1. | 30 | Economia > ZERO HORA > TERÇA | 26 | FEVEREIRO | 2008
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ALEXANDRE DE SANTI e ISABEL MARCHEZAN
De cada 10 micro e pequenos empresários brasileiros, apenas três de reportagens A Aventura de Empreender, ZH mostra como as cinco
têm curso superior, segundo dados do Sebrae. Ainda assim, todos eles microempresas – Apassionata, Boa Forma, Boteco Fiel, Dice e NewLine
encaram os desafios do mundo empresarial – e muitos prosperam – acompanhadas ao longo do último ano driblaram os problemas
apesar da falta de estudos especializados. No terceiro dia da série gerenciais, um caminho recheado de improvisos, na maioria das vezes.
O desafio diário da gestão
DANIEL MARENCO
té fevereiro de 2007, o universo – Com os professores, eu brinco um terço do
de Jefferson Dell’Osbel era feito que eu brincava antigamente. E tudo funciona
apenas de halteres, supinos e muito melhor – garante.
esteiras. Depois que o personal Acertar o passo da gestão é difícil no início.
trainer de 26 anos comprou a A falta de um foco foi o principal problema da
academia Boa Forma, incluiu NewLine em seu primeiro ano. Cleber Sarmen-
no repertório noções de fluxo to de Oliveira, dono do empreendimento, levou
de caixa. Pregado na parede, um grampo se- seis meses para definir sua atividade principal.
gura as contas do mês. Jefferson organiza os Só quando surgiu uma oportunidade irrecusável
pagamentos em ordem cronológica. Sempre de atuar como revendedor da Embratel é que ele
que chega à academia, confere se há contas demarcou em que atuaria: oferecer pacotes de
vencendo naquele dia. linhas telefônicas e acesso à internet para empre-
No meio do ano passado, Jefferson deparou sas de pequeno e médio portes.
com desafios no campo dos recursos humanos,
uma disciplina que o personal trainer só conhe- No começo, instinto e improviso
cia sob outra perspectiva: a de funcionário. O são comuns a microempresários
dono da Boa Forma faz parte do grupo de em-
preendedores brasileiros que não têm curso su- Até então, a empresa havia tentado se cadas-
perior em administração ou especialização em trar como agente da Brasil Telecom, e, mais tar-
gestão. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio de, do Terra. Nenhuma das operações deu certo.
às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), apenas Nesse período, de fevereiro a agosto, o empresá-
30% dos empresários têm o terceiro grau, o que rio ainda dividia seu tempo entre os clientes de
também não é garantia de aprendizado nos consultoria comercial, montando e treinando
negócios, pois muitos cursos não ensinam equipes de vendas, e a prospecção de novos.
ferramentas de gestão. Por isso, muitos em- Ao comprar uma academia, Primeiro cliente da NewLine, Antônio Quinte-
preendedores começam a perceber as difi- ros logo percebeu que faltava foco ao novo em-
culdades da administração somente quando Jefferson descobriu a dura preendedor. Dono de uma empresa de softwares,
já estão à frente de suas empresas. Contam realidade de ser patrão. a ADVN, Quinteros contratou a NewLine para a
apenas com o instinto, ou, no caso do per- implantação de um call center. Com 14 anos de
sonal trainer, com os conselhos da família. A maioria dos pequenos experiência, viu em Cleber potencial, mas tam-
O pai, Jurandyr, e cinco tios têm negócios no empresários precisa resolver bém um erro comum a novos empresários: o
centro de Alvorada. ímpeto de ganhar mercado.
Um dia, Jefferson cruzava a academia e os problemas por si mesmos > O empresário precisa arranjar tempo para fa- – Isso é muito comum, a pessoa pegar mais
ouviu uma esteira ranger. Duas vezes por zer cursos e pensar o negócio no longo prazo. clientes do que pode atender. A correria pela sub-
semana, é preciso lubrificar os aparelhos. sistência pode atrapalhar – afirma Quinteros.
Quando a academia ainda estava sob a adminis- se tornando funcionários insatisfeitos, e, para o > A contratação de um profissional para cuidar – Talvez eu tenha tentado atender empresas
tração anterior, até fevereiro de 2007, quem fazia novo patrão, manter a equipe era prioridade. Ele da gestão financeira, por exemplo, pode ser enca- demais – admite Cleber.
o serviço eram os professores. A academia vivia sabe que os clientes se afeiçoam aos professores. rada como um investimento se o empresário usar o Usar o instinto – e improviso – como guia das
uma espécie de regime de exceção. Para preser- Perdê-los implicaria o sumiço de alunos. tempo livre para se concentrar na área de vendas. decisões é uma característica comum a todos os
var o negócio (e os empregos), os 12 professo- – O olhar que o empregado tem sobre o em- micro e pequenos empresários nos primeiros
res formavam uma equipe dedicada apesar das preendimento é diferente do olhar do empreen- > O empreendedor deve procurar empresas do anos de negócio, diz Afonso Cozzi, coordenador
condições da Boa Forma, atingida por uma obra dedor. O empregado não construiu aquilo, não mesmo ramo e trocar idéias. Muitas vezes, o con- do núcleo de empreendedorismo da Fundação
interminável e atraso de salários. tem a mesma história, a mesma dedicação à em- corrente é visto como um inimigo, mas também Dom Cabral. Superada a fase inicial, período que
– Pensei que fosse barbada, que estava com- presa – ensina Carmem Grisci, psicóloga e pro- pode ser uma fonte de dicas e experiências sobre dura de três a cinco anos, o empreendedor preci-
prando o meu braço direito, o esquerdo, as fessora da Escola de Administração da Universi- o mercado. O Sebrae tem comitês setoriais que sa buscar ajuda especializada para administrar o
pernas, tudo. A equipe era boa, dava o sangue. dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). reúnem empresas de um mesmo segmento.
crescimento natural do negócio, avalia.
A gente já tinha limpado chão, privada. Depois, De acordo com Carmem, essa divisão fica – Senão, eles ficam num círculo vicioso. Como
foi a pior coisa – conta. mais evidente em pequenas empresas, onde o não se especializam, não crescem. Como não cres-
> É importante ter foco. Como o microempreende-
Entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, dono do negócio tem mais proximidade com cem, não têm dinheiro para contratar alguém para
Jefferson passou de professor mais novo para os funcionários se comparado com uma grande dor, em geral, está sozinho na gestão da empresa, dividir as funções.Sem um gestor para ajudar,ficam
chefe dos antigos colegas. E a mudança não foi empresa. Foi esse o conflito que Jefferson come- precisa racionalizar o tempo de trabalho. É impos- sem tempo para se especializar. Eles só adminis-
assimilada por alguns deles – na transição, oito çou a remendar. Alguns professores debanda- sível abraçar todas as oportunidades que surgem. tram o curto prazo – argumenta Francisco Barone,
instrutores da antiga administração foram ab- ram. O funcionário do caso da esteira pediu um coordenador do Programa de Estudos Avançados
sorvidos. Quando ele cruzou com a esteira mal aumento, mas a política salarial de Jefferson era > Quando a empresa é tocada por sócios, uma em Pequenos Negócios, Empreendedorismo e Mi-
lubrificada, pediu para o professor do turno: de igualdade no custo da hora-aula paga aos saída é dividir tarefas e confiar nas habilidades de crofinanças da Fundação Getulio Vargas.
– Tu podes passar uma graxa na esteira? professores. Se atendesse ao pedido, criaria uma cada um. Na página seguinte, confira situações em
E como resposta, recebeu, segundo Jefferson: casta mais alta de funcionários, o que ia contra a que os donos da Boa Forma e da NewLine e
– Não. Esse não é o meu trabalho. Pede para idéia de união que buscava na equipe. das três outras microempresas – Apassionata,
Fontes: Afonso Cozzi, coordenador do núcleo de empreendedorismo
o faxineiro. O funcionário foi demitido e, agora, somen- Boteco Fiel e Dice Informática – lidaram com a
da Fundação Dom Cabral, João Fernando Moreira Junior, supervisor
Naquele momento, Jefferson se deu conta de te um dos oito professores da antiga adminis- administração de seus negócios.
do Sebrae/Região Metropolitana, e Francisco Barone, coordenador do
que o regime de exceção da academia havia ex- tração segue na Boa Forma. A perda da equipe
programa de estudos avançados em pequenos negócios, empreendedo-
pirado quando assinara o contrato de compra da inicial fez Jefferson estabelecer um limite mais ➧ alexandre.santi@zerohora.com.br
rismo e microfinanças da Fundação Getulio Vargas ➧ isabel.marchezan@zerohora.com.br
Boa Forma. Os antigos companheiros estavam claro entre o colega e o patrão.
2. Data Publicação : 26/02/2008
Título : A aventura de empreender (3)
Assunto :
A aventura de empreender (3) (série), Empresa, Faturamento, Empreendedor, Empreendimento.
Negócio Próprio