1. Argumento Outubro/Novembro 200340 ArgumentoOutubro/Novembro 2003 41
N
a década de 1960, quem salvou a
Estudantina Musical da falência fo-
ram os freqüentadores do Zicartola,
como confessavam os próprios do-
nos da gafieira. O fato é que, por
uma razão ou por outra, os dançarinos
e dançarinas desapareceram da casa,
talvez preferindo a coirmã mais anti-
ga, a Elite, por sinal a responsável pe-
la criação de gafieira, a palavra que, a
partir de 1930 (ano de fundação da
Elite), passou a identificar as casas
populares de dança.
O Zicartola surgiu em fins de 1963, por iniciativa de um gru-
po de jovens empresários que, quase todas as noites, estavam na
casa de Cartola e Zica para ouvir os sambas dele e saborear os
quitutes dela (o casal morava na sede da Associação das Escolas
de Samba, num sobrado da rua dos Andradas, no Centro do Rio
de Janeiro). Na verdade, com o Zicartola, os financiadores pre-
tendiam apenas ter um lugar onde a cerveja não faltasse nunca,
portanto, sem as dificuldades enfrentadas na rua dos Andradas,
onde, depois das sete horas da noite, não havia um só botequim
aberto. Acabaram por inventar a primeira casa de samba do
Brasil, uma casa que devolveria a antiga projeção a vários com-
positores veteranos e projetaria outras tantos novatos, entre os
quais Paulinho da Viola e Élton Medeiros, sendo que este, em-
bora compondo sambas havia alguns anos, ainda não era um
nome conhecido.
Um público de 120 pessoas
bastava para superlotar o
Zicartola, instalado num velho
sobrado da rua da Carioca, mas
a procura era muitas vezes su-
perior à sua capacidade. Às
quartas-feiras, centenas de pes-
soas faziam fila na porta da ca-
sa na esperança de um lugar. É que na quarta-feira promovia-se
a “noite da homenagem”, em que o Zicartola recebia alguns dos
maiores nomes da música popular brasileira. Nomes como os
de Dorival Caymmi, Antonio Carlos Jobim, Ataulfo Alves,
Eliseth Cardoso, Ciro Monteiro e muitos outros apresentaram-
se lá... No final do show, recebiam o diploma da “Ordem da
Cartola Dourada”, uma invenção de Hermínio Belo de
Carvalho para compensar a falta do pagamento de cachê, o que,
aliás, seria impossível pagar, pois, apesar do sucesso, a casa
nunca deu lucro. Como o Zicartola ficava na rua da Carioca,
nas proximidades do cinema Iris, quem não conseguia entrar ia
para a gafieira Estudantina, que, na época, funcionava em ple-
na Praça Tiradentes. Não deixava de
ser um solução para quem desejava
ouvir uma boa música, levando ainda
a vantagem de poder dançar, o que
não acontecia no Zicartola, onde as
pessoas se divertiam ouvindo sambas
e cantando com os sambistas. Surgiu
assim uma parceria espontânea e in-
formal entre a casa de samba e a ga-
fieira. Como o Zicartola encerrava as
suas atividades em torno de uma hora
da madrugada, a esticada à Estudan-
tina passou a ser quase um programa
obrigatório para a sua clientela.
Freqüentavam a gafieira não somente o público do Zicartola
como os seus sambistas, inclusive as principais atrações da ca-
sa, os compositores Zé Kéti, Nélson Cavaquinho, Ismael Silva
e o próprio Cartola (Paulinho da Viola também freqüentava,
mas não chegava a ser uma atração. Era o violonista que acom-
panhava os compositores e somente em 1964 passou a ser cha-
mado de Paulinho da Viola. Até então, era o Paulo César do vio-
lão e raramente ocupava o microfone principal para cantar os
seus sambas).
Com um espaço bem maior do que a da casa de samba, a
Estudantina Musical passou a ser também o lugar preferido pa-
ra as comemorações envolvendo as pessoas vinculadas ao
Zicartola. As belas fotos de Cartola, Ismael Silva e Nélson
Cavaquinho, de autoria de
Pedro de Moraes, focalizam um
desses eventos, provavelmente a
festa em homenagem a Nara
Leão, realizada no dia 28 de ou-
tubro de 1964 na Estudantina.
Quem homenageava Nara eram
os próprios sambistas pelo ex-
traordinário sucesso obtido com
os sambas da autoria deles gravados por ela nos seus dois pri-
meiros discos. Entre os que compareceram à festa estavam o vi-
ce-governador Rafael de Almeida Magalhães, o humorista
Millôr Fernandes, o craque Nílton Santos e o cronista Rubem
Braga. Voltando às fotos, também podem ter sido feitas em se-
tembro de 1965, durante a festa promovida por Albino Pinheiro
para comemorar o seu aniversário. Albino, que, no carnaval da-
quele ano, havia comandado o primeiro desfile da Banda de
Ipanema, foi um grande incentivador do casamento do
Zicartola com a Estudantina Musical, onde chegava invariavel-
mente acompanhado pelas suas belíssimas mulatas. Foram mui-
tos os eventos que promoveu na gafieira.
C R Ô N I C A D A F O T O
Estudantina e Zicartola
SÉRGIO CABRAL
CRÔNICA DA FOTO
O Zicartola durou menos de três anos. Faltou, sem dúvida,
um especialista na administração desse tipo de estabelecimento
comercial. Éramos (estou falando de toda a equipe que traba-
lhou lá) todos amadores. Mas, além dos nomes que consagrou,
gerou pelos menos dois frutos que entraram definitivamente na
história do teatro musical brasileiro, os espetáculos Opinião e
Rosa de Ouro. Quanto à Estudantina, agora instalada na rua
Visconde do Rio Branco, continua felizmente alegrando as noi-
tes da Praça Tiradentes.
Entre os que compareceram à festa
estavam o vice-governador Rafael de
Almeida Magalhães, o humorista Millôr
Fernandes, o craque Nílton Santos e o
cronista Rubem Braga.
Nesta foto, Ismael Silva e
Nélson Cavaquinho ensaiam no
camarim da Estudantina Musical.
Abaixo, Ismael Silva e Cartola durante
a apresentação. Hermínio Bello de
Carvalho aparece no canto direito.
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FotosdePedrodeMoraes