecho do livro do Damásio, em somente um, menos que
uma página, ele nos dá uma pista, senão o embrião de todo um argumento para
se falar no sentido da vida: "... o valor é indelevelmente ligado à necessidade, e
esta, à vida. As valorações que estabelecemos nas atividades sociais e culturais
cotidianas têm uma relação direta ou indiretamente com a homeostase [...] O
valor relaciona-se direta ou indiretamente à sobrevivência. No caso particular
dos humanos, o valor também se relaciona à qualidade da sobrevivência na
forma de bem-estar. A noção de sobrevivência - e, por extensão, a de valor
biológico - pode ser aplicada a diversas entidades biológicas, de moléculas e
genes a organismos inteiros" (7).
Sobrevivência, mas também bem-estar... Qualidade da sobrevivência.
3. E voltamos à consciência: será que nós humanos queremos apenas as condições
fundamentais da vida? Comer, dormir e fazer sexo só para a reprodução?Devido
a nossa consciência procuramos prazer e satisfação em comer não só para
sobrevivermos, fazer sexo, que é o maior prazer da vida, não só para a
reprodução, e, mais: buscamos lazer, contato social, diversão, conforto,
entretenimento, objetivos, realizações, etc.
Veja o poder da consciência: "(eu) vou procurar sexo hoje". "(eu) quero fazer
sexo hoje porqueé o maior prazer para mim (=eu)". E assim com tudo o que nos
faz bem, para o nosso bem-estar. Isto é viver!
E podemos também voltar aos caçadores-coletores de dezenas de milhares de
anos atrás. Qual não fora a alegria e satisfação de grupos de homens, mulheres e
crianças, ao acharem uma caverna para fugirem do frio e de tempestades? E se
poderia aqui dar muitos exemplos. Um dia começaram a utilizar o fogo, peles
como roupas, armas para a caça, construir casas, cidades, etc., ou seja, as
civilizações.
Podemos dizer que a diferença entre eles e nós é o fato de que mudaram os
meios, acrescentaram-se meios, evoluíram, mas continuamos a procurar o bem-
estar com tudo de satisfatório nele contido.
A intenção do livro "E o Cérebro Criou o Homem", como eu já disse, não é a de
explicar o sentido da vida, mas, de poucas páginas no início, eu fiz uma espécie
de adaptação para estas ideias aqui que é a procura incessante do ser humano em
encontrar a felicidade.
O "Sinto muito!" do Isaac Asimov foi ampliado.
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Notas:
1 - Apenas como curiosidade, foi neste livro ele formulou as três leis da
robótica, onde os robôs teriam que se submeterem aos humanos:
1ª: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser
humano sofra algum mal.
2ª: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos,
exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
4. 3ª: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não
entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.
2 - ASIMOV, Isaac. Asimov Explica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981a.
3 - Claro que devemos pensar aqui sobre os meios ambientes sociais, onde a
evolução também age, porque grande parte da população mundial vive
atualmente em cidades, longe dos ambientes selvagens dos antigos caçadores-
coletores.
4 - A homeostase é qualquer propriedade dos sistemas, vivos ou não, sociais ou
não, que regula variáveis internas para que ele não saia de uma faixa ótima de
funcionamento. Um dos maiores exemplos que temos é a nossa temperatura
interna, sempre na faixa de aproximadamente 36,6ºC devido ao metabolismo.
Outra é a regulação da quantidade de açúcar no sangue feito pela produção
ótima de insulina pelo pâncreas.
Bibliografia:
5 - DAMÁSIO, António R. E o Cérebro Criou o Homem. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 62.
6 - DAMÁSIO, António R. E o Cérebro Criou o Homem. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 65-66.
7 - DAMÁSIO, António R. E o Cérebro Criou o Homem. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. p. 68.