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A agulha e a linha
Adaptação de Pedro Bandeira do conto“Um apólogo”, de Machado de Assis
Era uma vez, dentro da caixinha da costureira de uma baronesa, uma agulha que
disse à linha de um novelo:
– Por que você está com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que
vale alguma coisa neste mundo?
– Deixe-me, senhora.
– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insupor-
tável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabe-
ça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua
vida e deixe a dos outros.
– Puxa, como você é orgulhosa!
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Por que costuro. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que
os costura, senão eu?
– Você? Essa agora é melhor. Você que os costura? Você ignora que quem os cos-
tura sou eu, e muito eu?
– Você fura o pano, nada mais. Eu é que costuro, prendo um pedaço ao outro, dou
feição aos babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando você, que
vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você, imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante.
Vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo,
ajunto...
Estavam nisso, quando a costureira da baronesa pegou o pano, pegou a agulha,
pegou a linha, enfiou a linha na agulha e entrou a costurar. Entre os dedos da costureira,
www.bibliotecapedrobandeira.com.br
uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas. E
dizia a agulha:
– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que essa
distinta costureira só se importa comigo? Eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha
a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia nada. Ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo en-
chido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz e não está para ouvir palavras
loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também e foi andando. E
era tudo silêncio na saleta de costura. Não se ouvia mais que o plic-plic-plic da agulha no
pano. Caindo o sol, a costureira terminou o trabalho.
Veio a noite e, enquanto a baronesa vestia-se para o baile, a linha, para caçoar da
agulha, perguntou-lhe:
– Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo par-
te do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto
você volta para a caixinha da costureira? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada. Mas um alfinete, de cabeça grande e não
menor experiência, murmurou à pobre agulha:
– Ande, aprende, tola. Cansaste de abrir caminho para ela e ela é que vai gozar a
vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para
ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei essa história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a ca-
beça:
– Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

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